LECTIO DIVINA DE 25 DE FEVEREIRO À 02 DE MARÇO DE 2019

LECTIO DIVINA COMUNIDADE PAZ E BEM

SEGUNDA-FEIRA, 25 DE FEVEREIRO 2019 – 7ª SEMANA DO TEMPO COMUM –

Marcos 9,14-29 (O epilético endemoninhado) Jesus desce do monte onde havia se transfigurado e volta com o resto de seus discípulos. Encontra-os rodeados de uma multidão que fica surpresa com sua inesperada chegada. Deixando aparte toda discussão, todos se apressaram a saudar ao Mestre. Jesus pergunta o motivo da reunião dos discípulos, gente simples e mestres da Lei e -após certa vacilação- é o pai de um jovem endemonhiado quem toma a palavra. Conta o estado de saúde no qual se encontra seu filho e afirma que os discípulos não conseguiram libertá-lo (vv.17ss). Jesus se indigna com todos, porque constata que seu ensinamento e os milagres realizados não consolidaram nem a fé dos discípulos nem a fé das pessoas. Contudo, e ainda que com uma nota de raiva e de cansaço, Jesus não abandona a esta gente e lhe oferece uma vez mais sua ajuda. O pai do jovem intervém de novamente e põe a descoberto a endeblez e a inconsistência de sua fé: «Se podes algo…» (v.22b). Este pedido surpreende ao Mestre, e responde de imediato: «Tudo é possível para quem tem fé» (v.23). Ao dizer: «Creio» (v.24b), o pai do jovem afirma a impotência do homem e a grande misericórdia de Deus. Então Jesus realiza o milagre: liberta ao jovem do espírito mudo e deixa passar um breve intervalo de tempo, um espaço para que se manifestem a grandeza e o poder do amor. Não, o menino não está morto; está completamente livre (vv.25-27). Quando os discípulos perguntam a Jesus a razão de sua impotência, se refere este à oração, quer dizer, ao reconhecimento total e humilde de que tudo vem de Deus e de que contar unicamente com nossos próprios meios não conduz a nenhuma parte.

 

 

MEDITATIO: A sabedoria e a fé se entrelaçam até formar um tecido compacto que recobre a todo o homem e lhe dá calor. Em meio desta tibieza encontra o homem dentro de si dois elementos que lhe fazem ir na direção do bem e do amor: o primeiro é uma relação com seus semelhantes fundada na acolhida e a escuta, que o fazem pacífico, tolerante, conciliador, compassivo, fecundo, imparcial e sincero; o segundo é o reconhecimento de estar necessitado de Deus e de encontrar em nosso caminho a Jesus, o Verbo feito carne. Muitas vezes nos sentimos dispostos a desafiar as distintas situações da vida, crendo-nos capazes de mediar e de levar a cabo as mesmas ações de Deus, porém a presunção de poder fazê-lo por nós mesmos nos faz fracassar também no bem. A fé faz crescer a sabedoria e a sabedoria aumenta nossa fé: este é o caminho que temos de percorrer para não cair na armadilha de uma justiça só terrena, reivindicadora de direitos. A humildade é a fé escondida, é a confiança daquele que o espera tudo; por isso o cobre todo com a caridade. Deste modo, a oração é também esse pão de cada dia que fermenta a massa da existência e faz levantar o olhar para aquele que é o Senhor da vida, do qual temos necessidade para expulsar o mal tormentoso e afanoso de nossos dias.

ORATIO: Senhor Jesus, somos débeis e frágeis e temos dificuldades para conseguir acolher «as coisas do alto», a sabedoria que vem do alto e a fé em ti. Ajuda-nos a manter vivo o desejo de não abandonar-te e de vislumbrar tua presencia na vida diária. Põe sempre em nosso coração esse justo temor que nos permite dirigir os olhos a ti quando cremos realizar boas ações, e em particular as dirigidas a nosso próximo, a fim de que não se perca nenhum dom que o Espírito tenha infundido em nós.

 

CONTEMPLATIO: Não compares todas as obras poderosas e os prodígios realizados no mundo com um homem que sabiamente more na quietude. […] Que o mais perfeito a teus olhos seja soltar tua alma dos vínculos do pecado, antes inclusive que soltar aos oprimidos, libertando-os daqueles que mantém escravos seus corpos. Prefere reconciliar-te com tua alma na concórdia da tríade que há em ti (corpo, alma, espírito), mais que reconciliar aos airados com teu ensinamento. Ama a simplicidade das palavras com a ciência da experiência interior, mais que ir em busca de um Giscon de doutrina com a agudeza da mente e o depósito do ouvido e da tinta. Preocupa-te de ressuscitar tua alma morta pelas paixões ao movimento de seus impulsos para Deus, mais que de ressuscitar da morte aos mortos segundo a natureza. Muitos têm realizado grandes coisas, ressuscitado mortos, se cansado em favor dos errantes, realizado muitos prodígios e atraído muitos a Deus com a admiração despertada pelas obras de suas mãos. Depois, precisamente esses mesmos que haviam salvo a outros caíram em paixões torpes e reprováveis. Enquanto davam a vida aos outros, davam a morte a si mesmos, provocando sua própria queda com a contradição mostrada em suas obras. O fato é que, enquanto estavam ainda enfermos na alma, não se preocuparam de sua própria cura, mas que se lançaram ao mar do mundo para curar as almas dos outros, estando enfermos eles ainda. Deste modo, privaram a suas almas da esperança em Deus, no sentido que hei dito, porque a enfermidade de seus sentidos não podia sustentar o choque com os raios das coisas mundanas, que, geralmente, excitam a veemência das paixões naqueles que todavia têm necessidade de vigilância (Isaac de Nínive, Discorsi ascetici 1, Roma).

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:  

        «Tudo é possível para o que tem fé» (Mc 9,23b)

        

PARA A LEITURA ESPIRITUAL A graça muda de raiz a relação com Deus, entre nós, e muda a compreensão que cada um de nós tem de si mesmo. Primeiro: a graça muda de raiz o modo de conceber a relação com Deus, que se converte, essencialmente, em uma relação de acolhida e de gratidão. Não é o caminho do homem o que ascende a Deus, mas que é o caminho de Deus o que desce ao homem. A salvação é dom, não conquista. Isto precisamente é o Evangelho, o alegre anuncio que devemos levar a todos, um anuncio esperado desejado: Cristo morreu e ressuscitou por nós e, em consequência, estamos salva pelo amor gratuito de Deus manifestado na cruz, não por nossas obras. Nossa segurança se apoia no amor de Deus, não em nossa resposta: por isso é uma noticia alegre. Segundo: a graça muda as relações no interior da comunidade. Nela deve reinar a ordem da entrega recíproca e não o da justiça sem más. «Não façais nada por rivalidade ou vanglória; sede, pelo contrario, humildes e considerai aos demais superiores a vós mesmos. Que não busque cada um seus próprios interesses, mas os dos demais», escreve são Paulo à comunidade de Filipos. Tudo isso é necessário se a comunidade quere ser a proclamação da graça, quer dizer, da lógica que levou a Cristo, que existia na condição de Deus, a tomar a forma de escravo, a fazer-se obediente até a morte, e morte de cruz. Terceiro: a graça não muda só as relações humanas na comunidade, mas também as relações da comunidade com o mundo. Estas devem ser umas relações de serviço, e de nenhum modo relações de autoglorificação. A salvação está na fé e não nas culturas, e, por isso, todas as culturas podem abrir-se a Cristo e nenhum povo pode impor a todos sua própria cultura particular em nome de Cristo. Se não fosse assim, a salvação deixaria de ser graça, baseada unicamente no amor de Deus, mas que estaria condicionada por uma cultura ou por outra, isto é, pelas obras do homem. Quarto: o homem deve conceber-se como dom gratuito, como uma existência doada, e, portanto, não pode permanecer encerrado em si mesmo e buscar só o que supõe uma vantagem para ele. Deve abrir-se e fazer-se dom gratuito para todos. Se isto não tivesse lugar, o movimento de Deus ficaria interrompido e distorcido: o amor gratuito que desce sobre o homem ficaria transformado por ele: já não seria dom, mas posse; já não seria serviço, mas poder (B. Maggioni, Vita consacrata come trasparenza evangelica”, en Consacrazione e servicio).

 

 

 

 

 

 

TERÇA-FEIRA, 26 DE FEVEREIRO 2019 – 7ª SEMANA DO TEMPO COMUM –

Marcos 9,30-37 (Segundo anúncio da paixão; Quem é o maior) Servir, no sentido bíblico, é servir a Deus, e portanto também ao próximo, e tem como consequência a libertação do pecado que domina todo coração. Diz Jesus que quem quiser ser o primeiro «que seja o último de todos e o servo de todos». Na predição de sua paixão, Jesus oferece a seus discípulos uma leitura que não compreendem, não de sucesso, mas de humilhação e entrega de si mesmo pelos outros através do sofrimento e a dor, mas, sobretudo, através do amor oblativo e desinteressado. Em consequência, o seguimento do discípulo deve ter estas características. O Mestre prossegue ainda com estas palavras: «O que me acolhe a mim não é a mim a quem acolhe, mas ao que me há enviado». O que crê ser o primeiro não faz frutificar os talentos que ha recebido, mas só aqueles dos quais presume; o último e o servo sabem, sem duvida, que tudo lhes foi dado por Deus, por isso se põem em atitude de acolhida. A acolhida de um menino é símbolo de simplicidade, humildade e pobreza, de alguém que se confia inteiramente à ajuda de Deus, de quem responde quando o chamam e não faz raciocínios de grandeza porque não sabe fazê-los. Isso não equivale a calar por temor a pedir, senão o abandono confiado a quem se preocupa por ele e à certeza de que existe sempre Alguém que vê em sua justa medida aquilo que temos necessidade.

 

 

MEDITATIO: É muito grande a tentação de ser ou fazer-se líder. Trata-se de uma tentação que aparece de uma maneira sutil e em forma de bem: ao começo, talvez nem sequer nos damos conta, porém pouco a pouco nos vá sugerindo coisas cada vez mais afastadas da verdade de Cristo. Charles de Foucauld ouviu um dia esta frase durante uma homilia do padre Huvelin: «Jesus Cristo tomou o último posto de tal modo que ninguém poderá tirá-lo jamais». Estas palavras nos ferem e nos proporcionam consolo ao mesmo tempo, porque a experiência humana de cada dia nos leva a dizer que somos nós quem devemos lutar com os condicionamentos e os bombardeios psicológicos que se nos apresentam. Sem a humildade, essa virtude que nos permite reconhecer ao Outro fora e acima de nós, só conseguimos afirmar nossas paixões, que no conduzem à união e ao compartilhar, senão só a imposições que com o correr do tempo não concordam já com a sabedoria, dom de Deus. Existe uma só paixão, e é aquela que sofreu Jesus Cristo por cada um de nós, fazendo-nos de novo crianças no espírito, últimos no mundo, porém grandes em seu Reino. Jesus «rico como era, se fez pobre por nós» e, deste modo, pôs em tela de juizo a raiz do mal que reina dentro de nós: fazer-nos como ele. Imitar ao Senhor não significa repetir de maneira servil os gestos que ele realizou, mas confrontar o que sai de nosso coração com o que ele disse e fez. A obediência ao Pai que o enviou lhe fez livre de operar por nós e em nós, para que não sejamos escravos de nossas vontades, mas livres de amar e de entregar aos outros o que nós mesmos recebamos.

ORATIO: Senhor, estamos em divida contigo pela vida que nos deu com tua paixão, morte e ressurreição. Não permitas que usemos os dons gratuitos que nos deste para especular em prejuízo dos pobres ou para fazer-nos grandes ante os outros. Recorda-nos, quando voltamos a ti humilhados, o que temos tido medo de pedir-te nos momentos de orgulho e de presunção. Ajuda-nos a acolher e a dar antes de ser acolhidos e receber, para não presumir de fazer nossa vontade, mas a de nosso Pai, tal como tu nos ensinaste.

CONTEMPLATIO: Nesta vida e em toda tentação, lutam entre si o amor do mundo e o amor de Deus; o que vença destes dois amores arrasta com seu peso ao que ama. De fato, não vamos a Deus andando nem voando, mas com nossos afetos bons. E, do mesmo modo, ficamos cativos da terra, não com cordas ou cadeias, mas por nossos maus desejos. Veio Cristo a fazer mudar nossos afetos e a fazer que se enamorasse do céu antes que da terra. Se fez homem por nós o que nos criou e fez homens. E tomou Ele, Deus, a natureza humana para fazer aos homens como deuses. Esta é a batalha à qual estamos chamados, esta é nossa luta com a carne, com o diabo, com o mundo. Porém confiemos, posto que quem pregonó esta justa não fica olhando-a sem dar-nos sua ajuda, pois nos recomenda não presumir de nossas forças. […] «Não ameis ao mundo nem o que há nele. Se alguém ama ao mundo, o amor do Pai não está nele» (1 Jo 2,15). Dois são os amores: o mundo e Deus; onde habita o amor do mundo, não estar o amor de Deus. Se sai o amor do mundo, habitará o amor de Deus nesse lugar: que o afeto maior obtenha o lugar de maneira estável! Tu amaste o mundo; não o ames mais. Quando tenhas expulsado de teu coração o amor terreno, acolherás nele o divino e começará a habitar em ti a caridade, da qual não pode derivar-se nenhum mal. Ouvi, pois, as palavras de quem quer reduzir com discursos vossos corações para que dêem melhores frutos. Se ha posto a tratá-los como campos. E de que modo? Se encontra ainda em matagal, o elimina; se encontra o campo limpo já planta árvores nele; e, precisamente, quer plantar uma árvore: a caridade. E de que bosque quer remover a erva daninha? Do amor do mundo (Santo Agostinho).

 

ACTIO: Repete com frequência e vive hoje essa palavra:

«Deus resiste aos soberbos, porém concede seu favor aos humildes» (Tg 6,6b)

 

PARA UMA LEITURA ESPIRITUAL Felizes os que sabem rir deles mesmos: nunca acabarão de divertir-se. Felizes os que sabem distinguir um monte do montão de um topo: economizará grande quantidade de preocupações. Felizes os que são capazes de repousar e de dormir sem necessidade de buscar arrependimento: chegarão a sábios. Felizes os que sabem calar e escutar: aprenderão muitas coisas novas. Felizes os que são suficientemente inteligentes para não tomar-se em serio: serão estimados por seus amigos. Felizes vós se sois capazes de olhar em serio as coisas pequenas e com serenidade as serias: chegareis longe na vida. Felizes vós se sois capazes de apreciar um sorriso e esquecer um escárnio: vosso caminho estará cheio de sol. Felizes vós se sois capazes de interpretar sempre de maneira benévola as atitudes dos outros, inclusive quando as aparências são contrarias: passareis por ingênuos, porém esse é o preço da caridade. Felizes os que pensam antes de atuar e riem antes de pensar: evitarão cometer grande quantidade de loucuras. Felizes vós se sois capazes de calar e sorrir quando os interrompem, os contradizem ou os pisam os pies: o Evangelho começa a entrar em vosso coração. Felizes sobretudo os que sois capazes de reconhecer ao Senhor em todos aqueles a quem os encontrais: haveis encontrado a verdadeira luz, haveis encontrado a verdadeira sabedoria (J.F.Six, Las bienaventuranzas hoy, Ediciones San Pablo, Madrid).

 

 

 

 

 

QUARTA-FEIRA, 27 DE FEVEREIRO 2019 – 7ª SEMANA DO TEMPO COMUM – Marcos 9,38-40 (Uso do nome de Jesus) Chegados ao final do capítulo 9 do evangelho de Marcos, podemos resumir alguns pontos: a fé dos discípulos é endeble, não estão em condições de expulsar aos demônios; os mesmos discípulos andam à busca de grandezas, jactando-se de certa pretensão sobre quem não fazem parte do grupo que segue a Jesus. Quase dá a impressão de que a ação do Espírito Santo, que sopra como e onde quer, é limitada. Os discípulos estão fechados todavia na mentalidade de que só os que pertencem ao grupo de Jesus podem realizar ações que respondam aos ensinamentos do Mestre. Agora bem, Jesus veio a trazer uma novidade para todos, não só para uns poucos, dai que nem sua missão nem seu ensinamento tenham nem portas nem muros. Com razão disse: «Ninguém que faça um milagre em meu nome pode logo falar mal de mim» (v 39). Esse «em meu nome» indica precisamente liberdade de ação, acolhida do amor, total dependência de Deus, que não exclui a ninguém que se declare em seu favor.

 

 

 

MEDITATIO: A verdadeira riqueza consiste na posse da felicidade pessoal e, ao mesmo tempo, em ter o olhar dirigido para os outros. Certamente, não é possível medir, por nossa parte, o que conseguimos dar nem, sobretudo, como damos, porque as listones ou os programas telemáticos teem uma ação limitada dentro de nossos esquemas. Contudo, podemos saber que sentimento nos impulsiona a dar gratuitamente, que há de verdade em nosso coração que faz saltar a muelle do dom. Se bem nada nem ninguém está em condiciones de avaliar nossos sentimentos, sempre há, a pesar de tudo, Alguém ao qual não se lhe escapa nada que tenha que ver conosco. Quando agimos na caridade de Cristo, de imediato se nos sugere o movimento seguinte, de imediato entra em ação nossa fantasia e nos faz realizar coisas que nunca tínhamos pensado. Com frequência, nos surpreende que outros estejam em condições de realizar gestos de amor maiores que os nossos. É precisamente neste ponto onde nasce o verdadeiro sentido da comunidade, desse encontro de pessoas que —reunidas no amor oblativo— tem como dinamismo vital ao Espírito Santo, o qual opera e realiza sua verdadeira missão: «Onde dois ou três estejam reunidos em meu nome, ali estou no meio deles», disse o Senhor Jesus. Temos grandes exemplos em nossa historia de pessoas que, em aparência, «nos deixam» para «dedicar-se» aos demais. Quantas vidas escondidas saem à luz inclusive depois de ter deixado este mundo! O Senhor sabe encontrar os modos de não deixá-las para sempre no silencio. Um olhar de amor para o outro, uma atenção dirigida a quem se encontra necessitado e em meio da necessidade, não podem ser «arrebatadas» pela racionalidade humana: necessitamos deixar que seja o Senhor quem nos revele qual é o verdadeiro bem para cada um de nós e para todos.

 

ORATIO: Oh Senhor, perdoa-nos porque nos mostramos presunçosos nas ações que realizamos «em teu nome». Nos enchemos a boca, as mãos, o coração e a cabeça de ti, porém, depois, nossos sentimentos perseguem interesses e resultados egoístas. Não permitas que os justifiquemos, porque não existe mais que uma só justificação: a tua, a redenção levada a cabo por meio de tua morte na cruz. Faz que nossa única riqueza seja ver a pobreza do outro, para sair-lhe ao encontro, e que nossa pobreza esteja repleta da riqueza que o outro nos tem dado.

 

CONTEMPLATIO: Oxalá não caiamos na mesquinhez, no relaxamento dos que julgam como absolutamente impossível passar a vida sem dispor de imensos tesouros.[…] O que se pede a vós, oh ricos deste mundo, não é inhumano, nem pode resultar-vos indesejável. Se não é possível exigir-vos que queirais ser pobres na terra, preocupai-vos ao menos de não ter que mendigar por toda a eternidade. Se sentis horror da indigência presente, por que não temeis a futura, a perpetua? Se aborreceis os males efêmeros, esforçai-vos por evitar as desventuras sem fim, eternas. Enquanto estais em vida, temeis, vos espanta o pensamento da miséria; porém, o dano mundano que temeis é  muito inferior ao que vos afligirá no mais além. Se julgais insuportável a pobreza terrena, como valoraréis aquela que não terá nunca fim? As considerações que estou fazendo são muitíssimas más conformes com vosso modo de sentir, com vossos desejos. Se não quereis separar-vos de nenhuma maneira de vossos tesouros, fazei que isso não tenha lugar algum dia. Vos pedimos algo que deve ser-vos agradável, grato. Vós, que no sabeis viver sem dispor de riquezas, trabalhai de modo tal que sigais sendo sempre endinheirados. Justamente o Senhor disse: «Portanto, soberanos dos povos, se vos deleitais com os tronos e os cetros, honrai a sabedoria, para que possais reinar sempre» (Silvano de Marsella, Contro l’avarizia).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«O que não está contra nós está a nosso favor » (Mc 9,40).

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Afortunadamente, há uma «fábula» que é sempre verdadeira, e o segue sendo cada dia. Uma «fábula» vivida por alguém ou por algo que, em geral, não tem nome nem vistosidade, e se propõe ao livro da vida desde seu esconderijo cheio de sol. As vezes é descoberta e contada por periódicos e livros, ainda que é mais frequente que siga sendo desconhecida pela publicidade, atarefada em temas que não são em absoluto fabulosos. A encontram, como uma graça, os que buscam a luz: ou bem porque têm o olhar iluminado ou bem porque sentem o desespero do vazio. A «fábula» cotidiana confirma na paz aos primeiros e leva à paz aos segundos. É a maravilha que Deus mantém na terra, onde são muitos os que trabalham para que seja cada vez menos maravilhosa, ainda que sua maravilha acaba por impor-se sempre, sem cenários nem estrépito, na natureza e entre os homens. A chamamos «fábula» de maneira inapropriada, dado que é verdadeira, ainda que lhe convém este nome porque não parece verdadeira, pelo muito que  há se  tornado excepcional e obsoleta, quando devia ser quase normal pelo fato de que todo homem está chamado a ser e a obrar, e pelo fato de que está difundida por todas partes na natureza. A «fábula» se chama dom, amor, unidade. Se conta nas casas dos pobres que se sentem senhores e nas casas dos ricos que compartilham o que teem. Encontra-se no asfalto, onde, junto com os «viajantes luxuosos», vai um peregrino de humaníssima liberdade; e se encontra também na estância onde soríe a enfermidade como abundância de vida. Se lê no vôo das mariposas, no canto do mirlo, nas conchas das praias, no jogo de luzes de um abetal de montanha. Vê-la e senti-la, tão difundida em seu esconderijo, faz pensar que o «inverno» da vida diária não é, de verdade, a estação dominante (G. Agresti,Le fragole sull’asfalto, Milán).

QUINTA-FEIRA, 28 DE FEVEREIRO 2019 – 7ª SEMANA DO TEMPO COMUM – Marcos 9,41-50 (Caridade para com os discípulos; O escândalo) Depois do segundo anúncio da paixão e da ressurreição, Jesus chega a Cafarnaum com seus discípulos (cf. Mc 9,30-33). Marcos insere neste ponto de seu evangelho uma serie de logia aparentemente inconexas entre si, ainda que na realidade se reclamam reciprocamente através de palavras-chave. A expressão «em meu nome», que figura ao começo do fragmento de hoje, estava já anunciada no v.37; a expressão «ser ocasião de pecado» o «escândalo» antecipa toda a seção que vem depois; a sentença conclusiva de «sal» recorda o versículo precedente. Todos estes ditos formam uma coleção de instruções dadas aos discípulos para caminhar no seguimento de seu Mestre. No texto litúrgico, Jesus aborda diferentes temáticas. Começa com a da acolhida: gestos pequenos e simples (cf. Mt 25,40) realizados em seu nome; é ele, em efeito, quem enche de significado as ações humanas, conferindo-lhes um valor de eternidade. Prossegue com a questão do escândalo: quem põe um obstáculo àqueles que todavia são fracos na fé, merece um castigo severo e infamante. Nos vv.43-47 Marcos assume uma linguagem paradoxal, típica, pelo radicalismo e pela dureza do julgamento, da mentalidade semítica. Serve para indicar que -se é necessário- é melhor sacrificar certos órgãos vitais que aderir ao pecado e incorrer na condenação eterna simbolizada pela Geena. Para confirmar tudo isto aparece a citação bíblica tomada do profeta Isaías (Is 66,24).     O tema do sacrifício de nós mesmos a fim de preservar-nos e purificar-nos do pecado aparece também nos vv. 49ss com as imagens do sal e do fogo. A sabedoria de Cristo que deve buscar o discípulo para dar sabor a todas suas ações, o fogo do amor com o qual deve abrasar-se para pôr sua própria existência a serviço da comunhão, passam pelo caminho do paradoxo cristão: perder para encontrar (cf. Mc 8,35).

 

 

 

ORATIO: Que tu Espírito, Senhor, ilumine nossa historia, porque estamos confusos e já não sabemos distinguir o bem do mal. O pecado há se acumulado em nós e há se convertido em nossa riqueza, no tesouro amontoado nas arcas de nosso coração. Que teu Espírito, Senhor, volte a arder em nós e volte a levar-nos ao essencial; que nos dê olhos puros, capazes de olhar o criado e as criaturas; que nos dê mãos abertas para acolher aos irmãos e compartilhar com eles nosso bem estar; que nos dê pés seguros para percorrer os caminhos da esperança. Então também nós seremos teus profetas, os anunciadores da vida nova que leva a marca da sabedoria de teu Filho.

 

CONTEMPLATIO: Possuís bens que os garante a prosperidade para muitos anos. Não os limiteis a conserva-los. Fazei-vos frutificar, para vós e para os demais. De que modo? Depositando-os em um lugar inacessível aos ladrões: encerrando-os no coração dos pobres. Eis aqui vossos cofres: os ventres dos famintos. Eis aqui vossos celeiros: as casas das viúvas. Eis aqui vossos armazéns: as bocas dos órfãos. Deus vos concede a prosperidade para vencer vossa avareza ou dito de outro modo, para condená-la. Portanto, não tens justificação quando empregais só para vós o que,  através de vós, Deus tem querido dispensar a seu povo. Disse o profeta Oseias: «Semeai sementes de justiça». Lançai, pois, vossas sementes no coração dos pobres. Chegados a este ponto, talvez me oponhais essa objeção que se ha convertido em um lugar comum: não é justo ajudar aos que estão na miséria, posto que é vontade de Deus que o estejam; sua miséria é sinal de que Deus os maldiz. De nenhuma maneira. Os pobres não estão malditos. É justamente o contrario. Exclama Jesus, em efeito: «Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus». Não é ao pobre, mas ao rico, a quem Deus maldiz. E isto é tão verdade que lemos no livro dos Provérbios: «Maldito o que retem o grão». Por outra parte, não  corresponde a vós distinguir entre os dignos e os indignos. O amor não costuma a julgar os méritos, mas a prover as necessidades: ajuda ao pobre sem olhar se é bom ou mau. Nos ensina o salmista: «Bem-aventurado o que tem a inteligência do pobre e do débil». Quem possui essa inteligência? O que sofre junto ao outro, o que compreende que o justo é seu irmão (Ambrosio de Milán, «La viña de Nabot»).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«De que lhe serve a um ganhar todo o mundo, se perde sua vida?» (Mc 8,36).

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Senhor, salva-me da indiferença, desta anonimia de homem adulto. É o mal que sofremos sem ter consciência disso. […] Agora que a aparição de Cristo não comove a ninguém, não infunde reverencia o terror, agora podem amontoar, roubar, fazer violência, e todos continuamos dizendo: «Assim é o mundo, assim é a vida». Agora somos homens sem remorsos e sem pecados. Sem embargo, estão os santos de minha infância por ter dito uma mentira a minha mãe, a dor por aqueles dias que não consegui ser bom, o desgosto por ter me esquecido das orações da manhã e da noite, e a perturbação por um pensamento impuro. Então não podia apascentar a meu rebanho em paz enquanto não tivesse pedido perdão, Senhor; não podia olhar-me no espelho das fontes, não conseguia olhar no rosto aos irmãos quando comíamos na mesa o pouco e saboroso pão. Então o pobre, quando vinha a pedir um punhado de farinha à porta, me fazia chorar; agora, ao contrário, dizemos que também isso é uma necessidade: «Aos pobres os tereis sempre convosco» (Mt 26,11); dai que os suportemos até nas portas das igrejas, os domingos, quando, por costume, assistimos a tua morte. Agora somos todos como o Epulón, com esse bajorrelieve de Lázaro no umbral do palácio para dar relevo a nossa distinção (D.M. Turoldo, Pregare, Sotto il Monte).

 

 

 

 

 

 

 

SEXTA-FEIRA, 01 DE MARÇO DE 2019 – 7ª SEMANA DO TEMPO COMUM – Marcos 10,1-12 (Discussão sobre o divórcio) No centro deste texto de Marcos está o ensino de Jesus sobre a indissolubilidade do matrimonio. A ambientação geográfica na qual a insere evangelista saca à luz a continuidade da instrução de Jesus e também a revelação progressiva aos discípulos que perseveram em seu seguimento, a pesar das dificuldades de sua natureza humana. Desde Cesárea de Filipo (8,27), sobem Jesus e seus discípulos ao elevado monte da transfiguração (9,2), atravessam Galileia (9,30), se detem em Cafarnaum (9,33) e, finalmente, entram em Judeia e passam o Jordão. À chegada a este território nos encontramos ante uma controvérsia provocada pela diabólica pergunta feita pelos fariseus sobre a licitude do repudio ou divorcio. Jesus, tal como acostumava a fazer nestas ocasiões, põe uma contra-pergunta, obrigando a seus interlocutores a aprofundar no sentido de sua objeção. As disposições da lei mosaica (cf. Dt 24,1-4) não são uma concessão benévola de Deus a seu povo, como se acreditava nas escolas rabínicas do tempo. Na realidade, revelam a rapidez com a qual se praticava o divorcio no povo hebreu e a indigna situação na qual se encontrava a mulher repudiada, a qual, sem o certificado de divorcio, haveria seguido sendo sempre «propriedade» do primeiro marido. O verdadeiro problema a qual conduz Jesus a seus interlocutores é a incapacidade de amar, que nos afasta do projeto divino originário (vv. 6ss). O homem e a mulher levam ambos em si mesmos a imagem do Deus que é amor e, ainda que em meio da diversidade, estão chamados a ser uma só coisa no matrimonio. No ato criador se descobre o autêntico sentido do amor e a ninguém lhe está permitido romper a profunda unidade introduzida por Deus na natureza humana. As precisões acrescentadas em privado aos discípulos (vv. 10-12) confirmam o ensinamento de Jesus sobre a questão já discutida, com uma adaptação ao marco grego-romano. Neste último, a diferença do semítico (cf. Mt 5,32), também estava permitido à mulher divorciar-se do marido.

 

 

 

MEDITATIO: A história humana se desenvolve entre os dois grandes momentos da criação e da vinda gloriosa de Jesus. Entre o começo e o cumprimento do tempo encontramos o sentido profundo de nosso viver: Deus, que nos chama e nos quer em comunhão com ele. O tempo presente, que, se vamos atrás das sugestões mediáticas imperantes, se nos apresenta como o hoje absoluto, parece tentar desligar-se do passado, como se não lhe pertencesse, e não consegue projetar-se em um futuro possível, com o qual acaba retorcendo-se sobre si mesmo de uma maneira estéril. A Palavra de Deus nos disse hoje algo preciso a este respeito. Nosso tempo é o tempo da paciência, isto é, o da expectativa laboriosa, confiada, segura da vinda do Senhor. O nosso é também o tempo no qual damos corpo e historia à «imagem e semelhança» divinas impressas em nós no ato criador, mediante as quais cada um realiza o projeto originário de comunhão na diversidade, de harmonia no amor. Ao mesmo tempo, estamos chamados a palpitar com a vida mesma do Deus Uno e Trino; o homem e a mulher unidos em matrimonio são «sacramento», sinal e realização possível dessa vida mesma de Deus, dentro dos limites da linguagem humana. Como dar forma na ordem concreta das relações cotidianas ao projeto originário de Deus sobre nós? O apóstolo Tiago nos convida a viver com transparência, sem duplicidade nem ambiguidade, de tal modo que nossas ações sejam criveis por si mesmas. E nos recorda que há um passado do qual podemos extrair indicações úteis para o presente; que o futuro não é uma realidade destemida, distante, mas algo que se constrói já no hoje e, em certo modo, o degustamos já. É possível que neste tempo da «satisfação imediata», dos projetos a curto e a curtíssimo prazo, da memória evanescente, a Palavra que hoje nos apresenta a liturgia seja, mais que nunca, um faro luminoso para orientar-nos no caminho.

ORATIO: Bendito sejas, Senhor: tu me recordas que virás a julgar os vivos e os mortos, e esta perspectiva muda minha relação com a vida. Não estou caminhando sem meta: a minha és tu. Não cheguei aqui por acaso: minha origem és tu. Portanto, és tu, Senhor meu, quem dá sentido e sabor às relações comigo mesmo e com os demais, umas relações temperadas com sentimentos de afeto e amizade. Da vigor a minha vontade -sempre frágil- de conhecer teu projeto originário para cada homem e para cada mulher, esse projeto de amor e de alegria que tua Palavra me revela e que tem tomado carne sem equívocos em Jesus. E assim saiba eu dar o justo valor ao que é humano e capturar em meu tempo fugaz fragmentos duradouros, reflexos da eternidade.

 

CONTEMPLATIO: Mantém sempre diante de teus olhos o ponto de partida. Conserva os resultados alcançados. O que faças, fazei-o bem. Não te detenhas; antes bem, com carreira veloz e passo ligeiro, com pé firme, que nem sequer permita ao polvo atrasar a marcha, avança confiado e alegre pelo caminho da bem-aventurança que te hás assegurado (Clara de Asís, Escritos de santa Clara y documentos complementarios).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Que vosso sim seja sim e vosso “não” seja não» (Tg 5,12).

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL A imagem primaria que tem nossos contemporâneos do tempo não é uma imagem serena. Na aldeia global as esperas são brevíssimas: assistimos aos acontecimentos em direto, o poder dos mandos a distancia se ha convertido no sinal da satisfação do imediato. A imaginação de todos, pequenos e adultos, está povoada de figuras de mil coes, ainda que efêmeras como um meteoro, já sejam as imagens terríveis da guerra ou as do papa quando realiza uma viagem apostólica, associadas sem distinção de valor as mensagens publicitárias. Se, por um lado, tudo parece sob controle, por outro estes tempos acelerados e segmentados são fonte de angustia e de ameaça para o homem. O tempo no qual vivemos se parece mais que nunca ao chronos do mito grego que devora a seus filhos, nós nos reconhecemos cada vez mais na figura do homem prós kairós do qual fala a explicação da parábola evangélica da semente (Mt 13,3-23) o homem inconstante, o homem de um momento, incapaz de ser constante, de perseverar, de construir uma historia que não seja frustrante e desconexa montão de episódios. Se pensamos, ao contrário, que a experiência da fé necessita proceder de maneira gradual, de acompanhamento, de uma marcha progressiva, se torna ainda mais urgente uma educação encaminhada a adquirir aquelas virtudes que estão particularmente ligadas ao tempo: a paciência, a esperança, a espera, a vigilância, a perseverança, entendidas como a arte de permanecer no tempo com a consciência de que é a totalidade da vida o que faz da existência uma obra mestra. […] Me pergunto que educação recebe nossa gente para distinguir entre as promessas de Deus e os horóscopos que invadem cada dia as páginas dos diários e das revistas. Os profetas de Israel nos hão transmitido o gosto pelas surpreendentes promessas de Deus, promessas que não podem ser codificadas no direito canônico, ainda que esperam da Igreja e de todos nós gestos valentes e liberdade para ajudar ao mundo de hoje a sair do círculo inexorável de um chronos que está devorando mais que nunca a seus filhos (P. Ferrari, «II mistero del tempo»).

 

 

 

SÁBADO, 02 DE MARÇO 2019 – 7ª SEMANA DO TEMPO COMUM –

Marcos 10,13-16 (Jesus e as crianças) O texto recorda o episódio narrado antes (cf.9,36ss). Com estes gestos simbólicos fixa Jesus a atenção em alguns dos ensinos mais radicais de todo o Evangelho, dirigidas aos que decidiram segui-lo até Jerusalém. O quadro é muito simples: levam a Jesus alguns crianças para que os bendiga. Em uma primeira leitura surpreende que um fato aparentemente normal gera contrariedade entre os discípulos e uma decidida posição da parte de Jesus. Tudo isso serve para orientar a atenção para o ponto mais central de toda esta passagem evangélica: só quem se confiam cegamente a Deus acolhem a Boa Nova do Reino. Jesus põe as crianças como exemplo não por sua inocência ou simplicidade, mas por sua total dependência e disponibilidade; são pequenos e pobres, carecem de seguranças para defender, de privilégios para reclamar,  esperam tudo de seus pais. Assim devem ser os que se colocam atrás de Cristo para seguir-lhe; o Reino não é uma conquista pessoal, mas um dom gratuito de Deus Pai que temos de alcançar sem pretensões. No marco cultural de Palestina, nem as crianças nem as mulheres tinham valor; eram pessoas com as quais não se perdia o tempo. Esta mentalidade estava também, provavelmente, difundida entre os discípulos, porém Jesus se opõe a ela. Com o gesto de acolhe-los nos braços parece querer eliminar o Senhor toda distancia, e com sua própria vida se converte em modelo atitude de infância espiritual: a ternura com a qual se dirige ao Pai chamando-o «Abbá», a total submissão a sua vontade, o  abandono em suas mãos (cf. Mc 14,36; Lc 24,46).

 

 

 

MEDITATIO: O Reino de Deus é como o abraço de Jesus (cf. Mc 10,16), é Cristo mesmo, o Filho que nos permite ser filhos do Pai e irmãos entre nós. É reino de liberdade, justiça, acolhida, paz, benção, comunhão…, tudo o que vemos nesse abraço e necessita e anseia nosso coração. O Reino de Deus é uma realidade que já está presente em meio de nós, que tem que ser acolhida na fé como se fossemos crianças, sem pensar em construí-la com nossas capacidades. O reino está aqui, porém onde estão as crianças? Onde estão esses pequenos dispostos a deixar-se amar com um amor autêntico? Acaso nos temos convertido em adultos auto-suficientes? Acaso nos temos construído um «reino» a nossa medida com nossas próprias mãos? A Palavra de Deus nos interroga; deixemos que ressoe em nós: «Dos que são como eles é o Reino de Deus» (Mc 10,14), e ainda: «Está chegando o Reino de Deus. Convertei-vos e crede no Evangelho» (Mc 1,15), ou bem: «O que não nascer do alto não pode ver o Reino de Deus» (Jo 3,3). Trata-se de uma palavra que nos põe desnudo, que desmascara os medos recobertos pelo orgulho, porém não nos deixa sós e desorientados em meio de um caminho. Cristo se entrega a nós, adultos renascidos como crianças, para fazer-nos sentir sua presença: vida verdadeira que acolhe e volta a levantar nossa vida e cura nosso coração. Cristo está presente e nos indica um caminho concreto de libertação a fim de que o empreendamos pessoalmente para voltar a encontrar-nos entre seus braços junto com muitos outros irmãos, pobres pecadores como nós, ainda que confiadamente abandonados nesse abraço.

 

ORATIO: Senhor, renascidos da água e do Espírito, nos encontramos no abraço de tua Igreja. Este que temos recebido é um grande dom, ajuda-nos a guardá-lo sem apropriar-nos dele. Concede-nos poder dirigir-nos a ti em todas as situações para saborear tua presença: tanto no sorriso como no pranto, tanto no estupor como no desconcerto, tanto na solidão como na companhia. Tu és nosso único refugio: Protege-nos entre teus braços e gozaremos de tua paz. E se chega a suceder que crescemos em nossas falsas seguranças e nos afastemos da verdade, ajuda-nos a renascer de novo reconhecendo-nos necessitados de tua misericórdia e da comunhão contigo e com nossos irmãos

 

CONTEMPLATIO: A Jesus lhe compraz mostrar-me o único caminho que conduz à fogueira divina, a saber:        o abandono da criança que adormece sem medo entre os braços de seu Pai. «O que seja pequeno que venha aqui» (Prov 9,4), disse o Espírito Santo pela boca de Salomão, e este mesmo Espírito de amor disse ainda que «é aos pequenos a quem se concede a misericórdia» (Sb 6,7). Ah!, se todas as almas insignificantes e imperfeitas sentissem o que sente a menor entre elas, a alma de sua Teresa, nenhuma desesperaria de chegar ao cume da montanha de amor, posto que Jesus não pede grandes ações, mas só o abandono e o reconhecimento. Ah!, sinto más que nunca, Jesus está sedento, não encontra senão ingratos e indiferentes entre os discípulos do mundo, e inclusive entre seus mesmos discípulos encontra poucos corações que se abandonem a ele sem reservas e compreendam a ternura de seu amor infinito (Teresa del Niño Jesús).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Se algum de vós sofre, que ore; se está alegre, que entoe hinos» (Tg 5,13)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL O menino pequeno, todo arrebatado por seu novo brinquedo, mergulha por completo em seu entretenimento. Enquanto joga, se identifica até tal ponto com seu papel que até se esquece de seu pai e de sua mãe. De improviso, chega um enorme cão raivoso, que fará o menino? Continuará seu jogo ignorando o cão e rejeitando inconscientemente o perigo? Se lançará a uma luta furiosa contra o animal? Tentará salvar-se? Em todos estes casos será devorado. Se, ao contrario, o menino toma consciência do perigo desde o ponto de vista objetivo: «O cão é enorme e eu sou pequeno», assim como desde o ponto de vista subjetivo: «Tenho medo», então se dará conta imediatamente de que não está só e de que tem um pai e uma mãe aos quais pedir ajuda. […] O primeiro passo da fé é recordar que temos um Pai atento no céu e redescobrir, na ternura de seu abraço, a presença e a ajuda dos irmãos que vivem a seu lado. A criança que há tomado consciência do perigo não por isso já está salvo: não só deverá ver o perigo, mas acolhe-lo. O pequeno aceitará acolher o perigo só porque sabe que seu pai é mais forte que o cão; deverá confiar-se por completo da intervenção paterna. […] É fé autêntica aquela que, na prova, como Maria no Calvário, não crê que Deus permita o mal por falta de amor; se o permite, é só para conceder-nos um bem superior, que ainda não podemos ver e compreender. Esta esperança sem limites é a condição mais difícil de viver do abandono. Se temos dificuldades para praticar o abandono é porque não somos capazes de se luir esperando inclusive quando se tem perdido toda esperança. […] A criança que tem se dado conta do perigo desde o ponto de vista objetivo e subjetivo, e o tem feito seu aceitando-o, que fará agora? Correrá a lançar-se nos braços de seu padre. É o ápice da confiança e do amor. O mesmo ocorre também conosco quando nos confiamos a Deus. […] Nossa disponibilidade para confiar-nos ao Senhor é o que mede nosso amor por Ele. […] O cume do abandono será a oferenda de todo nosso ser: sem máscaras, desnudos e pobres frente ao Senhor, com nosso fardo de miséria e de pecado. Este impulso do coração acalenta a alma e supõe uma força irresistível. É o Espírito Santo que se apodera de nós. É o amor que nos impulsiona a deixar-nos mecer confiados na ternura divina (V. Sion, L’abbandono a Dio).

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