lectio divina na 4ª semana comum ano 2020

BAIXAR LECTIO DA 4ª SEMANALECTIO DIVINA 4ª SEMANA DO TC ANO 2020

DOMINGO, 02 DE FEVEREIRO DE 2020 – 4ª SEMANA DO TC ANO A IMPAR

Lucas 2,22-40 (Apresentação de Jesus no templo) Apresenta-se no texto uma sequência interessante do verbo «ver»: ver a morte, ver ao Messias, ver a salvação. O velho Simeão, iluminado pelo Espírito converte-se em testemunho de que «todas as coisas se cumpriram» segundo a lei para que surja o Evangelho. Um menino «sinal de contradição», uma Mãe chamada a uma maternidade messiânica, de dor, junto a seu redentor, e um ancião temente a Deus são os protagonistas de todo o Evangelho. Antiga e nova aliança. Natal e Páscoa. Aqui se encontram todos os mistérios da salvação e reca­pitula-se a história, se dá cumprimento no tempo, respondendo à colaboração e à expectativa dos justos de todos os tempos: Simeão e Ana.

 

Ml 3,1-4 (O dia de Iahweh) Dois são os mensageiros apresentados pelo profeta, e um introduz ao outro: o que prepara o caminho ao Senhor que vem e o da aliança, o Esperado. Anjo significa «mensageiro» em grego: é interessante que a tradução se refira ao primeiro como mensageiro e re­serve o termo «anjo», atribuído em geral a uma criatura celeste, ao segundo. Com isso se pretende ajudar a distinguir entre o que é só precursor e o Messias suspirado, de origem divina. Através da sombra eloquente da figura se pretende assinalar, em perspectiva, o Batista e Cristo.     Um realizará a tarefa do Reden­tor, o outro a de seu Precursor. Um entrará no templo, o outro só lhe preparará o acesso. E Aquele que entrará no templo santificará em si mesmo os ministros e o culto mediante a oferenda pura da nova aliança.

 

Hb 2,14-18 (O sacerdócio de Cristo) «Carne» e «sangue» foram reduzidos pelo inimi­go ao poder da «morte». Carne e sangue em Cristo, Deus feito homem, são divinizados e libertados de tal escravidão. A raça de Abraão fica, assim, restituída à vida. E não só isso. Como aliança perene do mistério da fé, mistério da redenção e mistério da ressurreição da carne para a vida eterna, eis que o divino Filho unigênito se apresenta, não só como o primeiro entre muitos irmãos, mas que se fez para eles também sumo sacerdote, mediador em seu ser humano-divino da fidelidade de Deus, Pai da vida. O sumo sacerdote é definido, de fato, como «misericordioso», porque vem e o faz «por nós, os homens, e por nossa salvação».

 

Sl 23/24 (Liturgia de entrada no santuário) Subir a montanha do Senhor é nosso grande ideal. E os Salmos são como guias para essa aventura: mostram-nos o caminho que devemos seguir para alcançar o topo e, então, contemplarmos a glória do Senhor. Nunca devemos esquecer-nos que o Senhor revela-se em experiência durante a noite, na montanha e no deserto. São lugares onde nos encontramos a sós com aquele que nos ama com Amor de Pai.

Senhor dá-me a coragem de me despojar de todo o peso que me impede de subir a montanha; liberta-me dos ídolos do egoísmo e de toda superstição. Que a palavra de Jesus seja para mim programa de vida. Não se pode servir a dois senhores, ou se amará um, ou o outro. Quero sempre estar diante de Ti, Senhor, em adoração e amor. Amém.

 

 

MEDITATIO: Podemos considerar a festa que hoje celebramos como uma ponte entre o Natal e a Páscoa. A Mãe de Deus constitui o vínculo de união entre dois acontecimentos da salvação, tanto pelas palavras de Simeão como pelo gesto de oferenda do Filho, símbolo e profecia de seu sacerdócio de amor e de dor no Gólgota. Esta festa mantém no Oriente a riqueza bí­blica do título «encontro»: encontro «histórico» entre o menino Jesus e o ancião Simeão, entre o Antigo e o Novo Testamento, entre a profecia e a realidade e, na primeira apresentação oficial entre Deus e seu povo. Em um sentido simbólico e em uma dimensão escatoló­gica, «encontro» significa, deste modo, o abraço de Deus com a humanidade redimida e a Igreja (Ana e Simeão) e a Jerusalém celestial (o templo). Em efeito, o templo e a Jerusalém antiga já passaram quando o Rei divino entra em sua casa levado por Maria, verdadeira porta do céu que introduz aquele que é o céu, no tempo novo e espiritual da humanidade redimida. Através dela é como Simeão, experto e temeroso testemunho das divinas promessas e das expectativas hu­manas, saúda naquele recém-nascido a salvação de todos os povos e tem entre seus braços a «luz para iluminar as nações» e a «glória de teu povo, Israel».

 

ORATIO: Por que, ó Virgem, olhas este menino?…Este menino, Virgem puríssima, rege o sol, governa a lua, é o tesoureiro dos ventos e tem po­der e domínio sobre todas as coisas. Mas tu, ó Virgem, que ouves falar do poder deste menino, não esperes a realização de uma alegria terrena, mas uma alegria espiritual (Timóteo de Jerusalém, sec. VI).

 

CONTEMPLATIO: Acrescentamos, também, o esplendor dos círios, para mostrar o divino esplendor d’Aquele que vem e pelo qual resplandecem todas as coisas e, expulsadas as horrendas trevas, ficam iluminadas de modo abundante pela luz eterna; para manifestar, em grau máximo, o esplendor da alma, com o qual é preciso ir ao encontro de Cristo. De fato, do mesmo modo, que a Santíssima Virgem e Mãe de Deus levou envolta em cueiros, a verdadei­ra luz e a mostrou aos que jaziam nas trevas, assim também, nós, iluminados pelo esplendor destes círios e tendo entre as mãos a luz que se mostra a todos, apressemo-nos a sair ao encontro d’Aquele que é a verdadeira luz (Sofronio de Jerusalém).

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Eu sou a luz do mundo» (Jo 8,12).

 

PARA A Leitura Espiritual Como se comporta Simeão ante a grandiosa perspectiva que vê abrir-se a seu povo, no despontar dos novos tempos messiânicos? Com poucas palavras, nos ensina o desprendimento, a liberdade de espírito e a pureza de coração. Ensina-nos como enfrenta com serenidade esse momento delicado da vida que é a velhice. Simeão olha sua morte com serenidade. Não lhe importa ter uma parte e um nome na embrionária era messiânica; está contente de que se realiza a obra de Deus; com ele ou sem ele, é assunto que carece de importância. O Nunc Dimitis, o Canto de Simeão, não nos serve só para a hora de nossa morte ou de nossa velhice. Incita-nos, agora, a viver e a trabalhar com este espírito, a libertar a casa que construímos pequena ou grande, de modo que possamos deixá-la com a serenidade e a paz de Simeão. Incita-nos a viver com o espírito da Páscoa: com a cintura cingida, o bastão na mão, sandálias postas, preparados para abrir ao próprio Senhor, quando chame, à porta. Para poder fazer isto, é necessário que também nós, como o velho Simeão, “estreitemos o menino Jesus em nossos braços”. Com Ele estreitado contra nosso coração, tudo é mais fácil. Simeão olha com tanta serenidade sua própria morte porque sabe que agora também voltará a encontrar, além da morte, o próprio Senhor e que será um estar de novo com Ele, de outro modo (R. Cantalamessa, Los mistérios de Cristo em La vida da La Igresia, Edicep, Valencia).

SEGUNDA-FEIRA, 03 DE FEVEREIRO DE 2020 –

Marcos 5,1-20 (O endemoninhado geraseno) O texto é uma típica história de exorcismo, enriquecida por numerosos detalhes de não sempre fácil explicação, que fazem pensar no relato de um testemunho ocular.   O episódio está ambientado no oeste do lago de Tiberíades, em território pagão: isso explica a presença da manada de porcos, animais impuros para Israel. A descrição do endemoninhado acentua o caráter dramático da situação: o caso se apresenta de imediato como grave, e as condições em que se encontra o homem, como desesperadoras. O grito dos demônios irrompe com força, antecipando-se à ordem de Jesus que o provoca; como em Mc 1,24, os demônios reconhecem a Jesus; mais ainda, proclamam sua divindade e lhe pedem que os deixe, porque temem seu poder. A descomposta reação do desventurado e a fúria dos demônios fazem ressaltar, por contraste, a invicta serenidade de Jesus, que lhes pergunta o nome como para obrigar-lhes a entregar-se a Ele, e lhes permite refugiar-se nos porcos porque sabe que não terá escapatória. A imagem da manada que se precipita no lago é talvez simbólica: indica o retorno dos demônios a Satanás, rei dos abismos. A reação dos presentes, sem dúvida, está dominada pelo terror: os que cuidavam dos porcos fogem; os conterrâneos do que havia recebido o milagre rogam a Jesus que se vá. Talvez fosse cedo demais para que a Palavra de Jesus fosse acolhida em um território estrangeiro, não preparado para sua vinda. É necessária a mediação do testemunho e do apóstolo: em sentido contrário ao silêncio imposto normalmente no Evangelho de Marcos, aqui o endemoninhado curado recebe a ordem de anunciar a notícia aos seus e proclamar na Decápole a obra de Jesus.

 

 

 

2 Sm 15,13-14.30;16,5-13a (Fuga de Davi) A conspiração de Absalão é um dos dramáticos episódios que fazem parte do atormentado declinar do reinado de Davi. Os vv.13ss recolhem a reação de Davi ao inteirar-se da rebelião de seu filho. Absalão vinha preparando com cuidado, há muito tempo, a conspiração, e soubera seduzir com lisonjas os israelitas (15,1ss), que se puseram de seu lado, mais por interesses que por afeto (v.13). Davi foge: sua fuga, mais que uma retirada estratégica, parece resignação, como se quisesse evitar um choque direto com seu filho. O rei parte para o exílio, ainda que o v.30 descreva mais como uma peregrinação penitencial, humilde aceitação de um castigo divino. O obscuro episódio da maldição de Semei (16,5-13a) acentua a sensação de estarmos ante uma derrota irreparável, atribuída à vontade do Senhor. Semei pertence à família de Saul (v.5), que, com a ameaça de uma separação do norte, constituía um permanente perigo para Davi. A maldição do v.8 cai delineia-se como sombria ameaça: em certo modo, Davi usurpou o reinado de Saul e teme agora que Absalão possa fazer o mesmo a ele. Teme que Deus lhe tenha abandonado do mesmo modo que havia abandonado Saul (v.11): por isso rejeita a ajuda do que quer matar Semei e aceita a afronta como uma prova. O rei se sente implicado, se não responsável, na condenação dos delitos que ensanguentam sua casa, desde a violência cometida por Ammón sobre Tamar, ao fratricídio de Absalão. Sua esperança é que o sofrimento de hoje possa ser ocasião de bem para amanhã (v.12).

 

Sl 3 (Apelo matinal do justo perseguido) A confiança em Deus é o melhor caminho para encontrarmos a felicidade. A vida ensina-nos que devemos acreditar exclusivamente nele, pois é Ele quem cuida de nós e nos sustenta em nossas vidas. Mesmo que ao nosso redor as dificuldades aumentem, devemos manter nossos olhos sempre fixos em Deus. Mas não podemos fazer isso numa espiritualidade de “braços cruzados”… Devemos cooperar com o trabalho de Deus, sabendo que podemos depositar no Senhor toda nossa confiança.

Senhor, que o medo não me vença e não interrompa o meu caminhar. Que eu seja forte como os santos, os profetas que confiaram em ti, e como os meus irmãos, que souberam dizer sim ao teu amor e cooperar ativamente pela transformação do mundo. Amém.

 

 

 

MEDITATIO: O drama que ronda e perturba os últimos anos da vida de Davi se parece, tragicamente, ao drama do endemoninhado de Gerasa. Violência, vingança e terror unem Davi saindo de Jerusalém com o infeliz geraseno que vaga entre os sepulcros. Romper grilhões e algemas (Mc 5,4) não faz mais que acrescentar violência a violência, como cortar a cabeça de Semei (2 Sm 16,9) não faria mais que perpetuar a corrente das vinganças. A libertação que o homem precisa é algo diferente: Davi a espera através da purificação pelo sofrimento, enquanto que o geraseno a obtém da iniciativa gratuita de Jesus. Ninguém lhe pediu que curasse este homem, que não dispõe nem sequer de sua própria voz para implorá-lo, posto que quem grita nele é a legião de demônios que quer afastar Jesus. Surpreende a passividade dos presentes. Uma passividade que se transforma, a seguir, em hostilidade explícita para com Jesus, um estrangeiro vindo para ameaçar uma condição de vida habitual e tranquila, na qual os enfermos estão excluídos do convívio civil e rejeitados a um lugar de morte; os animais impuros são criados e guardados com cuidado. Lançar a impureza aos abismos e restituir à sociedade o que havia sido excluído dela é um gesto revolucionário, um gesto que rompe os esquemas letais e dá medo. É difícil conviver com a liberdade: é melhor pedir a Jesus que se vá a outra parte (Mc 5,17).

 

 

ORATIO: Quantas vezes, Senhor, tentei romper grilhões e correntes. Quantas vezes cri que as coisas não iam bem, simplesmente por surgir qualquer obstáculo na realização de meus planos. Tentei mudar as coisas, rebelei-me e me parecia justificada a indignação e, inclusive, a ira. Quis “cortar cabeças”, como Abisai; confrontei-me com todas as minhas forças com quem tentava “manter-me atado”, como faziam os gerasenos. Ajuda-me, Senhor, a ser dócil, como Davi, que se afasta sem combater, deixando que se faça a vontade de Deus. Ajuda-me e liberta-me, Senhor, de outras cadeias, não das que posso romper em um ímpeto de raiva ou destemor, mas dessas outras interiores do pecado, que talvez não consiga reconhecer nem sequer ver, porém, que são o verdadeiro inimigo de quem só tu me salvas.

 

CONTEMPLATIO: Se Tu estás conosco, Senhor, que irrompam nossos adversários: mais que irromper sobre nós, serão derrotados por eles mesmos. Que venham de todas as partes, serão dispersados igualmente. Perderão toda a força ante a majestade de Deus, como a cera ao primeiro contado com o fogo. E haverei de temer quem está destinado a uma derrota semelhante? Ainda que caminhe em meio às trevas mais escuras, não temerei mal algum, sempre que Tu, Senhor, Deus meu, estejas comigo. A uma simples ordem do Salvador, toda uma legião diabólica teve que abandonar o corpo de um homem que durante muito tempo havia estado infestado, e não se atreveram a fazer mal nem sequer a uma manada de porcos antes que Ele permitisse. Com mais facilidade cairão às esquadras (espíritos malignos) ali onde se encontrem, ante a majestade de Jesus. Assim, pois, intrépido e livre de qualquer temor, alegrando-te no louvor (de Deus), poderás ver tudo isto com teus olhos (Bernardo de Claraval).

 

 

ACTIO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Contai-lhes tudo o que o Senhor fez contigo e como teve compaixão de ti” (Mc 5,19)

 

 

PARA A Leitura Espiritual Afirma Dostoievski que basta o sofrimento inevitável de uma criança para fazer saltar todos os silogismos. Como dizer: ou se crer ou não se crer. Assim o é com a existência do mal. Acaso não é necessária a mesma humildade para fazer frente a um problema tão desconcertante? Dizias: teu desígnio não vai adiante, os cálculos não saem. Tu entendias tudo de maneira diferente, querias precisamente o contrário, sem dúvida… A infidelidade não querida, a traição consumada pelo mais querido de teus amigos, e a inocência que sucumbe! Para não falar de desventuras maiores, como o furor da destruição e da morte, a ferocidade que se desencadeia sobre a humanidade, e a invenção das torturas mais refinadas para destruir um homem, para aniquilá-lo sadicamente e pôr-se, a seguir, a rir. Assim ocorre, tanto no grande como no pequeno. Satanás: o contraditor, o adversário, o insidioso; agora vagabundo e viajante perpétuo. Diabo, quer dizer, o desagregador, o caluniador, o acusador. Subsistência do ódio que divide e que separa. Satanás: multidão, massa, o inúmero, o indeterminado. Quantos nomes, quantas tarefas, quantas aparências. E para cada aparência, uma máscara nova; um novo estilo e novos truques. Mas, é possível que a forma e o espaço mais secretos e insidiosos estejam dentro, dentro desta nossa consciência. Dentro dos “duplos pensamentos” que a todos assaltam. Neste fazer-nos, nós mesmos, ocasião de mal, ainda que não o queiramos. E mais ainda, o obscuro gozo do mal alheio, também instintivo; ou melhor: precisamente por ser instintivo, isto é, não desejado, sinal de uma presença malvada. Um ser que não se dá nunca por vencido e não perdoa a ninguém. E que dizer do pobre endemoninhado de Gerasa que andava entre sepulcros soltando gemidos sob o domínio de todo um inferno? E mais tarde, libertado, por fim, invadem os demônios toda uma manada de porcos, que se lançam, enlouquecidos, ao mar, como para apagar o terrível fogo que os devora. E é sabido que nem sequer o mar basta para apagar semelhante chama (D.M Turoldo, Il diavolo sul pinnacolo).

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TERÇA-FEIRA, 04 DE FEVEREIRO DE 2020 –

Marcos 5,21-43 (Cura da hemorroíssa e ressurreição da filha de Jairo) O texto faz parte da seção dos milagres, que vai de Mc 4,35 a 6,6a. Dois fatos que parecem in­dependentes, foram unidos de tal modo que ressaltam, com habilidade, tanto as diferenças como as semelhanças. O versículo 21 conecta o relato com a seção das parábolas: Jesus volta ao outro lado do lago após uma excursão ao território pagão. O episódio da filha de Jairo (vv.22-24.35-43) apre­senta, na primeira parte, a súplica do pai e a pron­ta disposição de Jesus. O relato é, a seguir, bruscamente interrompido por um novo personagem e sua história (vv.25-28). Ressalta o contraste entre Jairo, homem influente que implora de modo insistente a Jesus ante todos, e a mulher anônima que se aproxima de modo furtivo por entre a multidão. Sem dúvida, a fé em Jesus e a imediata resposta deste, são iguais. O milagre da hemorroíssa tem lugar em dois tempos: primeiro em segredo, só a mulher e Jesus se dão conta do prodígio; a seguir, a pergunta de Jesus e o estupor dos discípulos levam a novo prodígio: a mulher fala, sai de si, entra em relação com Jesus. Não foi curada somente da enfermidade, mas foi salva (v.34). Sem solução de continuidade, retoma o outro relato. Precipita o drama: a menina morreu, a intervenção parece inútil; Sem dúvida, Jesus dá uma reviravolta na situação: não está morta, dorme. A atitude do Mestre é completamente distinta: a mulher havia se aproximado em segredo e ele a havia impulsionado a mostrar-se ante todos; Jairo lhe rogou em público e Jesus deixa as pessoas fora da estância, ordenando não dizer nada do sucedido.

 

 

2 Sm 18,9-10.14.24-25a.30-19,4 (Morte de Absalão; notícia levada a Davi) O reinado de Davi se viu atingido em seu ocaso pela rebelião de seu filho Absalão, na qual teve que intervir o exército. O rei ordenou poupar a vida do filho; mas o jovem, em sua fuga, fica pendurado no galho de uma árvore e Joab o mata crer ganhar, deste modo, o favor do rei, por ter eliminado o usurpador. O relato, do qual a liturgia toma hoje só alguns fragmentos, é intensamente dramático: o rei espera com ânsias as notícias da batalha, dividido entre o de­sejo da vitória e a angústia pela sorte de seu filho (vv.24-27); os criados lhe comunicam primeiro as boas notícias, fingindo ignorar o fim de Absalão (vv.28-31). O drama eclode quando, ante a pergunta explícita de Davi, «Está bem o jovem Absalão?», não resta escapatória possível e é preciso revelar-lhe que seu filho morreu. Eclode, então, a dor do rei: o filho morto já não é um inimigo e um rival, mas um jovem; a exultação pela vitória se transforma em luto, o povo sen­te vergonha como por uma derrota (19,1-4).

 

Sl 85/86 (Súplica na provação) Neste Salmo aprendemos como nos apresentar a Deus; sempre com muita humildade e servidão, como um verdadeiro fiel em busca de auxílio. O pobre sabe como enternecer os ricos com sua pobreza, mediante a humildade e a simplicidade. O verdadeiro pobre nunca é arrogante ou pretencioso; quando precisa de algo, só estende a mão para que o outro entenda que é necessitado. A pobreza pode nos impedir de ter uma vida feliz e afastada, e nos oprimir. São nesses momentos que devemos nos lembrar da misericórdia do Senhor; que é o nosso refúgio. Com Ele podemos nos sentir verdadeiramente amparados e seguros. A oração do pobre é mais sincera, pois tem consciência de que sem Deus nada é possível e sabe que Ele é o único a quem pode recorrer. O pobre elogia o Senhor por sua grandeza e recorda as suas promessas. Por sua sinceridade, o pobre tem a certeza do socorro. A grandeza de Deus não oprime, e o seu amor é gratuito e generoso quando o invocamos com insistência.

Senhor, dá-me a graça de sentir-me pobre, de ser pobre, de viver e rezar como o pobre. Liberta-me do orgulho e da autossuficiência, concede-me a graça de recorrer a ti em todos os momentos de meus sofrimentos. Mesmo quando me encontrar perseguido e oprimido pela dor, pela solidão ou pela calúnia, que eu nunca me desespere: tu és meu consolo e conforto, minha segurança e apoio, meu abrigo e rochedo. Senhor, quero fazer deste Salmo a fonte da minha oração; não permita que eu me aproxime de ti com arrogância, mas que sempre, numa atitude de pobreza, saiba reconhecer minhas feridas e peça o teu alívio. Sou pecador, infiel, injusto, prepotente, necessito ser curado destas enfermidades e só tu podes curar-me com teu amor e ternura. Abraça-me, Senhor, cura-me e não permitas que jamais me separe de ti. Seja tu, Senhor, o espelho onde me reconheço e te reconheço, e reconheço o rosto amável dos meus irmãos. Amém.

 

 

MEDITATIO: São muitas e diferentes, no Evangelho, as formas em que as pessoas se dirigem a Jesus. Diferentes, também, são suas respostas, ainda que sejam, ao mesmo tempo, semelhantes. Às vezes Ele dá a impressão de que não quer escutar, e o que o invoca deve insistir bastante tempo; outras vezes, inclusive, previne a petição. Jairo é um homem que ocupa um lugar de prestígio na sociedade, e não vacila em implorar, humildemente, a ajuda de um rabino. A hemorroissa, ao invés, tem vergonha, pois sua enfermidade a excluía do contato com os outros, e teme, do mesmo modo, nova decepção, após ter padecido tantas. Jesus escuta a am­bos com prontidão: não existe uma técnica para obter o milagre que excluía a outras; basta à fé, de qualquer forma que se expresse. Sem dúvida, há algo que vai mais além do milagre. A mulher se vê como obrigada a mostrar-se: Jesus quer mostrar, talvez, que nenhuma doença, nenhuma con­dição humana, pode ser considerada infamante, contanto que se confie n’Ele. Jairo, por sua vez, com sua família, se vê como chamado à sobriedade e à discrição: só uns poucos discípulos assistem à ressurreição da menina e, sobretudo, não têm que publicar o fato. É possível que Jesus queira mostrar uma atenção aos pequenos, um respeito aos sentimentos da menina, que podiam ficar feridos. É preciso desviar a curiosidade mórbida da multidão da personalidade em formação de uma menina de doze anos; e preciso introduzir o mais breve possível à pequena na normalidade: dai-lhe de comer. Quanto nós temos a aprender, hoje, transtornados como estamos pelo bombardeio obsessivo das telenovelas, que nenhuma lei sobre a privacidade consegue frear!

 

 

ORATIO: Ó Senhor, põe em meus lábios a invocação silenciosa da mulher enferma. Põe em meu coração sua confiança: basta tocar teu manto para curar-se. Concede-me, Senhor, a humildade de Jairo. Por culpa de meu orgulho, não sei pedir ajuda, não sou capaz de reconhecer que necessito dos demais. Escuta Senhor, as palavras que não sei dizer-te. Tu sabes melhor que eu, ó Senhor, o que acontece comigo, desde o mais íntimo das minhas entranhas. Não me deixes vagar de um lugar a outro, onde não possa encontrar o socorro que vem só de Ti. Faz, ó Senhor, que não busque grandes coisas, mas, simplesmente a paz do teu reino. Afasta de mim o desejo do que não é essencial e conduz-me no segredo do coração a buscar só tua proximidade. Senhor ensina-me a rogar-te.

 

 

CONTEMPLATIO: Antes que a Palavra evangélica revele o mistério do significado, quisera deter-me um pouco nos sofrimentos enfrentados e suportados pelos pais por causa do afeto e do amor que sentem por seus filhos. É pior ainda o dia da morte, quando são os filhos que lhes precedem. O chefe da sinagoga creu em Deus, dado que pediu que a mesma mão, por quem sabia havia sido criada sua filha, a voltar a criar, a restituir a vida. A leitura de hoje recolheu, por uma parte, tudo o que é próprio da esperança e, por outra, excluiu qualquer coisa que tenha que ver com desespero. Como o ar se converte em redemoinho, assim estava perturbada a mulher por tempestades de pensamentos. Lutava a fé com a razão, a esperança com o temor, a necessidade com o pudor. Assim, pois, com semelhante estado de ânimo chegou, merecidamente, a mulher, do extremo de uma imagem destroçada à plenitude da divindade de Jesus. Esta mulher, mostrando-nos que há algo muito grande na ponta do manto de Cristo, nos ensinou o que vale o Corpo de Cristo. Escutem os cristãos, que tocam cada dia o Corpo de Cristo, que medicina pode receber do mesmo cor­po, se uma mulher obteve toda a saúde só tocando a borda do manto de Cristo (Pedro Crisólogo).

 

 

ACTIO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

Se conseguir tocar ainda que seja só suas vestes, ficarei curada” (Mc 5,28)

 

                                              

PARA A Leitura Espiritual Muitas pessoas passam pela mesma experiência da mulher que sofria hemorragias. Suas forças vitais se esgotaram, consumiram-se, gastou todo seu patrimônio só para ganhar simpatia e reconhecimento, amor e estima. Contudo, sua condição fica cada vez pior. Todo este dispêndio de dinheiro não lhe permitiu encontrar uma amizade verdadeira. Não se pode comprar nosso próprio valor. Posto que Jesus exalava confiança, amor e simpatia, esta mulher conseguiu encontrar a coragem necessária para dizer toda a verdade. Não podemos arrancar a verdade adotando metodologias de diálogo, mas só se criamos uma atmosfera de amor e confiança. Aqui se instaurou uma relação verdadeira. Jesus deseja a paz à mulher e lhe dá a esperança da cura de sua enfermidade. A mulher, após ter experimentado seu valor, através do encontro, já não pode sangrar. Ao entrar em contato com este homem que a aceita sem reservas, se detém seu fluxo de sangue… Frente à hemorroisa não posso deixar de pensar nas muitas pessoas que se sacrificam pelos outros, ainda que façam de maneira inconsciente, por uma necessidade de tranquilidade e de reconhecimento. Põe seu patrimônio a disposição dos outros, dão seu dinheiro para beneficência, gastam tudo. Contudo esta generosidade não se traduz, em uma maior interioridade e liberdade. Isto não lhes produz satisfação; e mais, se sentem vazias e esgotadas. Ao fim se sentem excluídas da vida. Entregaram tudo e agora ninguém lhes tem em consideração; estão vazias e esgotadas… Seu sacrifício não estava ditado por um amor verdadeiro, mas por um desejo de gratificação, de ser premiada, de ser alguém. Não é possível curar estas pessoas tirando ainda mais delas, maiores sacrifícios, maior compromisso em favor da família. Em seu encontro conosco devem ver, antes de tudo, que valem, simplesmente, pelo que são. Neste encontro devem “tocar” um humano, de sorte que flua a energia, que experimentem o fluxo vital. Se o encontro tem lugar, simplesmente, entre seres humanos, não há necessidade de fazer-se mais interessante aportando problemas; as dificuldades se trasladam a um nível razoável. Neste texto do Evangelho de Marcos não se fala só da mulher que padece hemorragia e que, ao encontrar-se com Jesus, toma consciência de seu valor quando encontra estima e simpatia, fala-se do mesmo modo da filha de Jairo, que, evidentemente, não pode viver na casa de seu pai, um dos chefes da sinagoga. Jesus cura esta jovem, que foi extinguindo-se cada vez mais até fazer-se imóvel e rígida como morta no leito, tomando-lhe pela mão e ordenando que se levante. Não continua retendo-lhe a mão, mas a deixa ir, deixa que continue seu caminho. E ordena que lhe dêem de comer. Comer é, sob certo aspecto, um sinal de sociabilidade. A jovem é de novo capaz de entrar na vida social. Este relato nos diz que não devemos atar a nós às pessoas com um cuidado excessivo que não lhes permita crescer em liberdade. Não devemos levar uma pessoa pela mão durante toda a vida; nós a faríamos permanecer em sua enfermidade. Devemos reforçar sua vitalidade e ensinar-lhe a dar por si só os passos necessários (Anselm Grum, Descubrir La riqueza de La vida, Editorial Verbo Divino, Estella).

 

 

 

 

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QUARTA-FEIRA, 05 DE FEVEREIRO DE 2020 –

Marcos 6,1-6 (Visita a Nazaré) O texto se abre e se fecha com duas indicações de assombro em sentido oposto (vv.2b.6a). Jesus, que há voltado a Nazaré, sua pátria, com seus discípulos, entra na sinagoga que já conhecia e ensina nela. Sua figura, dotada de autoridade, e sua sabedoria suscitam uma escuta que se converte logo em clara hostilidade. Seus contemporâneos não conseguem explicar-se o mistério que lhe rodeia: “De onde lhe vem tudo isto?” (v.2). Há algo que não enquadra com o esquema habitual do que conheciam dele, «o carpinteiro», «o filho de Maria», do que conheciam, ou criam conhecer, tudo. De fato, este conhecimento segundo a carne não ajuda em nada (2 Cor 5,16). Assim, pois, em vez de abrir-se à novidade de que Jesus é portador se apodera dos habitantes de Nazaré uma atitude de rejeição e oposição. Ninguém é profeta em sua terra. Quem saberia melhor que Jesus que seu povo não lhe receberia? E, sem dúvida, também ele fica dolorosamente surpreso e assombrado pela dureza de coração que se fecha ante o Dom de Deus. Sua carne – caro cardo salutis, como disse Tertuliano- é a revelação desconcertante de Deus, a expressão maior e plena daquele amor que lhe levou a não envergonhar-se de chamar-se nosso irmão (Hb 2,11).

         

Hb 12,4-7.11-15 (Exemplo de Jesus Cristo; A educação paterna de Deus; Castigo da infidelidade)O autor da carta não perde de vista o fim que se havia proposto: animar aos destinatários de seu escrito. Agora, após ter ilustrado a dimensão teológica do problema do sofrimento, passa a tratá-lo em seu aspecto mais imediato, que é o pedagógico. Efetivamente, a prova pode parecer dura, pesada, porém há uma chave que permite lê-la de uma maneira positiva: só é fruto do amor. Se o Senhor nos castiga, o faz só para fazer-nos crescer na dimensão filial. Jesus veio expressamente a falar-nos do coração de Deus, a revelar-nos seu rosto de Pai. Ele não atua nunca em relação a nós senão como bom Pai; por isso, também a correção não é outra coisa que uma intervenção educativa por sua parte, sinal de um amor particular que se inclina sobre quem se mostra vacilante para fazê-los firmes e fortes. Em efeito, só quem ama de verdade tem a coragem necessária para intervir, também fazendo sofrer para alcançar o verdadeiro bem do outro. O sofrimento momentâneo é só prelúdio de uma maior alegria, por isso os cristãos devem prosseguir, corajosamente, sua vida de fé buscando a paz, a santificação. Ah! Se na terra boa arraiga alguma planta venenosa. Há uma única semente que pode – mais ainda, deve- sepultar-se na terra para não ficar só. O grão de trigo está chamado a converter-se em pão de vida para todos.

 

Salmo 102/103 (Deus é amor) Por meio de um canto suave, o salmista goteja afeto e amor ao Senhor e canta suas maravilhas e seus atos de ternura para conosco. Devemos meditar este Salmo lentamente, saboreando cada palavra que nos introduz nos ministérios do coração de Deus. Quando rezamo-lo com fé, o Senhor nos fortalece e confronta. Todo o amor de Deus Pai nós podemos contemplar na pessoa de Jesus: “Mas quando se manifestou a bondade de Deus, nosso Salvador, e o seu amor pela humanidade” (Tt 3,4) O Pai nos enviou o seu único Filho, Jesus, por puro amor a nós e para que Ele nos ensinasse o caminho da vida plena. O grande hino de ação de graças que podemos oferecer ao Pai em resposta à sua generosidade não é realizado por meio de palavras, mas sim com a própria vida. Tocam-me profundamente as palavras deste Salmo: “[O Senhor é] lento para a cólera e rico em bondade”. Ele tem pressa em nos amar, em nos perdoar. Não perca tempo, o Senhor está lhe esperando! Se você compreende melhor este Salmo, leia e medite o capítulo 15 do Evangelho de Lucas, as três grandes parábolas da misericórdia.

Senhor, como é maravilhoso parar um pouco com minhas atividades e pensar em quantos benefícios até hoje recebi do teu amor. Deixa que minha alma, como a do salmista, se expanda, se dilate e cante “bendize minha alma ao Senhor por todos os benefícios e não esqueça nenhum”. Quero-te agradecer por me ter criado; como é bela a vida; mesmo mesclada pelo sofrimento, com decepções; com dores, vale a pena viver e agradecer com todas as batidas do meu coração, com todos os meus tons e repertório. Que tudo cante o teu louvor.

 

 

 

MEDITATIO: Ouvimos com frequência que outros, ou nós mesmos, passamos por provas que consideramos incompreensíveis e até absurdas. O mistério do sofrimento chama então, inquietante, à porta de nosso coração. Hoje a Palavra de Deus nos ajuda a não sucumbir sob o peso da prova. Não nos oferece uma explicação dos casos particulares, mas nos convida a recuperar essa atitude filial que nos permite reconhecer também a mão de Deus, que é, sobretudo, pai, no momento da dor. O homem foi constituído tal pelo mistério de sua liberdade. Deus não nos tira seu dom, mas nos ajuda a nós, suas criaturas, a crescer em uma atitude de confiança e de abandono nele, ainda quando esta rendição incondicionada possa custar-nos suar sangue. Tampouco Jesus, o Filho amado, santo e inocente foi dispensado. «Sofreu o castigo para nosso bem e com suas chagas nos curou» (Is 53,5). Não há prova, por dolorosa que seja que não nos permita fixar o olhar nele, a fim de encontrar em suas lágrimas de compaixão a certeza de que o sofrimento, a dor e a prova não são uma maldição, mas o caminho que o Amor nos faz tomar para levar a todos e tudo para seu abraço sem fim. Não nos há dado compreender. Deus é Deus e frente a ele, frente a suas vias misteriosas, só é possível o silêncio da adoração e da fé, e é que, o escândalo maior para nosso coração consiste em constatar que a dor não foi suprimida, mas que Deus veio a nós, pobre, insignificante, a derramar suas lágrimas humanas de Filho.

 

ORATIO: Oh! Deus, que não dispensas da prova aos que amas, concede-nos humildade e fé frente a quanto disponhas para nós. Faz que o sofrimento não nos sirva de escândalo, mas que saibamos reconhecer nele o meio com o qual nos corriges como filhos e nos educas, misteriosamente, para um amor maior. Abre os ouvidos de nosso coração a fim de que tampouco teu silêncio nos sirva de motivo para duvidar de tua proximidade, mas que aprendamos a ouvir nele a única Palavra que nos vens dizendo desde sempre. Ensina-nos, sobretudo, a manter fixo o olhar em Jesus, teu Filho amado, para que nossa admiração, pelo que tem feito e dito nos faça, todavia mais conscientes de que tu hás amado tanto ao mundo que lhe enviaste entre nós em sua carne santa para assumir toda nossa debilidade. Converte nossos corações para que não sejamos ingratos e rebeldes, mas filhos dóceis aos quais possas levantar até tua face de Pai terníssimo.

CONTEMPLATIO: Quão poucos são, oh! Senhor, os que querem ir atrás de ti; sem dúvida, quantos são os que querem chegar a ti. Todos desejam reinar contigo, porém não sofrer contigo. O que procede guiado pelo Espírito Santo não permanece constantemente no mesmo estado nem progride sempre com a mesma facilidade. Parece-me que, se prestais atenção, vossa experiência interior confirmará quanto vou a dizer. Se te sente presa da angústia ou do desgosto, não deves perder a confiança apesar disso; mas, deves buscar a mão d’Aquele que é tua ajuda. Implora-lhe até o momento em que, atraído pela graça, voltas a encontrar a rapidez e a alegria de tua carreira. Então poderás dizer: «Corro pela via de teus mandamentos, porque me alargaste o coração» (Sl 118,32). Assim, pois, quando esteja presente a graça, alegra-te disso, porém não como se estivesses completamente seguro, como se não devesse perdê-la nunca. Do contrário, caso Deus afaste um pouco sua mão e te retire seu dom perderás o ânimo e cairás em uma tristeza excessiva, mas da qual podes suportar. Assim, no dia em que te sentes forte, não te acomodes em um estado de segurança, mas grita a Deus com o Profeta: «Quando declinem minhas forças, não me abandones» (Sl 70,9). No momento da prova, consola-te e repete a ti mesmo para recobrar o ânimo: «Atrai-me após ti, Senhor; correremos ao aroma de teus perfumes» (Ct 1,3). Assim não diminuirá em ti a esperança no momento da desventura, nem a prudência no dia da alegria. Bendirás ao Senhor em todo tempo e assim tu encontrarás a paz no centro de um mundo vacilante, uma paz inquebrantável, por assim dizer; começarás a renovar-te e a reformar-te a imagem e semelhança de um Deus cuja serenidade dura por toda eternidade (Bernardo de Claraval).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Bendiz, minha alma ao Senhor e no esqueças seus benefícios» (Sl 102,2)

 

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Oh!, se compreendêssemos de uma vez o que diz a Escritura; a saber, que «contra seu desejo humilha e aflige aos filhos do homem» (Lm 3,33), que, frente à desventura de seu povo, seu coração se comove por dentro e, em seu interior, se estremece de compaixão (cf. Os 11,8), então seria muito diferente nossa reação e exclamaríamos: Perdoa-nos, Pai, se com nosso pecado temos te obrigado a tratar tão duramente a teu Filho amado. Perdoa-nos se agora te obrigamos a afligir-nos também a nós para poder salvar-nos, enquanto que tu só querias dar «coisas boas» a teus filhos. Quando eu era um jovem, desobedeci uma vez a meu pai indo, descalço, a um lugar onde ele me havia recomendado não ir. Um grosso pedaço de vidro me feriu a planta do pé.  Era durante a guerra e meu pobre pai teve que fazer frente a não poucos riscos para levar-me ao médico militar aliado mais próximo. Enquanto este me extraía o vidro e me curava a ferida, via meu pai retorcer as mãos e voltar a cara para a parede para não ver. Que filho houvera sido eu se, ao voltar a casa, lhe tivesse lançado na cara ter me deixado sofrer daquele modo, sem fazer nada? Sem dúvida, isso é o que nós fazemos a maioria das vezes, com Deus. A verdade é, portanto, outra. Somos nós que fazemos sofrer a Deus, não Ele quem nos faz sofrer. Porém nós lhe temos dado a volta a esta verdade, até o ponto de perguntar-nos, depois de cada nova calamidade: “Onde está Deus? Como pode permitir tudo isto?” É verdade, Deus poderia salvar-nos também sem a cruz, porém seria uma coisa completamente diferente e Ele sabe que algum dia nos envergonharíamos de ter sido salvos, deste modo, passivamente, sem ter podido colaborar em nada a nossa felicidade (R. Cantalamessa, La fuerza de la cruz)..

 

 

 

QUINTA-FEIRA, 05 DE FEVEREIRO DE 2020 – Mc 6,7-13

 

 

 

 

SEXTA-FEIRA, 07 DE FEVEREIRO DE 2020 –

Marcos 6,14-29 (Herodes e Jesus; Execução do Batista) Esta é a única passagem do evangelho de Marcos cujo protagonista direto não é Jesus. Na realidade, tanto pela colocação como pelo conteúdo, o relato do martírio de João, homem «reto e santo» (v.19), não tem outra finalidade que ser a prefiguração pontual da sorte de Jesus, a quem os Atos referem os mesmos atributos (cf.3,14;7,52). Tanto o Batista, como o Messias, morrem por «vontade» de poderosos perplexos e indecisos. Mais ainda, pode-se dizer que Herodes, infiel a Deus por ter tomado como esposa, contra a lei, a mulher de seu irmão, é um rei adúltero: personificação do pecado de todo o povo que traiu seu Senhor e Esposo para ir atrás dos ídolos. Assim, pois, João morre como Jesus, o justo pelos injustos, porém esta será da mesma forma a sorte à qual estão chamados os discípulos a quem o Mestre envia a pregar a conversão. «A oportunidade se apresentou» (cf.v.21a). Paradoxal coincidência, uma estranha festa para uma vida que, na realidade, é morte e de uma morte que é um hino à vida verdadeira, uma vida que vai além da dimensão temporal, porque é capaz de sacrificar-se a si mesma por amor à verdade. Também o desenlace do banquete resulta grotesco, dado que acaba oferecendo aos convidados, campeões em riqueza, orgulho, poder, luxúria e outras coisas assim, uma macabra bandeja com uma cabeça cortada sob a responsabilidade de uma atrativa jovem. Isto nos faz pensar em muitas de nossas paixões que nos parece impossível deixar de satisfazer… «Seus discípulos foram recolher o cadáver e lhe deram sepultura» (v.29); o mesmo ocorrerá com Jesus, sepultado como semente na terra, da qual, não obstante,servirá para converter-se em pão perfumado oferecido na mesa de seus discípulos, pão para uma vida que não morre.

 

 

Hb 13,1-8 (Últimas recomendações; Sobre a fidelidade) “Jesus Cristo é o mesmo ontem, hoje e sempre” (v.8). Eis aqui a afirmação capital que constitui o fundamento e garantia desta página, uma das conclusões, da carta aos Hebreus, onde se propõem atuações concretas para a vida cristã. Os pontos destacados são vários. Vão desde a perseverança no amor fraterno à hospitalidade, à preocupação pelos presos e pelos que sofrem, pois formam conosco um só corpo, até chegar ao matrimônio vivido santamente. Também o matrimônio dá a oportunidade de pôr em prática a caridade, enquanto a fornicação e o adultério nos afastam do único amor verdadeiro que estamos chamados a receber e intercambiar reciprocamente. O cristão não pode, nem deve viver envolto pela cobiça de acumular: sua verdadeira riqueza é Jesus, e o Pai sabe sempre de que têm necessidade seus filhos. Por isso é importante olhar aos que nos transmitiram o Evangelho, a heroicidade de seu testemunho para imitar sua fé. É precisamente a fé em Jesus Cristo, morto e ressuscitado por nós, o que muda nossa vida e nossas relações, dando sentido e plenitude a toda a história humana. Em Jesus saboreamos o «hoje» no qual descansa nosso coração.

 

Salmo 26/27 (Junto a Deus não há temor) Este Salmo é uma “pérola” de todo o saltério. Não deixe de lê-lo e meditá-lo muitas vezes sozinho, principalmente nos momentos em que a noite avança e a tristeza nos visita, quando nos sentimos sozinhos e parece que o mal nos vence, e estamos prestes a cair debaixo da cruz. Esta leitura nos faz descobrir a intimidade da oração e da contemplação, por isso ocupa na vida dos místicos e dos santos um lugar todo especial. Deus nos ama e nos esconde no interior de sua tenda.

Senhor, que eu possa experimentar nos momentos difíceis da minha caminhada a certeza do salmista: confiar no teu amor, esconder-me na tua tenda e contemplar a vitória do bem sobre o mal. Que eu, Senhor, possa em cada momento experimentar a suavidade do teu amor. Que este Salmo possa ser o meu forte alimento e o pão da caminhada da minha vida. Amém.

 

 

MEDITATIO: «O Senhor é minha ajuda, não tenho medo; que poderá fazer-me o homem?”(Hb 13,6). A afirmação da primeira leitura parece amplamente desmentida pelo evangelho de hoje, no qual Marcos põe como centro de atenção a João Batista e seu cruel martírio. Sim, há quem, por um capricho simples e trivial, por qualquer motivo fútil, faz calar, com a violência, a voz que convida à conversão, o que anuncia o Reino. O discípulo chamado a seguir Jesus, a pregar aos irmãos em meio a pobreza (cf Mc 6, 7-13), nem por isso fica exonerado da prova, mas ao contrário. Todo o relato de Marcos nos apresenta Jesus trabalhando para fazer compreender aos «seus» o destino do Mestre que sobe a Jerusalém para padecer a paixão. Sem dúvida, Jesus nos convida, também, a não ter medo dos que podem fazer mal ao corpo. Há algo pior que isso: viver sem saber por que e para que se vive. “Todo homem é mortal, porém tem como destino a vida eterna; o importante é entrar conscientemente nessa vida que é Jesus mesmo: «Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida»(Jo 14,6)”. Constitui uma graça, para quem é discípulo, ser assimilado ao Mestre, até a entrega total de si mesmo no martírio, e esta é uma situação que vive ainda hoje a Igreja em muitos de seus membros. Cada um de nós está chamado a morrer em si mesmo. Ao homem velho, ao egoísmo, ao orgulho, os quais nos impedem viver como o Batista, afirmando: “É preciso que ele cresça e que eu diminua”. Visto que Jesus é o mesmo ontem, hoje e sempre, quanto mais nos perdemos nele, que é o Amor, tanto mais saborearemos a verdadeira Vida.

 

ORATIO: Senhor, Salvador nosso, queremos viver contigo e em ti, dedicados por inteiro ao designo de salvação que o Pai concebeu para levar a todos os homens à verdadeira liberdade dos filhos de Deus, já não escravos do pecado, mas capazes de amar. Por isso não desejamos antepor nada a ti; que já não prevaleça em nosso modo de pensar e de agir o homem “‘velho” de carne, que se deixa dominar pelas paixões. Só tu és nossa vida, tu nossa santificação e nossa inexpressável alegria, e quando nos consideres dignos de sofrer algo pela fé, faz que, seguindo o exemplo dos santos, não nos lancemos atrás vilmente, mas que sejamos capazes de renunciar a tudo, que sejamos capazes de padecer e oferecer tudo. Tudo para não trair-te. Tudo para não viver como se nunca te tivéssemos conhecido e como se nunca tivéssemos experimentado o forte que é teu amor por nós.

 

CONTEMPLATIO: Existência significa que eu sou só eu e não outro. Habito em mim, e nesta habitação estou eu só, e se alguém deve entrar, é necessário que eu lhe abra. Em horas de intensa vida espiritual sinto que eu sou senhor de mim mesmo. Nisto há algo grande: minha dignidade e minha li­berdade; ao mesmo tempo, sem dúvida, há também peso e solidão […]. Também no cristão há tudo isto, ainda que transformado; em sua dignidade e responsabilidade há ainda algo de outro, de Outro: Cristo. Quando pediste a fé ao receber o batismo, aconteceu em ti algo fundamental. Ao nascer, recebeste tua vida natural da vida de tua mãe. Aqui se esconde um novo mistério, um prodígio da graça: foste gerado à vida dos filhos de Deus. Com perfeita simplicidade e vigor diz a carta aos Gálatas: «Já não vivo, mas é Cristo quem vive em mim» (2,20). A forma que faz cristão o cristão, essa que está destinada a penetrar em todas as suas expressões, a ser reconhecida em tudo, é Cristo nele. Em cada cristão revive Cristo, por assim dizer, sua vida; primeiro é criança, depois vai legando gradualmente à maturidade, até que alcança, plenamente, a maior idade como cristão. Cresce neste sentido: cresce sua fé, se robustece sua caridade, o cristão se torna cada vez mais consciente de seu ser cristão e vive sua vida cristã com uma profundidade sempre crescente. Meu eu está encerrado em Cristo, e devo aprender a amá-lo como àquele no qual tenho minha própria consistência. É preciso que eu busque nele a mim mesmo, se quero encontrar o que me é próprio. Se o cristão renuncia às solicitudes que lhe vêm da fé, se degrada. Aqui temos de buscar as tarefas mais importantes da atividade espiritual cristã: referir de novo a vida cristã, tal qual é, à consciência, ao sentimento, à vontade (R. Guardini, II Signore).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Para mim o viver é Cristo” (Fl 1,21)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Esta foi à tarefa de Jesus como sumo sacerdote da nova aliança, mediador entre o Pai e a humanidade pecadora: em primeiro lugar, abriu o acesso ao santo dos santos e o adentrou Ele mesmo. Ali é onde Jesus ora agora, neste «agora» sem limites da eternidade que nosso tempo criado não pode fixar nem fazer-nos alcançar, a não ser através da oração. Jesus é, assim, para sempre, o homem da oração de intimidade, nosso sumo sacerdote que intercede. Tal é e tal permanece assim «ontem, hoje e sempre» (Hb 13,8). Ali acima, em Jesus ressuscitado, se encontra também a fonte perene de nossa oração daqui debaixo. Graças à oração estamos próximo dele, alquebrados e ultrapassados os limites do tempo, e respiramos na eternidade, mantendo-nos na presença do Pai, unidos a Jesus. Para chegar ali é necessário percorrer aqui embaixo o mesmo caminho que o Salvador, não há nenhum outro: o da cruz e o da morte. A mesma carta aos Hebreus observa que Jesus padeceu a morte fora das portas da cidade. Em consequência, os cristãos também devem sair «ao seu encontro fora do acampamento e também nos  carreguemos com seu opróbio (Hb 13,13), quer dizer, a vergonha da cruz.” Todo batizado leva nele o desejo deste Êxodo para Cristo. “Não temos aqui cidade permanente, mas aspiramos à cidade futura (Hb13,14)”, ali onde está presente Jesus agora. Também estamos já ali na medida em que mediante a oração, habitamos junto a Ele. «Assim pois, ofereçamos a Deus sem cessar por meio dele um sacrifício de louvor, quer dizer, o fruto dos lábios que bendizem seu nome» (Hb13,15). De fato, o cristão, que caminha nas pegadas de Jesus, oferece, como Ele, um sacrifício de oração. Confessa e invoca constantemente seu nome. E depois, no amor, partilha tudo com seus irmãos (El espíritu ora en nosotros, Narcea, Madrid 1985).

 

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SÁBADO, 08 DE FEVEREIRO DE 2020 –

Marcos 6,30-34 (Primeira multiplicação dos pães) Neste texto transparece a ternura humana e divina de Jesus. Com ela envolve os após­tolos, que regressam entusiasmados de sua primeira missão: o Mestre compreende a alegria que tomou conta de todos, porém percebe, também, a necessidade de revigorar o corpo e a alma na intimidade com Ele (v.31a). Por isso lhes propõe uma pausa para repousar distante da multidão, que lhes pressionam constantemente. Sem dúvida, também essa gente, que os segue por todas as partes com seu próprio fardo de penas e esperanças, suscita em Jesus uma compaixão ainda maior (cf. v.34). Atrás daquela multidão de rostos e de histórias há uma única necessidade: encon­trar o caminho da Vida, o sentido e a meta da existência. A multidão não tem quem as guie com se­gurança por este caminho. Dai que Jesus – Caminho, Verdade e Vida – tenha piedade deles: «E se pôs a ensinar-lhes muitas coisas», saciando sua fome mais profunda com a verdade de Deus, um Deus de ternura infinita.

 

 

Hb 13,15-17.20-21 (Recapitulação; Obediência aos guias espirituais) O autor desta carta alterna, na conclusão, catequese (vv.12-15), exortação (vv.16ss) e a oração (vv.20ss). Sem dúvida, o centro vivificador destes versículos é um só: o mistério pascal de Cristo. Ele é “o grande pastor das ovelhas» (v.20); é o Messias esperado que, em virtude de seu próprio sangue, se converteu em mediador de uma aliança eterna de vida e de paz entre nós e Deus. Daqui brota a novidade fundamental do culto cristão, do qual tem tratado a carta: por meio de Jesus, toda a vida do crente pode chegar a ser oferenda agradável a Deus. O sacrifício de louvor se prolonga e se confirma através do sacrifício cotidiano da caridade ativa e da dócil submissão a quem guia a comunidade pelos caminhos do Senhor. Esta existência pascal é dom que temos de pedir e, ao mesmo tempo, compromisso que temos de assumir com responsabilidade; por isso, o autor confia ao Pai os destinatários de sua carta. Só Ele, de fato, pode dispor os corações para acolher o dom de maneira conveniente, quer dizer, em colaboração laboriosa com a graça. A aliança estabelecida na morte e ressurreição de Cristo é premissa e garantia de que o Pai escutará esta oração (vv.20ss).

 

Salmo 22/23 (O bom pastor) Esse Salmo, tão conhecido por todos, deve ser meditado silenciosamente diversas vezes. Este Salmo é um dos preferidos do saltério, pela tradição de Davi pastor e pela culminação na imagem do Bom Pastor. Também por sua simplicidade e riqueza: em duas imagens ou cenas de conjunto, comprime um número inesperado de símbolos elementares. As imagens são duas: o pastor em 1-4, o anfitrião em 5-6. O versículo central, 4b, une-se ao que precede pela imagem, ao que segue pelo surgimento da segunda pessoa. A imagem do pastor é desenvolvida com realismo e concretude, por meio de traços breves que evocam a cena. Deixemo-nos conduzir pela imaginação, sem espiritualizar: a relva verde com uma fonte, para deitar-se, repousar e recuperar forças; as trilhas do caminho, o vale ao anoitecer, o cajado que bate no chão rítmica e sonoramente. A imagem unem dois planos de significado num ângulo comum; dele, numa visão de conjunto, se veem as duas vertentes. O que se diz das ovelhas vale para o homem; o aspecto pessoal avança para o primeiro plano: “tu vais comigo”. A imagem libera vários símbolos, arquetípicos ou culturais. A imagem do pastoreio se inscreve nas relações do homem com os animais dominados e domésticos. O verde aplaca os olhos, revela a terra materna e acolhedora. A água mata a sede e suscita energia vital. O caminhar é energia radical. A escuridão evoca medos infantis e temores não esclarecidos; nela se sente com mais força a presença amiga. A potência simbólica desses traços não se esgota na primeira leitura. A imagem do hóspede. Na cultura nômade a hospitalidade é fundamental. Podemos imaginar um fugitivo de seu clã que pede asilo. O xeque o acolhe na sua tenda, oferece-lhe proteção, comida e bebida, unguentos aromáticos. Ao observar a cena, os inimigos perseguidores se detêm na porta ou cortina: o xeque o protege. Quando termina, o xeque lhe oferece uma escolta que o acompanhe pelo caminho até sua casa, que é a casa do Senhor. Essa parte acrescenta os símbolos de comer e beber. As tradições do êxodo nos dão uma chave para compreender a unidade das duas imagens: o Senhor guia seu povo como rebanho, pelo deserto, proporcionando-lhe água, comida e repouso. Quando chegam à terra prometida, O senhor no seu território os recebe como anfitrião: Ex 15,13; Sl 68,11; 77,21. Duas vezes o poeta interrompe o descanso com o caminho, não ao contrário. Toda a vida a caminho ou a morada final no templo? O poema termina com uma tensão não resolvida, como se numa e noutra vez voltasse a começar.

Senhor, deixa que eu me entregue em tuas mãos e me deixe guiar para onde queres. Que eu seja humilde e dócil, em todos os momentos de minha vida. Mesmo que a noite seja escura, eu confio e confiarei sempre em Ti. Amém.

 

 

MEDITATIO: A ternura de Jesus Cristo se dirige, hoje, a nós. Talvez tenhamos nos comprometido a dar testemunho do seu Evangelho em nosso ambiente habitual e temos necessidade de repousar o espírito em sua presença, ou talvez nos reconheçamos entre aquelas “ovelhas sem pastor», sem meta nem segurança. Mas, Jesus Cristo é “o grande pastor das ovelhas», guia dos pastores e das ovelhas sem pastor: entregou a sua vida para abrir a cada um, a mim tam­bém, um caminho seguro ao redil do Pai. Ele mesmo é “o Caminho, a Verdade e a Vida». Nem sempre é fácil caminhar seguindo seu ensinamento, nem sempre é agradável que os responsáveis da comunidade cristã nos recordem as circunstâncias concretas da vida. Contudo, se acolhemos, com sincera disponibilidade, as indicações do Senhor, nossa vida se converterá numa páscoa contínua, isto é, em uma passagem da falta de significação da ordem cotidiana à plenitude de significado que este adquire quando a caridade com os outros transfigura qualquer gesto. Passagem da instabilidade das vicissitudes humanas, pequenas ou grandes, ao abandono confiante em Deus, que se converte em obediência a quem nos guia em seu nome. Passagem de uma oração formal e bem delimitada a uma vida que se transforma em incessante sacrifício de louvor por meio de Jesus Cristo. É possível tudo isto? Sim, a ressurreição de Jesus Cristo nos atesta a onipotência do Pai celestial. É possível para mim? Sim, se eu o peço e se eu quero corresponder, sinceramente, ao dom, Deus mesmo o realizará em mim. A ternura de Jesus Cristo se dirige, hoje, a nós…

 

ORATIO: Jesus, ternura infinita que nos descobres o rosto de amor do Pai, estamos como ovelhas sem pastor: leva-nos com tua força e tua doçura a descobrir o caminho da vida através da oferenda total de nós mesmos a Deus. Transforma hoje nossa jornada em um incessante sacrifício de louvor a Ele e de caridade com os irmãos. Faz que participemos em tua páscoa, morrendo a todo egoísmo e presunção, para viver em ti como filhos obedientes que cumprem em tudo a vontade do Pai. A Ele, fonte da misericórdia, nós confiamos, por tua mediação, nossa miséria e nossos desejos. Amém.

 

CONTEMPLATIO: O sacramento da Eucaristia purifica dos pecados: assim, quando te sintas manchado e coberto de lama, frio e indolente; não te afasta de Jesus Cristo, não te abstenha deste alimento e lança um grito a Ele, pois Ele não pode deixar de mover sua piedade aos pobres que o invocam. Diz-lhe: «Senhor, venho a ti, pois sou pobre pecador. Cura, meu piíssimo Salvador, a minha alma». Este sacramento robustece o coração do homem para operar grandes coisas, precisamente, como o alimento terreno dá a força para suportar os trabalhos fatigosos. Visto que tu não és nada sem Deus e tens uma extrema necessidade de sua gra­ça, convida-o a cear, não por ti, mas por Ele, em favor teu. Tenta estreitar uma amizade e uma verdadeira familiaridade com Ele. Aprende a falar-lhe: conta-lhe as tuas debilida­des, as tuas aflições e obscuridades. Tenta recuperar, com este alimento divino, as forças do espírito, a devoção, a fortaleza e as outras virtudes. Neste sacramento o homem é trasladado do temor à esperança, da condição de servo ao filho, do torpor ao amor, da tristeza à alegria. A Eucaristia também comunica sua­vidade e doçura espiritual a quem a recebe e acende em nós a divina caridade. Este alimento saudável une a alma a Deus. Assim como o alimento terreno se transforma na substância de quem o recebe e se converte em um só com ele, assim também, ainda que de um modo oposto, o alimento eucarístico converte nele a quem o recebe, de modo que o faz deiforme. Nunca se admirará bastante a inefável condescendência divina, que quer dar-se a nós como alimento e sustentar nosso corpo com o seu. Ele, dando-se como alimento a nós, quis procurar nossa mais estreita união com Ele. Não podia encontrar um modo de aproximar-se mais a alma a si mesmo do que este sa­cramento, no qual, não só o homem se une com Deus, mas chega a fazer-se uma mesma coisa com Ele (Lampergio).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

O Senhor é meu pastor; sua vara e seu cajado me dão segurança” (cf. SI 22)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL «A paixão do Senhor», escreveu Leão Magno, «prolonga-se até o fim do mundo». Onde «está agonizando» hoje Jesus? Em muitíssimos lugares e situações. Porém, fixemos nossa atenção em uma só delas: a pobreza. Cristo está cravado na cruz nos pobres. A primeira coisa que temos de fazer, portanto, é lançar fora nossas defesas e deixar-nos invadir por uma santa inquietude. Fazer que entrem, os pobres, em nossa carne. Dar-nos conta deles indica uma imprevista abertura dos olhos, um sobressalto da consciência […]. Com a vinda de Jesus Cristo o problema dos pobres tomou uma dimensão nova. Aquele que pronunciou sobre o pão as palavras: «Este é meu corpo», as disse também dos pobres quando declarou solenemente: «A mim o fizestes». Há um nexo bastante estreito entre a eucaristia e os pobres. O que devemos fazer concretamente pelos pobres, podemos resumi-lo em três palavras: evangelizá-los, amá-los, socorrê-los. Primeiro, evangelizá-los: hoje, também, eles têm direito a ouvir a Boa Notícia: «Bem-aventurados os pobres». Porque ante vós se abre uma possibilidade imensa aos ricos, porém, fechada ou bastante difícil: o Reino. Segundo, amar aos pobres: significa, antes de tudo respeitá-los e reconhecer sua dignidade. Neles brilha, precisamente, pela falta de outros títulos e distinções, com uma luz mais viva a dignidade radical do ser humano. Os pobres não merecem só nossa compaixão; merecem também nossa admiração. Por último, socorrer aos pobres: ainda que, hoje, já não baste com a simples esmola; faria falta uma mobilização coral de toda a cristandade para libertar aos milhões de pessoas que morrem de fome, de enfermidades e de miséria. Esta seria uma cruzada digna de tal nome, quer dizer, da cruz de Cristo (Raniero Cantalamessa, La fuerza de la cruz, Monte Carmelo, Burgos 2001).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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