LECTIO DIVINA DA 25ª SEMANA COMUM ANO 2019

COMUNIDADE PAZ E BEM LECTIO DIVINA

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DOMINGO, 22 DE SETEMBRO DE 2019 – 25º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Lucas 16,1-13 (O administrador infiel; O bom emprego do dinheiro) – Lucas narra à parábola do «administrador infiel», que, talvez, seria melhor chamar do «administrador astuto». Jesus nos assinala a habilidade com a qual este foi capaz de sair da trama. «E o amo elogiou àquele administrador iníquo, por­que havia agido sagazmente; e é que os que pertencem a este mundo são mais espertos, com sua própria geração, que os que pertencem à luz» (v.8). O cálculo sagaz do administrador consiste no fato de que, quando for afastado, será recebido na casa daqueles a quem tem diminuído a dívida. Usa a riqueza que seu senhor lhe havia confiado para fazer-se amigo. O senhor, que, certamente, é Cristo (cf. Lc 16,6 e 11,39), não louva, em absoluto, o embuste, mas a astúcia com a qual “os que pertencem a este mundo» se mostram mais hábeis que os cristãos. O ensinamento de Jesus é muito claro: os bens são um obstáculo insuperável para o Reino; os ricos, que não investem seus bens no grande rio do Amor, não en­trarão no Reino. Deus e o dinheiro se opõem de ma­neira frontal, como dois senhores entre os quais é preciso escolher: «Nenhum criado pode servir a dois amos» (v.13). Ou seja, não podemos servir a Deus e ao dinheiro, que Je­sus chama «desonesto» e que personifica em um poder absoluto oposto ao seu. Um poder que faz parte do reino das trevas. Jesus convida, ao contrário, aos seus discípulos, a prevenir o possível despojamento, dando seu dinheiro em esmolas, para ser recebidos «nas moradas eternas» (7,9). Este dinheiro tão perigoso pode ser convertido. Pode chegar a ser um tesouro para o Reino se é investi­do, por pura caridade, nos irmãos. Deste modo, o dinheiro pode converter-se, também, em uma chave capaz de abrir o Reino. Mas, com uma condição: que seja gasto em obras de caridade.

 

 

 

Amós 8,4-7 (Contra os defraudadores e os exploradores) A leitura profética da liturgia de hoje nos proporciona um triste quadro da sociedade israelita do tempo do profeta Amós, durante o reinado de Jero­boão II, em Samaria.        O oráculo constitui uma violen­ta denúncia da exploração dos pobres, inclusive em seus mínimos detalhes, com a finalidade de descrever, amplamente, a situação de injustiça social da época. Uma época que, em boa parte, poderia re­fletir, também, a nossa, que, talvez, seja, inclusive, mais grave. A maior preocupação destes defraudadores é au­mentar seu comércio, esvaziar seus sacos de trigo e de grão. Vender, vender sempre, a todo custo, ou melhor, ­defraudar e enganar cada vez mais. Amós denuncia al­gumas de suas práticas: os comerciantes fazem tra­paças nas quantidades das vendas, diminuem as medidas, aumentam o preço e usam balanças falsificadas. O desejo de benefício é tão forte que já não cele­bram as festas do Senhor; e mais: não vêem a hora de que estas passem, para voltar aos seus comércios. Estão dominados por isso, que hoje poderíamos chamar «sociedade de consumo». Nesta situação, são os pobres e os indigentes os que saem perdendo. São transformados em mer­cadoria e ficam reduzidos a sobreviver em um nível desumano. Dai a cólera de Amós contra es­tas injustiças e contra os que as praticam. O diz com severidade: «O Senhor jurou, pela honra de Jacó: nunca esquecerei o que fizeram» (v.7). Nesta leitura do texto de Amós começa o tema do dinheiro injusto, que terá sua continuação no evangelho. Contudo, a injustiça não está no dinheiro, mas no modo como se trata o irmão, ao qual Deus pede que amemos como amamos a nós mes­mos. As palavras de Amós são mais que atuais. Recordam-nos o «sentido» dos bens da terra, que estão a serviço do homem, em vistas da comunhão e da fraternidade, nunca da exploração.

 

1 Tm 2,1-8 (A oração  liturgica) Paulo esboça nesta carta a recomendação mais antiga da Igreja: em primeiro lugar, a oração (c.2); em seguida, mais adiante, o ministério do governo da Igreja (c.3). Na Igreja, tudo começa com a oração, e esta, por sua vez, é, antes de tudo, uma oração universal, mundial. A oração da Igreja não é, portanto, de entrada, uma oração pela prosperidade da comunidade religiosa e de seus mem­bros, e em segundo lugar, também pelo mundo, mas, ao contrário: o mundo exterior, os homens de todos os povos e culturas, são o primeiro, e a prosperidade da Igreja deriva, portanto, dai. Para Paulo, a Igreja é, essencialmente, a que inter­cede pelo conjunto; é a luz de Deus que se irradia em conjunto. É a luz de Deus sobre o mundo. Neste sentido, a oração não tem que ver, unicamente, com as pessoas e as coisas limitadas a seu próprio âmbito (como os membros da hierarquia e o povo cristão), mas com a totalidade do mundo e da sociedade. Concretamente, a intenção da oração tem como objeto a comunidade terrena. Se ora pelo imperador (Nero, neste caso), pelos governadores das províncias e por todos os que foram confiados a sua responsabi­lidade. A Igreja deve fazer tudo isto porque é a luz de Deus no mundo e não há salvação sem a Igreja, de uma maneira indireta, ora também por ela própria, porque, para ser luz do mundo, deve ser realmente lu­minosa. À Igreja, não lhe importa que a persigam, mas que o mundo, com o imperador à cabeça, se con­verta. Neste sentido, a oração da comunidade cristã é por todo o mundo, ou seja, por todos, a fim de que a vontade salvífica de Deus não tenha limites. Não pode ficar encerrada em si mesma. A Igreja não en­tra, enquanto tal, no plano político, no econômico ou no social. Sua tarefa é outra: deve fazer todo o possível para que a luz da fraternidade pregada por Cristo e a caridade penetrem nestes âmbitos. Neste sentido, a Igreja é mestra de todas as nações, também das pagãs. Sua esperança não tem confins. Por isso a oração não tem limites de espaço. Não por nada, disse Paulo, que a oração cristã pode ser feita «em todo lugar», ou melhor, «em todo momento» (Ef 6,18), ou também «incessantemente» (1 Ts 5,17). Estas expressões são normais no apóstolo. À vontade salvífica de Deus não tem limites.

 

Salmo 112/113 (Ao Deus de glória e de amor) – Este Salmo é importantíssimo para a nossa vida cotidiana, pessoal e litúrgica. É com ele que se inicia o pequeno grupo de Salmos chamado hallet, isto é, “louvai Javé” (Sl 113-118). A palavra aleluia, que expressa toda a nossa alegria ao louvar o Senhor, aparece com destaque nesses Salmos, que eram cantados durante e após a Páscoa. A palavra-chave para este momento não é “pedir”, mas sim “louvar”. Todos nós somos convidados a louvar o Senhor, mesmo que seja no silêncio de nosso coração. Jesus cantará a sua aleluia na ceia pascal e firmará com seu sangue a nova e eterna aliança indestrutível. Hoje, na nova aliança, sobe a Deus um louvor novo, que é a Eucaristia.

Senhor, quero cantar a minha aleluia silenciosamente, sem rumor, no fundo do meu coração. Às vezes não sei como expressar a minha alegria por viver e por ser teu para sempre, marcado pela força do sacramento do batismo, inserido em Cristo, videira e purificado, podado pela tua mão sábia, para que possa produzir frutos abundantes. Vejo-me às vezes como uma árvore decorativa, mas que não dá fruto. Quero Senhor, hoje contemplar o Cristo, eterno sacerdote que celebra a nova Páscoa, que se entrega por nós e nos dá o mandamento novo do amor. Que eu possa amar cada vez mais a Eucaristia. Páscoa nova e, alimentando-me de Cristo, possa ser capaz de produzir os frutos abundantes do teu amor na tua Igreja, na comunidade, na família, onde eu estiver. Arranca de mim a esterilidade apostólica e torna-me fecundo pastoralmente, capaz de anunciar o Evangelho vivo a todos que encontro na minha vida. Que o meu coração não exclua ninguém do meu amor e do teu amor. Amém.

MEDITATIO: «Nenhum criado pode servir a dois senhores…, não podeis servir a Deus e ao dinheiro». Trata-se de uma declaração muito forte e incisiva, que mani­festa, claramente, o que está em jogo. É preciso saber eleger, com precisão, entre Deus e o dinheiro, ou seja, entre o Deus do amor e o deus do dinheiro. O evangelho não sublinha a falta de honestidade do administrador, mas a astúcia da qual faz gala na preparação de seu futuro.     O Senhor nos convida a preparar nosso futuro e a dar-lhe contas de sua gestão com a entrega de nossos bens aos pobres mediante uma partilha que seja justa. A riqueza não é algo maldito em si mesmo, mas um dom aos irmãos que se traduz numa vontade de partilhar. Mas, a riqueza pode ser também, um risco se a sede de riquezas se apodera de nós, Tende a submeter-nos e a fazer-se com todo nosso interesse. Deste modo, pouco a pouco, Deus acaba por converter-se em algo secundário ou, pior ainda, acaba por converter-se em um adversário perigoso que é preciso eliminar absolutamente de nossa própria vida. Ao contrário, quanto mais Deus se converte em nosso único amor, no único sol de nossa vida, no todo de nosso coração, tanto mais se debilita o amor à riqueza, até desaparecer por completo, como em São Francisco de Assis, para quem Deus se converteu no único tesouro para compartilhar com os irmãos. Ou, como ele mesmo dizia, em sua «caixa de fontes ce­lestiais». O Senhor nos convida, na liturgia de hoje, a praticar um discernimento, no qual é essencial, que nos desprendamos do dinheiro, ou melhor, separemos o dinheiro de nós mesmos para compartilhá-lo como puro dom de amor. Na realidade, o problema principal não é apartar o dinheiro de nós, mas convertê-lo em um valor para o Reino. Trata-se de introduzir o dinheiro na corrente justa, através da qual se abre na graça de Deus, um caminho até nosso coração. Precisamen­te ao lugar onde o amor de Deus impregna tudo o que constitui nossa pessoa e onde, pouco a pouco, o amor o invade todo, até brilhar como fogo incandes­cente de amor. Então tem lugar o milagre: o dinheiro fica invertido no Reino de Deus. Já não há “riqueza iníqua”. Agora, através do amor aos necessitados, fru­tificará cem por um. Essa é a razão por que Paulo insiste tanto na nece­ssidade da oração: “Desejo, pois, que os homens orem em todo lugar, levantando as mãos limpas…” (1 Tm 2,8). A pureza do coração, despren­dido de tudo e orientado a Deus, é necessária para que nossa oração seja luz em um mundo cheio de injus­tiças, onde o dinheiro se converte com frequência em uma cilada obscura para os irmãos.

 

ORATIO: Exaltamos-te e bendizemos-te, Senhor Jesus, por teu imenso amor. Pedimos-te a graça de conhecer-te, cada dia, mais intimamente, a fim de amar-te com todo nosso coração, com toda nossa mente, com toda nossa vida: Sim, Jesus, teu amor nos abraça, nos rodeia: somos em ti e podemos contemplar em todos os homens teu amor, que se entrega. Cada homem e cada mulher estão envoltos por teu mesmo fogo de amor. Também o estão nossos pecados, todas as situações que encontramos a pobreza e a miséria que descobrimos cada dia, ao nosso redor. Faz-nos crescer, Jesus, neste teu amor. Concede-nos a graça de chegar a um conhecimento cada vez mais profundo e íntimo de ti, ó Senhor, que te fizestes homem por nós, para amar-nos, cada vez com maior intensidade, e ensinar-nos a amar com teu mesmo amor. Imploramos esta graça do Pai através de ti, Jesus, que vives e reinas com Ele na unidade do Espírito Santo pelos séculos dos séculos. Amém.

 

CONTEMPLATIO: Do amor a Deus nasce o amor ao próximo, e o amor ao próximo alimenta o amor a Deus. Quem se esquece de amar a Deus não pode amar ao próximo; ao contrário, pro­gredimos no mais autêntico amor a Deus se antes nos ­ alimentamos no seio de seu amor mediante o amor ao próximo. Visto que o amor a Deus gera o amor ao próximo, o Senhor, que por meio da lei havia dito: «Ama a teu próximo» (Lv 19,18), disse antes: «Ama ao Senhor, teu Deus» (Dt 6,5); quer dizer, seu amor deve lançar raízes, antes no terreno de nosso coração, para que germine, depois, através das ramas do amor fraterno e que, por sua vez, o amor de Deus se alimenta do amor ao próximo o afirma João, o qual nos adverte: «Quem não ama a seu irmão, a quem vê, não pode amar a Deus, a quem não vê» (1 Jo 4,20). O amor a Deus nasce, é cer­to, por meio do temor, porém ao crescer se transforma em afeto (Gregório Magno, Tratados morais sobre o livro de Jó VII, 28).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Os bens criados devem chegar a todos em forma equitativa

sob a égide da justiça» (Gaudium et spes 69)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL O testemunho da pobreza evangélica reveste diversas formas, que vão desde o compromisso para erradicar a pobreza a por todos os bens a disposição da causa evangélica; desde levar uma vida sobria e participar da vida dos mais pobres. Cada Instituto tem sua forma de pobreza. O importante é que não seja só decorativa ou só de palavras, mas que se caracterize pela entrega e a austeridade pessoal. No sínodo sobre a Vida Consagrada, impressionou a intervenção do japonês monsenhor Soto, que confessou candidamente que havia compreendido a fundo o valor da pobreza lendo esta frase de Santa Clara: «Amo a pobreza, porque foi amada por Jesus». Ai reside o siqnificado da pobreza reliqiosa (P. G. Cabra, /conos de la vida consagrada, Sal Terrae, Santander)..

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SEGUNDA-FEIRA, 23 DE SETEMBRO DE 2019 – 25º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Lucas 8,16-18 (Como receber e transmitir o ensinamento de Jesus) Os ditos de Jesus que lemos hoje, provavelmente difundidos em sua origem, foram recolhidos por Lucas em uma seção (8,4-21) que tem como tema a Palavra de Deus. Nós os lemos desta perspectiva. O primeiro (v.16) parece temer o anonimato: não se põe uma luz debaixo da cama. A advertência parece dirigida aos cristãos que, por medo ou por considerar inútil fazê-lo, não se expõem em público. A Palavra é pública e visível: escondê-la é um modo de fazê-la morrer. O segundo dito (v.17) parece temer, por sua vez, o traço do escondimento. A advertência vai dirigida aos grupos cristãos que se fecham em si mesmos e anunciam a Palavra só aos iniciados. Porque a Palavra, em virtude de sua natureza missionária, é para todos. O terceiro dito (v.18) é mais difícil. Certamente chama a atenção sobre a importância da escuta; mais ainda, sobre os modos como se escuta: «Prestai atenção a como escutais». Há quem não escuta, porém há também quem escuta mal. Que significado temos de dar a esta afirmação, um tanto enigmática: «Ao que tem lhe será dado, e ao que não tem lhe será tirado inclusive o que crer ter»? Que significa o «por que» (literalmente, gar [em efeito]: v.18b) que condiciona estreitamente o crescimento ou a perda da escuta da Palavra? Talvez signifique que é importante escutar bem, pois é exatamente a escuta o que enriquece. Quem não escuta ou escuta mal se empobrece. Não só não cresce, mas perde também o que considera ter.        A escuta da Palavra é, pois, o caminho necessário para o crescimento na fé. Se falta, desaparece a fé.

Prov 3,27-34 (As alegrias do sábio) O livro dos Provérbios é um livro humilde, ainda que só em aparência. A convicção da qual parte é que toda a sabedoria presente no mundo, tanto nas coisas como no homem, é um rastro da sabedoria divina. Até a sabedoria que se expressa nas formas mais humildes e cotidianas – a sabedoria do sentido comum, da razão, da experiência – vem de Deus. Segui-la é obedecer a Deus; ignorá-la significa trair o desígnio de Deus. Sob esta luz, profundamente religiosa, é como devemos compreender todas as máximas do livro dos Provérbios, reconhecendo um valor de imperativo moral, não só à palavra dos profetas e à Lei, mas, também, ao significado das coisas e a força da experiência. A passagem que a liturgia nos apresenta hoje insiste nas relações com o próximo: não se deve negar um favor; não se deve dizer: «Volte outro dia, amanhã te darei» (v.28), não se deve maquinar enganos, nem pleitear; nem invejar, nem imitar a conduta do malvado (vv.29-32). No interior destes mandatos, e quase de improviso, faz sua aparição uma afirmação muito bela: «E dá aos retos sua confiança». (v.32b). Assim fica já perfilada a figura do sábio em suas coordenadas fundamentais: a correção e a benevolência nas relações com o próximo, à convicção de que a confiança em Deus vale mais que qualquer coisa.

 

Salmo 14/15 (O hóspede de Iahweh) Este Salmo é um exame de consciência. Devemos meditá-lo em nossas vidas e atitudes. Por se tratar de um texto de fácil compreensão, devemos lê-lo a todo o momento.

Senhor, que eu volte muitas vezes a este Salmo para que eu possa observar se sou digno de entrar na tua casa e estar sempre na tua presença. Amém.

 

 

MEDITATIO: Jesus nos fala da necessidade de iluminar. Mas fala, também, da necessidade de acender a lâmpada. O discípulo não ilumina com sua própria luz, mas com a única luz que vem de Cristo, o Senhor. Se o faz de modo diferente, sentirá a tentação de confundir suas próprias ideias, seus próprios gostos e opções, com as de Cristo, e de propor, assim, coisas e realidades que não têm nada que ver com Cristo. Daí a necessidade de acender, cada dia, constantemente, nossa própria lâmpada, com a luz de Cristo. É a Lumen Christi a que ilumina o mundo, não minha luz. Esta última pode iluminar só se é reflexo da luz de Cristo. E, chegados aqui, o problema se torna sério, porque a luz, da qual fala Jesus, não é só doutrina, mas, também, testemunho, quer dizer, doutrina que se faz vida, que transforma a vida: que afeta meu modo de ser, meu modo de valorizar as coisas. Sou luz quando difundo a doutrina de Cristo com os critérios de Jesus Cristo, isto é, com humildade e pobreza. Quando não falo, por exemplo, de humildade desde uma posição de poder, quando não anuncio a pobreza com meios que falam de abundância de bens. Sou, em suma, luz posta no candeeiro quando represento, pelo menos de longe, o modo de ser, de agir, pensar e de falar de Jesus Cristo. É bom refletir um pouco sobre isto, porque neste sentido são grandes as ilusões. Pensar que iluminamos somente porque dizemos as palavras de Jesus, sem deixar iluminar nossa própria vida com a luz de Jesus Cristo, é como cobrir com uma vasilha a lâmpada. É como afirmar algo sem a prova dos atos. É doutrinar, não evangelizar.

 

 

ORATIO: Estás vendo, Senhor, que estou preocupado por falar de tua doutrina mais que por reproduzir tua vida. Estás vendo como ponho demais entre parênteses teu modo de ser, que deu tanto impacto a tuas palavras, pensando que evangelizar, ou ser guia para os irmãos, se reduz a uma questão de conhecimento e ideias. Mas és Tu que deve viver em mim, para que eu possa comunicar tuas palavras e ser guia dos outros. Se Tu, meu amado Senhor, não vives dentro de mim, tuas palavras sairão sem efeito de meus “lábios impuros», porque meu coração será diferente demais do teu, meus critérios práticos de valorização estarão distantes demais dos teus. Ajuda-me a buscar-te a ti, antes que às palavras, a modelar-me seguindo tua imagem, antes que a usar-te para dizer às coisas que devo dizer. Para isto necessito, também, sentir-te mais próximo, mais íntimo, mais amigo, mais familiar, mais presente em minha vida. Não me deixes, não me abandones a minhas ilusões, não me deixes percorrer até o final meus atalhos, minha constante tentação de reduzir-te a ideia ou a simples mensagem.

 

 

CONTEMPLATIO: Quando Jesus está presente, tudo é bom e nenhuma coisa parece difícil, mas, quando se ausenta, tudo é duro. Quando Jesus não fala dentro, vil é a consolação, mas, se Jesus fala uma só palavra, grande consolação se sente. Não se levantou Mª Madalena, logo, do lugar onde chorou, quando lhe disse Marta: «O Mestre está aqui e te chama»? (Jo 11,28). Ó, bem-aventurada agora, quando Jesus chama das lágrimas ao gozo do espírito! Quão seco e duro é sem Jesus! Quão néscio e vão se cobiças algo fora de Jesus! Diz-me: o dano não é pior do que se perdesses todo o mundo? Que te pode dar o mundo sem Jesus? Estar sem Jesus é grave inferno; estar com Jesus é doce paraíso. Se Jesus estiver contigo, nenhum inimigo poderá prejudicar-te. O que encontra Jesus encontra um bom tesouro e, de verdade, bom sobre todo bem. O que perde a Jesus perde muito e mais que todo o mundo. Pobríssimo é o que vive sem Jesus, e riquíssimo o que está bem com Jesus. Grande arte é saber conversar com Jesus, e grande prudência saber ter Jesus. Sê humilde e pacífico, e será contigo Jesus; sê devoto e sossegado, e permanecerá contigo Jesus (Tomás de Kempis, Imitación de Cristo, II).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Prestai atenção a como escutais» (Lc 8,18)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL O líder cristão do futuro não deve ser um líder de poder e de controle, mas um líder de impotência e de humildade, no qual se manifesta Jesus Cristo, servo de Deus. Como é óbvio, não estou falando de um líder psicologicamente débil, no qual o líder cristão seja simplesmente uma vítima passiva da manipulação de seu ambiente. Não estou falando de um líder no qual se renuncia constantemente ao poder e se opta pelo amor. Trata-se de um verdadeiro líder espiritual. A impotência e a humildade na vida não são, certamente, as do homem que não tem espinha dorsal e deixa que sejam os outros quem decidam por ele; trata-se da impotência e da humildade de quem está totalmente enamorado de Jesus até o ponto de lhe seguir ali onde lhe leve, com a segurança de que, com Ele, encontrará a vida e a encontrará em abundância. É preciso que o líder do futuro seja radicalmente pobre e que, quando viaje, não leve consigo mais que o bastão – “nem pão, nem alforja, nem dinheiro, nem duas túnicas” (Mc 6,8) – De que serve ser pobre? Serve só para brindar-nos a possibilidade de guiar os outros deixando-nos guiar. Deveremos depender assim das reações positivas e negativas daqueles a quem andemos, e seremos levados verdadeiramente ali onde queira levar-nos o Espírito de Jesus. A riqueza e o bem estar nos impedem discernir o caminho de Jesus. Escreve Paulo a Timóteo: “Os que querem enriquecer-se caem em armadilhas e tentações, e se deixam dominar por muitos desejos insensatos e funestos que os mergulham na ruína e na perdição” (I Tm 6,9). Se pode haver ainda uma esperança para a Igreja do futuro, essa é a esperança de uma Igreja pobre, cujos guias estejam dispostos a deixar-se guiar (H.J.M. Nouwenm, Em El nombre de Jesús).

 

 

TERÇA-FEIRA, 24 DE SETEMBRO DE 201 – 25º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Lucas 8,19-21 (Os verdadeiros parentes de Jesus) O breve quadro que Lucas delineia é de grande fineza e rara profundidade. Não aparece polêmica alguma a respeito dos parentes de Jesus, coisa que aparece nas passagens de Marcos e de Mateus. Lucas se concentra no único ponto que lhe interessa de verdade: a escuta e a prática da Palavra são as únicas coisas que nos fazem parentes de Jesus, membros de sua nova família. “Se apresentaram sua mãe e seus irmãos” (v.19): Lucas emprega, para dizer isto, um verbo que expressa o desejo de ver a Jesus e a conjugação em singular põe de relevo a figura da mãe, que é o sujeito. Para o evangelista, a vinda dos familiares representa uma ocasião que permite a Jesus pronunciar seu dito sobre os verdadeiros parentes: a escuta ativa da Palavra cria um vínculo mais forte que o sangue. Esta é uma possibilidade que não exclui aos parentes que vieram lhe visitar, mas que os inclui. Lucas exalta a família gerada pela Palavra, sem sentir a necessidade de contrapô-la drasticamente à constituída pelos vínculos de sangue.

 

 

Pv 21,1-6.10-13 (A grande coleção salomônica) O livro dos Provérbios está constituído por uma ampla coleção de máximas e sentenças, nas quais foram se sedimentando a sabedoria de todas as gerações de Israel. Seu propósito é tornar todo israelita em um verdadeiro homem: forte, dono de si, interiormente livre, trabalhador, hábil, leal. Não se trata ainda do retrato do discípulo do Evangelho, mas sim da premissa indispensável para sê-lo. Não é possível ser discípulo se não se é homem. Parece-me que este é o valor global de todo o livro. Pois, a dizer verdade, muitos provérbios poderiam resultar decepcionantes a primeira vez que se leem. Seguem tendo valor? Certamente, os provérbios dotados de sentido comum e perfeitamente atuais, são numerosos. Porém o importante, sobretudo, é seu valor global. Sugerem comportamentos que estão mais além da aliança e de sua moral. Porém trata-se de um sano humanismo que tem como finalidade criar um homem apto para as opções morais e para os compromissos da aliança. As virtudes que nos sugere o fragmento litúrgico que temos lido hoje são as habituais, apresentadas sem uma ordem precisa: não presumir de si mesmo nem de sua própria retidão; praticar a justiça, a humildade e a diligência; não ser mentirosos nem violentos nos negócios; não fechar o ouvido a suplica do pobre. A súplica ou o grito do pobre vai sempre dirigido, na Bíblia, ao Senhor antes que ao homem. Escutá-los significa responder em nome do Senhor.

 

 

Salmo 118/119 (Elogio da lei divina) Esta é uma oração sem fim. Provavelmente é obra não só de uma pessoa, mas de várias, que elogiam por meio de muitos artifícios literários a Palavra de Deus, a lei do Senhor, como fundamento de todo o agir humano. É um Salmo belíssimo que deve ser “saboreado” lentamente, um versículo por dia. Assim, teremos por mais de meio ano assegurado a nossa meditação. Deus se comunica conosco não para nos oprimir ou dominar, mas para ensinar-nos os caminhos mais fáceis da felicidade. Felizes os que vivem a Palavra de Deus e a ensina aos outros. Medite dia a dia este Salmo e sua vida, sem dúvida, será diferente, sendo fortalecida não por palavras humanas, mas pela Palavra de Deus.

Senhor, não quero fugir de tua Palavra nem desprezá-la. Quero amá-la como Lâmpada para os meus pés e luz no meu caminho. “Lâmpada para meus passos é tua palavra e luz no meu caminho. Jurei, e o confirmo guardar tuas justas normas. Meu sofrimento passa dos limites, Senhor, dá-me vida segundo tua palavra. Senhor, aceita as ofertas dos meus lábios, ensina-me tuas normas. Minha vida está sempre em perigo, mas não esqueço a tua lei. Os ímpios me armaram laços, mas não me desviei de teus preceitos. Minha herança para sempre são teus testemunhos, são esses a alegria do meu coração. Inclinei meu coração a cumprir teus estatutos, desde agora e para sempre” (Sl 119, 105-112).

 

 

MEDITATIO: Escutar a Palavra de Deus e pô-la em prática produz o milagre de chegar a ser mãe, irmão e irmã de Jesus. Do mesmo modo que Maria escutou a Palavra e, depois, se converteu em Mãe, assim pode acontecer a ti neste momento se acolhes a Palavra que hoje se te dirige. Jesus quer crescer no mundo, e o caminho privilegiado para isso és tu, porque quer crescer em ti, quer que tua vida seja sempre mais cristiforme, quer que tu lhe representes cada vez melhor. Se acolhes sua Palavra, se a contemplas, se a conservas, se lhe deixas espaço, se tentas não esquecê-la durante o dia, se a convertes em guia de tua ação, Jesus crescerá em ti, em teu ambiente e no mundo. E tu adquirirás a mesma dignidade de Maria, porque o gerará de novo para nosso tempo. Sê devoto da Virgem, para que te ensine como receber a Palavra, como dar-lhe carne, como fazê-la vida, como transformar a ação de hoje em uma geração e em um crescimento de Jesus em ti e em teu ambiente.

 

ORATIO: Hoje te rogo oh! Virgem Maria, que me ajudes a receber a Palavra para dar-lhe carne, para dar-lhe vida. Sabes que ando muito longe destas excelências, isto é, de ver minha vida como uma gestação de Jesus no mundo. Eu, pobre pecador, eu tão imerso em mil coisas, posso aproximar-me a ti, Mãe de meu Salvador, e chegar a ser também “mãe” daquele que me salva. Parece-me coisas tão elevadas que beiram ao insondável. Conduz-me com suavidade ao interior deste mistério, abre meus olhos para que vejam as coisas maravilhosas que a Palavra pode realizar em mim, dai-me um coração capaz de compreender o mundo novo no qual são introduzidos os ouvintes da Palavra. Fica junto a mim, oh! Mãe, para que possa continuar, com temor e tremor, porém assim mesmo com admiração e reconhecimento, tua obra também ao começo deste terceiro milênio.

 

CONTEMPLATIO: Certamente, cumpriu santa Maria, com toda perfeição, a vontade do Pai, e por isto é mais importante sua condição de discípula de Cristo que a de mãe de Cristo, é mais feliz por ser discípula de Cristo que por ser mãe de Cristo. Por isto, Maria foi bem-aventurada, porque, antes de dar a luz a seu mestre, o levou em seu seio. Olha se não é tal como digo. Passando o Senhor, seguido das multidões e realizando milagres, disse uma mulher: Feliz o ventre que te levou. E o Senhor, para ensinar-nos que não há que buscar a felicidade nas realidades de ordem material, que respondeu? Melhor, felizes os que escutam a Palavra de Deus e a cumprem. Daí que Maria seja feliz também porque escutou a Palavra de Deus e a cumpriu; levou em seu seio o corpo de Cristo, porém mais ainda guardou em sua mente a verdade de Cristo. Cristo é a verdade, Cristo teve um corpo: na mente de Maria esteve Cristo, a verdade; em seu seio esteve Cristo feito carne, um corpo. E é mais importante o que está na mente que o que se leva no seio (Santo Agostinho, Sermão 25,7ss). Cristo é, pois, um, formando um todo: a cabeça e o corpo; um nascido do único Deus nos céus e de uma única mãe na terra; muitos filhos, em um só filho. Pois assim como a cabeça e os membros são um filho em vez de muitos filhos, assim mesmo Maria e a Igreja são uma mãe e várias mães, uma virgem e muitas virgens. Ambas são mães e ambas são virgens; ambas conceberam sem voluptuosidade por obra do mesmo Espírito; ambas deram a luz sem pecado à descendência de Deus Pai. Maria, sem pecado algum, deu à luz a Cabeça do corpo; a Igreja, pela remissão dos pecados, deu a luz o Corpo da cabeça. Ambas são mãe de Cristo, porém nenhuma delas deu a luz ao Cristo total sem a outra. Por isso, nas Escrituras divinamente inspiradas, se entende com razão, como dito da virgem Maria, o que em termos universais se disse da virgem mãe Igreja, e se entende como dito da virgem mãe Igreja, em geral, o que em especial de disse da virgem mãe Maria; e o mesmo se fala de uma delas que da outra, o dito se entende quase indiferente e comumente como dito das duas. Também se considera com razão a cada alma fiel como esposa do Verbo de Deus, mãe de Cristo, filha e irmã, virgem e mãe fecunda. Tudo o qual a própria sabedoria de Deus, que é o Verbo do Pai, o disse universalmente da Igreja, especialmente de Maria e singularmente de cada alma fiel. Por isso disse a Escritura: Eu habitarei na herança do Senhor. Herança do Senhor que é universalmente a Igreja, especialmente Maria e singularmente cada alma fiel. No tabernáculo do ventre de Maria habitou Cristo durante nove meses; até o fim do mundo, viverá no tabernáculo da fé da Igreja e, pelos séculos dos séculos, morará no conhecimento e no amor da alma fiel. (Isaac de Stella).

 

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Minha mãe e meus irmãos são os que escutam a Palavra de Deus e a põe em prática” (Lc 8,21)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Com frequência se mostrava Maria de joelhos ante o menino no presépio e adorando-o. Nesta figura os artistas expressavam o que Lucas disse com estes 5 verbos: deu a luz, envolveu, depositou, conservou e meditou. Maria vê o mistério deste nascimento. Pensa,constantemente,em seu próprio coração, que aconteceu. Medita o mistério de seu próprio filho para dar-se conta deste menino. Maria é, para Lucas, a mulher que crê. Nela nos delineia uma imagem de como nós também podemos crer na encarnação de Deus em Cristo. Nossa reação não pode expressar-se melhor que estas palavras: conservar e meditar, observar e voltar a dizê-las sempre em nosso coração. Devemos conservar a Palavra de Deus no coração, devemos compará-la com a realidade na qual nos encontremos, até que a Palavra se entreabra a nós e reconheçamos à luz da Palavra, nossa realidade de um modo novo, até que caiamos de joelhos maravilhados frente ao mistério do amor de Deus em nossa vida (Anselm Grun, Natale, celebrare un nuovo inizio).

 

 

 

 

 

QUINTA-FEIRA, 26 DE SETEMBRO DE 2019 – 25º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Lucas 9,7-9 (Herodes e Jesus) Herodes está perplexo: quem é esse de quem tanto se fala? Na corte se fazem diferentes conjecturas: é João, que ressuscitou; é Elias, é um profeta. Como podemos ver, o povo capta algo da grandeza de Jesus, porém, seu erro fundamental é comparar Jesus com figuras do passado, com figuras já conhecidas. Jesus é uma novidade e, para compreendê-lo, é preciso olhar a Ele próprio, não a outro. Herodes é um homem culto, prático. Quis encontrar-se com Jesus e informar-se, pessoalmente, de quem se tratava. Porém de que lhe serviria? Encontrar-se-á com Ele, de fato, mais tarde, durante a paixão, porém não conseguirá compreender nada de Jesus. E tentará compreender e tentará ocultar sua própria torpeza, recorrendo a um humor vulgar. A fé não nasce de semelhantes verificações nem está feita para homens como Herodes.

 

 

Ecls 1,2-11 (Prólogo) «Tudo é vaidade» responde o Eclesiastes ao perguntar-se pelo sentido da vida. «Vaidade», em hebraico hevel, é uma palavra que pode significar muitas coisas, mas todas relacionadas com a imagem do sopro, névoa, fumaça, de algo, em suma, inconsistente: talvez de longe te encante, porém quando o tens entre as mãos te decepciona. Assim é a vida do homem: uma realidade enganosa, caduca e absurda. Kohélet se mostra realmente drástico e provocador. Quais são as razões de uma afirmação tão negativa? Por exemplo, o estridente contraste entre a precariedade do homem e o permanecer da natureza: «Uma geração passa, outra geração vem, e a terra permanece sempre» (v.4). Todos dizem que o homem é mais importante que as coisas; sem dúvida, o homem desaparece, enquanto que as coisas permanecem. E, além do mais, se olhas mais além das aparências, te dás conta de que o homem está como dentro de um círculo no qual se debate impotente sem compreender a razão. Tudo se move, mas, na realidade, tudo segue igual. Tudo volta ao ponto de partida, como o movimento do sol, do vento e da água dos rios. Também o afã do homem (“Todos seus dias são sofrimento, e sua tarefa é penosa, e nem de noite descansa»: 2,23) é um dar voltas sobre si mesmo, um fazer e um desfazer, sem chegar nunca a um atracadouro definitivo. O mundo novo que o homem se esforça em construir foge continuamente de suas mãos, e assim cada geração inicia do princípio. Talvez Kohélet esteja pensando sem mais na esperança messiânica dos profetas e a contesta. Trata-se de uma esperança religiosa, ainda que sempre terrestre. Mas, então, como se pode falar realmente de novidade? Sempre estará o limite da morte, o olho do homem continuará sem saciar-se de ver e o ouvido sem cansar-se de ouvir, e sempre escapará ao homem o sentido do conjunto. Assim, pois, tudo é vaidade? O Novo Testamento nos oferta uma precisão essencial: tudo é vaidade, porém não a caridade.

 

Salmo 89/90 (Fragilidade do homem) – Com uma meditação cheia de realismo, o salmista olha ao seu redor e percebe que muitos amigos já partiram; diante desta constatação, realiza uma súplica, motivado pela brevidade da vida. O medo da morte penetra em nossos corações quando percebemos que, com o passar dos anos, tornamo-nos mais fracos e sem forças. Que fazer diante dessa dura realidade? O desespero apenas nos bloqueia e nos faz perder a esperança e a vida. Acreditar que não morreremos seria um otimismo vazio e inútil, é necessário encarar a realidade e perceber que diante de Deus não há tempo; mil anos são como um dia e um dia como mil anos. O que vale é viver a vida que nos foi dada com amor e generosidade, sendo em tudo atentos aos apelos do Senhor. Deus eterno não nos abandona nem por um minuto e sacia a cada manhã o nosso coração com seu amor. Por isso, mesmo diante da brevidade da vida, nos resta agradecer ao Senhor e cantar suas maravilhas e seu amor. Assim como esse salmo, que é um cântico de louvor e de ação de graças embora seja por breve tempo nesta terra.

Senhor, quando penso na morte como fim de tudo, o meu coração se entristece e perco o ânimo. Sinto-me como uma frágil folha levada pelo vento ou uma flor que de manhã é bonita, mas à noite está seca, murcha e é jogada fora. Mas quando penso na morte como porta que se abre para me introduzir na verdadeira vida, os meus sentimentos se transformam e sinto-me uma criatura nova no amor e na generosidade. Senhor, não deixe que o meu coração se abata, mas que seja sempre um coração cheio de esperança e de vida. Em cada momento da vida quero expressar a minha alegria, louvando-te e bendizendo-te, porque tu és o Deus da vida e do amor. Senhor, deixe que hoje e sempre te agradeça, porque um dia me criaste para conhecer-te, amar-te e servir-te aqui na terra e louvar-te depois para sempre no Céu. Muito obrigado, Senhor, pelo dom da vida. Quer eu viva noventa ou cem anos, quer eu viva 24 anos, como Santa Teresa do Menino Jesus, nada muda, o que importa é o amor com que vivo. Amém.

 

 

 

MEDITATIO: A amarga página do livro do Eclesiastes depende muito do momento na qual a leias: se te encontras na plenitude de tuas forças ou estás comprometido com tarefas absorventes, te parecerá muito amarga e inclusive inoportuna. Se te encontras desconsolado, ou em um momento de fazer balanço de tua vida, te parecerá como luz solar e objetivamente verdadeira. Mas, acima dos estados de ânimo, trata-se de uma página realista e necessária. Isto porque retrata a situação do homem no mundo, destinado a passar, a desaparecer, a não deixar rastro. É uma página que, tanto poetas como pensadores, hão retomado continuamente e representado com acentos comovedores e, com frequência, desesperadores. Sem dúvida, para ti, cristão, é só o primeiro passo, ao qual não deve deixar de seguir-se o segundo: a segurança de que é a partir deste nada que se pode construir o todo, se o aceitas de Deus, se o orientas a Ele, se o usas como quer a vontade do que o tem criado e o pode e o quer conservar. Estamos, pois, ante uma dupla meditação sobre o nada e sobre o tudo. Sobre o como não deixar-se absorver pelo nada e, portanto, desfazer-se em fumaça, e sobre o como dar consistência a estas aparências tão frágeis. Uma dupla meditação na qual estão comprometidos, a fundo, o realismo da razão e o realismo da fé, na qual um realismo pressupõe o outro, na qual um completa o outro. O livro do Eclesiastes é um livro necessário para a formação da consciência cristã, contanto que não seja o único. O mistério pascal, fundamento da fé, emparelha morte e ressurreição, derrota e vitória, fracasso e reconhecimento da perenidade de quem permanece fiel a Deus.

 

ORATIO: Sei bem, Ó Senhor, que não me deixas passar por alto as ocasiões que me servem para que reflita sobre a «infinita vaidade do tudo». Queres que não me agarre a nada, porque o tudo deste mundo é nada, quando está separado de ti. Um nada que se arrasta no nada. Dou-te graças por recordar-me, hoje, com as vigorosas palavras de Kohélet. Porém, Tu não queres que me detenha aqui, porque a vida assim seria demasiado desconsoladora. Fazes-me entrever que «tudo é vaidade», exceto amar a ti. Teu amor dá consistência às coisas, as subtrai do nada, as redime da vaidade e as coloca em teu Reino. Concede-me, meu amantíssimo Senhor, este teu amor, para que não me detenha nas coisas que passam, para que mantenha fixo o olhar em ti, origem e fim de todas as coisas. Concede-me teu amor, para que possa resgatar as coisas que toco, por sua vaidade. Concede-me teu grande amor, que me projeta para ti quando o sentido do nada, da vaidade, da obscuridade, quer fechar-me em um pessimismo sem esperança. Porque, como sei muito bem, meu querido Senhor, tu cavas, em mim, um vazio, para enchê-lo de ti. Tu removes o que passa para atrair-me para o Reino das realidades perenes. Ajuda-me a manter viva em mim esta certeza, para ascender, cada dia, mais próximo de ti.

 

CONTEMPLATIO: Que te aproveita disputar altas coisas da Trindade, se tu careces de humildade, por onde desagradas à Trindade? De certo, as palavras elevadas não nos fazem santo, nem justo, mas a virtuosa vida faz o homem, amável a Deus. Desejo mais sentir a contrição que saber defini-la. Se soubesses toda a Bíblia e os ditos de todos os filósofos, que te aproveitaria, sem caridade e graça de Deus? «Vaidade das vaidades, tudo é vaidade» (Eclo 1,2), senão amar e servir só a Deus. Suma sabedoria é, pelo desprezo do mundo, ir aos reinos celestiais. Vaidade é, pois, buscar riquezas perecedouras e esperar nelas. Também é vaidade desejar honras e vãs exaltações. Vaidade é seguir o apetite da carne e desejar aquilo por onde depois te seja necessário ser castigado gravemente. Vaidade é desejar longa vida e não cuidar que seja boa. Vaidade é olhar só a esta presente vida e não prever o vindouro. Vaidade é amar o que tão depressa passa e não buscar, com solicitude, o gozo perdurável. Recorda-te, frequentemente, desse dito da Escritura: «Não se farta a vista de ver, nem o ouvido de ouvir» (Eclo 1,8). Procura, pois, desviar teu coração do visível e traspassar o invisível, porque os que seguem sua sensualidade mancham sua consciência e perdem a graça de Deus (Tomás de Kempis, Imitación de Cristo, I, 2, San Pablo).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Concede-me, ó Deus, a sabedoria do coração» (da liturgia)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL A existência humana está sustentada, em suas dimensões essenciais, por uma desconhecida força ascensional, quer dizer, por uma tensão do espírito que tende para valores, todavia distantes. Isso é o que os antigos filósofos definiram como ‘extensio animi ad magna’ e nós quiséramos chamar “esperança primordial”. A consciência do homem está feita para o futuro. O momento presente está, ainda submerso na obscuridade. O que vivemos agora é, geralmente, decepcionante. A vida humana segue sendo, pois, sempre prelúdio de outra. O homem segue alimentando, sempre, novos desejos; suas expectativas não se aplacam nunca, mas se projetam infalivelmente para o futuro, para o Reino do “ainda não”. E, efetivamente, existe nele um impulso impossível de suprimir que lhe impulsiona para um “bom fim”. Esta esperança em um futuro melhor lança suas raízes no desejo de ser feliz próprio da natureza humana. Estamos, como é evidente, frente ao “motor” de todo pensamento e atividade, de todo sonho e de toda aspiração do homem. Em consequência, o “nascimento” do homem está continuamente em por acontecer, até o momento de sua morte. Esta “esperança primordial” se resolve pelo que respeita à concepção cristã da vida, na esperança do céu. O homem há se sentido atraído sempre pelo desconhecido como por uma realidade mais bela e digna de conquistar. A realidade última, para a qual tendemos, em meio das múltiplas expressões da esperança primordial, é a “pátria”, o “instante pleno e completo”. Segundo a expressão de Abelardo, é “aquela comunhão na qual o desejo não supera à coisa, nem o cumprimento se revela inferior à expectativa” (L. Boros, Vivir de speranza)

 

 

 

 

SEXTA-FEIRA, 27 DE SETEMBRO DE 2019 – 25º DOMINGO DO TEMPO COMUM Lucas 9,18-22 (Profissão de fé de Pedro) Lucas volta ao tema do Evangelho de ontem. A pergunta é a mesma. Sem dúvida, agora é o próprio Jesus quem a dirige aos seus discípulos. Quem é Jesus? A resposta da multidão é múltipla: nelas se manifesta a consciência de um certo “mistério”. Porém, não vão além dos esquemas religiosos comuns. Tampouco a resposta dos discípulos satisfaz: pelo menos, pode ser mal entendida e por isso Jesus «lhes proibiu terminantemente que a dissessem a alguém» (v.21). Não basta, de fato, reconhecer que Jesus é o Messias. Que Messias? É a cruz o que suprime todos os maus entendidos. Estamos aqui no centro da fé: crer em um Messias que será crucificado. O «é necessário» do texto é muito significativo: a cruz não é um incidente; é algo querido, faz parte do plano de Deus. Esta é a novidade inesperada, escandalosa para muitos. A presença de Deus se manifesta no caminho da cruz, quer dizer, na entrega de si mesmo, na rejeição de toda imposição, no amor que aceita ser contraditado e aparentemente derrotado. Com certeza, se o dom de si mesmo seguisse sendo inútil e ficasse derrotado, não poderia ser, de modo algum, o sinal de Deus; o é, entretanto, porque o caminho da cruz conduz à ressurreição. É exatamente na entrega de si mesmo, que não se volta atrás, nem sequer frente à morte, onde está encerrada a vitória de Deus.

 

 

Ecls 3,1-11 (Tempos e duração) – Kohélet está particularmente impressionado pelo mistério do tempo. Cada coisa tem sua duração e tudo tem seu momento; tudo acontece no tempo fixado, para cada coisa há um momento oportuno. Mas, como conhecer estes tempos oportunos e como aproveitá-los? Parece que o homem não pode intervir na engrenagem do tempo. Este último tem seus ritmos. No fundo, a vida é simples, está feita de umas tantas atitudes básicas que, continuamente, se repetem: nascer e morrer, amar e odiar, sofrer e gozar, unir-se e separar-se, calar e falar, salvar e destruir, e outras. O homem, com todos seus afãs e seus desejos, está encerrado dentro destes elementos, combinados de diferentes modos. A vida humana está como dentro de um círculo que o homem não consegue romper. Certamente, haverá um sentido (“Tudo fez formoso ao seu tempo»), porém, o homem não o compreende. Deus pôs no homem a exigência do conjunto e a necessidade de interrogar-se sobre a existência, além de cada momento particular. Sem dúvida, é uma necessidade que fica insatisfeita. O homem, apenas sai de cada momento, adverte a contradição. O presente nem sempre corresponde ao passado. De fato, a um passado de justiça pode vir um presente de fracasso, e vice-versa. O homem antecipa o futuro, sonha e desejaria alcançá-lo, porém lhe foge. Saindo dele, de vez em quando, e conectando o presente com o passado, o homem descobre que as contas não saem. A conclusão? Não nos resta mais que confiar a Deus (nisto consiste o temor de Deus, segundo Kohélet), ainda que, seja uma medida de prudente sabedoria não perder o presente ou único tempo que possui o homem.

 

Sl 143/144 (Hino para a guerra e a vitória) O homemj deseja viver bem. Deseja ser santo, ter uma vida confortável, não se preocupar com nada e ter alimento todos os dias. Esta também é a vontade de Deus. No projeto do Senhor para nós não existe miséria, mas abundância. Por isso a Bíblia nos apresenta imagens de suculentos manjares, vinhos e prosperidade. E tudo é fruto da benção de Deus. Mas as provações também fazem parte da abundância do amor de Deus por nós. Não é por acaso que a cruz seja a riqueza prometida por Jesus: “Felizes sois vós, quando vos injuriares e perseguirem e, mentindo, disserem todo mal contra…” (Mt 5,11). Como cristãos, perguntemo-nos: qual é a verdadeira abundância que devemos pedir a Deus para nós e para os outros? Uma cebola, um pedaço de pão duro e consciência tranquila são melhores do que um cabrito assado e a consciência suja, nos recorda a Palavra de Deus. Os verdadeiros valores não são conhecidos pelo dinheiro no banco nem pelo cheque especial. São de outra natureza. Devemos buscar os valores espirituais, olhar as coisas do alto, mas sem esquecer de pedir e lutar pelo pão de cada dia.

Senhor, conscientemente hoje te peço que na minha mesa não falte o pão material, que eu tenha uma vida serena e tranquila e possa, ao me sentar à mesa, agradecer-te pelo pão que como e que tenha o sabor do suor da minha fronte. Que minha riqueza não haja sangue injusto nem corrupção, mas fruto de negócios transparentes. Que eu nunca me aproveite do pobre para tirar vantagens e que nunca busque compromissos contrários a tua lei para ter lucros humanos e vantagens. Que a minha honra seja a minha pobreza, o meu trabalho, a minha família, a tranquilidade de minha consciência. Senhor, dá-me os verdadeiros bens: paz e alegria, e que as palavras de Paulo orientem a minha vida: “Pois o Reino de Deus não é comida e bebida, mas é justiça e paz e alegria no Espírito Santo” (Rm 14,17). Senhor, que eu seja capaz de lutar com honestidade pelos valores do teu reino, que não sofre nem a ferrugem nem traça. Amém.

 

 

MEDITATIO: Kohélet segue sua reflexão sobre a vaidade das coisas, aplicando-a a vaidade do fazer. Com a sorte dos homens ocorre o mesmo que ocorre às ondas do mar: às vezes está acima e, outras, abaixo; um dia se encontra na prosperidade e no seguinte na desventura. Um dia encontra-se exaltado; em outro, esquecido. As telas da televisão são o grande cenário deste tipo de vaidade: personagens aplaudidos e invejados se veem na lama dum momento a outro. Rostos aparecem e desaparecem. Os novos rostos aparecem, e todos se esquecem de boa vontade, os rostos velhos, que, provavelmente, lhes prepararam o caminho. De vez em quando se ouve que morreu algum personagem importante: um ou dois minutos de «comovida» comemoração e, a seguir, prossegue-se o espetáculo. O que assiste se pergunta se valeu a pena aparecer tanto para desaparecer depois com tanta rapidez. O circo dos meios de comunicação necessita de mitos para exaltar e para esquecer: personagens sempre novos e interessantes, que respondam aos gostos do momento, e necessita mudá-los quando os gostos mudam. A mobilidade do sentir marca, desse modo, a mobilidade da fortuna do que acaricia este sentir. Ao voltar a ver fragmentos evocadores do passado, caímos na conta da falta de sentido, do ridículo de muitos ídolos que havíamos admirado em nossa história. Do mesmo modo que ocorre com os outros, também ocorre comigo, com as minhas atitudes e com as minhas posses do passado. Só espero que no dia do julgamento, não seja eu condenado a voltar a ver o filme de minha vida, com minhas vaidades e minhas auto complacência. Efetivamente, é bom refletir sobre a fragilidade e fugacidade das vicissitudes humanas, para aproximar-nos, um pouco, da sabedoria do coração.

 

ORATIO: Vale a pena viver, Senhor, se, depois, tudo se resume a uma bolha de sabão? É esta uma pergunta que aflora algumas vezes, também em nós, os crentes, provavelmente tentados a precipitar-nos sobre as boas ocasiões, a fim de arrancar desta breve vida, o pouco que pode dar. Porém tu me indicas hoje uma rocha segura, na qual posso agarrar-me, a rocha do «Cristo de Deus», continuamente proclamada por Pedro em meio das ondulações do tempo, das modas, dos pensamentos, da variedade das vicissitudes humanas. A sorte e a fortuna da vida podem mudar, porém tu Filho segue sendo «o Cristo de Deus» e olhando-lhe, posso estar seguro de que vale a pena viver. Ele é teu espelho, imagem do Deus invisível, ponto da eternidade plantado no tempo. Ele me fala sempre de teu amor, o remédio que cura as feridas e os insultos do tempo. Imprime em meu coração a mesma profissão de fé de Pedro, a fim de vencer meus anseios e meus medos. Faz atento meu coração ao som e à música do amor que canta continuamente, para não deixar-me envolver pelo inexorável fluir e pelo imprevisível transcorrer de todas as coisas.

 

CONTEMPLATIO: Grande coisa é o amor; ele torna leve o pesado e leva, com igualdade, o desigual. Pois leva a carga sem carga e faz doce e saboroso todo o amargo. O amor nobre de Jesus nos impulsiona a fazer grandes coisas e nos move a desejar sempre o mais perfeito. O amor quer estar acima e não ser detido por nenhuma coisa baixa. O amor quer ser livre e afastado de toda aflição mundana, para que não se impeça sua vida interior nem se embarace em ocupações de proveito temporal, ou caia por algum dano. Nada há mais doce que o amor, nada mais forte, nada mais alto, nada mais largo, nada mais alegre, nada mais cabal, nem melhor, no céu, nem na terra, porque o amor nasceu de Deus, e não pode aquietar-se com todo o criado, mas somente com o próprio Deus. O que ama, voa, corre e se alegra, é livre e não detido. Tudo o dá por tudo, e tudo o tem em tudo, porque descansa em um sumo Bem, sobre todas as coisas, do qual emana e procede todo bem. Não olha os dons, mas se volta ao Doador de todos os bens. O amor, muitas vezes, não guarda modo, mas se aviva sobre todo modo. O amor não sente a carga, nem faz caso dos trabalhos; deseja mais do que pode, não se queixa de que lhe mandem fazer o impossível, porque crê que tudo pode e lhe convém. Para tudo serve, cumpre e põe por obra, nas quais o que não ama desfalece e cai. O amor sempre vela, e dormindo não dorme; fatigado, não se cansa; angustiado, não se angustia; espantado, não se espanta, mas como viva chama e ardente farol, sobe ao alto e se remonta com segurança (Tomás de Kempis, Imitación de Cristo, III).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Bendigo-te, Senhor, pelo tempo de tua graça» (da liturgia)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Senhor, a cada um de nós pode acontecer que não veja com claridade, que deixe de sentir a segurança de uma referência, porque todos os valores que nos rodeiam vacilam e perdem consistência. Senhor, se um dia tudo me parece insensato, se já não sei onde lançar a cabeça, a quem escutar e onde encontrar apoio, dai-me a força de dirigir-me a ti como um instinto visceral. A meu redor tudo é mistério, e eu mesmo sou em primeiro lugar. Porém teu mistério, Senhor, é tão grande como satisfatório em todas suas dimensões. O que tu me ofereces supera por completo o que os homens podem oferecer-me com suas ideologias, suas gnoses, seus sincretismos. Além do mais, crer não supõe compreender tudo: teu amor, teu perdão, tua mensagem, tua paixão, tua morte, tua vida. Tudo pode desaparecer; basta que tu permaneças. Só tu dás sentido a tudo e, em primeiro lugar, a mim mesmo. Só tu tens palavras de vida eterna. E sei que é verdade porque o tenho visto em tua vida e na vida dos que vivem da tua. Sem ti, eu não existiria. Que eu esteja contigo, em ti (R. Latourelle, “L´infinito di senso, Gesù Cristo”).

 

 

 

SÁBADO, 26 DE SETEMBRO DE 2019 – 25º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Lucas 9,43b-45 (Segundo anuncio da paixão) Enquanto todos estavam admirados das coisas que fazia, Jesus volta a revelar a seus discípulos a cruz que lhe espera. O contraste é estridente: o que deve impor­tar aos discípulos não é a gloria do Mestre, mas que “O Filho do homem vai ser entregue nas mãos dos homens” (v.44). Isto é o que devemos compreender, sob pena de não entender, em absoluto, a identidade de Cristo e a verdade de sua revelação. Compreender a cruz significa compreender o lado mais luminoso, novo e imprevisível do rosto de Deus revelado por Jesus Cristo. Não está em jogo um aspecto particular, mas o centro. Contudo os discípulos não entendiam» (v. 45a). A solidão de Jesus Cristo é completa. Nem sequer seus mais ínti­mos estão em condições de compartilhar o lado mais pro­fundo de sua circunstancia. Sua «novidade» escapa a todos. Não entendiam, disse Lucas, porque suas palavras estavam como que cobertas por um véu que lhes impedia captar seu sentido (cf.v.45b). Compreenderão depois, à luz dos acontecimentos e ao percorrer, eles mesmos, o caminho do Mestre. Porém, não compreendiam, tampouco, porque tinham medo de perguntar-lhe sobre isso (cf v.45c). O que entrevêem lhes produz espanto. O destino do discípulo não pode ser separado do destino de seu Mes­tre: isso, precisamente, era o que intuíam. E ficaram confusos.

 

 

Ecles 11,9-12.8 (A idade) Kohélet se pergunta que sentido tem a vida, se tudo corre tão veloz para a velhice e a morte. Em um de seus textos mais célebres (12,2-6), descreve, com des­preocupação e de modo comovedor, a irrupção da velhice. A imagem que apresenta é um palácio de alta concorrência durante um tempo cheio de vida e de atividade, mas, agora, em evidente decomposição. Naturalmente, também a velhice supõe um risco, e pode apresentar-se com um rosto dramático, sobretudo quando conclui uma vida já vazia, dispersa. Por isso começa Kohélet dizendo: «encontra a teu Criador nos dias de tua juventude» (12,1). Não se trata de um ditado em sentido hedonista e pagão, porém, contudo, segue sendo sempre verdade que a vida é uma possibilidade única. É preciso viver intensamente, sem adiantamentos. Uma velhice que dá conclusão a uma vida plena é qualitati­vamente diferente de uma velhice que se acrescenta a uma vida vazia. Vendo mais a fundo, o homem bíblico – começando por Kohélet – sabe que não é só a velhice o que constitui uma situação de risco. Se olhas bem, te dás conta de que é toda a vida a que se encontra nessa situação. A velhice está implicada em um problema mais geral. É uma janela sobre a vida captada em toda sua verdade. A velhice não pode ser separada. Se se resolve o problema da velhice, se resolve o problema da vida.

 

Salmo 89/90 (Fragilidade do homem) Com uma meditação cheia de realismo, o salmista olha ao seu redor e percebe que muitos amigos já partiram; diante desta constatação, realiza uma súplica, motivado pela brevidade da vida. O medo da morte penetra em nossos corações quando percebemos que, com o passar dos anos, tornamo-nos mais fracos e sem forças. Que fazer diante dessa dura realidade? O desespero apenas nos bloqueia e nos faz perder a esperança e a vida. Acreditar que não morreremos seria um otimismo vazio e inútil, é necessário encarar a realidade e perceber que diante de Deus não há tempo; mil anos são como um dia e um dia como mil anos. O que vale é viver a vida que nos foi dada com amor e generosidade, sendo em tudo atentos aos apelos do Senhor. Deus eterno não nos abandona nem por um minuto e sacia a cada manhã o nosso coração com seu amor. Por isso, mesmo diante da brevidade da vida, nos resta agradecer ao Senhor e cantar suas maravilhas e seu amor. Assim como esse salmo, que é um cântico de louvor e de ação de graças embora seja por breve tempo nesta terra.

Senhor, quando penso na morte como fim de tudo, o meu coração se entristece e perco o ânimo. Sinto-me como uma frágil folha levada pelo vento ou uma flor que de manhã é bonita, mas à noite está seca, murcha e é jogada fora. Mas quando penso na morte como porta que se abre para me introduzir na verdadeira vida, os meus sentimentos se transformam e sinto-me uma criatura nova no amor e na generosidade. Senhor, não deixe que o meu coração se abata, mas que seja sempre um coração cheio de esperança e de vida. Em cada momento da vida quero expressar a minha alegria, louvando-te e bendizendo-te, porque tu és o Deus da vida e do amor. Senhor, deixe que hoje e sempre te agradeça, porque um dia me criaste para conhecer-te, amar-te e servir-te aqui na terra e louvar-te depois para sempre no Céu. Muito obrigado, Senhor, pelo dom da vida. Quer eu viva noventa ou cem anos, quer eu viva 24 anos, como Santa Teresa do Menino Jesus, nada muda, o que importa é o amor com que vivo. Amém.

 

 

MEDITATIO: A brevidade da vida e a perspectiva dos dias tristes nem podem, nem devem, suprimir a apreciação posi­tiva das pequenas e das grandes alegrias, que devem ser acolhidas com reconhecimento e ação de graças. E é que se encontra aqui, em jogo, o caráter plausível de nossa fé. O desafio que supõe o neopaganismo se joga, de fato, também, na questão da «felicidade»: como se é mais «feliz», com a fé ou sem a fé? Como se está em melhores condições para apreciar a criação, com o olhar dirigido ao Criador ou com o olhar di­rigido exclusivamente às criaturas? E ainda: existe, de verdade «o bem estar da fé?» O cristão está destinado a ser um eterno chorão e um desmancha prazeres ou está chamado a difundir a Boa Noticia, a alegria de sentir-­se envolvido, acolhido e amado pelo Mistério adorável que nos rodeia? Da capacidade de alegria que o cristão seja capaz de difundir depende, também, a aceitação do Evange­lho por parte das pessoas que nos rodeiam, seduzida por outras mensagens. Porém, isso inclui uma relação correta com as criaturas, a capacidade de gozar de todas as coisas belas que nos foram dadas como dom, de viver com o ânimo alegre, agradecido, exultante, exaltando ao Criador de tantas coisas belas. Inclui a maturidade da fé que, nem idolatra, nem teme às criaturas, companheiras de nossa viagem para a plenitude.

 

ORATIO: Te dou graças, meu Criador, por tua criação, que me fala de ti, de tua beleza e de tua sabedoria. Dou-te graças «porque criaste o universo inteiro, estabeleceste o continuo retorno das estações e submeteste o homem, formado a tua imagem e semelhança, as maravi­lhas do mundo para que, em teu nome, dominasse a criação. Admiro-te e te exalto em todas tuas criaturas. Não me amarga o fato de que tudo passe: agradeço-te o que me dás, o que me ofereces e como o fazes, a ale­gria que me proporciona, a utilidade que me produz. Só te peço que nunca me esqueça de que tudo procede de ti e tudo me conduz a ti. Então minha alegria será completa, porque participarei de tua alegria, agora e sempre. Amém.

 

CONTEMPLATIO: (…) Quem poderá expressar aquele extraordinário afeto que lhe atraia em tudo o que é de Deus? Quem será capaz de narrar, de quanta doçura go­zava, ao contemplar, nas criaturas, a sabedoria do Criador, seu poder e sua bondade? Na verdade, esta con­sideração lhe enchia, muitas vezes, de admirável e inefável gozo, vendo o sol, olhando a lua e contem­plando as estrelas e o firmamento. Ó piedade simples! Ó simplicíssima piedade! Também ardia em veemente amor pelos vermes, porque havia lido que se disse do Salvador: Eu sou verme e não homem, e por isto os recolhia do caminho e os colocava em lugar seguro para que não os esmagassem com seus pés os transeuntes. E que dizer das outras criaturas inferiores, quando fazia que às abelhas lhes servissem mel ou o melhor vinho no inverno para que não perecessem pela inclemência do frio? Desfazia-se em glorificação, a gloria do Senhor, ponderando sua laborio­sidade, e a excelência de seu talento; tanto que, às vezes, passava todo um dia em louvor destas e das demais criaturas. Como em outro tempo os três jovens na fogueira convidavam todos os elementos a louvar e glorificar ao Criador do universo, assim este homem, cheio do Espíri­to de Deus, não cessava de glorificar, exaltar e bendizer, em todos os elementos e criaturas ao Criador e Governador de todas as coisas. Quem poderá explicar a alegria que provocava, em seu espírito, a beleza das flores, ao contemplar a beleza de suas formas e ao aspirar a fragrância de seus aromas? Em um instante dirigia o olho da consideração à formosura daquela flor que, brotando, luminosa, na primavera da raiz de Jessé, deu vida, com sua fragrância, a milhares de mortos. E, ao encontrar-se na presença de muitas flores, lhes pregava, convidando-as a louvar ao Senhor, como se gozassem do dom da razão. E o mesmo fazia com as messes e as vinhas, com as pedras e as selvas, e com todo o belo dos campos, as águas das fontes, a frondosidade dos hortos, a terra e o fogo, o ar e o vento, convidando-lhes, com ingênua pureza, ao amor divino e a uma gozosa fideli­dade. Enfim, a todas as criaturas as chamava irmãs, como quem havia chegado à gloriosa liberdade dos filhos de Deus, e com a agudeza de seu coração penetrava, de modo eminente e desconhecido aos demais, o intimo das criaturas. E agora, ó bom Jesus! unido com os anjos, te proclama admirável quem, vivendo na terra, te pregava amável a todas as criaturas (Tomás de Celano, Vida primeira de são Francisco).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Concede-me, Senhor, a verdadeira sabedoria» (da li­turgia)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL A alegria que experimentamos por nós mesmos, sem essa perspectiva moralizante que nos é tão familiar, no-la transmite o livro de Cohélet. O autor deste livro tenta unir a filosofia popular grega com a sabedoria judia. Põe em julgamento alguns dogmas judeus; por exemplo, o dogma segundo o qual «fazer o bem trás sempre fortuna e uma longa vida, e fazer o mal leva ao infortúnio e a uma morte prematura». A realidade é diferente. Cohélet nos convida a alegrar-nos na vida e gozar plenamente das alegrias do momento. Quando recebemos alegrias, devemos pensar que é Deus quem no-las envia (9,7-9). Cohélet não está cheio de euforia. Sabe que tudo isto não é mais que um suspiro de vento, que o ser humano não pode encontrar a paz nem no êxito nem na propriedade. Sabe que, passadas as alegrias, virão os tempos da tristeza(3,11ss), mas, quando Deus nos concede a alegria, devemos acolhê-la agradecidos e gozar dela com plena consciência. A consciência de ser pecadores não deve induzir-nos só a dar voltas como penitentes que se reprovam constantemente havê-lo feito tudo de modo equivocado e não merecer o amor de Deus. Jesus inicia sua pregação dizendo:«Cumpriu-se o tempo e o Reino de Deus está próximo» (Mc 1,15). Oferece-nos a plenitude da vida. Quando Deus está próximo e quando nos encontramos perto de Deus, então nossa vida se encontra em ordem, se enche de uma alegria nova. Por isso conta Lucas em seu evangelho que ali onde estava Jesus reinava a alegria. Ali onde estava Jesus não havia nem um mísero sentido de penitência, nem de autocrítica, nem de autoacusação, mas que se advertia o oferecimento de uma nova possibilidade de vida, que a liberdade e a alegria podiam dirigir nossa vida (Anselm Grün, Recuperar la propia alegría).

 

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