LECTIO DIVINA DA 24ª SEMANA DO TEMPO COMUM ANO 2019

DOMINGO, 15 DE SETEMBRO DE 2019 – 24º DOMINGO DO TEMPO COMUM

NOSSA SENHORA DAS DORES (LECTIO TRANSFERIDA PARA QUINTA)

Lucas 15,1-32 (As Três parábolas da misericórdia) O Evangelho apresenta três belíssimas parábolas sobre a misericórdia de Deus. Este não só é bom e perdoa ao pecador que volta a Ele, mas alguém que, arduamente busca «ao que estava perdido até que o encontra». Assim acontece na parábola da ovelha perdida e da moeda extraviada. Na terceira parábola, Deus é tambem o pai que sai ao encontro do filho. Põe os olhos além do horizonte. Escruta as vias pelas quais o filho pode encontrar o caminho de volta. Apenas lhe avista, quando ainda se confunde com o horizonte distante, sente um sobressalto de alegria. Não fica em casa esperando-lhe, mas corre ao seu encontro, abraça-lhe e beija-lhe. Ouve as palavras que o filho lhe repete, porém seu coração está em outra parte. Ordena que lhe vistam com o melhor traje e faz preparar uma grande festa para celebrar o regresso. Surpreende que o Evangelho, que antes havia descrito, com grande riqueza, a partida do filho para um país distante, não mencione, agora, o estado de ânimo do filho. Sem dúvida, Lucas quer fazer-nos compreender algo: o amor terno de um pai para com um filho está agora sobre o filho, envolve-lhe por completo e este se encontra, literalmente, submergido no ambiente festivo de alegria, de música e de dança (cf v.25). Tudo é a imagem do transbordamento de sua imensa alegria de pai. Maravilha-nos, verdadeiramente, esta busca do homem perdido por parte de Deus, através de caminhos e trilhas escarpadas. Também nos surpreende que Deus não encontre paz enquanto não tenha encontrado ao que havia se perdido. Porém, precisamente, assim, é esse nosso Deus, absolutamente diferente, cheio de um amor que nunca merecemos, onde desaparece todo tipo de cálculo em sua condescendência sem limites. Este amor chega ao coração do filho «perdido» e «encontrado».

 

 

Ex 32,7-11.13-14 (Iahweh adverte Moisés; Oração de Moisés) Esta passagem do Êxodo parece, à primeira vista, que quer descrever-nos a cólera de Deus contra Israel após que este violou a aliança adorando do bezerro de ouro. “Vejo que esse povo é um povo obcecado. Deixa-me; vou desafogar meu furor contra eles e os aniquilarei” (Ex 32,9ss). Parece que Moisés conseguiu fazer Deus mudar de opinião. Mas, lido com maior profundidade, não é assim. Moisés está no monte, sozinho, diante de Deus. Tem permanecido fiel a aliança de Deus com seu povo. Moisés sente toda a confiança e o amor de Deus, porém, sente, também, tudo o que lhe une ao povo de Israel. Não aceita que Deus queira lhe eleger e, ao contrário, decretar a destruição de Israel. Parte, então, desta ira de Deus, amplamente justificada, por causa do pecado de seu povo, para apelar à intenção mais profunda e mais divina de Deus: a sua fidelidade aos pais e, por isso, também ao povo. Moisés apela à fidelidade de Deus; a sua promessa de amor. Deus e o homem estão frente a frente. Nunca tem se mostrado, Deus, tão condescendente com o homem. Moisés consegue fazer fluir o mais divino que há em Deus: o coração de Deus, que não cessa de bater de amor, inclusive frente à miséria de seu povo. Tem razão, de fato, São Paulo: «Se, nós somos infiéis, Deus permanece fiel, porque não pode renegar de si mesmo» (2 Tm 2,13).

 

1 Tm 1,12-17 (Paulo e sua vocação) Também este texto fala da misericórdia de Deus. A misericórdia é o ros­to mais expressivo e original de Deus, o traço que melhor o caracteriza. Paulo tenta, além do mais, ocultar sua personalidade, para que possa manifestar-se, nele, com maior claridade, o dom da misericórdia divina. Não quer reter nada para si que não remeta, unicamente, à condescen­dência, sem limites, do amor de Deus ao homem. Deseja apre­sentar-se só como um puro produto da misericórdia divina. Diz duas vezes que tem encontrado misericórdia, e isso “de um modo que eu servisse de exemplo aos que haviam de crer nele» (v.16). E, para pôr, ainda mais, de relevo, a misericórdia de Deus, Paulo se põe no último lugar, entre os pecadores. Considera-se, a si próprio, «o primeiro» (v.15) dos pecadores, a fim de que possa aparecer, nele, a expressão mais clara da misericórdia infinita de Deus. São Paulo se sente colhido por Deus; despido, nu, livre para ser mergulhado, até o fundo, no oceano do amor misericordioso de Deus. Quanto mais Paulo se submete à ação de Deus, tanto mais aconchegado, a si, Este o mantém apertado a si, e não o solta antes de tê-lo transformado, deificado. Não lhe solta até que não tenha convertido, ele mesmo, em misericórdia.

 

Sl 50/51 (Miserere) Este Salmo é um capítulo do livro de nossa história. Todos nós, assim como aconteceu com Davi, passamos por três fases distintas em nossa vida, dominados por sentimentos contrários: bondade, pecado e conversão. A história de Davi é belíssima: quando jovem era puro e bom. Deus, então, pousou sobre ele o seu olhar, escolhendo-o como rei e profeta. Mas o pecado e o poder o depravaram e ele, seduzido pelo amor de Betsabeia, manda matar Urias, o hitita, para roubar-lhe a mulher. Deus suscitou o profeta Natã para abrir os olhos de Davi, mostrando o pecado que cometera. Arrependido, se converte e escreve esse belo Salmo, cheio de emoção, esperança e confiança (…). Este Salmo deve ser lido muitas vezes e considerado como um projeto de vida para todos nós. Ele ajudará a abrir nosso coração à conversão, conscientizando-nos de nosso pecado, não por intermédio do desespero ou medo, mas pela confiança que nosso Deus é misericordioso. Em nosso coração, teremos a certeza que Ele não quer sacrifícios inúteis, vazios, mas aqueles cheios de amor. Quando os laços do pecado nos agridem e tentam nos afastar da misericórdia do Senhor, devemos meditar este Salmo. Assim, venceremos o medo e nos lançaremos na misericórdia. Por que temer o amor de Deus? Por que temer confessar nosso pecado? Por que a vergonha dos erros cometidos, se não se volta atrás? A pedagogia do pecado é que nos ensina a pecar mais.

Senhor, confesso e reconheço que sou pecador. Minha natureza é maldosa e pecaminosa, por isso necessito de tua graça e teu amor para superar o mal que está em mim. Sinto na minha carne as mesmas tentações que Davi sentia e que nem sempre resistiu. A tentação de querer ser maior, de buscar o poder como forma de autoafirmação e fazer do poder meio nem sempre lícito para dominar os outros. O poder me corrompe e me permite acreditar que tenho regalias e que é lícito fazer o que quero. A tentação da carne, da sensualidade e da sexualidade, nem sempre orientada, é forte e não é canalizada para fazer o bem, mas sim instrumento de prazer e de condescendência aos instintos que tentam dominar e me levar para longe do projeto de amor. A tentação me faz querer tudo: coisas e pessoas. No entanto, Senhor, percebo que dentro de mim há algo de bom, um desejo de infinito, uma luta para vencer o mal e a vontade para fazer o bem. Quero entrar no meu coração para escutar tua Palavra, para me colocar aos teus pés na atitude de discípulo. Envia-me profetas corajosos como Natã, que me mostre meu pecado para que eu possa me converter. Todos necessitamos de conversão, do mais santo ao mais pecador, do grande ao menor. Senhor, é o que te peço, não afasta de mim meu pecado para que, tendo-o na minha frente, evite outros pecados. E faz que ensine, com minha experiência e quedas, o caminho certo, e que outros não cometam os mesmos erros meus. Amém.

 

 

MEDITATIO: O texto do Evangelho celebra também, através das palavras e das atitudes de Jesus, a misericór­dia infinita do Pai. Assim é que Lucas introduz e dá destaque às três belíssimas parábolas de Jesus sobre a misericórdia. Trata-se de uma imagem surpreendente que fascina: Todos os publicanos e pecadores se aproximavam de Jesus para ouvir-lhe. Os fariseus e os mes­tres da Lei murmuravam: “Este anda com pecadores e come com eles” (15,1ss). Como é patente, não conhecem o amor de Deus, não têm ideia da superabundância de seu amor que recebe, na Escritura, o nome de “misericórdia”. Revela-se, sobretudo, aos que rejeitam à Deus, como a ovelha perdida ou o filho que o abandona e vai para longe. Deus teria todo o direito de irar-se e castigar, mas este sentimento nem sequer lhe ronda. Deus deixa fa­zer, não intervém e ainda corre ao encontro do filho e o cobre de beijos (15,20). Deus não quer saber nada de nossas desculpas; só quer manifestar sua alegria (vv.22-24). Deus é amor, se faz pequeno ante o homem pobre e pecador. Identifica-se a tal ponto com o homem que também se faz pobre, até compartilhar com ele a mesa e a reputação, para fazer-se semelhante a ele em tudo, até na miséria. Precisamente nisto consiste a ale­gria do amor: em despojar-se de tudo, em fazer-se pequeno e humilde para pôr tudo em comum. Assim é Jesus! «Tanto amou Deus ao mundo que lhe deu seu único Filho». O mal, o sofrimento e a morte foram absorvidos no amor de Deus. Ou seja, tudo foi assumido em seu imenso amor. Não existe declaração maior que a de Paulo aos filipenses: «Deus o exaltou; deu-lhe o nome que está sobre todo nome» (Fl 2,9), quer dizer que o Pai lhe deu o mistério da profundidade de seu amor infinito. A vida de Jesus não se explica, senão por este amor que chega até a cruz. Jesus, ao dar-se todo, oferece-nos a salvação, essa vida bem-aventurada que agora se encontra em germe, porém, um dia se consumará na alegria eterna. Não existe a menor duvida: Jesus encarna o amor de Deus que escandaliza os justos (Mt 11,19): o filho menor é abraçado e festejado em seu retorno, enquanto o maior, que esteve sempre em casa com o Pai, não tem nenhum direito a estar ciumento (Lc 15,11-32). Por ser bom, Jesus vai bus­car à única ovelha perdida e as noventa e nove devem estar contentes de que as tenha deixado sós, visto que a alegria de Deus por essa única ovelha en­contrada, é maior (Mt 18,12ss). O Evangelho nos convida a olhar esse coração que perdoa as grandes dívidas e que espera que o coração do homem se sinta inclinado a fazer o mesmo em pequeno (Mt 18,23-35).

 

 

ORATIO: Adoramos-te e glorificamos-te, Pai onipotente, rico em graça e misericórdia. Pedimos-te que nos faças conhecer, em toda sua beleza, o coração de teu Filho Jesus, esse coração que tanto amou o mundo. Concede-nos fixar os olhos nele, contemplá-lo, para compreender teu coração amantíssimo e o amor com que tens nos amado, a nós que somos pequenos e frágeis. Concede-nos compreender teu coração para compreender nosso próprio coração e o coração dos que nos foram con­fiados, sobretudo o coração dos que sofrem e dos que vivem sem esperança. Dai-nos o sentido da história, do passado, do presente e do futuro. Ensina-nos a com­preender, à luz de teu amor misericordioso, o sentido das desordens e dos sofrimentos que advertimos, cada dia, em nós e em nosso mun­do. Assim poderemos compreender o que és e queres ser para todos nós. Pedimos-te, por último, Pai, que nos faça contemplar, por meio de Jesus, este ideal, para servir melhor ao teu desígnio de salvação.

 

 

CONTEMPLATIO: O filho maior, que não recebeu nenhuma distinção particular poderia sentir-se incompreendido com a resposta do pai: «Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu». Para ele, a justiça é a máxima de to­das as virtudes; mas, sem dúvida, para o pai, «a misericórdia é a plenitude da justiça» (Tomás de Aquino), de sorte que «a misericórdia sairá sempre vitoriosa no juízo» (Tg 2,13). Se o justo tivesse podido com­preender a atitude interior do pai, teria compreendi­do que havia sido amado e preferido ao irmão, por­que pertenciam a ele, não só certas coisas do pai, mas tudo. Deus não tem necessidade de fazer milagres particulares aos que lhe são fieis; a coisa mais milagrosa de todas consiste no fato de que nós possa­mos ser seus filhos e em que não retém para Ele nada do que é seu. Os milagres se fazem nas margens, para recuperar a pessoas que estão distantes, para fazer sinais aos que se afastaram, para festejar os que retornam. Sem dúvida, a realidade cotidiana da fé não tem necessidade do milagre, porque ter parte nos bens do pai já é suficientemente maravilhoso. Ao crente não está permitido separar entre o meu e o teu, porque, aos olhos do amor paterno é uma só. Não se narra a impressão que as palavras do pai produziram no «justo». Corresponde, agora, a cada um de nós, seguir adiante para contar a história até o final (Von Balthasar).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Dai-nos, ó Pai, a alegria do perdão»

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL de modo que quando o Senhor volte seu olhar ao nosso coração nao tenha que virar-se para o outro lado, mas possa comprazer-se em nós. «Vê o rosto de teu consagrado», imploramos com o salmo 83. Que, ao mirar-nos, Deus possa, verdadeiramente, ver o rosto de seu Cristo em nós, que possa comprazer-se em nós ao encontrar em nosso rosto os traços aprazíveis e puros de seu Filho amado. O Pai nos reconhecerá, com efeito, ao final, no grande juízo, e nos dirá: «Vinde, benditos…» se pode ver em nós a imagem de seu Filho, porque nele nos criou de novo a sua imagem. O «amor ardente» que, ao dizer de São Bento, devem cultivar os monges se expressa concretamente em serem sempre os primeiros em honrar ao outro, em honrar no outro ao Senhor. Esta atitude nasce do espírito de fé. Se não se tem fé, não se chega a «honrar» ao Senhor no outro: se o pode respeitar, porém o respeito é menos que a honra. Honrar ao outro significa por-nos a nós mesmos a seus pés, por-nos ante ele admirando o que é. (A. M. Cánopi, Mansuetudine volto del moñaco, Noci).

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SEGUNDA-FEIRA, 16 DE SETEMBRO DE 2019 – 24ª SEMANA DO TEMPO COMUM

Lucas 7,1-10 (A cura do servo de um centurião) O relato da cura que Lucas nos apresenta neste texto se concentra mais na fé que obtém o milagre que no milagre mesmo. A figura do centu­rião pagão assume, assim, um valor simbólico: não há dúvida de que Lucas deseja entregar-nos um mode­lo tomado do mundo pagão. A fé do centurião se compõe de humildade e confiança: as duas atitudes o fazem, não só aberto ao dom que vai receber, mas ainda, à comunidade dos discípulos de Jesus, à qual podem pertencer pessoas de diferentes classes sociais. Há um detalhe que nos surpreende e tem grande atualidade: enquanto os anciãos judeus recomendam o centurião a Jesus, em virtude de alguns favores que lhes havia feito, («Merece que o concedas»: v.4), o centurião manda dizer a Jesus: “Senhor, não te incomodes. Eu não sou digno de que entres em minha casa» (v.6). Está claro que, para Jesus, são mais eficazes estas palavras, marcadas por uma grande e sincera humildade, que as outras, por demais interessados, e com as quais os anciãos fazem sua recomendação. Assinalemos por último que, como Mateus, também Lucas considera este fato um prelúdio da chegada dos pagãos à Igreja: o assunto lhe interessa ainda mais porque Ele, e só Ele, sentirá a necessidade de dedicar a segunda parte de sua obra, os Atos dos Apóstolos, a este grande acontecimento. Se entrevê, assim, o tema da abertura universalista da salvação trazida por Jesus.

 

 

1 Cor 11,17-26,33 (A ceia do Senhor) A instituição da Eucaristia é um ensinamento recebido da tradição apostólica que se remonta a Jesus (v.23), e Paulo tem o dever de transmiti-la às distintas comunidades. Sobre o valor histórico destes dois verbos (“receber»/«transmitir») meditaremos mais adiante; aqui vamos considerar o valor que, segundo Paulo, tem a celebração eucarística para a vida da comunidade cristã de Corinto. A Eucaristia é, em primeiro lugar um chamado, uma vocação divina: não pode nem deve ser reduzida a uma mera convergência de diferentes sujeitos, ainda que seja com intenções respeitáveis e dignas de honra. Ao contrário, cada vez que a comunidade se reúne para celebrar a Eucaristia, obedece a um convite-mandato do Senhor Jesus. Dito ainda com maior precisão, a Euca­ristia é um fazer memória do Senhor morto e ressuscitado: não pode nem deve ser alterada sua força sobrenatural, que nos põe em comunhão pessoal com aquele de quem fazemos memória. A fórmula «Fazei isto em minha memória» (vv.24ss), que Paulo compartilha com Lucas (22,19), não deixa lugar a nenhuma dúvida. Os exegetas assinalam que Jesus não pre­tende deixar, aqui, a seus discípulos, um testamento qual­quer, mas um autêntico memorial (segundo a terminologia técnica hebraica: zikkarôn). Hoje, com uma terminologia mais teológica, diríamos «memória eficaz e atualizadora», capaz de produzir o que significa. A Eucaristia é também comer a ceia do Senhor: não pode nem deve ser alterada esta dimensão convival da Eucaristia. Este é o sinal escolhido por Jesus, um sinal que a tradição apos­tólica respeita de maneira escrupulosa; a falta deste sinal, não teríamos o fruto da presença sacra­mental de Jesus e da eficácia salvífica de sua morte e ressurreição.

 

Salmo 39/40,7-10.17 (Ação de graças; Pedido de socorro) A oração que mais admiro é a de ação de graças e louvor. No entanto, é difícil agradecer e perceber a beleza ao nosso redor, e ter consciência de todas as graças que Deus nos tem dado ao longo de toda a nossa vida. Diante de Deus não temos nenhum direito, a não ser o de sermos amados. Ele tudo nos dá de graça, por isso é nosso dever cantar as suas maravilhas.   O salmista, por ser pobre, faz a experiência do cuidado de Deus. Em meio a tanta pobreza material, só o Senhor vem em nossa ajuda, com pleno amor e gratuidade. Devemos dizer a todos, e de todas as formas, os benefícios recebidos por intermédio dele.

Senhor, desculpa-me se sou cego e insensível à tua graça e teu amor. Dá-me um coração pobre para acolher tudo como dom, desde a luz do sol até a saudade, os amigos e a família, o amor e o sofrimento. Que possa repetir com Sta Teresinha do Menino Jesus: “Tudo é graça… Não posso confiar em mim mesmo, mas devo pedir a todo o momento uma só coisa: o amor, Senhor, para que te possa amar e fazer-te amado”. Amém.

 

 

MEDITATIO: Na primeira leitura Paulo confia às suas comunidades um precioso bem testamentário mediante dois verbos técnico-teológicos (“receber»/«transmitir», cf. 1 Cor 15,3).  Perguntamo-nos que pode ensinar-nos este binômio, sobretudo em vista do nosso modo de ser uma comunidade eucarística. Primeiro, aparece, aqui, a autoconsciência apostólica de Paulo, um traço, dizíamos também, autobiográfico, ainda que no sentido mais elevado do termo. De fato, o apóstolo não quer dar-se a conhecer por suas características pessoais, mas por sua missão, à qual não pode subtrair-se. Um elemento essencial e irrenunciável de tal missão apostólica é, precisamente, a transmissão da memória do que Jesus disse e fez às vésperas de sua paixão. Segundo, se percebe “a centralidade da Eucaristia” no tesouro das verdades que os apóstolos estão obrigados a transmitir (por exemplo, como em 1 Cor 15,3, a verdade histórico-salvífica do fato da Ressurreição de Jesus). É como dizer que a comunidade cristã e, dentro dela, todo verdadeiro discípulo de Jesus, não pode viver, e muito menos testemunhar, sua própria fé, se não tem no centro de sua vida, a Eucaristia, considerada, precisamen­te como memória atualizadora do mistério pascal e, por isso, capaz de produzir, também em nós, a graça do mistério que significa. Terceiro, se percebe de modo concreto esta verdade: «A Eucaristia faz a Igreja». Seria muito pouco considerar e afirmar que a Igreja «faz», quer dizer, celebra a Eucaristia: seria redutor e unilateral. É preciso que olhemos mais alto, ao acontecimento da páscoa de Jesus, do qual a Eucaristia é «memória» fiel e atualizadora.

 

ORATIO: Ó Senhor, a graça é iniciativa tua: não é um projeto humano, e muito menos pode ser merecida. Obrigado, Senhor, por teus dons gratuitos. Ó Senhor, tua graça me precede sempre, antecipando os tempos e os prazos e superando todas as minhas expectati­vas. Que eu aprenda, Senhor, a gozar contigo e com meu próximo, por teus dons, por todo sinal de tua bondade paterna. Ó Senhor, tua graça não é nunca abstrata ou genérica: experimentamo-la, sempre, de modo concreto, no espaço e no tempo, e flui, ordinariamente, em nossa vida cotidiana. Que eu te reconheça Senhor, enquanto caminhas comigo. Ó Senhor, só um coração livre de pretensões, de prejulgamentos, de rancores e de orgulho está disposto a rece­ber tua graça. Faz-me capaz de receber-te, Senhor, e de apre­ciar tuas surpresas: só assim poderei experimentar teu amor. Ó Senhor, o que tu me dizes no íntimo do coração é sempre um grande dom para mim, talvez o dom mais precioso. Obrigado, Senhor, pela discrição, pela opor­tunidade e pela abundância, com as quais me entregas tua Palavra.

 

CONTEMPLATIO: O filho único de Deus, querendo fazer-nos partícipes de sua divindade, tomou nossa natureza a fim de que, feito homem, divinizasse os homens. Ademais, entregou, por nossa salvação, tudo quanto tomou de nós. Porque, por nossa reconciliação, ofereceu, sobre o altar da cruz, seu Corpo como víti­ma a Deus, seu Pai, e derramou seu Sangue como preço de nossa liberdade e como banho sagrado que nos lava, para que fossemos libertados de uma miserável escravidão e purificados de todos nossos pecados. Mas, a fim de que guardássemos, para sempre, em nós, a memória de tão grande beneficio, deixou aos fieis, sob a aparência de pão e vinho, seu Corpo, para que fosse nosso alimento, e seu Sangue, para que fosse nossa bebida. Ó banquete precioso e admirável, banquete saudável e cheio de toda suavidade! Que pode haver, de fato, mais precioso que este banquete, no qual não nos é oferecida, para comer, a carne de bezerros ou de cabritos, como se fazia antigamente sob a lei, mas o próprio Cristo, verdadeiro Deus? Não há nenhum sacramento mais saudável que este, pois por Ele se apagam os pecados, se aumentam as vir­tudes e se nutre a alma com a abundância de todos os dons espirituais. Oferece-se, na Igreja, pelos vivos e pelos defuntos, para que a todos aproveite, já que foi estabele­cido para a salvação de todos. Finalmente, ninguém é capaz de expressar a suavidade deste sacramento, no qual saboreamos suavidade es­piritual em sua própria fonte e celebramos a memória do imenso e sublime amor que Cristo mostrou em sua paixão. Por isso, para que a imensidade deste amor se im­primisse, mais profundamente, no coração dos fieis, na última ceia, quando, depois de celebrar a Páscoa com seus discípulos, ia passar deste mundo ao Pai, Cristo instituiu este sacramento como o memorial pe­rene de sua paixão, como o cumprimento das anti­gas figuras e a mais maravilhosa de suas obras, e o deixou aos seus, como singular consolo nas tristezas de sua ausência (Tomás de Aquino).

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Este é meu corpo, entregue por vós» (1 Cor 11,24)

PARA A LEITURA ESPIRITUAL As vidas dos santos católicos borbulham de milagres, e não há razão para duvidar de que, uma grande porcentagem deles seja autêntica. No máximo os genuínos milagres são os santos; o resto está por acréscimo. Nos manuais de apologética não se há provado quase nunca a extrair uma “prova” dos milagres dos santos, a diferença do que é, ou ao menos era habitual com os de Jesus. Sem dúvida, é de presumir que tanto uns como os outros, em sua maior parte (nem todos necessariamente) hão sido milagres discretos, e que hão sido os biógrafos (no caso de Jesus, os evangelistas e suas fontes) os que hão subido a importância, e o fizeram porque eram milagres cujo caráter extraordinário podia ser levado a um grau de consciência só depois, no relato dos testemunhos e nos outros que se originariam a partir daqui. Em mais de um caso se há dado certamente um posterior engrandecimento dos fatos. Quem sabe se os milhares de pessoas famintas no deserto não se deram conta, senão, em um segundo momento de que havia acontecido algo anormal? (H. U. Von Baltasar, Católico: aspecto Del mistério, Encuentro).

 

 

 

TERÇA-FEIRA, 17 DE SETEMBRO DE 2019

Lucas 7,11-17 (Ressurreição do filho da viúva de Naim) Este texto é exclusivo de Lucas, e por isso podemos analisá-lo com a intenção de recolher algumas características típicas do terceiro evangelista. É uma tarefa que não resultará difícil. Os exegetas assinalam que Lucas gosta de relacionar Jesus com o profeta Elias (cf. 1 Rs 17,10-24) e também com o profeta Eliseu (2 Rs 4,18-37): em ambos casos se narra a ressurreição dos dois filhos únicos de mães viúvas. Sabemos assim mesmo que Lucas presta uma atenção particular às mulheres, tanto no terceiro Evangelho como nos Atos. Também aqui a figura da mãe viúva que perdeu a seu filho único produz um impacto em Jesus, o qual “ao vê-la, se compadeceu dela e lhe disse: Não chores” (v.13). Nesta atenção particular de Jesus não devemos reconhecer só um traço de sua psicologia, mas também, de um ponto de vista histórico, a opção realizada por Ele em favor dos débeis e dos marginalizados, e sem dúvida essa mulher, naquela sociedade, pertencia a esta categoria de pessoas. Por último, Jesus é aclamado como profeta; mais ainda, como “um grande profeta” (v.16): segundo Lucas, este título tem uma peculiar carga de significado. Jesus é profeta não só pelo que “disse”, e o tem manifestado desde o primeiro grande discurso pronunciado na Sinagoga de Nazaré (4,14ss), mas também pelo que “faz” (ações, gestos, ameaças) e, sobretudo, pelo modo como se comporta (sente compaixão, ou seja, se comove por dentro compartilhando o sofrimento daquela mãe). Deste modo se manifesta Jesus como um profeta no sentido mais cabal do termo: não só porque leva a Palavra da revelação da parte de Deus, mas também porque se põe completamente da parte dos homens.

 

 

1 Cor 12,12-14.27-31a (Comparação do corpo) Após ter tratado sobre os Sacramentos do Batismo e da Eucaristia como acontecimentos centrais na vida dos primeiros cristãos de Corintos, Paulo dedica três capítulos desta sua carta à problemática das relações entre os carismas e os ministérios no interior da própria comunidade. Ao começo do capitulo doze, Paulo afirma que a autenticidade dos carismas depende da pureza da profissão de fé: “Ninguém que fale movido pelo Espírito de Deus pode dizer: “Jesus seja maldito”. Como tampouco ninguém pode dizer: “Jesus é Senhor” se não está movido pelo Espírito Santo” (v.3). Existe, portanto, uma pluralidade de carismas, porém sua fonte é um só: a divina Trindade (vv.4-6). Imediatamente depois, afirma o apóstolo que a manifestação do Espírito Santo através dos diversos carismas foi dada a cada um para a utilidade comum, ou seja, para o bem de toda a comunidade. Neste ponto se insere o discurso mais esquisitamente teológico: Paulo quer fazer compreender que os dons que recebemos e os serviços que estamos chamados a prestar tem seu fundamento na graça que recebemos por meio dos sacramentos, em virtude dos quais formamos um só corpo, o corpo de Cristo, que é a Igreja. “Todos, em efeito, temos recebido um mesmo Espírito no Batismo e todos temos bebido também do mesmo Espírito para formar um só corpo” (v.13). A unidade não suprime a diversidade dos membros, dos dons e dos ministérios; ao contrário, a garante e a exalta reconduzindo-a a sua fonte divina (dito com maior precisão, trinitária) e a orienta a seu destino comunitário (dito de modo mais exato, eclesial).

 

Sl 99/100, 2-5 (Convite ao louvor) Apesar de breve, este Salmo faz uma importante descrição da situação do povo e de cada um de nós. É um cântico de procissão, de caminheiro e peregrino. Nossa história é um constante êxodo: partimos do coração de Deus e seguimos em peregrinação por esta terra até nosso retorno aos braços do Pai, lugar da paz infinita. Isso não tem relação com teorias e ideologias acerca da reencarnação, que seria uma purificação dolorosa por aquilo que não foi cumprido. O nosso Deus é bem diferente disso: oferece-nos tempo, nos orienta com sua Palavra, nos convida à conversão para que possamos realizar a nossa missão hoje. O mistério da ressurreição é algo belamente real, baseada na Palavra do Senhor, e não uma invenção humana. Viver é alegria, cântico e peregrinação; é caminho, é encontro e amor.

Senhor, sei que estou a caminho, vim de Ti e vou voltar a Ti. É neste meu lento, fatigoso e alegre caminhar que te convido, Senhor, a me abrir as portas para que eu possa entrar no novo tempo, na nova Jerusalém, na nova vida que é Jesus. Ele que veio para nos dizer que o Pai procura adoradores em espírito e verdade. Chama-me com força e coragem para que eu nunca diga não ao teu amor, purifica a minha mente e coração, e que eu nunca deixe, de forma alguma, influenciar por ideias que não sejam alicerçadas sobre a tua Palavra e sobre o teu amor. Quero ter tua presença e celebrar a tua grandeza e cantar os teus louvores. Amém.

 

 

MEDITATIO: Quem leia por completo o capitulo doze da primeira carta aos Coríntios poderá captar o pensamento de Paulo em toda sua extensão e genialidade. Como já temos assinalado, o primeiro pensamento de Paulo tem a ver com a relação entre os carismas e os ministérios, por um lado, e a ortodoxia da fé, por outro. Esta deve ser o ponto de referência da ortopraxis. Em segundo lugar, o apóstolo considera indispensável provar a relação entre os carismas recebidos e sua origem trinitária. Seguimos no âmbito da fé, porém é evidente que Paulo fala aqui não de uma Trindade abstrata, mas da Trindade “econômica”, isto é, considerada em relação com nossa vida e com a vida da comunidade. O passo posterior que estabelece Paulo tem a ver com a relação entre a dimensão pessoal e a dimensão comunitária dos carismas particulares: obviamente, para acabar com toda pretensão de privatizar o dom divino e restringi-lo dos interesses individuais ou de categoria. Após a relação entre carismas-ministérios e vida sacramental (do qual já temos falado na lectio), Paulo ilustra ulteriormente seu pensamento com um duplo apólogo: no primeiro, fazendo falar aos membros do corpo humano, faz compreender que a beleza e a harmonia de uma comunidade se baseiam na variedade de seus membros, todos solícitos em contribuir ao bem estar da própria comunidade. Deste modo se expressa o primeiro da complementariedade em ordem à unidade. No segundo apólogo Paulo ilustra outra lei típica do corpo humano e de toda autêntica comunidade, incluída a cristã. Trata-se do princípio da subsidiariedade, pelo qual todos os membros, inclusive os mais nobres, tem necessidade dos outros, até dos mais humildes. Em consequência, não pode haver divisão na comunidade, do mesmo modo que não deve haver divisão no corpo humano (12,15-26).

 

 

ORATIO: Com a vida Senhor, tu confiaste a cada um de nós uma missão para que a levemos a termo, porém uma missão que também temos de defender contra quem, por ignorância ou por interesse, tentam impor-nos outra. Oh! Senhor, faz-nos fortes! Com a vida, nos outorgaste qualidades únicas e irrepetíveis que nos fazem idôneos para levar nosso serviço no mundo e na Igreja, para tua glória, para nossa realização e para o bem dos irmãos. Oh! Senhor Jesus, faz-nos disponíveis! Com a vida, Senhor, tu nos tem submergido no mundo que cada um de nós, com sua nota característica, devemos contribuir a melhorar, consciente de que notas diferentes conduzem a uma belíssima harmonia e resultam indisponíveis para a realização de teu único desígnio de salvação. Oh! Senhor, faz-nos solidários! Com a vida, Senhor, tu nos fizeste participes de tua vida: ícones viventes de tua vida de amor e de comunhão, senhores do criado para tua glória. Oh! Senhor, dai-nos um coração agradecido e humilde!

 

 

CONTEMPLATIO: Além do mais, o próprio Espírito Santo não só santifica e dirige o povo de Deus pelos sacramentos e os ministérios, e os enriquece com as virtudes, mas “distribui seus dons a cada um segundo quer” (I Cor 12,11), reparte entre os fieis de qualquer condição, inclusive graças especiais, com que os dispõe e prepara para realizar variedade de obras e ofícios proveitosos para a renovação e uma mais ampla edificação da Igreja segundo aquelas palavras: “A cada um lhe outorga a manifestação do Espírito Santo para a comum utilidade” (I Cor 12,7). Estes carismas, tanto os extraordinários como os mais simples e comuns, pelo fato de que são muito conformes e úteis às necessidades da Igreja, há que recebê-los com agradecimento e consolo.    Os dons extraordinários não há que pedi-los temerariamente, nem há que esperar deles com presunção os frutos dos trabalhos apostólicos, mas que o juízo sobre sua autenticidade e aplicação pertence aos que presidem a Igreja, a quem compete, sobretudo, não apagar o Espírito, mas provar tudo e ficar com o bom; cf.1Ts 5,19-21 (Lumen gentium,12).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Vós formais o corpo de Cristo e cada um por sua parte é um membro” (I Cor 12,27)

 

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Senhor, a nós é mais fácil reconhecer tua presença na Hóstia consagrada que nos milhares de irmãos miseráveis que sofrem e penam nas ruas e nos subúrbios de todo o mundo. Como podemos passar pelas ruas da cidade com o pão, sinal de tua presença e de teu desejo de um mundo novo e no qual se compartilha, indiferentes às crianças e aos adultos que jazem abandonados por nós? Concede-nos a graça de adorar tua presença no Pão Eucarístico de modo que reconheçamos e honremos tua presença em todo ser humano, sobretudo nos irmãos e irmãs mais marginalizados… Se te apresentas em uma “favela” distribuindo alimentos e vestes, todos te aclamariam como um benfeitor, porém se, ao contrário, te aventuras a pôr o dedo na chaga e denuncias as causas de tanta miséria, então te acusarão de subversivo, de “comunista”. Se revolução é sinônimo de mudança radical e profundo, então eu sou um revolucionário, porque eu desejo reformas de base sem mais perda de tempo. Já levamos um século de atraso! Faz parte de nosso dever tentar o possível e o impossível para pôr fim ao escândalo do século XX: dois terços da humanidade se encontram submergidos ainda em uma situação de miséria e de fome (Dom Hélder Câmara).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

QUINTA-FEIRA, 19 DE SETEMBRO DE 2019- NOSSA SENHORA DAS DORES

O dia de Nossa Senhora das Dores foi domingo dia 15 mas resolvi colocar nesta quinta para meditarmos e orarmos com as Dores de Nossa Senhora

Lucas 2,33-35 (Profecia de Simeão)– Esta minúsculo texto de Lucas está situada no centro da «apresentação de Jesus no templo», onde seus pais cumpriam as normas da lei relativa aos recém-nascidos. A palavra chave aqui é «espada» (v.35b). A exegese, consolidada por séculos de repetidas e idênticas referências mariológicas, sonda todos os matizes que se refratam da imagem da «espada de dor». Sempre foram chamadas «profecias de Simeão», as palavras deste homem justo e temeroso de Deus, que esperava o consolo de Israel. Incontestavelmente, a imagem da espada que traspa­ssa a alma, se plasma em um coração traspassado; alguns acontecimentos evangélicos confirmam uma espécie de preanuncio de sofrimentos e dores que teriam feito sofrer o coração da mãe. Sem dúvida, a expressão «espada» que traspassa remete a Hb 4,12: ali a espada representa a Palavra de Deus. Também a palavra fatigosa, porém obedecida por Jesus, Filho de Deus e de Maria, é igualmente obedecida por sua Mãe, con­vertida, do mesmo modo, por essa fatigosa obediência da Dolorosa.

 

 

Hb 5,7-9 (Sacrifício terrestre: no dia de sua carne) Este breve texto é, evidentemente, cristológi­co. O contexto sublinha a filiação divina e a identidade sacerdotal de Cristo. É também filho de Maria, o filho de Deus, que não foi eximido da morte nem dos padeci­mentos, mas que, através deles, se fez perfeito e se converteu em causa de salvação. A morte e os padeci­mentos são herança de toda pessoa humana. Portanto, nem sequer Maria, ainda que sendo mãe de Deus, foi eximida da dor. A palavra chave que une o filho com a mãe, e de­pois aos discípulos dele, é «obediência» (v.8). Cristo obedece em tudo ao Pai: seu alimento é cumprir a vontade do Pai; a vontade do Pai envolve toda a existência humana, coberta, do mesmo modo, por Jesus, de alegrias e dores, encaminhadas, por ele, à morte e à ressurreição. Também Maria se dispõe a obedecer à vontade de Deus, pondo-se a sua disposição, qual ser­va do Senhor, cuja Palavra pretende cumprir. A Palavra a conduz ao longo das etapas dum caminho de dor: uma via matris dolorosae.

 

Sl 30/31 (Súplica na provação) Jesus conheceu esse Salmo e o rezou no alto da cruz, quando estava prestes a morrer. Não devemos nunca nos esquecer disso, pois hoje são as mesmas palavras que elevamos ao Senhor! Trata-se de um Salmo bem longo e ponto referencial de toda a nossa história. Nele aparecem muitas referências a várias etapas da vida: momentos de alegria, tristeza, abandono de todos e solidão… Mas mesmo enfrentando todas essas situações, sabemos que Deus virá em nossa ajuda e socorro.

Senhor, não somente no momento da morte quero entregar a minha vida nas tuas mãos, mas em cada instante quero ser nas tuas mãos como o barro dócil nas mãos do oleiro. Forma-me, Senhor, ajuda-me e mostra o caminho que devo seguir. Que em cada circunstância da vida eu seja dócil e nunca me rebele contra a tua vontade, mesmo quando ela me parecer dura e incompreensível.

 

MEDITATIO: Algum lecionário propõe também como primeira leitura para esta memória da Virgem das Dores o texto de Jd 13,17b-20a: é o canto de benção, a Deus e à mulher forte, pela libertação do povo que so­fre e está atemorizado pela presença de um perigoso inimigo; este se converte em cântico de benção a Maria, «mediadora» da salvação, também através de suas dores. Propõe-se, também, como leitura Cl 1,18-24, que é o repetido bom anúncio, «Evangelho», da reconci­liação, mediante a morte de Cristo, ao qual pode asso­ciar-se todo discípulo, completando, em sua própria carne, o que falta à sua paixão: Maria é a primeira que, sofren­do com seu filho, moribundo na cruz, cooperou, de um modo absolutamente especial, na obra do salvador (cf. Lumen gentium, 61). Propõe-se, por último, o texto de Jo 19,25-27, fonte essencial para o desenvolvimento da recordação da dor de Ma­ria, confiada, também, como «dolorosa», ao discípulo ama­do (não só o autobiógrafo João, mas todo o que segue, com um amor fiel, a Cristo em todas as partes), o qual “a tomou consigo», ou seja, acolheu a beleza de seu estilo de discipu­lado e proximidade, não isentos de encruzilhadas de dor. O suporte para a meditação é generoso: uma gene­rosidade que não é estranha à convicção ou, ao menos, à sensação da importância de um tema e uma realidade tão sensivelmente humana como é a dor. A mensagem aberta pela Palavra bíblica confirma a subsistência da dor na história individual e coletiva da hu­manidade, mas anuncia que a dor habita também no mundo divino, assumido na encarnação pelo próprio Filho, Jesus Cristo, e compartilhado por sua “mãe, uma mulher em parte comum e em parte singular como Maria. Mediante sua experiência de dor, a dor hu­mana pode ser subtraída à maldição e converter-se em mediação de vida salva e serviço de amor.

 

ORATIO: Santa Maria, mulher da dor, mãe dos viventes, salve. Nova Eva, Virgem junto à cruz, onde se consuma o amor e brota a vida. Mãe dos discípulos sê tu, a imagem condutora em nosso compromisso de serviço; ensina-nos a per­manecer contigo, junto às infinitas cruzes onde ainda segue sendo crucificado teu Filho; ensina-nos a vi­ver e a testemunhar o amor cristão, acolhendo em cada homem um irmão; ensina-nos a renunciar ao opaco egoísmo para seguir a Cristo, única luz do homem. Virgem da páscoa, glória do Espírito, acolhe a oração de teus servos.

 

CONTEMPLATIO: A Santa Maria, tanto na tradição da Igreja como na devoção popular, é denominada e recon­hecida como a Dolorosa. Não é dogma de fé, ou seja, uma verdade revelada por Deus. A dor de Maria foi uma realidade de sua vida terrena. Imaculada, sempre virgem, mãe de Deus e assunta configuram a verdade da imodificável identidade pessoal de Maria. A dor foi uma experiência terrena: Maria foi e já não é dolorosa. Suas dores cessaram ao fim de sua existência terrena, como ocorre com toda pessoa humana. Porém, ela segue junta aos que sofrem: a Dolorosa continua sendo mãe dos que sofrem. Nesta função ela exerce um magistério. As dores padecidas na terra constituem uma figura da paixão de Cris­to em benefício da Igreja. A participação de Maria na paixão do Senhor tem se convertido em seu modo de cooperar na obra da salvação realizada por Ele: também, como dolorosa, é, Maria, co-redentora, quer dizer, «tem cooperado de um modo absolutamente especial na obra do Salvador».

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

Jesus disse a sua mãe: Mulher, eis ai teu filho (Jo 19,26)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL A meditação sobre as sete dores da bem-aventurada Virgem Maria poderá expressar-se facilmente em termos atuais, enquanto os comparemos com os múltiplos sofrimentos pelos quais está marcada a vida hoje… Principalmente em virtude de nossa identidade cristã, aceitaremos sermos, nós mesmos, uma existência atravessada pela espada de dor. Seguindo a Jesus, tomaremos cada dia nossa cruz (Lc 9,23; cf Mc 8,34; Mt 16(24). Sensíveis ao drama de inumeráveis pessoas e grupos obrigados a emigrar desde países pobres para nações mais ricas, em busca de pão ou de  liberdade, poremos a salvo a vida de todo tipo de perseguição e ofereceremos nossa contribuição ativa à acolhida dos emigrantes […]. Em presença de quantos, em meio da incerteza do viver, recordam compadecidos o rosto do Senhor ou se encontram angustiados por tê-lo perdido, nossas comunidades hão de ser lugares que apoiem sua trabalhosa busca. Hão de converter-se em santuá­rios de consolo para tantos pais e mães que, desolados, choram a perda física ou moral de seus filhos. Como coparticipes de um mesmo itinerário de fé, acompanharemos a nossos irmãos e irmãs pela via de seu calvário: com gestos de de­licadeza, como Verônica, ou levando seu peso, como o Cireneu (H. M. Moons, Con Maria accanto afia croce, Roma 1992, 19ss).

 

 

 

SEXTA-FEIRA, 20 de setembro de 2019

Lucas 8,1-3 (A companhia feminina de Jesus) Ao final desta seção de seu evangelho (6,20-8,3), Lucas nos informa sobre as pessoas que acompanhavam Jesus em seu ministério público. Como os outros evan­gelistas, escreve que com Jesus estavam os doze, mas diferente dos outros, nos faz saber que o acompanhavam, também “algumas mulheres que havia libertado de maus espíritos e curado de enfermidades» (v.2). Lucas nos faz saber, inclusive, seus nomes. Contudo, não há motivo para maravilhar-se por estas notícias lucanas. Sabemos que estes, por particular sensibilidade, reserva sempre uma grande atenção à presença das mulheres na vida de Je­sus. Aqui, sem dúvida, não as apresenta só como des­tinatárias de sua Palavra e de seus gestos miraculosos, mas, também, como ajudantes e assistentes de seu minis­tério público. Do ponto de vista histórico, isto nos interessa muito em particular: porque constatamos que Jesus foi capaz de redimir e de libertar algumas mulheres de alguma situação espiritual negativa, atraindo-as, assim, ao interior do círculo de sua pessoa e de sua graça, e confiando-lhes tarefas de assistência com respeito a Ele e com respei­to aos discípulos. De fato, Jesus supôs valorizar a presença e o serviço de algumas mulheres durante sua vida pública e isso desencadeou, certamente, a crítica e a malevolência de alguns de seus contemporâneos, que tinham de modo muito acentuado, uma atitude de instrumentalização e de exploração para com as mulheres. Também, deste ponto de vis­ta, que apresenta aspectos de grande atualidade, Lucas mostra Jesus como o libertador, do qual a humanidade tinha uma nece­ssidade extrema.

 

 

1 Cor 15,12-20 (O fato da ressurreição ) Se, por um lado, a ressurreição de Jesus Cristo constitui o fundamento de nossa fé, por outro, fundamenta a nossa esperança: por esta verdade Paulo está disposto colocar em jogo toda a sua credibilidade pessoal, e o faz com as cartas descobertas. Isso foi o que sentiu no caminho de Damasco e o que lhe tem mantido sempre no curso de sua vida apostólica: encontrou alguém que está vivo, alguém que havia vencido à morte. Não tem a menor dúvida de que, daquela vitória, brota, para todo crente, o dom de esperar além de toda possibilidade humana. Trata-se de uma esperança não só terrena, mas ultraterrena: por isso nós, os cristãos, não temos de ser olhados com compaixão, mas, ao contrário, podemos consolar e con­fortar aos outros. De fato, Cristo ressuscitado é «primícias dos que adormeceram» (v.20), é «primogênito entre muitos irmãos» (Rm 8,29): após Ele e graças a Ele, o alegre acontecimento da ressurreição é, e será, experimentado por todos aqueles que, mediante a fé, o recebem como o Salvador. A esperança cristã se expressa, também, nestes termos: a morte foi derrotada; a vida nova em Cristo já foi inaugurada; em Cristo viveremos, para sempre, a plenitude da vida na totalidade de nosso ser humano: corpo, alma e espírito. Não se trata, portan­to, de uma esperança comparável a critérios humanos, mas de uma esperança-dom, prenda de um bem futuro, que superará qualquer previsão humana.

 

Salmo 16/17 (Súplica do inocente) – Ser santo é saber reconhecer os próprios pecados e as próprias virtudes. O salmista se coloca diante de Deus exatamente como ele é, sem temor. Ele desafia-o a encontrar nele pecados e mentiras, pois sabe que é sincero em tudo aquilo que diz e faz. Esta atitude de honestidade diante do Senhor é muito importante. Somos pecadores, devemos assumir isso e desejar que a verdade – o gesto mais amado por Deus – esteja presente em todos os momentos de nossos dias.

Senhor, não posso reconhecer os pecados que em certos momentos os outros me atribuem. Sinto-me honesto e sincero, apesar de saber que sou “pecador”, mas sei também que sou capaz de vencer o pecado que está em mim e dominá-lo. Dá-me a sinceridade de ser diante de ti o que sou e nada mais. Amém.

 

 

MEDITATIO: A esperança, tanto na vida cristã como, de modo mais geral, na história da humanidade, é, antes de tudo, um dom. Um dom que desce do alto, um dom gratuito e imerecido, um dom que revela o coração do doador. De fato, Deus, em Cristo Jesus, ressusci­tado dentre os mortos, quer dar, dia após dia, a todos e cada um, motivos sempre novos para espe­rar em sua divina e onipotente misericórdia. Crer na ressurreição de Jesus significa, para nós, voltar a fundamentar nossa esperança em Deus. A espe­rança cristã tem um caráter cristo­lógico: «Cristo, minha esperança, ressuscitou», exclama, segundo a liturgia, Maria Madalena, dirigindo-se aos apóstolos. Neste seu grito podemos reconhecer, tam­bém, o nosso, que sobe de nosso coração, cada vez que a sombra do pecado ameaça fechá-lo e entristecê-lo. A esperança cristã é, também, uma virtude. Uma virtude que se traduz em uma atitude que temos de assumir ante Deus, em sinal de reco­nhecimento e gratidão. Deste ponto de vista, espe­rar significa, para nós, viver, em plenitude, nossa fé, mantendo-a aberta, não só ao acontecimento passa­do da ressurreição de Jesus, mas, também, ao aconte­cimento escatológico de nossa ressurreição e de toda a criação. A esperança, disse alguém, é a menor, porém, também, a mais preciosa das virtudes: afortunada apresentação de um dom excepcional de Deus às suas criaturas, graças ao qual podemos manter sempre aberto, nosso coração, às surpresas de Deus.

 

ORATIO: Obrigado, Senhor, porque, desafiando a mentalidade de teu tempo, tiraste a mulher da tumba da desumanização, restabelecendo seu valor como pessoa humana. Obrigado, Senhor, porque, superando todos os prejulgamentos e os abusos da cultura, na qual viveste, libertaste a mulher da tumba da subserviência, valorizando sua presença e seu serviço responsável. Obrigado, Senhor, porque, implicando a mulher como ajudante em teu ministério público, a levantaste da tumba da discriminação, prevendo seu atual papel profético no campo social, profissional, político e ecle­sial nos tempos vindouros. Obrigado, Senhor, por todas essas mulheres que, se­guindo teu exemplo, elas têm colaborado na obra da re­denção, restituindo à mulher o posto que Deus havia-lhe dado.

 

CONTEMPLATIO: O Messias, pois, tinha que padecer, e sua paixão era to­talmente necessária, como ele mesmo o afirmou quando qualificou de homens sem inteligência e curtos de enten­dimento àqueles discípulos que ignoravam que o Messias tinha que padecer para entrar em sua glória. Por­que Ele, em verdade, veio para salvar seu povo, deixando aquela glória que tinha junto ao Pai antes que o mun­do existisse; e esta salvação é aquela perfeição que havia de obter-se por meio da paixão, e que havia de ser atribuída ao guia de nossa salvação, como nos ensina a carta aos Hebreus, quando disse que Ele é o guia de nossa salvação, aperfeiçoado e consagrado com sofrimentos (Hb 2,10). E vemos, de certo modo, como aquela glória que possuía, como Unigênito e à qual, por nós, havia re­nunciado por um breve tempo, lhe é restituída, através da santa cruz, na mesma carne que havia assumido. Disse, com efeito, São João, em seu evangelho, ao explicar em que consiste aquela água, que disse o Salvador que emanaria como uma torrente das entranhas do que creria nele. Dizia isto referindo-se ao Espírito Santo, que haviam de receber os que cressem nele. Todavia não se havia sido dado o Espírito Santo, porque Jesus não havia sido glorificado (cf. Jo 7,38ss): aqui o evangelista João identifica a glória com a morte na santa cruz. Por isso o Senhor, na oração que dirige ao Pai antes de sua paixão, pede-lhe que o glorifique com aquela glória que tinha junto a Ele antes que o mundo existisse (Anastásio de Antioquia).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Cristo ressuscitou dentre os mortos como primícias

dos que adormeceram» (1 Cor 15,20).

 

PARA A LEITURA ESPIRITUA A persistência na recitação dos salmos é ótima se vai acompanhada da atenção perseverante, porém é a qualidade das orações o que da vida à alma e a faz fecunda. A qualidade existe quando a salmodia e as invocações são feitas com o Espírito presente na mente. Quem considera o sentido contido nas Escrituras, enquanto reza e recita os salmos, reza em sua mente. Estes pensamentos divinos constituem em seu coração outros tantos graus espirituais: a alma se vê arrebatada no ar luminoso, incendiada e pura se levanta até o céu e contempla os bens preparados aos santos. Consumida por atormentadores desejos, expressa com os olhos o fruto da luz derramando lágrimas a mares sob a iluminadora energia do Espírito. Doce é o sabor destes bens, tanto que faz inútil a tomada de alimentos nesses instantes. Este é o fruto da oração que nasce da qualidade da salmodia na alma orante (Nicetas de Stethatos, Filocália, Enciclopedia Catalana, Barcelona 1994, 2 vols).

 

 

 

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