Estudo Bíblico na 9ª Semana Comum Ano B 2021

ESTUDO BÍBLICO NA 9ª SEMANA COMUM ANO B 2021

Comunidade Católica Paz e Bem

SEGUNDA FEIRA

Lucas 1,39-56

O CANTICO PROFETICO DA MÃE.

“E disse Maria: ‘Engrandece minha alma ao Senhor e meu espírito se alegra em Deus meu Salvador’”

No evangelho de hoje, a maternidade de Maria é felicitada por Isabel: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito o fruto de teu seio” (Lc 1,42). O ventre de Maria é reconhecido, por estas palavras inspiradas, como a arca da aliança perfeita na qual o Senhor se faz presente de modo pleno e definitivo.

Às palavras de Isabel, responde Maria com outro hino, inspirado pelo Espírito Santo, que anuncia, profeticamente, a obra do Salvador. O conhecemos com o título de “Magníficat”. Retomemos o texto, tratando de descobrir seus fundamentos, seu conteúdo e seu itinerário oracional perguntando: Em que se baseia o Magníficat? Qual é sua fonte de inspiração? Que canta Maria? Qual é o núcleo de seu conteúdo? Como o canta? Como se desenvolve?

1.  Em que se baseia o Magnificat?

Lucas nos mostra que o cântico de Maria não é resultado de um simples momento de emoção, mas que vem de um longo processo de tomada de consciência, vivido, primeiro, a partir do encontro consigo mesma, no silêncio, e, logo, por meio da voz inspirada de Isabel.

Observemos que o cântico é, em última instancia, a resposta de Maria à primeira palavra que lhe dirigiu o Anjo: “Alegra-te!” (1,28). Depois de um tempo, durante a visão, Isabel lhe recordou, com outros termos, a primeira palavra do Anjo: “Tu és feliz!” (1,45). Agora, após todo este processo de maduração interna, é a própria Maria que vai dizer: “Alegro-me em Deus, meu Salvador!” (1,47). 

Assim, o “magníficat” é um canto que nasce de um coração agradecido a Deus, de um coração atento à voz e à ação de quem lhe disse que a ama profundamente. Unindo, em sua voz, salmos e cânticos do Antigo Testamento e pondo o olhar na extraordinária novidade de Deus neste novo tempo, Maria pode, agora, expressar a síntese que elaborou em seu coração orante.

2. Que canta Maria?

O tema central do Magnificat é Deus: “Engrandece minha alma ao Senhor”. Ele foi o protagonista de tudo o que aconteceu até o momento e de tudo o que virá depois. Tendo como referencia sua experiência pessoal, Maria dá uma olhada retrospectiva na obra de Deus na Historia da Salvação. Com este hino proclama, pois, a grandeza do Deus da historia, que reconhece por sua santidade, poder, misericórdia e fidelidade. Entende, agora, porque o experimenta dentro dela mesma, porque todos estes atributos. Colocou-se no lugar justo para entender a Deus: o dos humildes (1,48; 10,21).

3. Como o canta?

Maria entoa sua canção inspirada, proclamando a obra de Deus nela, no mundo e no povo de Israel.

(1) A obra de Deus nela (1,39-49a) O Deus, a quem reconhece grande em sua santidade, poder, misericórdia e fidelidade, é também seu “Salvador”. E tem sido pondo seus olhos em sua humildade de escrava, amando-a nessa situação, e fazendo maravilhas nela: o poder criador que a fez mãe do Senhor (ver 1,35). Isto a impulsiona a profetizar: “Desde agora todas as gerações me chamarão feliz”. Isabel foi a primeira em fazê-lo e, bem o sabemos, a profecia saída de seus lábios tem se cumprido, até hoje.

(2) A obra de Deus no mundo (1,49b-53) Erguendo seu olhar contemplativo sobre a humanidade, Maria vê como Deus muda sua situação pelo poder de seu braço. Primeiro, como que se renova a imagem envelhecida de um Deus distante e estático: o “Santo”, Deus em sua transcendência, é, também, o “Misericordioso”, com um coração próximo ao homem, capaz de comover-se e sofrer com ele. Saboreia sua misericórdia aquele que o teme, quer dizer, quem está aberto, sem resistências, à sua Palavra, que busca seus caminhos. Segundo, Maria, pequena entre os pequenos, apresenta-se como um destes pequeninos da historia que, por sua vivencia da misericórdia, está em condições de proclamar a “revolução” que introduz o poder libertador de Deus, “a força de seu braço” (imagem significativa que nos remete ao Êxodo):

  • Aos soberbos, orgulhos, presumidos e autosuficientes, oposto ao temor de Deus, os dispersa.
  • Aos que constroem seu projeto de vida, baseando-se no poder e na força humana, os derruba. Pelo contrário exalta ao humilde.
  • Aos que apóiam sua vida nos bens materiais e põem a confiança na própria riqueza, os despede sem nada. Mas assiste aos famintos, a quem a má distribuição dos bens da terra marginalizou.

Contemplando, criticamente, a realidade humana e suas desgraças, Maria proclama que o poder de Deus é mais forte que as maquinarias que oprimem a sociedade provocadora de fome e da desigualdade.

A escala de valores e a distribuição dos bens que hoje vemos e que tanta indignação nos causa, não é  definitiva, já que Deus tem a última palavra sobre a historia e constrói, com sua Palavra, um novo tecido de relações baseado na fraternidade, justiça e solidariedade (ver primeiros capítulos de Atos). Trata-se, então, de uma visão global da obra do Evangelho, porque Maria faz referencia, justamente, a três dos pontos com os quais choca Jesus em seu ministério.

(3) Uma visão ampla da historia da Salvação (1,54-55)

Maria está consciente de que está contemplando o vértice da historia, uma historia, na qual, Deus tem caminhado como companheiro fiel de seu povo escolhido. Sinal concreto de seu amor fiel é que, agora, cumpre-se a antiga promessa feita a Abraão. A palavra da promessa foi o fio condutor em todo o Antigo Testamento e se cumpre através da obra começada agora em Maria: a Encarnação.

Antecipando-nos ao final do Evangelho, podemos dizer que o mesmo que Abraão, também Maria passou pela prova da fé e saiu vitoriosa: hoje a obra segue adiante, seu Filho Jesus é o último e definitivo sucessor de Davi (ver 1,32-33), Senhor e Salvador, n’Ele se cumpre a promessa da benção (ver Gn 12,1-3) que, ao fim de tudo, é o dom da plenitude de vida.

Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração:

  1. À luz do canto de Maria, que relação há entre “oração” e “vida”? Que elementos do canto nos ajudam caracterizar a espiritualidade de uma pessoa que quer viver sua fé comprometida com sua realidade?
  2. Quais são os momentos do cântico de Maria? Que caracteriza cada um? Que lição nos dá Maria para nossos momentos de oração?
  3. Que valor tem orar pelas tardes com as mesmas palavras de Maria? Como recolhe e expressa o que se vive ao longo de uma jornada?
  4. Que me ensina o cântico de Maria quando disse que Deus é “meu Salvador”? Que relação tem com o natal e com o mistério pascal?

TERÇA-FEIRA

Marcos 12,13-17

OS CONFLITOS QUE ENFRENTA JESUS (I): A IMPARCIALIDADE DE UM CORAÇÃO CENTRADO EM DEUS

“O de César, devolve a César, e o de Deus, a Deus”

Jesus está em Jerusalém, na explanada do Templo, onde propõe seu ensinamento (Mc 11,27). Precisa-mente nesta cidade, Jesus se move no meio de um campo conflitivo, de fortes tensões entre pessoas que tentam o poder, e gente orgulhosa. 

Frente a Jesus passam diversos grupos de pressão política e religiosa. Os interesses de cada um dos grupos se vão fazendo sentir:

  • as autoridades (11,27),
  • a coalizão religiosa política dos fariseus e os herodianos (12,13),
  • os saduceus (12,18)
  • e os mestres da Lei (12,28).

No vai e vem da praça do Templo se falam também dos interesses da potencia dominadora romana, das fricções com a autoridade judia, do estado de ânimo do povo.  

O povo toma partido por alguns destes grupos ou correntes que inclusive estão dispostos a usar a violência para defender ou promover seus interesses. O ambiente conflitivo envolve a Jesus (12,13). Com uma pergunta tratam de pegá-lo (12,14b). Porém frente a todos eles Jesus se apresenta como determinado somente por Deus, ao dizer: “O de César, devolve a César, e o de Deus a Deus” (12,17). 

  1. A estima que os adversários tem de Jesus e a pergunta (12,13-15) 

Os “fariseus e herodianos” já haviam sido apresentados no começo do evangelho como os inimigos de Jesus: “Os fariseus combinaram com os herodianos contra ele para ver como eliminar-lhe” (3,6). E em uma ocasião, Jesus pediu a seus discípulos que não imitassem o comportamento deles (8,15). 

Quando se disse que estes vieram “para pegar-lhe em alguma palavra” (12,13a), sabemos que pretendem prender-lhe “para eliminar-lhe” (3,6). A intenção é violenta. Os adversários afirmam inesperadamente, porém corretamente que Jesus é “veraz”, que não olha “a condição das pessoas”, mas que ensina “com franqueza o caminho de Deus” (12,15a).

É como se lhe dissesse, em outras palavras: “Tu não estás preocupado pela aparência e poder dos homens, mas que te fixas unicamente à verdade; tu ensinas o caminho reto de Deus seja que agrade ou não aos poderosos e sem olhar as conseqüências que possa ter para ti; a vontade de Deus está acima de tua segurança, comodidade e tranquilidade”. Reconhece-se assim a imparcialidade de Jesus. 

Pela primeira vez os inimigos de Jesus dizem o contrário do que sempre tem afirmado sobre Ele (2,17.16; 3,22; 7,5; e a acusação final 14,64). Porém é claro que se trata de uma adulação, não de uma convicção, que arrasta para a armadilha. 

Jesus é colocado em meio dos poderes em conflito: Se, se pronuncia a favor do imposto de vassalagem, ganha a inimizade do povo. Se, se pronuncia contra, dá pretexto para que o acusem ante o império romano e o eliminem.     

  • Uma resposta brilhante que causa admiração (12,15-17) 

Jesus havia traçado antes uma pergunta embaraçosa (11,30), agora devolve uma similar. Porém,  diferente da anterior, Jesus suscita admiração com sua resposta: “E se maravilhavam” (12,17b). 

Jesus se comporta exatamente como o tem descrito: não trata de ganhar o favor de ninguém. E o melhor: tão pouco cai na armadilha. 

  • Percebe e desvela a hipocrisia (12,15a).
  • Pede que lhe tragam um “denário” (moeda equivalente a um dia de salário) é lhes pergunta pela identidade da figura que aparece impressa –que devia ser a do imperador Tibério- e a inscrição – que devia dizer “Tibério César, Augusto filho de deus Augusto”- (12,15b-16a).
  • Frente à resposta evidente, faz uma declaração que deixa a todos em silencio (12,16b-17a). 

Analisemos bem este procedimento:

  • Jesus eleva a pergunta a outro nível: não contrapõe a Deus com o imperador, visto que o político e o religioso tem seu próprio âmbito de competência. Em outras palavras: a fidelidade a Deus não se demonstra com a rejeição do pagamento do tributo ao imperador.
  • Jesus usa o mesmo comportamento dos que o interrogam e lhes exige coerência entre ensinamento e vida. Se eles tem a moeda e identificam nela o imperador, é porque se tem estado servindo dele, na prática vivem sob seu senhorio; portanto, se usam sua moeda cotidianamente, por que não a querem usar para o pagamento do tributo?  Se isso era um problema, por que não começaram por ai? Há uma incoerência entre a pergunta e o comportamento pessoal. 

Quando Jesus disse “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” (12,17a) quer dizer:

  • Por uma parte, que a fidelidade a Deus, a quem Ele conhece e anuncia, não exclui o tributo a Cesar.            A responsabilidade com Deus não descarta a responsabilidade política cidadã. 
  • Por outra, e nisto não deve haver equívocos, precisamente porque são diferentes, o que se dá a Deus não se deve dar a César: a divindade e o poder absoluto só é de Deus e de nenhum homem nem autoridade terrena. 

As exigências de Deus superam as de César. Se bem Deus respeita o âmbito das autoridades terrenas, estas últimas se relativizam, visto que nunca devem pretender para si os atributos de Deus: “Daí a Deus o que é de Deus!”.

Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração

  1. Que nos quis ensinar Jesus com a expressão: “Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus” Como é possível fazer vida no mundo de hoje?

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  • A Jesus “determinou” só a Vontade de Deus. Em minha vida diária, que me impulsiona a agir?

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  • De que tipo são minhas motivações pessoais? (humanas, sociais, políticas, de fé, etc.)

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QUARTA-FEIRA

Marcos 12,18-27

OS CONFLITOS QUE ENFRENTA JESUS (II): UMA RELAÇÃO QUE TRANSCENDE A MORTE

“Não é um Deus de mortos, mas de vivos”

Na passagem de ontem se disse Dai a Deus o que é de Deus (12,17a), porém não disse o que era  que havia de dar-lhe. Isto se esclarece no texto de amanhã, porém hoje se dão as bases: Deus é um Deus dos vivos e a relação com Ele está determinada por este aspecto.

Aproximam-se uns saduceus (12,18a). Jesus tinha silenciado os fariseus e herodianos, agora são os saduceus (12,18). Do problema político passamos ao problema jurídico-religioso. Notemos que no texto anterior Jesus respondeu com delicadeza, com a força da argumentação, desta vez disse francamente: “Não estais em um erro…?” (v 24), “Estais em um grande erro” (v 27).

1. A exposição do problema (12,18-23)

Desde o principio se disse que os Saduceus se caracterizam –entre outras coisas- porque afirmam que não há ressurreição dos mortos. Sobre este fio se desenrola a historia que contam a Jesus. Trata-se de uma mulher que se casa com sete homens, os quais por cumprimento da Lei de Moisés (Dt 25,5-6) são todos irmãos. Vem então a pergunta: em caso de que haja ressurreição dos mortos, “de qual deles será mulher? (12,23).

A hipótese do matrimonio com todos –sete maridos contemporaneamente- soa ridícula, a quem, então, lhe pertence o direito? É verdade que o exemplo que põem é exagerado. Porém a finalidade desta historia é mostrar que a ressurreição dos mortos gera situações absurdas e, portanto haveria que rejeitar por não ser razoável.

  • A resposta de Jesus (12,24-27)

De novo se vê a habilidade dos adversários de Jesus: um problema jurídico complicado para quem eles vêem como um inculto profeta galileu.

A resposta de Jesus desfaz a trama dos adversários:

  • Os repreende (12,24). Em outras palavras, a pergunta está mal feita. Esta tem um pressuposto que deixa entrever a ignorância dos saduceus em matéria bíblica e de experiência de Deus.
  • Os instrui (12,25). Mostra-lhes que tem uma falsa concepção de Deus: para eles Deus é um Deus de normas legais, um Deus cujo poder parecera não poder superar os limites da vida terrena. 

Ao contrário para Jesus Deus é o Deus de Aliança:

  • É o Deus cujo poder criador traspassa os limites da morte: por isso a ressurreição não é simples prolongação do estado terreno atual, mas nova criação (“serão como anjos no céu”);
  • É o Deus das relações pessoais e não simplesmente jurídicas. A relação com Ele é determinada por sua benevolência: Ele se ocupa do homem, o guia, e cumpre suas promessas. Por isso a relação com Deus sempre está vigente; a relação de Deus com os patriarcas não terminou com a morte destes: quando Moisés escuta a voz de Deus na sarça ardente (Ex 3,6) compreende que os patriarcas estão vivos e em relação com Deus: “Eu sou o Deus de Abraão…” (12,26);
  • É o Deus para quem tudo o que faz está destinado à vida, porque Ele é o Deus dos vivos (12,27). No céu Deus não está rodeado de defuntos, mas de pessoas vivas que, tendo concluído sua historia terrena, tem recebido de seu poder criador a plenitude da vida.

O poder criador de Deus é inesgotável! Jesus não fala de uma suspensão da morte terrena nem tão pouco pretende dar detalhes sobre como é a vida futura: Porém sua resposta aos saduceus se ocupa de apresentar o fundamento da vida futura: (1) Por parte de Deus: seu amor e seu poder são sempre vigentes; (2) Por parte dos homens: a compreensão correta de Deus e sua resposta de fé em seu amor e poder.

Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração

  1. Quem é Deus para Jesus? Quem é Deus para mim?
  2. Experimento de verdade a relação pessoal de Deus comigo? Qual minha resposta a essa relação de amor?

De que forma essa resposta tem relação com as pessoas que me rodeiam?

  • Que sinais concretos vivemos em nosso grupo, em nossa comunidade, em nossa família, que nos levem a manifestar o amor fiel de Deus?

QUINTA FEIRA DE CORPUS CHRITI

ESTUDO BÍBLICO  (Mc 14,12-16.22-26) disponível em

 http://pazebem.org.br/category/palavra-de-deus/

SEXTA-FEIRA

Marcos 12,35-37

PRIORIDADE EVANGÉLICA (II): UM CORAÇÃO QUE SE ABRE AO MISTÉRIO DO FILHO

“Como dizem os escribas que o Cristo é o filho de Davi?”

Ontem confessamos que “Deus é o único Senhor” (12,29), porém, quem é Jesus?

Desta vez Jesus não responde uma pergunta, mas toma a palavra por iniciativa própria (12,35a). Depois de todas as perguntas que outras pessoas lhe fazem, agora é Jesus quem põe o tema e espera que seus ouvintes reflitam e lhe dêem a resposta adequada.

O tema é importante. Os escribas costumavam discutir qual a origem do Messias: se vinha desta cidade ou daquela, se provinha de tal ou qual família. Jesus põe em questão a opinião generalizada de que o Messias “é filho de Davi” (12,25b): provem de Davi e pertence a sua descendência.

Para suscitar a reflexão, Jesus cita o Salmo 110,1. Afirma que Davi chama ao Messias “Senhor seu” e sobre esta premissa expõe a questão: “Como então pode (o Messias) ser filho de Davi?” (12,37).

Esta pergunta de Jesus tem como ponto de partida três pressupostos:

(1)  Que o Salmo citado provém de Davi, portanto a palavra de Davi é tomada como palavra de Deus;

(2)  Que a pessoa, à qual Davi se refere como “Senhor seu” e à qual lhe fala Deus, é o Messias;   

(3)  Que um pai não pode chamar seu filho “Senhor”, simplesmente porque o pai é superior.

A primeira vista parece que Jesus está pressionando sobre uma questão meramente teórica. Inclusive dava a impressão que Jesus não estava falando de si mesmo, pela forma impessoal de seu discurso. 

Porém, se recordamos que no começo desta seção do evangelho (o ministério de Jesus em Jerusalém: Mc 11-13) começou, precisamente, com a entrada triunfal na cidade santa, na qual mostrou que vinha como Messias (“Bendito o que vem em nome do Senhor! Bendito o reino que vem de nosso pai Davi!”, 11,8-9) então captaremos a transcendência do tema e por que Jesus o retoma neste momento.

A pergunta de Jesus tenta corrigir um equívoco conceitual na mente de seus ouvintes: Jesus pede que se clarifique qual é a verdadeira identidade do Messias, simplesmente porque este não pode ser um filho de Davi.

De onde provém, então, Jesus?

A resposta é dada:

  • no evangelho, desde a primeira linha: “O Cristo, o Filho de Deus” (1,1).
  • na manifestação do Batismo: “Tu és meu Filho amado, em ti me comprazo” (1,11); 
  • na transfiguração: Este é meu Filho amado, escutai-o (9,7).
  • ainda na parábola dos vinhateiros homicidas: A meu filho respeitarão (12,6).
  • finalmente, na hora sublime da morte de Jesus, o tema volta ao primeiro plano: Este homem era, verdadeiramente, Filho de Deus (15,39).

Jesus é, antes de tudo, o “Filho de Deus” amado, predileto, querido por Deus Pai. É de Deus mesmo que provém sua missão e sua autoridade (11,28: “Com que autoridade fazes isto?”).

É verdade que os escribas admitem que o Messias, em última instancia, provém de Deus; porém, no caso de Jesus, mesmo sendo um descendente de Davi (Mt 1,1-17; Lc 1,32-33; Rm 1,3), sua filiação divina não se dá pelo fato de descender de Davi. Em conseqüência, Jesus é “da linhagem de Davi segundo a carne” (Rm 1,3), porém, é, ante de tudo, “Filho de Deus”.

Dai que devemos:

  • Por no centro da compreensão e da relação com Jesus, a relação estreita que Ele tem com o Pai;
  • Reconhecer e submeter-se à sua amável autoridade, e, portanto, assumir as implicações da Palavra que Jesus nos dirige como porta voz autorizado de Deus, porque seu ensinamento provém do proprio Deus; Jesus não é um profeta qualquer.

A pergunta não aparece por acaso quase ao final da vida pública de Jesus. A vivencia profunda e eficaz de todos os grandes momentos do ministério de Jesus depende da resposta à esta pergunta: de onde provem a pessoa e a missão de Jesus? Insistimos: é um tema importante.

O reconhecimento de Jesus, como verdadeiro e predileto Filho de Deus, coloca a vida do discípulo também num plano superior: a missão de Jesus, seu anuncio do Reino, o levará a fazer a experiência da Paternidade de Deus, a gozar de suas bênçãos, e também percorrer, com confiança e obediência, o caminho que conduz a Ele.

Então o amaremos com todas as nossas forças, e nossa vida começará a ter o sabor do Evangelho, cujo maior encanto é o rosto do Filho.

Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração

  1. Que quer dizer que Jesus é “o Cristo”, “o Filho de Deus”? Que implicações tem para minha vida?
  2. Como constato, em meu caminho de seguimento de Jesus, que sua Palavra tem orientado minha vida e tem gerado em mim processos de proximidade e identificação com Ele?
  3. As pessoas com quem convivo, que traços descobrem em minha vida que dizem ser eu evangélico?

“Ó Jesus, Rei legítimo e soberano de todos os corações, sede tu o Rei de meu coração e que eu seja todo coração e amor por ti como tu és todo coração e amor por mim” (São João Eudes)

SÁBADO

Marcos 12,38-44

PRIORIDADE EVANGÉLICA (III): CONSAGRAR ATÉ O ÚLTIMO QUE TEMOS À CAUSA DE DEUS.

“Chegou também uma viúva pobre e lançou duas moedinhas”

A leitura deste sábado tem visão de conclusão:  apresenta-nos comportamentos essenciais e nos convida a fazer balanço do caminho percorrido. Termina a “leitura contínua” do evangelho de Marcos, que havia iniciado no mês de janeiro, quando, depois do tempo do Natal, começou o tempo “comum”.

Foram nove semanas do itinerário batismal de Marcos: um discipulado que, carregando a própria Cruz atrás de Jesus (Mc 8,34), se faz uma configuração, de “conversão” e “fé”, com Jesus.

A formação dos discípulos acaba com o chamado “discurso escatológico” (Mc 13), cuja última instrução é o chamado a viver em permanente vigília, discernindo os sinais na historia: “Vigiai!(13,37).

Porém, antes deste Jesus pronuncia uma lição explícita sobre o discipulado (“instrução”, 12,38a), fazendo passar à frente três personagens, para que se veja quem é que se parece mais ao discípulo do Reino, à pessoa que está em verdadeira sintonia com o “Filho”:

  • Os escribas ou “Mestres da Lei” (Mc 12,38-40);                                                              
  • Os ricos generosos (12,41;
  • Uma viúva pobre (12,42-44).

Os três personagens têm em comum o que consagram à causa de Deus:

  • os escribas o fazem com o ensinamento da Lei;
  • os ricos com sua esmola generosa para manutenção do Templo; e
  • a viúva, que não tem o prestigio dos primeiros nem o dinheiro dos segundos, dá-se, a si mesmo, a Deus, com o gesto das duas moedinhas.
  • Os escribas (12,38-40)

O imperativo Guardai-vos com que começam as palavras de Jesus (12,38b) e que, em principio, se refere a “olhar atentamente uma situação para refletir sobre ela”, convida a:

  • discernir para distinguir o tipo de comportamento que não corresponde aos valores do Reino;
  • trabalhar internamente para evitar e, quando necessário, purificá-lo.

A observação centra-se nos seguintes comportamentos:

  • A exibição de sua roupagem: túnicas longas que eram tidas como sinal de nobreza (12,38c).
  • Receber a honra devida aos mestres nos espaços públicos de maior concorrência, de maneira que chamam a atenção do público para incrementar as reverencias (12,38d).
  • Ocupar o posto de honra nas cerimônias religiosas (sinagogas,12,39a) e civis (banquetes,12,39b).
  • Apropriar-se do dinheiro das mulheres ricas que, na viuvez, pedem assistência religiosa (12,40a).

Todos estes comportamentos têm que ver, em principio, com os “direitos” que correspondem a um mestre da Lei. Porém, Jesus analisa o “uso” que fazem deles, deste modo trás à luz as motivações internas daqueles externamente ao serviço de Deus, mas exploram sua posição para proveito próprio.

O último comportamento parece ser o mais grave.

Nos tempos bíblicos as viúvas dependiam dos escribas para que lhes preparassem documentos, defendessem seus direitos ante os irmãos ou os credores do falecido, inclusive ante os filhos que queriam, desde já, a herança; porém, estes conhecedores da Lei ficavam, ao final, com a melhor parte da propriedade que ajudavam a defender. A ira de Jesus ante esta situação se faz sentir: “Esses terão uma sentença mais rigorosa (12,40b).

2 – Os ricos generosos (12,41)

O texto nos situa no chamado “átrio das mulheres”, dentro do Templo de Jerusalém. Ali estava localizada a “Arca do Templo” (12,41), a qual devia ter treze recipientes de bronze com bocas em forma de trombeta, destinadas a receber dinheiro para diferentes propósitos.

Jesus “olhava como o povo colocava as moedas ali” (12,41b). O “olhar”, nesta ocasião, indica “contemplar”: observar cuidadosamente.  Jesus vê o “como” se fazem as doações. O primeiro que nota é que “muitos ricos deixavam muito” (12,41c). Chama a atenção o “muitos/muito”.

A questão não está nas doações, nem na quantidade, nem na procedência, mas no fato de que são tão notáveis que Jesus tem que chamar a atenção dos discípulos para se fixem na doação menos vistosa: a da viúva pobre (12,42).  Não é frequente nos determos para reparar no valor do pequeno.

3 – A viúva pobre (12,42-44)

A instrução de Jesus consiste em chamar a atenção para a grandeza do dom da viúva pobre. O ensino tem tom de solenidade (“vos digo de verdade”, 12,43b).

A viúva pobre “lançou duas moedinhas” (12,42b). As moedas, referidas aqui (em grego “lepton”), são as menores e de material mais barato (geralmente de cobre ou bronze) do mundo judeu.

Trata-se de um modo para indicar a insignificância deste donativo frente aos anteriores: frente ao “muitos/muito”, esta viúva aparece com muito pouco.

Porém Jesus tem um modo distinto de calcular as proporções (aqui um novo valor do Reino). O que Jesus “vê”, e parece que os outros não notam, é a proporção do dom com relação ao que tem cada um (não outros): tudo o que tem capacidade de dar. O caso da viúva pobre é verdadeiramente gritante.

Jesus faz três observações sobre o pequenino dom da mulher:

  • Deu“do que necessitava”;
  • Deu “Tudo quanto possuía”; e
  • Deu “Tudo o que tinha para viver

Dando “o que necessitava” a viúva se contrapõe com o que sobrava dos ricos (12,44ab). O “dar” não se mede pelo que se entrega, mas pelo que se fica. Tem-se a frase: “amar é dar até doer”. Mas fez mais ainda: a mulher se deu a si mesma.

Deu não só tudo o que possuía”, mas tudo o que tinha para viver”. Jesus utiliza o termo “bios” (vida), indicando, não o aspecto existencial (que é “zoé”), mas o que nos mantém em pé, o corpo que necessita de cuidados: a saúde, o alimento, o bem pessoal.

Esta mulher sabia o que é espiritualidade. O gesto da viúva pobre não foi dar uma esmola, mas o fazer um verdadeiro ato de culto no Templo (o que “vale mais que todos os holocaustos e sacrifícios”, 12,33): deu sua “vida” (“bios”) a Deus.

Sua oferenda escondida (não como os escribas nem os ricos), a Deus, a levou a fazer, em sua extrema pobreza, a mais alta expressão de confiança e de oblação que possa existir: esvaziando-se de si mesma (tudo o que teria direito) e fazer depender de maneira radical, absoluta e íntegra, toda sua vida, de Deus. Assim como fez “o Filho” durante toda sua vida e, particularmente, na Cruz.  

Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração

  1. A qual tipo de pessoas faz alusão o texto de hoje e quais suas características?
  2.  “O dar não se mede pelo que entregamos, mas pelo que nos reservamos”. Quais são aquelas ‘posses’ (coisas, pessoas, idéias, etc.) das quais não quero desprender-me?

Sou capaz de dar tudo a Deus, como a viúva pobre? Como o faria?

  • Quais as características de uma comunidade (grupo, família) que se empenha seriamente em oferecer a Deus e aos demais tudo o que é e tem?

Que caminho comunitário nós devemos percorrer para ai chegar?

  • Quando dou algo a alguém, gosto que os outros percebam ou sou capaz de fazer em silêncio?

     Que me diz o gesto da viúva?  

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