LECTIO DIVINA NA 4ª SEMANA DO TEMPO COMUM ANO B 2021

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SEGUNDA-FEIRA, 01 DE FEVEREIRO

Marcos 5,1-20 (O endemoninhado geraseno) O texto é uma típica história de exorcismo, enriquecida por numerosos detalhes de, nem sempre, fácil explicação, que fazem pensar no relato de um testemunho ocular. O episódio acontece às margens do lago de Tiberíades, em território pagão: isso explica a presencia da manada de porcos, animais impuros para Israel. A descrição do endemoninhado acentua o caráter dramático da situação: de cara, o caso se apresenta como grave, e as condições em que se encontra o homem, são desesperadoras.       O grito dos demônios irrompe com força, devido também à ordem de Jesus que o provoca; como em Mc 1,24, os demônios reconhecem Jesus; mais ainda, proclamam sua divindade e o pedem que os deixe estar, porque temem seu poder. A insana reação deste desventurado e a fúria dos demônios fazem ressaltar, de um modo por demais contrastante, a serenidade de Jesus, que pergunta seu nome, como para obrigá-lo a entregar-se a Ele, e os permite refugiar-se nos porcos porque sabe que não terão escapatória. A imagem da manada que se precipita no lago é talvez simbólica: indica o retorno dos demônios a Satanás, rei dos abismos. A reação dos presentes, sem dúvida, está dominada pelo terror: os porcos fogem, os conterrâneos do homem rogam a Jesus que se vá. Talvêz fosse muito cedo para que a Palavra de Jesus fosse acolhida em um território estrangeiro, por não estar ainda preparado para a sua vinda. É necessária a mediação do testemunho e do apóstolo: em sentido contrário ao silêncio imposto normalmente no evangelho de Marcos, aqui o endemoninhado curado recebe a ordem de anunciar a notícia aos seus e proclama na Decápolis a obra de Jesus.

2 Sm 15,13-14.30;16,5-13a (A fuga de Davi; Semei amaldiçoa Davi) A conspiração de Absalão é um dos dramáticos episódios que formam parte do atormentado declinar do reinado de Davi. Os vv.13ss recolhem a reação de Davi ao inteirar-se da rebelião de seu filho. Absalão vinha preparando ciosamente, já há algum tempo, a conspiração e conseguiu seduzir com lisonjas os israelitas (15,1ss), que se puseram de seu lado, mais por interesse que por afeto (v.13). Davi foge: sua fuga, mais que uma retirada estratégica, parece resignação, como se quisesse evitar um choque direto com seu filho. O rei parte para o exílio, ainda que o v.30 descreva mais como uma peregrinação penitencial, a humilde aceitação de um castigo divino. O obscuro episódio da maldição de Semei (16,5-13a) acentua a sensação de nos encontrarmos ante uma derrota irreparável, atribuída à vontade do Senhor. Semei pertence à família de Saul (v.5), que, com a ameaça de uma separação do norte, constituía um permanente perigo para Davi. A maldição do v.8 atinge o alvo: de certo modo, Davi usurpou o reinado de Saul e teme agora que Absalão possa fazer o mesmo. Davi teme que Deus o haja abandonado, do mesmo modo que havia abandonado Saul (v.11): por isso rejeita a ajuda do que quer matar a Semei e aceita a oferenda como uma prova. O rei se sente implicado, se não responsável, na cadeia dos delitos que ensanguentam sua casa, desde a violência cometida por Amón sobre Tamar ao fratricídio de Absalão. Sua esperança é que o sofrimento presente possa ser ocasião de bem para amanhã (v.12).

 

Salmo 3 (Apelo matinal do justo perseguido) A confiança em Deus é o melhor caminho para encontrarmos a felicidade. A vida ensina-nos que devemos acreditar exclusivamente nele, pois é Ele quem cuida de nós e nos sustenta em nossas vidas. Mesmo que ao nosso redor as dificuldades aumentem, devemos manter os nossos olhos sempre fixos em Deus. Mas não podemos fazer isso numa espiritualidade de “braços cruzados”… Devemos cooperar com o trabalho de Deus, sabendo que podemos depositar no Senhor toda a nossa confiança.

Senhor, que o medo não me vença e não interrompa o meu caminhar. Que eu seja forte como os santos, os profetas que confiaram em ti, e como os meus irmãos, que souberam dizer sim ao teu amor e cooperar ativamente pela transformação do mundo. Amém.

 

MEDITATIO O drama que turva os últimos anos da vida de Davi parece, tragicamente, ao do endemoninhado de Gerasa. Violência e terror o levam a deixar Jerusalém como o infeliz geraseno que vaga entre os sepulcros. Romper grilhões e cadeias (Mc 5,4) não faz mais que juntar violência a violência, como cortar a cabeça de Semei (2 Sm 16,9) não faria mais que perpetuar a cadeia das vinganças. A libertação que o homem necessita é algo diferente: Davi a espera através da purificação pelo sofrimento; o geraseno a obtém da iniciativa gratuita de Jesus. Ninguém o pediu para que curasse o homem, que não dispunha nem sequer de sua própria voz para implorá-lo, posto que quem grita nele é a legião de demônios que quer afastar-se de Jesus. Surpreende a passividade dos presentes, uma passividade que se transforma, a seguir, em hostilidade aberta a Jesus, um estrangeiro vindo para desbaratar uma condição habitual e tranquila: os enfermos estão excluídos do convívio civil e largados em um lugar de morte, os animais impuros são criados e guardados com cuidado. Lançar a impureza aos abismos e restituir à sociedade quem havia sido expulso dela é um gesto revolucionário, um gesto que rompe os esquemas mentais e dá medo. É difícil conviver com a liberdade: é melhor pedir a Jesus que se vá para outra parte (Mc 5,17).

 

ORATIO Quantas vezes tenho tentado romper, Senhor, os grilhões e as cadeias. Quantas vezes tenho crido que as coisas não iam na direção adequada simplesmente porque se punha qualquer obstáculo na realização de meus planos. Tenho tentado mudar as coisas, tenho me rebelado e me parecia justificada a indignação e inclusive a ira. Quisera «cortar cabeças», como sugeria Abisay; tenho comprovado com todas as minhas forças que tentava «manter-me atado», como faziam os gerasenos. Ajuda-me, Senhor, a ser dócil como Davi, que se vai sem combater, deixando que se cumpra a vontade de Deus. Ajuda-me e liberta-me, Senhor, de outras cadeias, não das que posso romper em um ímpeto de raiva, mas dessas outras interiores do pecado, que talvez não consigo reconhecer nem sequer ver, porém que são o verdadeiro inimigo de quem só tu me salvas.

CONTEMPLATIO Se estais tu, Senhor, que irrompam também nossos adversários: mais que irromper sobre nós, serão derrotados por eles mesmos. Que venham de todas as partes, serão dispersados igualmente. Perderão toda a força ante a majestade de Deus, como a cera ao primeiro contacto com o fogo. E haverei de temer a quem está destinado a uma derrota semelhante? Ainda que caminhe em meio das trevas mais obscuras, não temerei mal algum, sempre que tu, Senhor, Deus meu, esteja comigo. A uma simples ordem do Salvador, toda uma legião diabólica teve que abandonar o corpo de um homem que durante muito tempo havia estado infestado, e não se atreveram a fazer mal nem sequer a uma manada de porcos, antes que Ele o permitisse. Com maior facilidade cairão a esquadras [os espíritos malignos] ali onde se encontrem, frente à majestade de Cristo. Assim pois, intrépido e livre de qualquer temor, alegrando-te no louvor [de Deus], poderás ver tudo isto com teus olhos (Bernardo de Claraval, Obras completas, Biblioteca de Autores Cristianos).

ACTIO Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Conta-lhes tudo que o Senhor fez contigo e como teve compaixão de ti» (Mc 5,19)

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Afirma Dostoievski que basta com o sofrimento inelutável de um menino para fazer saltar todos os silogismos. Como dizer: ou se crer ou não se crer. Assim é com a existência do Mal. Acaso não é necessária a mesma humildade para fazer frente a um problema tão desconcertante? Dizias: teu desígnio não vai adiante, os cálculos não saem. Tu entendias tudo de maneira diferente, querias precisamente o contrário, sem dúvida… A infidelidade não querida, a traição consumada pelo mais querido de teus amigos, e a inocência que sucumbe! Por não falar de desventuras maiores, como o furor da destruição e da morte, a ferocidade desenfreada que se desencadeia sobre a humanidade, e a invenção das torturas mais refinadas para destruir a um homem, para aniquilá-lo sadicamente e pôr-se, a seguir, a rir. Assim ocorre tanto no grande como no pequeno. […] Satanás: o contraditor, o adversário, o insidioso. Agora um vagabundo e viajante perpétuo. Diabo, quer dizer, o desagregador, o caluniador, o acusador. Hipóstase do ódio que divide e que separa. Satanás: multidão, massa, o inúmero, o indeterminado. Quantos nomes, quantas tarefas, quantos planos. E para cada plano, uma máscara nova; um novo estilo e novos truques. Mas é possível que a forma e o espaço mais secretos e insidiosos estejam dentro, dentro desta consciência nossa. Dentro dos «duplos pensamentos» que assaltam a todos nós. Assim fazemos de nós mesmos combustível do mal, ainda que não o queiramos. E mais ainda: o obscuro gozo do mal alheio, também instintivo; ou melhor: precisamente por ser instintivo, isto é, não desejado, sinal de uma presença malvada. Um ser que não se da nunca por vencido e não perdoa a ninguém. E que dizer do pobre endemoninhado de Gerasa que andava entre os sepulcros dando alaridos sob o domínio de todo um inferno? E mais tarde, libertado por fim, invadem, os demônios, toda uma manada de porcos, que se lançam, enlouquecidos, ao mar, como para apagar o terrível fogo que os devora. E é sabido que nem sequer o mar basta para apagar semelhante chama (D. M. Turoldo, II diavolo sul pinnacolo).

 

 

 

TERÇA-FEIRA, 02 DE JANEIRO

Lucas 2,22-40 (Apresentação de Jesus no templo) Vemos no texto uma sequência interessante do verbo «ver»: ver a morte, ver ao Messias, ver a salvação. O velho Simeão, iluminado pelo Espírito Santo, converte-se em testemunho de que «todas as coisas se cumpriram» segundo a lei para que surja o Evangelho. Um menino «sinal de contradição», uma Mãe chamada a uma maternidade messiânica, de dor, junto a seu redentor, e um ancião temente a Deus são os protagonistas de todo o Evangelho. Antiga e nova aliança. Natal e Páscoa. Aqui se encontram todos os mistérios da salvação e reca­pitula-se a história, se dá cumprimento no tempo, respondendo à colaboração e à expectativa dos justos de todos os tempos: Simeão e Ana.

 

 

Ml 3,1-4 (O dia de Iahweh) Dois são os mensageiros indicados pelo profeta, e um introduz ao outro: o que prepara o caminho ao Senhor que vem e o da aliança, o Esperado. Anjo significa «mensageiro» em grego: é interessante que a tradução se refira ao primeiro como mensageiro e re­serve o termo «anjo», atribuído em geral a uma criatura celeste, ao segundo. Com isso se pretende ajudar a distinguir entre o que é só precursor e o Messias suspirado, de origem divina. Através da sombra eloquente da figura se pretende assinalar, em perspectiva, o Batista e Cristo. Um realizará a tarefa do Reden­tor, o outro a de seu Precursor. Um entrará no templo, o outro só lhe preparará o acesso. E Aquele que entrará no templo santificará em si mesmo os ministros e o culto mediante a oferenda pura da nova aliança.

 

Hb 2,14-18 (O sacerdócio de Cristo) «Carne» e «sangue» foram reduzidos pelo inimi­go ao poder da «morte». Carne e sangue em Cristo são divinizados e libertados de tal escravidão. A raça de Abraão fica, assim, restituída à vida. E não só isso. Como aliança perene do mistério da fé, mistério da redenção e mistério da ressurreição da carne para a vida eterna, eis que o divino Filho unigênito se apresenta, não só como o primeiro entre muitos irmãos, mas que se fez para eles também sumo sacerdote, mediador em seu ser humano-divino da fidelidade de Deus, Pai da vida. O sumo sacerdote é definido, de fato, como «misericordioso», porque vem e o faz «por nós, os homens, e por nossa salvação».

 

Sl 23/24,7-10 (Liturgia de entrada no santuário) Subir a montanha do Senhor é nosso grande ideal. E os Salmos são como guias para essa aventura: mostram-nos os caminhos que devemos seguir para alcançar o topo e, então, contemplarmos a glória do Senhor. Nunca devemos esquecer-nos que o Senhor revela-se em experiência durante a noite, na montanha e no deserto. São lugares nos quais nos encontramos sozinhos com aquele que nos ama com Amor de Pai. Senhor dá-me a coragem de me despojar de todo o peso que me impede de subir a montanha; liberta-me dos ídolos do egoísmo e de toda superstição. Que a palavra de Jesus seja para mim programa de vida. Não se pode servir a dois senhores, ou se amará um, ou o outro. Quero sempre estar diante de Ti, Senhor, em adoração e amor. Amém.

 

 

MEDITATIO: Podemos considerar a festa que hoje celebramos como uma ponte entre o Natal e a Páscoa. A Mãe de Deus constitui o vínculo de união entre dois acontecimentos da salvação, tanto pelas palavras de Simeão como pelo gesto de oferenda do Filho, símbolo e profecia de seu sacerdócio de amor e de dor no Gólgota. Esta festa mantém no Oriente a riqueza bí­blica do título «encontro»: encontro «histórico» entre o menino Jesus e o ancião Simeão, entre o Antigo e o Novo Testamento, entre a profecia e a realidade e, na primeira apresentação oficial entre Deus e seu povo. Em um sentido simbólico e em uma dimensão escatoló­gica, «encontro» significa, deste modo, o abraço de Deus com a humanidade redimida e a Igreja (Ana e Simeão) e a Jerusalém celestial (o templo). Em efeito, o templo e a Jerusalém antiga já passaram quando o Rei divino entra em sua casa levado por Maria, verdadeira porta do céu que introduz aquele que é o céu, no tempo novo e espiritual da humanidade redimida. Através dela é como Simeão, experto e temeroso testemunho das divinas promessas e das expectativas hu­manas, saúda naquele recém-nascido a salvação de todos os povos e tem entre seus braços a «luz para iluminar as nações» e a «glória de teu povo, Israel».

 

ORATIO: Por que, ó Virgem, olhas este menino?…Este menino, Virgem puríssima, rege o sol, governa a lua, é o tesoureiro dos ventos e tem po­der e domínio sobre todas as coisas. Mas tu, ó Virgem, que ouves falar do poder deste menino, não esperes realização de uma alegria terrena, mas alegria espiritual (Timóteo de Jerusalém).

 

CONTEMPLATIO: Acrescentamos, também, o esplendor dos círios, para mostrar o divino esplendor d’Aquele que vem e pelo qual resplandecem todas as coisas e, expulsadas as horrendas trevas, ficam iluminadas de modo abundante pela luz eterna; para manifestar, em grau máximo, o esplendor da alma, com o qual é preciso ir ao encontro de Cristo. De fato, do mesmo modo que a Santíssima Virgem e Mãe de Deus, levou, envolta em cueiros, a verdadei­ra luz e a mostrou aos que jaziam nas trevas, assim também, nós, iluminados pelo esplendor destes círios e tendo entre as mãos a luz que se mostra a todos, apressemo-nos a sair ao encontro d’Aquele que é a verdadeira luz (Sifronio de Jerusalém).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Eu sou a luz do mundo» (Jo 8,12).

 

PARA A Leitura Espiritual Como se comporta Simeão ante a grandiosa perspectiva que vê abrir-se a seu povo, no despontar dos novos tempos messiânicos? Com poucas palavras, nos ensina o desprendimento, a liberdade de espírito e a pureza de coração. Ensina-nos como enfrenta com serenidade esse momento delicado da vida que é a velhice. Simeão olha sua morte com serenidade. Não lhe importa ter uma parte e um nome na embrionária era messiânica; está contente de que se realiza a obra de Deus; com ele ou sem ele, é assunto que carece de importância. O Nunc Dimitis, o Canto de Simeão, não nos serve só para a hora de nossa morte ou de nossa velhice. Incita-nos, agora, a viver e a trabalhar com este espírito, a libertar a casa que construímos pequena ou grande, de modo que possamos deixá-la com a serenidade e a paz de Simeão. Incita-nos a viver com o espírito da Páscoa: com a cintura cingida, o bastão na mão, sandálias postas, preparados para abrir ao próprio Senhor, quando chame, à porta. Para poder fazer isto, é necessário que também nós, como o velho Simeão, “estreitemos o menino Jesus em nossos braços”. Com Ele estreitado contra nosso coração, tudo é mais fácil. Simeão olha com tanta serenidade sua própria morte porque sabe que agora também voltará a encontrar, além da morte, o próprio Senhor e que será um estar de novo com Ele, de outro modo (R. Cantalamessa, Los mistérios de Cristo em La vida da La Igresia).

 

 

 

 

QUARTA-FEIRA, 03 DE FEVEREIRO

Marcos 6,1-6 (Visita a Nazaré) Esta breve passagem conclui a seção dos milagres e introduz uma série de peregrinações de Jesus dentro w fora de Galiléia. A expressão genérica «povo» (v.1) era suficiente para indicar Nazaré; é mais precisa a determinação do tempo: é importante que a manifestação de Jesus tenha lugar no sábado (v.2). Em Israel, qualquer homem adulto podia comentar a Escritura na sinagoga: sem dúvida, o ensinamento de Jesus é diferente do de todos os rabinos daquele tempo. Ainda que sem citar (entre os sinóticos só o faz Lucas, 4,17ss) os versículos de Isaías comentados em Nazaré, Marcos registra o estupor dos presentes. Três são os motivos de admiração: a origem das palavras pronunciadas por Jesus; a sabedoria que possui; os prodígios que realiza. Tudo isto parece contrastar com a familiaridade que os nazarenos acreditavam ter com Ele, dado que conheciam a seus pais e irmãos. A verdadeira identidade de Jesus se revela aqui através de seu ser sinal de contradição, pedra de tropeço, motivo de escândalo (v.3). Isto mesmo constituía já uma característica dos profetas, perseguidos com maior frequência precisamente por aqueles que deveriam tê-lo entendido melhor (v.4). Por essa desconfiança, não podo realizar Jesus milagres entre seus paisanos: Ele mesmo se mostra surpreso desta falta de fé, do mesmo modo que os seus estavam admirados de sua autoridade.

2 Sm 24,2.9-17 (O recenseamento do povo; A peste e o perdão divino) Os últimos capítulos do segundo livro de Samuel interrompem a história da sucessão de Davi para inserir, como em apêndice, alguns episódios. O censo disposto por Davi (v.2) vai contra a Lei, segundo a qual só Deus pode avaliar a consistência de seu povo. Por isso Davi sente remorsos (v.10) e o profeta Gad o preanuncia o castigo (v.13). Davi só pode escolher entre a carestia, a derrota e a peste: são os castigos previstos pela Lei para a traição à Aliança (cf. Dt 28,21-26). Davi prefere a peste à guerra, não só por sua menor duração, mas porque um castigo da mão de Deus permite confiar na misericórdia divina (v.14), o que não ocorre quando o castigo o aplica a mão do homem. De fato, o Senhor sente piedade e perdoa Jerusalém (v.16); também o rei sente compaixão e intercede pelo povo inocente, assumindo a responsabilidade do sucedido (v.17).

Salmo 31/32 (A confissão liberta do pecado) A conversão é o único caminho que nos leva a Deus e à felicidade. Converter-se é um constante “voltar atrás” até reencontrar o caminho certo a ser seguido. Na vida, há tantas encruzilhadas, tantos convites que tentam nos desviar e nos fazer escolher o caminho mais fácil e agradável aos nossos olhos… Entretanto, Deus nos recorda que é preciso não endurecer o pescoço nem sermos irracionais como cavalos e mulos, mas deixar-nos conduzir pela sua mão benfazeja.

Senhor, eu não posso ter medo de me humilhar, de ter caminhos novos diante de mim, de dizer sim à tua Palavra e à tua vontade. Não importa o sofrimento e a cruz que devo abraçar para ser santo, mas o teu amor e a tua presença na minha vida. Ensina-me, Senhor, o que devo fazer, e eu o farei custe o que custar. Amém

 

 

MEDITATIO No texto vemos a ambígua relação que teve Jesus com sua cidade: os nazarenos se escandalizam por suas palavras e Jesus se surpreende da sua incredulidade. Aqui parece manifestar-se o desconcerto do próprio evangelista: como é que os seus, aqueles que deveriam ser mais próximos, não crêem nele? Como é que, precisamente em sua cidade, realiza poucos prodígios? Sem dúvida, este não devia surpreender os israelitas, que conheciam bem a história dos profetas, perseguidos e desprezados com freqüência, precisamente por seu próprio povo. E, tampouco, deve surpreender-nos, nós que nos encontramos, por assim dizer, na condição dos nazarenos: por que precisamente as comunidades cristãs se encontram com frequência tão afastadas da Palavra de Deus? Por que sucede que os não crentes conhecem melhor a Bíblia? Por que tampouco em nossos dias são ouvidas as vozes «proféticas» ou, o que é pior, são marginalizadas, ridicularizadas, acusadas de heresia? No segundo livro de Samuel é o Senhor que sugere a Davi o censo (2 Sm 24,1), enquanto o 1º livro das Crônicas atribui a idéia a Satanás (1 Cr 21,1). Na realidade, se trata de uma leitura teológica espetacular: Satanás não é mais que um instrumento nas mãos de Deus (cf. Jo 1, 6), que põe a prova a fé dos seus. Davi crer seguir o povo; esquece que é só o administrador, não o dono, do povo de Deus.O problema, tanto no caso de Davi como no dos nazarenos, consiste em deixar-se levar pela Palavra de Deus sem pretender saber mais que ela ou julgar se no filho de um carpinteiro pode manifestar-se ou não a sabedoria de Deus.

ORATIO Senhor, perdão pelo meu orgulho. Pretendo sempre dominar os acontecimentos e me escandalizo quando não corre tudo segundo minhas previsões. Perdoa minha pouca confiança em ti. Acuso-o de estar longe, de não vir em minha ajuda; sem dúvida, sou eu que não é capaz de esvaziar meu coração para dar-te espaço. Senhor, não sei rogar-te. Não sei dirigir-te minhas petições com simplicidade e confiança. Dá-me, Tu, as palavras, porque tenho necessidade delas: sou um ser humano, Senhor, e não sou capaz de suportar o silêncio. Não fazes prodígios em mim porque eu, como os nazarenos, não creio em ti. Não sei reconhecer minhas culpas como fez Davi. Ajuda-me, Senhor. Tu não estais longe de mim: sou eu o que estou longe de mim mesmo e de ti.

CONTEMPLATIO Tem mancha branca no olho aquele a quem a cegueira produto de sua presunção de sabedoria e de justiça não o permite ver a luz da verdade. De fato, se a pupila do olho está negra, vê, porém sei tem uma mancha branca, não vê nada. Está claro que se o homem se reconhece néscio e pecador em sua meditação, chega à experiência da claridade interior. Agora, se, se atribui o cândido brilho da sabedoria e da justiça, se exclui por si mesmo da luz divina; e tanto menos consegue penetrar na claridade da verdadeira luz quanto mais exalta sua presunção a seus próprios olhos (Gregório Magno, Obras, Biblioteca de Autores Cristianos).

ACTIO Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Que sabedoria é essa que lhe foi dada?» (Mc 6,2)

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Ao fim duma imensa preparação, cheia de sangue e luz que recapitula toda a história e tem seu próprio eixo no destino de Israel, Deus se fez homem para mudar o sentido da morte e abrir de novo aos homens a plenitude de sua vocação. Em Cristo, o homem foi restabelecido em sua dignidade de pessoa «a imagem de Deus» e, por isso, ainda que supere, infinitamente, o mundo, foi chamado a torná-lo «corpo de Deus» através da difusão da eucaristia. A meditação da Igreja antiga, resumida pela regra de fé elaborada pelos sete grandes concílios ecumênicos, tornou possível o desenvolvimento da ciência e da técnica «ocidentais». Esta meditação foi selada no sangue dos mártires e à luz dos transfigurados.[…] A história e o cosmos foram arrancados, assim, dos deuses e entregues ao homem, ainda que só na medida em que este se reconheça criatura e só enquanto sua técnica permaneça à serviço da celebração.[…] A rebelião moderna diz que «deus» se reduz a dimensões muito limitadas deste mundo: da projeção da luta de classes em Marx, da debilidade e do ressentimento em Nietzsche, de uma sexualidade reprimida em Freud. Na política, na medicina ou na psicologia se constituem saberes e técnicas para sufocar a angústia fundamental: reduzir as consequências destruidoras do azar e da necessidade. Se nada há fora do mundo, o conhecimento de suas leis, conhecimento que se pensa total, justifica os regimes totalitários. Se não há nada fora do prazer, é urgente produzir e consumir até a eutanásia final. Não iludia Solzhenitsin ao dizer que a inflação não tem outra causa senão o pecado. O maior de todos os concílios ecumênicos foi, sem dúvida, Calcedônia, celebrado em 453 na margem oriental do Bósforo, rio entre Europa e Ásia. Este celebrou a união do divino e humano, sem separação nem confusão, em Cristo. Mas parece que no século XIX um cristianismo amplamente pietistamoralista, tanto no Oriente como no Ocidente, se esqueceu do dogma de Calcedônia. Feuerbach, que seria seguido por Marx, considerava que «deus» era a parte melhor do homem e que este, devido sua impotência, o projetava num céu imaginário. Assim, anunciava oficialmente a carência da vocação à deificação no cristianismo de seu tempo. Os dois termos do adágio patrístico, tão profundamente «calcedoniano», Deus feito homem, ou homem feito Deus (ou seja, plenamente homem na união com Deus), estão agora em tensão. É o duelo descrito por Dostoievski, do homem-Deus anticristão contra o Deus-homem crístico. Calcedônia caiu no esquecimento, Cristo torna a ser crucificado (O. Clément, La rivolta dello Spirito).

 

 

 

QUINTA-FEIRA, 04 DE FEVEREIRO

Marcos 6,7-13 (Missão dos Doze) Após a visita a Nazaré, e antes de seguir seu caminho para outros territórios, envia Jesus em missão os Doze (cf.3,14ss), dando-lhes poder de expulsar os espíritos imundos (v.7). Podemos distinguir três partes. Na primeira, Jesus da disposições sobre o estilo de vida (vv.8ss): os enviados não devem levar provisões consigo, porque só poderão contar com a generosidade daqueles aos quais se dirijam. Na segunda, o mandato indica o método da pregação: ficar na casa que os receba, mas abandoná-la sem pesar se não os escutam (vv.10ss). Por último, ao mandato de Jesus se segue a execução: os discípulos partem, pregam a conversão e sua obra de exorcismo e de cura é eficaz (vv.12ss). Esta narração, em sua simplicidade, segue sua lógica. A redução da vida ao essencial, apoiada em uma absoluta confiança no Senhor, é condição para poder estar por completo à serviço da Palavra. A pregação da Palavra da verdade e a conformidade com seus ditames são, por sua vez, duas condições para a eficácia da atividade apostólica.

1 Rs 2,1-4.10-12 (Testamento e morte de Davi) O primeiro livro dos Reis narra a morte de Davi como a morte dos antigos patriarcas de Israel: «Davi adormeceu com seus pais» (v.10). É o sinal de que Davi, apesar de seus erros e de seus pecados, «caminhou pelos caminhos do Senhor», segundo a expressão característica do Deuteronômio e dos livros históricos. Do estilo da obra histórica deuteronômica são também as últimas recomendações do rei a seu filho Salomão, que o sucedeu no trono e que levou o reino de Israel a seu máximo esplendor. O compromisso principal que deve assumir Salomão é seguir a Lei do Senhor, dada a Moisés no Sinai, e para a qual se usam os termos do Deuteronômio: estatutos, mandamentos, preceitos, ditames e normas. Não se trata só dos «Dez mandamentos», mas também das disposições contidas nos códigos do Pentateuco e dos preceitos rituais que, pouco a pouco, foram enriquecendo a legislação de Israel. A Lei vincula o rei do mesmo modo que todos os demais, com esta diferença sobre às outras teocracias da antiguidade: em Israel, o rei é um homem e não uma divindade. Consequência desta fidelidade à Lei será o êxito de todos os projetos do rei (vv.3ss) e, em particular, a permanência da casa de Davi sobre o trono de Israel, segundo a promessa do profeta Natã: da estirpe de Davi, com efeito, nascerá o Messias.

(Sl) 1 Cr 29,10-12 (Ação de graças de Davi) Este intenso cântico de louvor, que o primeiro livro das Crônicas põe nos lábios de Davi, faz-nos reviver a explosão de alegria com que a comunidade da antiga aliança saudou os grandes preparativos realizados com vista à construção do templo, fruto de um compromisso  conjunto do rei e de muitos que tinham trabalhado com ele. Como que competiam em generosidade, porque isto exigia uma morada que não              “se destina a um homem, mas ao Senhor Deus” (v.1). Ao reler aquele acontecimento, séculos depois, o Cronista intui os sentimentos de David e de todo o povo, a sua alegria e admiração por quantos tinham oferecido a sua contribuição: “O povo alegrava-se com as suas oferendas voluntárias, pois era de coração generoso que as faziam ao Senhor.           O próprio rei David sentiu alegria” (v.9). Este é o contexto em que nasce o Cântico. Mas ele só considera brevemente a satisfação humana, para pôr a glória de Deus imediatamente no centro da atenção: “A Vós, Senhor, a grandeza…         a Vós, Senhor, a realeza…”. A grande tentação que está sempre à espreita, quando se realizam obras pelo Senhor, é a de nos colocarmos a nós mesmos no centro, como se nos sentíssemos credores de Deus. David, pelo contrário, atribui tudo ao Senhor. Não é o homem, com a sua inteligência e a sua força, o primeiro artífice de quanto se realizou, mas sim o próprio Deus. David expressa desta forma a profunda verdade de que tudo é graça (São João Paulo II).

 

 

MEDITATIO É possível que não nos perguntemos com uma frequência suficiente quais são, verdadeiramente, as coisas importantes em nossa vida. É fácil cair em tópicos, adequar-se às explorações televisivas, ficar na superfície: é importante ter um trabalho, uma família unida, a saúde… Mudam as gradações, porém estes são, mais ou menos, os termos que aparecem em nossa escala de valores. As leituras de hoje nos propõem uns parâmetros muito diferentes. Os discípulos de Jesus já abandonaram o trabalho e a família para segui-lo; mas, agora os envia também para longe dele, sós pelo mundo, a anunciar o Evangelho. Impõe prescindir de tudo o que a nós nos parece indispensável: nem provisões, nem sacola, nem dinheiro, nem túnica de troca, mas só sandálias e bastão. Antes de dar disposições mais precisas a seu filho Salomão sobre o trato que deve dar aos inimigos do reino, Davi o recomenda a obediência fiel aos preceitos da Lei, única condição para o bom êxito de qualquer projeto. Seguramente, a saúde, a família e o trabalho são coisas importantes. Porém, não são as primeiras que devemos buscar: não são a condição para poder seguir os caminhos do Senhor; ao contrário, são sua consequência. Não digamos: tenho muito trabalho para poder comprometer-me no voluntariado; a família me absorve e não tenho tempo de orar; minha saúde é frágil e não posso fazer nada pela Igreja. Busquemos primeiro a Palavra do Senhor e seu alimento, e o resto virá por acréscimo.

ORATIO Senhor, ajuda-me a buscar em primeiro lugar tua vontade. Liberta-me das preocupações sufocantes da vida cotidiana. Concede-me a serenidade dos lírios do campo e dos passarinhos, que no se angustiam por sua sobrevivência. Faz-me generoso, Senhor. Faz com que pense antes nos outros que em mim mesmo. Concede-me o discernimento necessário para realizar cada vez eleições justas. Senhor, me agradaria ser capaz de dar testemunho de ti, de levar tua Palavra aos homens no mundo no qual vivo. Porém, me oprime as dificuldades, tenho muito medo de não sair bem do embate, sou tímido e me falta segurança. Faz-me compreender que o êxito não depende de minhas capacidades, mas de tua vontade. Concede-me o dom da simplicidade, Senhor, para que saiba encontrar o essencial e não me disperse em mil agitações de atividades supérfluas.


CONTEMPLATIO [O Senhor] afirma que só pode seguir seu caminho e imitar sua gloriosa paixão aquele que, disposto e diligente, não está preso pelos laços de seu patrimônio, mas que, livre e sem nada que o atrapalhe, segue ele mesmo a suas riquezas, que já enviou como oferenda a Deus. […] Àqueles que buscam o reino e a justiça de Deus, os promete que dará tudo o mais por acréscimo. Com efeito, posto que tudo pertence a Deus, nada faltará a quem possui a Deus, se ele mesmo não falta a Deus (Cipriano, El padrénuestro).


ACTIO Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Ordenou-os que não tomassem nada para o caminho, exceto um bastão» (Mc 6,8)

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Jesus propõe a seus discípulos sair em missão num estilo de vida que os afeta como pessoas. De fato, Jesus pede que vivam o compromisso missionário com sobriedade de vida, na pobreza no alimento, nas vestes, nas exigências cotidianas, nas relações pessoais. O sentido profundo desta redução ao básico está no fato de que o Reino de Deus é tão importante, grande e suficiente que faz passar ao segundo plano «o mais». A proposta do Senhor a seus discípulos que saem em missão, é viver com um estilo de gratuidade, de disponibilidade, de prontidão a tudo. O motivo radical desta atitude reside, uma vez mais, no fato de que o Reino de Deus anunciado por nós consiste, precisamente, no amor gratuito sem reservas e sem condições com o qual Deus se põe a disposição do homem. Assim, pois, a proposta que faz Jesus não deve ser entendida, primeiro ou unicamente, como proposta ascética; trata-se de uma proposta mística, no sentido de que este estilo de vida se converte na linguagem através do qual se expressa propriamente a natureza do que comunicamos, o Reino, que vale mais que qualquer coisa e é dom da misericórdia. Mas, que significa para o apóstolo ser pobre, converter-se em pobre? Como resposta a esta pergunta tentamos tomar não só a relação pobreza-coisas, mas também a relação entre a pobreza e a própria pessoa. Quer dizer: posto que o Reino de Deus é Deus mesmo que se põe a disposição do homem e que quer se comunicar a ele, o anúncio do Reino passa como é devido só quando seu anunciador se põe a total disposição do homem. Não há escapatória. (…) Se queremos chegar a ser missionários, devemos fazer-nos pobres (R. Corti, Guaia me se non evangelizzo).

 

 

 

SEXTA-FEIRA, 05 DE FEVEREIRO

Marcos 6,14-29 (Herodes e Jesus; Execução de João Batista) A redação que nos apresenta Marcos do martírio de João Batista é a mais extensa, comparada a Mateus e Lucas. Marcos registra primeiro as opiniões das pessoas sobre a identidade de Jesus, em resposta às perguntas de Herodes (o tema se repete em Mc 8,27ss, onde é o próprio Jesus que interroga a seus discípulos). Herodes, atormentado pelos remorsos, crer reconhecer no Nazareno ao profeta que ele havía mandado matar (v.16): assim é como fica introduzida a narração. Fala-se, em primeiro lugar, da prisão de João por causa de Herodíades: o relato entra de imediato no meio, indicando a valente acusação ao rei como causa do martírio do profeta (vv.18-20). Segue a narração dramática das intrigas de Herodíades, com a figura de Salomé reduzida a instrumento por sua pérfida mãe (vv.21-25). Herodes aparece aquí mais como um homem débil que como um malvado, refém de sua mulher, incapaz de resistir a seu instinto. Vítima de seu próprio imprudente juramento, deve ordenar contra sua própria vontade a decapitação do profeta (vv.26-28). Sem dúvida, o remorso o perseguirá. O relato termina com um toque de piedade: se entrega o corpo do profeta a seus discípulos, que o dão sepultura (v 29).

Eclo 47,2-13 (Davi; Salomão) O livro do Eclesiástico ou do Sirácida, composto, provavelmente, no começo do século II a.C, era conhecido até o século passado só em sua versão grega, realizada antes do ano 132 a.C por um neto do autor. Trata-se de um livro sapiencial, e em sua última parte mostra que a Sabedoria de Deus se manifestou na história de Israel. Entre outros, se fala também de Davi, apresentado como o homem eleito previamente por Deus para constituir o reino de Israel (v.2). As empresas de Davi estão narradas de uma forma poética e épica, como empresas de um herói quase sobrehumano, um herói que é o que é só porque foi guiado pela mão de Deus. A grandeza de Davi consiste precisamente em submeter-se ao Senhor e em invocar sua proteção:«Porque ele invocou ao Senhor Altíssimo» (v.5), «Por todas suas empresas dava graças ao Altíssimo» (v.8), «Pôs arpas para o serviço do altar» (v.9). Por esta fidelidade que manteve, e não por sua força de bandoleiro, o perdoou o Senhor seus pecados e o concedeu o reino, a vitória e, sobretudo, a descendência messiânica (v.11).

Salmo 17/18 (Te Deum real) Este Salmo é extenso e aponta a necessidade de líderes honestos, retos, que não se deixam corromper pela maldade e a riqueza. A corrupção não é invenção moderna, mas sempre esteve presente na humanidade e seu “bacilo” está dentro do coração humano. Por isso devemos permanecer vigilantes em todos os momentos de nossas vidas para não cairmos nas armadilhas dos maldosos.

Senhor, ajuda-me a conservar meu amor por ti e pelos teus servos. Que nunca me deixes cair nas armadilhas dos malvados e dos injustos, que prometem mares e montes e nada cumprem. Precisamos de líderes que sejam orientados pela honestidade e pelo bem, tanto na política quanto na sociedade e na tua Igreja. Amém.

 

 

MEDITATIO A grandeza de um homem, segundo os critérios da Bíblia, se mede por sua fidelidade à Lei do Senhor. Nisto, as figuras, por outra parte tão diferentes, de Davi e João Batista podem ser associadas. Fidelidade ao Senhor significa também clareza de juízo e valor no testemunho. Davi mostra sua força de ânimo quando faz frente ao gigante e quando combate os inimigos de Israel, porém, sobretudo quando reconhece, com humildade, seu pecado. É recordado não tanto por haver unificado as tribos de Israel sob seu trono, mas por haver se submetido à palavra do profeta que lhe foi dirigida em nome de Deus. João não teve medo ante o poderoso Herodes e não vacilou em pronunciar o juízo que o sugeria a inspiração do Senhor. A fé é um dom frágil e pesado ao mesmo tempo. Frágil, porque basta pouco para lançá-la dentro de nós; pesado, porque implica uma mudança radical em nossos critérios e em toda nossa vida. Mas a palavra pesado tem em hebreu a mesma raiz que a palavra glória: a glória do Senhor, que acolhe junto a si Davi e João Batista, é a contrapartida de um «peso» levado com alegria, porque é «um jugo suave e ligeiro» (cf. Mt 11,30).

 

ORATIO Livra-me, Senhor, da tentação de buscar a glória humana e de crer na bajulação do poder terreno. São muitas as vezes que o desejo de sobressair, de assegurar-me privilégios, de entrar em familiaridade com as pessoas «importantes», me leva a esquecer a coerência e a fidelidade aos teus ensinamentos. Senhor, faz-me firme na fé. Concede-me a coragem que não tenho. Faz-me superar o respeito humano que me impede dar testemunho de ti frente ao mundo. Faz que não vacile diante do dever de eleger. O débil Herodes, a oportunista Herodíades, a superficial Salomé, estão muito próximas a mim: concede-me, Senhor, a força de pôr-me ao lado de João Batista, do lado da verdadeira vida. Faz com que eu não tenha mais que tua Palavra em minha cabeça.

 

CONTEMPLATIO O que olha só a si mesmo vive com pouco temor de Deus, não observa a justiça; mais ainda, a transgride e comete muitas injustiças; se deixa contaminar pelas bajulações dos homens umas vezes por dinheiro, outras para agradar aos que o pedem um favor que será uma injustiça obtê-lo; outras vezes, para escapar a punição por haver cometido uma falta, serão lançados para além da vara de justiça que deveria cair sobre você. Esse tem operado como homem iníquo. […] Qual é o motivo? Ter amor próprio, que é de onde brotam as injustiças. […] E, sem dúvida, vos digo que quisera que fôsseis justos, que reluzisse em vosso peito a perca da justiça (Catarina de Sena, Obras de santa Catalina de Siena).


ACTIO Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Por todas suas empresas dava graças ao Altíssimo» (Eclo 47,8)


PARA A LEITURA ESPIRITUAL Os jornais estão repletos de notícias alarmantes: corrupção, administradores que não respeitam as leis, juntas que caem, funcionários envolvidos em tormentas de escândalo, instituições tidas como inoxidáveis corrompidas pela ferrugem da suspeita. Ditosos vós se, no assédio dos problemas comunitários que os acossam, no tráfico das preocupações políticas que os angustiam, na encruzilhada dos delicadíssimos liames que os mantêm como equilibristas suspensos no vazio, sois o suficientemente teimoso para encontrar o espaço necessário para descongestionar-se do afã das coisas e para reconstruir no interior da família espessas capas de humanidade. Bem sabeis: o povo propõe muitos problemas (a casa, o trabalho, o ensinamento, a saúde) para que se os resolváis, e deveis fazê-lo dando sempre prioridade à parte mais indefesa de vossa gente. Contudo, a impressão é que, em ocasiões, o timoneiro da barca segue rumos impostos pelos grandes locais, e não pela gente pobre, e que as velas recolhem só os ventos dos que têm mais chiado no peito, e não os suspiros dos que arquejam com dificuldade porque carecem de tudo. Tende a coragem de opor-se, pagando inclusive com vossa própria pessoa, quando na distribuição dos cargos, na divisão dos contratos de trabalho, na elaboração de planos de fabricação, na destinação das áreas urbanas, se têm presentes os interesses dos que vão bem e se pisoteia os direitos primários dos que estão consumidos no desespero ou, em todo caso, se suplantam as exigências da comunidade. Frente [à tragédia] que se consuma ante a indiferença geral, quai deve ser a atitude das pessoas civis que apenas querem iniciar a deletar o alfabeto da solidaridade? Primeiro é urgente denunciar os danos já ocasionados (A.Bello, Asoma la esperanza, Ediciones Sigueme).

 

 

 

SÁBADO, 06 DE FEVEREIRO

Marcos 6,30-34 (Primeira multiplicação dos pães) Após o parêntese sobre o martírio de João Batista, o texto é retomado com o envio dos Doze (Mc 6,7-13). Trata-se de um breve momento de intimidade de Jesus e os seus. De volta da missão, narram os discípulos ao Mestre como ocorreu. Jesus convida-os a descansar em um lugar solitário (v.31). É raro o grupo separar-se da multidão e, inclusive, desta vez o retiro dura pouco de fato: o espaço que ocupa um versículo (v.32), o mais breve, que, de modo significativo, se acha no centro da passagem. Imediatamente depois, a multidão, que havia feito a pé o trajeto ao longo da margem do lago, alcança Jesus. Este, compadecido dela, a acolhe. O texto tem uma estrutura em quiasmo, isto é, em forma de «X». Ao v.30, ação e ensinamento dos discípulos, corresponde o v.34, o ensinamento de Jesus; ao v.31, proposta de afastar-se da multidão, corresponde o v.33, onde a multidão torna a ser protagonista com um movimento de aproximar-se de Jesus. A atenção se concentra no v.32, que fica no centro, quando o grupo se dirige de barca para um lugar isolado: a comunidade dos Doze se reagrupa e reanima, em vistas da nova e magna seção dos milagres com a dupla multiplicação dos pães. O milagre dos pães, com seu profundo significado, é anunciado previamente pela dupla alusão à necessidade insatisfeita de alimento, material e simbólico: os discípulos «não tinham nem tempo para comer» (v.31), as multidões «eram como ovelhas sem pastor» (v.34).

 

 

1 Rs 3,4-13 (O sonho de Gabaon) O texto trás o sonho de Salomão ao modo de uma fábula popular. O protagonista aparece como o herói positivo que segue a Lei e oferece sacrifícios ao Senhor, pelo qual pode pedir algo como dom (vv.4ss). Neste ponto, aparece a grandeza de Salomão no núcleo do fragmento (vv.6-9): após haver recordado os benefícios concedidos pelo Senhor a Davi (v.6), confessa o rei sua própria juventude e inexperiência (v.7) e pede sabedoria para governar ao povo segundo a justiça (vv.8ss). As expressões usadas por Salomão são típicas da linguagem sapiencial e profética: «um coração sábio» para governar o povo e poder para «discernir entre o bem e o mal». O «coração», na antropologia bíblica, é a sede do pensamento e o lugar onde se tomam as decisões profundas. Como nas fábulas, a petição compraz a seu destinatário e não só é escutada, mas este acrescenta também aquilo que o jovem não pediu: além da sabedoria, a riqueza e a glória em maior medida que qualquer outro rei (vv.11-13).

Salmo 118/119 (Elogio da lei divina) Esta é uma oração sem fim. Provavelmente é obra não só de uma pessoa, mas de várias, que elogiam por meio de muitos artifícios literários a Palavra de Deus, a lei do Senhor, como fundamento de todo o agir humano. É um Salmo belíssimo que deve ser “saboreado” lentamente, um versículo por dia. Assim, teremos por mais de meio ano assegurado a nossa meditação. Deus se comunica conosco não para nos oprimir ou dominar, mas para ensinar-nos os caminhos mais fáceis da felicidade. Felizes os que vivem a Palavra de Deus e a ensina. Medite dia a dia este Salmo e sua vida, sem dúvida, será diferente, sendo fortalecida não por palavras humanas, mas pela Palavra de Deus.

Senhor, não quero fugir de tua Palavra nem desprezá-la. Quero amá-la como lâmpada para meus pés e luz no meu caminho. “Lâmpada para meus passos é tua palavra e luz no meu caminho. Jurei, e o confirmo guardar tuas justas normas. Meu sofrimento passa dos limites, Senhor, dá-me vida segundo tua palavra. Senhor, aceita as ofertas dos meus lábios, ensina-me tuas normas. Minha vida está sempre em perigo, mas não esqueço a tua lei. Os ímpios me armaram laços, mas não me desviei de teus preceitos. Minha herança para sempre são teus testemunhos, são a alegria do meu coração. Inclinei meu coração a cumprir teus estatutos, desde agora e para sempre” (Sl 119, 105-112). Amém.

 

 

MEDITATIO O essencial na vida não é o que parece mais importante aos olhos dos homens. O poder e a glória do maior entre os reis de Israel é nada frente à Palavra do Senhor: Salomão não é grande, na história da salvação, por suas riquezas, por suas relações com os impérios do tempo, nem seque pela sensatez de seus juízos. Salomão é grande porque soube dirigir ao Senhor a oração justa. Não se considerou a si mesmo como sábio, mas implorou, como um dom do alto, a sabedoria, e a obteve graças a esta humildade sua. Quando os discípulos voltam e contam a Jesus o êxito de sua missão («expulsavam os demônios e curavam os enfermos»: Mc 6,13), o Mestre não faz caso do que contam, mas os chama para algo mais essencial ainda que o êxito: «Vinde vós comigo a um lugar solitário, para descansar um pouco» (6,31). No mundo convulso no qual nos temos acostumado a viver, temos perdido a dimensão do repouso; cremo-nos generosos e bons porque nos dispersamos sem reserva, sem conservar espaço algum para nós, sem ter quase nenhum tempo para «comer». Jesus nos recorda que não é possível viver sem alimento. Recorda-nos a simples realidade de nossa condição humana, onde mostrar-se muito ativo talvez signifique presunção e orgulho. Porém nos recorda, sobretudo, o alimento do que não podemos prescindir, sob pena da nulidade de tudo o mais: sem retirar-nos para a oração, sem acercar-nos à mesa da Palavra e da eucaristia, o nosso coração seca e se murcha nossa fé.

ORATIO A oração, Senhor, não é coisa tão fácil. É preciso fazer silêncio dentro de nós, retirar-nos, se não físicamente, ao menos com o pensamento e no que se refere às preocupações. Ajuda-me, Senhor, porque não sei buscar a solidão onde possa estar só contigo. Não sei nem sequer buscar o repouso, e o «tempo livre» me dispersa em mil distrações. Liberta-me, Senhor, da ansiedade que supõe ter sempre algo que fazer, do frenesi de estar sempre em meio de gente, da busca extenuante de rumores e agitação. Já não sabemos escutar o silêncio, e até nos templos, durante as celebrações, enchemos todos os buracos de músicas e cantos. Concede-me a capacidade de descobrir tua voz nas coisas pequenas: no repouso, no sono, quando tudo o mais está em silêncio e só tu podes entrar no íntimo dos corações. Faz-me atento, Senhor, e faz que, também eu, como Salomão, te peça sabedoria.


CONTEMPLATIO Se quereis que te dê eu alguma palavra de consolo, vê a meu Filho, sujeito a mim e sujeito por meu amor e afligido e vereis o que te respondo. Se quereis que te declare eu algumas coisas ocultas ou casos, põe só os olhos nele e acharás ocultíssimos mistérios e sabedoria e maravilhas de Deus, que estão encerradas nele, segundo meu apóstolo disse: “No Filho de Deus estão escondidos todos os tesouros de sabedoria e ciência de Deus (Cl 2,3); os quais tesouros de sabedoria serão para ti muito mais altos e saborosos e proveitosos que as coisas que tu queiras saber (san Juan dCruz, Subida al monte Carmelo).


ACTIO Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Dá, pois, a teu servo um coração sábio» (1 Re 3,9)

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Dia a dia temos que tomar várias decisões. Falar, calar, optar por um ou outro extremo de uma alternativa, eleger entre possibilidades, aceitar ou recusar um convite ou um chamado, fazer uma coisa ou simplesmente omiti-la: são alguns dos múltiplos aspectos dessa experiência elementar que é a capacidade de decidir, característica fundamental de nossa condição humana. São muitas as opções que brotam de qualquer hábito quase automático, desses que não exigem nenhuma atenção especial; mas, na vida se apresentam momentos fortes que nos põem frente a situações difíceis. Algumas vezes a decisão é de grande alcance: suas consequências são, talvez, irreversíveis e afetam profundamente nossa vida ou, em ocasiões, o destino de muitos […]. A dimensão central da vida do Salvador, que é viver num contexto de oração a tomada de suas decisões, constitui um dado evangélico primário, ao qual devemos estar atentos em nosso esforço de autoevangelização e de crescimento na fé. As grandes decisões que deve tomar um cristão em sua vida não podem perder de vista os eixos de referência de sua própria opção fundamental. Por isso não devem ser o resultado puro e simples de um processo desvinculado, funcionalmente, daquele que dá alimento e significado existencial à vocação cristã. Para um cristão, decidir é esforçar-se por encontrar e fazer explícita por si mesmo a vontade do Senhor, e isso não é fácil. Não o é, sobretudo, quando se amplia a gama das possíveis opções ou quando gozamos de liberdade plena para inclinar a balança de um lado ou de outro, por ser ambos bons e recomendáveis. E é que aqui estamos falando precisamente desse tipo de decisões cujo objeto é sempre bom. Não considero aqui o caso da eleição entre um bem e um mal: falo da opção entre bens reais, eventualmente tão bons que nos fazem difícil chegar a uma conclusão límpida sobre a orientação que temos de tomar[…]. Só uma retidão total, na presença do Senhor, nos permite localizar pouco a pouco o subsolo profundo de nossa vontade e de nosso agir. Tentar fazê-lo já é, em parte, caminhar para a liberdade. Com a força do Espírito em nós, e através de sua ação sobre nós na oração, começaremos a compreender no mais íntimo de nós mesmos e chegaremos a perceber, na verdade, quão relativo é tudo o que não é Deus em nossa vida. As grandes decisões que temos de tomar em nossa vida fazem parte da manifestação e do incremento do Reino de Deus: em consequência, devem ser tomadas no âmbito da consciência cristã, a saber: no âmbito da orientação e da referência de todo nosso ser a Deus e aos irmãos, à luz dos critérios e os valores fundamentais que nos explica Jesus em sua vida e em sua mensagem. Isso não é possível se não vivemos o discernimento da decisão em um contexto de oração; só esta, de fato, nos faz livres para referir nossa verdade à verdade de Deus, condição imprescindível de paz e de retidão ante à decisão. Discernir na oração é abrir-se sem reservas, em meio da liberdade e da verdade, para buscar o que Deus quer. Decidir, praticando o discernimento e a oração, é dispor-se a expressar, na vida e com a vida, a vontade do Senhor tal como a temos reconhecido e feito nossa (M. Azevedo, La oración en la vida, desafío y don, Editorial Verbo Divino).

 

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AUTORES Giorgio Zevini y Pier Giordano Cabra

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