Lectio Divina na 18ª Semana Comum ano 2020

COMUNIDADE CATÓLICA PAZ E BEM – LECTIO DIVINA SEMANAL

BAIXAR EM PDF LECTIO DIVINA 18ª SEMANA DO TEMPO CUMUM ANO A

DOMINGO, 02 DE AGOSTO DE 2020 – 18ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO A

Mateus 14,13-21 (Primeira multiplicação dos pães) =Mc 6,31-34; Lc 9,10-12; Jo 6,1-13

Jesus, informado da morte de João Batista, sente necessidade de afastar-se (v.13). Jesus está de luto, se poderia pen­sar. A humanidade, representada pela multidão, «aquela grande multidão», acorre ao lugar desértico em que Jesus se encontra e entra em sua solidão. O Deus feito homem se faz solidário com a dor humana e acolhe, espontaneamente, ao homem, nesta “via crucis” da existência, em uma história onde dá a im­pressão que prevalece o sofrimento e a tribulação. Três verbos graduam a intervenção do Salvador: «viu», «sentiu compaixão» e «curou». O coração de Deus se estremece ante aquela indigência humana, que, por si só, clama ao Altíssimo. Dois detalhes completam a ausência de qualquer esperança possível: «o anoitecer» e «o lugar desértico». É a hora do «nada é impossível para Deus». Ante a fé do homem, a humildade de Deus se con­verte em gloria. Aos atônitos discípulos Jesus lhes disse: «Dai-lhes vós mesmo de comer» (v.16). Causa surpresa, aqui, este «vós». Jesus traslada sua iniciativa à atuação dos apóstolos: Ele poderia ter intervindo pessoalmente. Porém, é desde a liberdade da fé que pode atuar. Os discípulos cooperam e todos recebem comida, abun­dantemente.

 

 

Is 55,1-3 (Convite final) – O Senhor, pelo profeta, dirige uma palavra de esperança ao povo que está no desterro. Os produtos apregoados procedem deste mundo: ”água, vinho, leite e pão”. É a antecipação, em fi­gura, da gratuidade da redenção, da «justiça» de um Deus rico em misericórdia: “comprai sem dinheiro” (v.1). O texto acaba em uma promessa: «Selarei convosco uma aliança perpétua»(v.3). Agora, no horizonte de quem se debate na in­certeza e na dor, se delineia uma graça inigualável. É interessante, no breve oráculo, o duplo binômio de verbos: «escutai-me e comereis», «escutai-me e vi­vereis». «Escutar» o Senhor significa abrir o coração para praticar sua Palavra, deixando-se transformar por ela, já que possui o germe da vida nova. Se o primeiro binômio sublinha o efeito «nutritivo»: «come­reis»; o segundo evidencia a consequência última e magnífica: «vivereis», uma certeza imperativa e absoluta. Os elementos mencionados são quatro: a água, o vinho, o leite e o pão. A água é principio e funda­mento da vida. O vinho alude à alegria e é sinal do banquete messiânico. O leite está associado à prospe­ridade e a abundancia de bens concedidos por um Deus de consolo e ternura para com seu povo. O último, o pão, é nomeado de modo «apofático», quer dizer, pelo que não é. De fato, outro será o pão descido do céu, o da vida eterna: Jesus Cristo, nosso Senhor.

 

Rm 8, 35.37-39 (Hino ao amor de Deus) – O apóstolo apresenta um quadro dramático do cris­tão que rejeita tudo aquilo ao qual não se adere conaturalmente: a corrupção, a passividade, o pecado e a morte. Em geral, isto também vale para todos, imersos na agitação da historia, em um mar que quer­ engoli-los com suas tribulações e angústias. Porém, cada privação tem sua certeza, que converte a trágica situação em uma realidade luminosa: o amor de Deus, que é mais forte que a morte. O quadro se perfila em favor do homem graças a «Deus, que nos ama» (v.37). Nenhuma criatura, por forte ou poderosa que seja, poderá separar-nos do «amor de Deus manifestado em Cristo Je­sus» (v.39). Esta passagem paulina nos evoca outro texto do apóstolo, onde afirma: «O mundo, a vida, a morte, o presente e o futuro; tudo é vosso; Porém, vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus» (1 Cor 3, 22ss). No amor de Deus e na humanidade divina de Cristo, o homem redimido volta ao domínio daquele ao qual tudo perte­nce e de cujo mistério tudo participa.

 

Salmo 144/145 (Louvor ao Rei Iahweh) – Quando se deseja rezar, já se está rezando. Por isso, o apóstolo Paulo, nos recorda sabiamente que quer você coma, beba, durma ou faça qualquer outra coisa, que tudo seja feito para honra e glória de Deus. Segundo São João da Cruz: “o amado sempre pensa na amada e a amada no amado”. Deus quer que a nossa oração seja sincera, forte e corajosa, mesmo nas dificuldades. O orante do nosso Salmo sente-se sofrido, abandonado, mas também sente um grande desejo de louvar e bendizer a Deus por muitos motivos que surgem em seu coração. Rezar não significa sair da realidade, abandonar as nossas atividades e ficar o dia todo rezando ave-maria e pai-nosso. Há, sim, momentos de profunda oração, mas na maior parte do tempo devemos assumir atitudes orantes, isto é, fazer tudo com reta intenção e com amor profundo. Não esqueça, porém, de encontrar diariamente, como verdadeiro apaixonado e amante de Deus, momentos de silêncio e solidão para estar a “sós com o Só”, que é o Senhor.

Senhor, quero te louvar por tudo que acontece na minha vida. Tu és força e refúgio. Quero, a cada momento, me lembrar de ti, da tua presença e profundo amor. Que do meu coração subam louvores e ações de graças a todo momento. Que minha oração seja como o perfume agradável do incenso que sobe até a ti, que sejam rápidas orações, jaculatórias, pensamentos, flechadas de amor que lanço ao céu. Que todo meu respiro seja louvor a ti. Que nada te ofenda em mim e nos outros. Temos contemplado a bondade de Deus em Jesus, nosso Senhor, que também viveu sempre em comunhão com o Pai. “E agora, Pai, glorifica-me junto de ti mesmo, com a glória que eu tinha, antes de ti, antes que o mundo existisse. Manifestei teu amor aos homens que do mundo me deste. Eles eram teus e tu os deste a mim; e eles guardaram tua palavra. Agora, eles sabem que tudo quanto me deste vem de ti, pois eu lhes dei as palavras que tu me deste, e eles a acolheram e reconheceram, verdadeiramente, que eu saí de junto de ti e creram que tu me enviaste”. (Jo 17,5-8)..

 

 

MEDITATIO: A fome e sede da humanidade não se saciam com bens materiais. Ao longo da historia, a humani­dade, fatigada e oprimida por múltiplas angústias e pro­blemas, sempre experimentou, cada vez mais, a incapacidade de dar-se uma salvação meramente terre­na, obter uma paz duradoura e alcançar uma justiça reta. O homem, no fracasso de seus esforços e aspirações, está ainda mais consciente de que necessita de uma ajuda do alto; e isto, por seus desígnios transcendentes, não pode ser, senão um dom. Sua gratuidade é tão extraordinária como incomensuráveis são seu valor e sua obtenção. Uma é a experiência imediata de tudo isto: «Deus é maior que nosso coração» (1 Jo 3,20). Nesta verdade se baseia a aliança eterna. A «compaixão» de Jesus pela multidão des­vela a maleabilidade do dom de Deus no Filho unigênito para com a vida do mundo: uma coparticipação viva, palpitante e autêntica. Prefigura a hora do Calvário e coroa completamente o conteúdo eucarístico do sacrifício do banquete divino oferecido em símbolo mediante o milagre. O tempo messiânico chegou: Deus sacia seu povo «de graça»; o nutre de coisas boas: graça e verdade, vida e alegria. E amais, o vincula com uma comida que é prenda de eternidade: o Verbo Encarnado entregue por nós. Nele, qualquer desejo humano de Deus é atendido amplamente mediante o cumprimento da promessa e o vínculo perene com Deus.

ORATIO: O cansaço oprime nossos corações. Não temos alimento espiritual, nem descanso corporal, nem consolo. A saudade, a espera a escravidão nos estão afogando. Jesus misericordioso, imploramos a tua compaixão, abraçamos o teu lado aberto. Coração misericordioso e inflamado de amor, aperta-nos com os laços da piedade, do amor e da união. Ajuda-nos a regressar logo a nossa terra, para que possamos cumprir melhor, sempre melhor, as ta­refas encomendadas pelo Criador. Amém (jovens litua­nos em um campo de concentração siberiano).

 

CONTEMPLATIO: Cumulou de bens aos famintos. Primeiro humilhou, depois alimentou. O espírito de profe­cia narra os fatos futuros como se já tivessem passado. Por que os famintos, ainda não foram cumulados de bens? Se tivessem sido, como poderiam estar famintos? E se estão famintos, como podem ser cumuladas de bens? A não ser que a entenda­mos no sentido daquelas palavras: «Os anjos de­sejam contemplá-lo». Os anjos sempre estão vendo o rosto do Pai, e estão famintos e cumulados de bens ao mesmo tempo. Mantêm o desejo, ainda na saciedade, e inclusive a saciedade no desejo. É uma saciedade que não conhece o fastio, é uma fome sem tormento; é, mais bem, essa fome que é fome de beatitude, que os sacia sem fim. Porém, no caminho não é como na pátria celestial. No caminho se tem sede e fome de justiça; na pátria ficaram saciadas quando se manifeste a glória. Sem dúvida já neste caminho terreno, os famintos são cumulados de bens, porque Deus lhes dá a comida a seu tempo. São cumuladas de bens, são libertados de males. São cu­muladas de bens, quer dizer, dos dons do Espírito Santo… E este é o motivo pelo que Deus nos ali­menta e nos viste nesta nossa viagem, pelo qual transborda aos famintos de bens consoladores: para que nos convertamos como Israel, ou seja, para que sejamos contemplativos (Dionísio o Cartujana, Tornero ao mio cuore, Magnano 1987).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Tu és minha fortaleza, Deus fiel» (Sl 58,18)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – O autor, um médico alemão, recorda a experiência vivida nas minas de Vorkuta, um campo de concentração soviético: “Cada manhã, até as quatro, se celebrava a santa missa e se distribuía a comunhão. Do grupo que estava orando, se apartou um mineiro, vestido como os demais, com um mono, e se aproximou ao altar improvisado (a uns duzentos metros abaixo da te­rra). Era o sacerdote. Após, da multidão saiu outro: o ajudante. Sobre o altar improvisado, um minúsculo cálice e um missal pequeno. O ajudante tirou do bolso do mono uma cam­painha minúscula. O cálice de prata media uns sete centímetros de altura e quatro de largura e fora feito pelos próprios mineiros. Durante a santa missa, muitos se aproximaram para rece­ber a comunhão. As hóstias vinham de Lituânia. Os comunistas, que não sabiam de que se tratava, chamavam-nas «pão lituano». O vinho chegava com enormes dificuldades ao campo de concentração de Criméia. Durante a Páscoa, mais de quatrocentos pude­ram comungar. Aos mineiros lhes entregavam, segundo o combinado, numa caixinha de tabaco e, abaixo da primeira fila de cigarros, lhes colocavam o Santíssimo envolto em um pedaço de cândido linho. A hóstia consagrada se partia e era distribuída entre quatro pessoas, mais ou menos” (cf. J. Scholmer, Die Toten kehren züruck, Berlín 1954).

 

 

 

SEGUNDA-FEIRA, 03 DE AGOSTO DE 2020 – 18ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO A

Mateus 14,22-36 (Jesus caminha sobre as águas e Pedro com Ele) =Mc 6,45-52; Jo 6, 16-21 O relato que a liturgia de hoje nos apresenta foi colocado pelo evangelista Mateus no contexto de alguns episó­dios que precedem ao magno «discurso sobre a vida da comunidade cristã» (c.18) e que estão orientados, especificamente, para a formação do gru­po dos discípulos (Mt 14,13-16,20). Isto confere ao texto um peculiar ca­ráter eclesiológico. O evangelista havia narrado já uma tempestade (8,23-27) que surpreendeu os discípulos enquanto o Mestre dormia. Daquele relato já havia se desprendido o ca­ráter excepcional da autoridade de Jesus, uma auto­ridade que havia suscitado a pergunta por sua identidade; ao mesmo tempo, Jesus havia reafirmado a necessidade da fé (cf 8,10) para poder seguir-lhe (cf.8, 19ss). Aqui a tempestade se desencadeia quando a barca se encontra no meio do lago e enquanto Jesus, que previamente havia se separado dos discípulos, ora na solidão. Sua chegada milagrosa gera, neles, perturbação e medo (v.26). Sem dúvida, suas palavras de ânimo os tranquilizam (v.27). E não só isto: também ani­mam a Pedro a imitar seu Mestre caminhando sobre as águas… (vv.28ss). Porém, se faz necessária outra intervenção de Jesus a fim de que a fé vacilante do discípulo possa apoiar-se, totalmente, naquele que é o único que dá a salvação (vv.10ss). Pela mesma experiência de salva­ção passam todos aqueles que, de algum modo, entram em contato com Jesus (vv.34-36); trata-se de uma experiência que manifesta a verdadeira identidade do Salvador: «Verdadeiramente, és Filho de Deus» (v.32).

 

 

Jr 28,1-17 (A altercação com o profeta Hananias) – O episódio que se narra neste texto tomado de Jeremias que, provavelmente, tenhamos que situar no ano 594-593 aC, expõe a questão do dis­cernimento entre a falsa e a verdadeira profecia. O rei Na­bucodonosor havia exilado um grupo de judeus, juntamente com seu rei Jeconias-Joaquim, na Babilônia e havia sa­queado o templo (cf. 2 Rs 24,10ss): o profeta Ananias prediz a libertação dos deportados e também a restituição dos utensílios do templo. Para apoiar sua profecia realiza uma ação simbólica: rompe o jugo que Jeremias havia posto no seu pescoço como sinal da pesada dominação que a Babilônia havia submetido Judá (vv.10ss; cf. Jr 27). O profeta Jeremias recorda a Ananias e a todos os presentes, que uma profecia só é autêntica quando se cumpre (vv.7-9; cf. Dt 18,21ss; Jr 23,16-18). De sua parte, espera que Deus lhe fale. Apesar de, também ele, desejar um futuro de liberdade e paz (v.6), não pode deixar de ser fiel àquela palavra que lhe seduziu, que lhe faz arder por dentro com uma força irresistível e que anuncia desventuras e cas­tigos (cf. Jr 20,7-9). Jeremias, dócil instrumento nas mãos de Yahweh, pro­clama a Palavra verdadeira, ainda que indesejada: Babilônia fará ainda mais pesado seu próprio domínio, sem que Judá tenha a possibilidade de subtrair-se do mesmo (vv.12-14). O castigo que espera o falso profeta será inexorável e iminente (vv.15ss; cf. Dt 18,20): sua morte atestará a autenticidade da profecia de Jeremias (v.17).

Salmo 118/119 (Elogio da lei divina) – Esta é uma oração sem fim. Provavelmente é obra não só de uma pessoa, mas de várias, que elogiam por meio de muitos artifícios literários a Palavra de Deus, a lei do Senhor, como fundamento de todo o agir humano. É um Salmo belíssimo que deve ser “saboreado” lentamente, um versículo por dia. Assim, teremos por mais de meio ano assegurado nossa meditação. Deus se comunica conosco não para nos oprimir ou dominar, mas para ensinar-nos os caminhos mais fáceis da felicidade. Felizes os que vivem a Palavra e a ensina aos outros. Medite dia a dia este Salmo e sua vida, sem dúvida, será diferente, sendo fortalecida não por palavras humanas, mas pela Palavra de Deus.

Senhor, não quero fugir de tua Palavra nem desprezá-la. Quero amá-la como Lâmpada para os meus pés e luz no meu caminho. “Lâmpada para meus passos é tua palavra e luz no meu caminho. Jurei, e o confirmo guardar tuas justas normas. Meu sofrimento passa dos limites, Senhor, dá-me vida segundo tua palavra. Senhor, aceita as ofertas dos meus lábios, ensina-me tuas normas. Minha vida está sempre em perigo, mas não esqueço a tua lei. Os ímpios me armaram laços, mas não me desviei de teus preceitos. Minha herança para sempre são teus testemunhos, são esses a alegria do meu coração. Inclinei meu coração a cumprir teus estatutos, desde agora e para sempre” (Sl 119, 105-112). Amém.

 

 

MEDITATIO: A primeira leitura fala de verdadeiros e falsos profetas. Dado que todos devemos ser profetas verdadeiros, pois todos pertencemos a um povo profético, como temos de proceder para chegar a ser verdadeiros profetas? Não é fácil, de fato, ser profetas verdadeiros, entre outras coisas porque é preciso dizer, não palavras que agra­dam, mas, sim, palavras que salvam. E palavras que salvam podem incomodar, ser consideradas como antiquadas ou apocalípticas, inoportunas ou exageradas, de modo que, em geral, são desqualificadas, em virtude de um mecanismo instintivo de defesa. O verdadeiro profeta é uma pessoa livre, interior­mente livre. É uma pessoa, à qual não lhe preocupam as audiências, mas a fidelidade a Deus. É uma pessoa que se constrói, diariamente, sobre Deus, que se compara, de modo prioritário, com sua Palavra e está preocupada em não traía-la. O profeta (e todo cristão o é), vai se construindo lentamente, porque deve passar dos condi­cionamentos deste mundo à fidelidade a Deus. Deve realizar em si mesmo esse trabalhoso caminho que lhe leva a ver as coisas com os olhos de Deus. Sempre «com grande te­mor e tremor», porque sabe que seu modo de pensar pode sobrepor-se ou fazer de véus ao modo de pen­sar de Deus. Contudo, Deus necessita de um povo profético para fazer ouvir sua Palavra na historia, sempre complicada, deste mundo atarefado em perder-se por caminhos que não leva a nenhuma parte.

 

ORATIO: Quantas palavras, Deus meu! Fico transtornado em meio de tanto rebate de vozes que me alcançam e ten­tam impor-se. Às vezes, nem sequer consigo distinguir as palavras cheias de significado das que estão vazias, amostras aparentes do nada. Como reconhecer as palavras que geram vida e como distingui-las, com clari­dade, daquelas que a extinguem? Dentro de mim mesmo, Senhor, tua Palavra se apresenta como uma entre tantas, e a confundo, e não capto seu som e seu eco profundo… Que palavras digo então, Deus meu? Chavões de «coisas já ouvidas». E chego a sentir-me só um repetidor de coisas que se dão por descontado, de frases feitas que estejam em moda. Detenho-me um momento, Senhor: Tu me falas para que eu fale de ti. Tu te fizeste Palavra por nós e eu estou chamado a fazer-me palavra pelos outros: não apenas sons, mas uma palavra-vida, uma palavra-pessoa, uma ‘palavra-entrega-de-si-mesmo’. Que eu obtenha de ti a coragem de ser, para meus irmãos, essa palavra que alimenta, que sacia seu desejo de verdade e de sentido.

 

CONTEMPLATIO: Ó Deus meu, doçura inefável! Converte em amargura todo consolo carnal que me aparta do amor das coisas eternas, lisonjeando-me torpemente com vista a bens temporais que deleitam. Não me vença, Deus meu, não me vença a carne e o sangue; não me engane o mundo e sua breve gloria; não me derrube o demônio e sua astucia. Dai-me fortaleza para resistir; paciência para sofrer, constância para perseverar. Dai-me, em lugar de todas as consolações do mundo, a suavíssima unção de teu Espírito, e, em lugar do amor carnal, infunde-me o amor de teu nome. Filho, convém que te dês todo pelo tudo, e não ser nada de ti mesmo. Saber que o amor a ti mesmo te prejudica mais que nenhuma coisa do mundo. Conforme for o amor e a afeição que tens às coisas, estarás mais ou menos ligado a elas. Se teu amor for puro, simples e bem ordenado, não serás escravo de nenhuma. Não cobices o que não te convém ter. Não queiras ter o que te pode impedir e tirar a liberdade interior (Tomás de Kempis, lmitación de Cristo).

 

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

Fala Senhor: anunciarei a tua Palavra (Jr 28,12)

 

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL– O caminho da experiência gradual de Deus foi também, para a Igreja das origens, o caminho de uma liberdade cada vez maior. Para mim, a via da mística é o autêntico caminho para a liberdade. Pelo ele deparamos, primeiro, com nossa verdade pessoal. E só a verdade nos fará livres. Aqui descobrimos os modelos de vida dos quais somos prisioneiros, nossos modos de ver ilusórios que distorcem a realidade e a causa das quais nos fazemos mal. Quanto mais nos acercamos de Deus, com maior clareza reconhecemos nossa verdade. Quanto mais unidos estamos a Deus, mais livres nós nos tornamos. Todos nós ansiamos a liberdade, mas a verdadeira liberdade não consiste na libertação a respeito duma soberania externa a nós mesmos, mas que consiste na liberdade interior, na liberdade com respeito ao domínio do mundo, na liberdade com respeito ao poder dos outros, e com respeito a liberdade das constrições interiores e exteriores. Deve ficar claro que a liberdade constitui um aspecto essencial da mensagem cristã e que todo caminho espiritual autêntico conduz ao final à liberdade interior. E isto é assim porque a experiência de Deus e a experiência da liberdade estão intrinsecamente conectadas (Anselm Grün, Portarse bien con uno mismo).

 

 

 

 

TERÇA-FEIRA, 04 DE AGOSTO DE 2020- 18ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO A

Mateus 15,1-2.10-14(Ensinamento sobre o puro e impuro) =Mc 7,14-23Este episódio se passa na Galileia, em torno a um debate entre Jesus e alguns fariseus e alguns mestres da lei vindos de Jerusalém (v.1). O motivo é que os discípulos não praticam as costumeiras abluções rituais. Jesus rebate de modo explícito as acusações dos seus adversários, usando contra eles uma acusação bastante grave e «substancial», que é a de haver substituído o «mandamento de Deus» por simples e opináveis tradições humanas (v.2). Na segunda parte do texto, o Nazareno (primeiro em público, dirigindo-se ao povo; e depois privado, dirigindo-se só ao círculo dos discípulos) desenvolve seu pensamento de modo breve, tanto a propósito da não validez das leis jurídicas sobre os alimentos quanto ao uso hipócrita que fazem, os fariseus, da Lei de Moisés. Deste modo, fica desqualificada, definitivamente, a mediação dos fariseus por ser guias cegos: para Mateus, a comunidade cristã nascente não está obligada a segui-los. A atitude de Jesus é a de alguém que veio tornar a dar transparência plena à vontade originária de Deus. E realiza esta tarefa levando mais à interioridade da pessoa que a práticas exteriores (minuciosas e convencionais) que se firmam num arsenal de seguranças que constrói o homem para «alcançar» a Deus. De fato, na tradição judia, as distinções entre o puro e o impuro, e o mesmo vale dizer de outras muitas realidades religiosas, se agigantam com frequência até converter-se num polo de interesse tão importante que chega a obscurecer o verdadeiro centro da religiosidade (o amor gratuito e oriundo de Deus), recordado tão frequente pela pregação dos profetas. Mas, Jesus se refere a este filão do Antigo Testamento. Também hoje nos ensina qual é a verdadeira hierarquia dos valores, o significado genuino da revelação. É o interior da pessoa («o que sai da boca», nós diríamos «o coração»: conforme a clareza radical do v.11) o que tem uma efetiva importância na relação com Deus ou o que pode «manchar» o caminho da redenção, mais que abrir à pessoa para que receba o dom do amor que salva.

 

 

Jr 30,1-2.12-15.18-22 (Restauração prometida a Israel) – O texto é tomado do chamado «Livro da consolação», composto pelos capítulos 30-31 do livro de Jeremias. Trata-se de uma coleção de oráculos que remontam, provavelmente, ao primeiro período da atividade do profeta e, que a princípio esteve dirigida ao Reino de Israel, estendeu-se, também, depois, ao de Judá. Jeremias mostra o valor educativo do sofrimento que aflige o povo (vv.12-15), obrigado ao exílio e à dominação estrangeira há um século. A aplicação da Lei de Talião ao povo infiel, segundo a dou­trina da retribuição temporal, terá efeito puri­ficador: Israel compreenderá que não são as nações estrangeiras, cujo favor busca (v.14), mas Yahweh, que cuida e lhe assegura a restauração. Esta última aparece descrita nos vv.18-21 como efeito da compaixão de Deus (v.18a). As imagens, às quais recorre o profeta, evocam uma cidade em festa: os edifícios, antes arrasados, são reconstruídos (v.18b) e seus numerosos habitantes são honrados por Deus e temidos pelos outros povos (vv.19ss). À cabeça da nação haverá um rei israelita unido a Yahweh (cf. Dt 17,15a). Neste oráculo pode entrever-se a esperança de Jeremias na reunificação do povo eleito e em sua recuperação da plena soberania. A fórmula de aliança (v.22) sela a recobrada liberdade na fidelidade a Deus, auspiciada pelo profeta.

 

Sl 101/102 (Oração na infelicidade) – Este Salmo é um grito de súplica que brota no coração de quem sofre. O sofrimento se faz presente desde o nosso nascimento até a nossa morte. Quando sofremos, somos invadidos também pela solidão e pelo desespero, que nos fazem buscar um ombro amigo para desabafar as nossas mágoas e sermos consolados. Mas este momento de alívio é passageiro, pois o único que pode nos consolar eterna e verdadeira mente é o Senhor Jesus, que experimentou em terra a amargura de todas as dores: fome, perseguição, ódio, inimizade, cansaço, solidão e abandono de amigos. Por isso, compreende nossos sofrimentos. Considerada como uma oração feita por Jesus na sua Paixão, este Salmo apresenta fortes imagens de pássaros solitários e noturnos, evocando a solidão que adoece o coração. O que fazer diante do sofrimento? Devemos reagir, buscando saídas e confiando, principalmente e acima de tudo, no Senhor. Até mesmo lembrar que enquanto sofremos, muitas pessoas padecem mais do que nós. Não somos os únicos a carregar a cruz. Acolha a meditação deste Salmo pelos que sofrem, pois ele é considerado um dos Salmos penitenciais mais propícios para pedir perdão dos nossos pecados e dos pecados dos nossos irmãos.

Senhor, tu conheces o meu sofrimento. Não quero fechar-me sobre eles nem me deixar esmagar pelas minhas dores. Quero levantar a cabeça e olhar com amor o meu crucifixo que sempre me acompanha. Quero fixar o olhar sobre Jesus, que, como cordeiro manso, foi levado ao matadouro e não se revoltou. Dá-me a coragem, Senhor, de oferecer os meus sofrimentos pela salvação da humanidade, especialmente em comunhão com todos os cristãos do mundo inteiro que, em tantos países, se veem perseguidos em razão da própria fé. Quero, Senhor, estar ao lado de todos os sofredores, visitar todos os doentes nos hospitais, aqueles com doenças terminais, as pessoas abandonadas, os perseguidos pela justiça. Que ninguém na sua dor se sinta sozinho, mas que possa perceber a presença solitária e amiga dos irmãos e irmãs e a força de Cristo que nunca falta para quem a invoca. Senhor, permite-me não ter vergonha dos meus sofrimentos, mas não escondas, Senhor, o teu rosto quando sofro, e escuta minha voz. Amém.

 

 

MEDITATIO: «Jesus» significa «Yahweh salva». Ele, o Filho de Deus, proclama e realiza a vontade do Pai: que todos os homens se salvem. A salvação que Deus nos oferece é uma salvação concreta, histórica, começo da vida eterna, que será a comunhão com Ele, a experiência inex­pressável do amor, da alegria, da festa sem fim. Isto nos faz invulneráveis contra os distintos tipos de so­frimentos que marcam a vida humana, em virtude de sua natureza limitada e frágil e, por estar ferida pelo pe­cado, ameaçada pela angústia. A presença de Deus junto a nós, em nosso acontecer terreno, aparece, frequentemente, mais como uma ausência ou, em muitos casos, não parece ser eficaz. Ante nossos olhos, empanados pelo medo de viver, sua imagem se confunde com a imagem dos numerosos mercadores de soluções fáceis e imediatas, para sair da angústia. Às vezes, se interpõem entre nós e ele ritos convencionais e tradições dos antigos. Esta­mos tão acostumados aos sucedâneos de Deus que já não sabemos reconhecer a Ele mesmo. Mais ainda, Deus nos desorienta porque não o conhecemos como Ele se dá a co­nhecer. Espanta-nos porque, facilmente, queremos vê-lo segundo nossa imaginação e não tal como Ele se mostra a nós. Em meio do remoinho que supõe a impossibilidade que sentimos para encontrar vias de escape por nós mesmos, podemos fazer nosso o grito de Pedro: «Senhor, salva-me!», e ter a certeza de ouvi-lo repetir o que somos: gente de pouca fé, sempre disposta a duvidar. Com nossa débil fé podemos reco­nhecer que Jesus é o salvador, só Ele, e ninguém mais. Todo instante é momento oportuno para o encon­tro decisivo com Ele, no íntimo e no profundo de nosso ser.

 

ORATIO: Por que duvido? Porque tua presença, Jesus, me resul­ta em ocasiões incompreensíveis, tua vinda a meu encon­tro não passa pelos caminhos de minhas lógicas e não te vejo ali onde Tu estás. Quisera tê-lo na minha medida, quisera que fosse alguém que resolve minhas desgraças, um antí­doto contra os infortúnios e as possíveis calamidades. Por que duvido? Porque tua salvação abarca minha hu­manidade e a transfigura à tua semelhança divina, e produz em mim vertigem. Se segues apoiando-me, Senhor, também eu, com meu titubeio vacilante, poderei confiar-me a tua mão. Que passe junto a ti, através das ondulações do tempo, à dulcíssima quietude da eternidade.

 

CONTEMPLATIO: O justo está nas mãos de Deus, e acontece quase por mi­lagre que até seus próprios pecados o ajudam a fazer-­se melhor. Acaso nossas que­das não nos ajudam a melhorar quando nos dispõem a ser mais humildes e atentos? Não sucede, acaso, como se a mão de Deus fosse a que levanta aos que tropeçam? Neste sentido, a alma de quem tem fé pode repetir: «Tu és meu apoio». Deus se mostra tão disposto a socorrer a quem está caído, que temos quase a impressão de vê-lo tentando aju­dar, exclusivamente, a cada indivíduo que o tem invocado (Bernardo de Claraval).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Tu te compadeces de teu povo, Senhor» (cf Jr 30,18a)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Sei que dependo de um ser transcendente cujo nome eu não conheço. Chamo “Deus” ao que é insondável. Trata-se de um artista dotado de uma força inigualável. As férreas leis da natureza ou da beleza dos cosmos não podem ser explicadas recorrendo exclusivamente às qualidades da matéria. Existem realidades que se subtraem a nossa experiência. Por nossa parte, conseguimos imaginar o que é desconhecido só através do modelo do que já conhecemos, e daí procede às dúvidas e a incredulidade. Só se nos inserimos em uma ordem superior, se nos inclinamos frente àquilo que não sabemos explicar e temos a suficiente humildade para reconhecer que não somos nós quem criamos o mundo e nem sequer estamos em condições de decifrá-lo, só se compreendemos que não nos é licito pôr nossa vontade ao mesmo nível que a do Criador, só assim poderemos configurar nossa vida sem amarguras, resignação, nem nihilismo (Z. M. Raudive, Briciole di vita e di speranza, Cinisello B. 1992, pp. 86ss).

 

 

 

QUARTA-FEIRA, 05 DE AGOSTO DE 2020- 18ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO A

Mateus 15,21-28 (Cura da filha duma mulher cananeia) Jesus havia levado a seus contemporâneos um ensinamento religioso que parecia revolucionário. Afirmava que a origem de toda impureza se encontra no coração do homem e é consequência do uso equivo­cado da liberdade (cf. Mt 15,10-20). Isto esfacelava a estrutura legalista do judaísmo fariseu, introduzindo, como critério de religiosidade autêntica, a atitude inte­rior do homem; uma atitude que se condensa na fé, isto é, na confiança em Deus e em seu amor providente. Isso é o que a mulher estrangeira e pagã vive (v.28) invocando com perseverança a Jesus, ao qual reconhece como Messias e Salvador (vv.22.23b.25). O encontro entre Jesus e a mulher cananeia anuncia e realiza, já, o encontro entre a salvação e o paganis­mo. Sem negar a eleição preferencial de Israel, «filho pri­mogênito» (v.24; cf.Os 11,1; Mt 10,5ss), a missão salvífi­ca de Jesus se dirige a todo o mundo. Essa será, então, a característica da ação da Igreja, por mandato específico de seu Senhor (cf.Mt 28,18-20).

 

 

Jr 31,1-7 (A restauração prometida a Israel) – O oráculo que constitui o fragmento litúrgico de hoje descreve o retorno dos exilados à pátria. Trata-se de um anúncio dirigido a todo Israel, que, sem estar mais dividido em dois reinos, viverá da única soberania de Yahweh (v.1). A iniciativa do retorno é puro amor gratuito e fiel de Deus, que sai ao encontro de seu povo, manifestando-lhe a superabundância de sua ternura (vv.2ss). Como no tempo do Êxodo do Egito, ainda que agora, de um modo ainda mais glorioso, Yahweh redime a identidade de seu povo, dá-lhe de volta a cidade onde habitar, a te­rra para cultivar e conseguir seu próprio sustento (vv.4a.5; cf. Js 24,13; Sl 107,35-37). O efeito que produz um dom tão grande é a alegria, expressada, aqui, com o som dos instrumentos e as danças (v.4bc). A alegria transbordante de Israel contagiará as nações vizinhas, as quais, convergindo para Jerusalém, restabelecida como centro do culto javista, glorificarão a Deus por ter levado, de modo admirável, a sal­vação inesperada do pequeno grupo de sobreviventes da deportação (vv.6ss;cf.Sl 105,12-15.43-45;Is 52,7-10).

 

(Sl) Jr 31,10-13 (A restauração prometida a Israel) – O Senhor se dirige aos “sobreviventes de Israel” com uma mensagem de esperança: haverá um novo êxodo, com uma peregrinação a Sião, inaugurando uma era de alegria e bem-estar. Ao escutar mensagem tão feliz, os interpelados desconfiam: pela situação do desterro, pela morte de homens, pelos próprios pecados. O povo aparece na figura da matriarca Raquel, ou com o nome do antepassado Efraim, ou como uma anônima “donzela esquiva”. A mensagem se amplia e coloca o evento ante um público universal: a todos, revela-se o amor especial do Senhor. “Ilhas longínquas” é expressão típica do Segundo Isaias. A “mão mais forte” poderia ser o poder imperial da Assíria, fortemente enfraquecido ou já destruído (depende da datação do oráculo). É possível que nesta época de decadência alguns israelitas se repatriaram. “Resgatar” é também termo favorito do Segundo Isaias. O Senhor convida todos com os “bens” do seu templo (Sl 65,5): produtos de lavradores e pastores, que sintetizam a economia dos repatriados. (Bíblia de Jerusalém)

 

 

MEDITATIO: A relação do crente com Deus não é uma relação econômica, uma relação que possa medir-se em termos de dar e receber. É mais que isso. É uma resposta a uma surpresa: Deus me ama, e o faz com um amor «excessivo», um amor que se situa fora das medidas do espaço e do tempo. Eterno, por todas as partes, para todos, por livre iniciativa, não condicionado por minha resposta. Deus se revela incansavelmente oferente. Em algumas ocasiões, certa linguagem parece suben­tender que sou eu que agrado a Deus prestando atenção a suas palavras. Porém, não é assim: Deus me prece­de sempre e de maneira superabundante; ao mesmo tempo, deixa-me a alegria de pedir, prelúdio do estupor que produz o receber. Posso entrar neste dinamismo vi­tal do amor se me confio a Ele, que me fala da história que quer escrever comigo. Quem quer que eu seja, posso suscitar em meu coração o desejo de que mostre seu amor em mim. Não existe o menor impedimento para ninguém: a via da relação vital e fecunda com Deus está aberta de par em par para todos.

 

ORATIO: Estava distante e Tu me buscaste. Estava em perigo de morte e Tu vieste me salvar. Estava sem esperança e Tu vieste pacificar minha vida. Estava cansado de tanto gritar e Tu me respondeste e escutaste-me. Agora sei que me amas. Desde sempre e para sempre, Deus meu, cantarei teu amor.

 

CONTEMPLATIO: Jesus é médico das almas e dos corpos: se tens uma ferida, te levarei a Ele e lhe suplicarei que te cure, se tu queres também; visto que é Ele quem dá todos os dons, te concederá Ele, não só o que lhe peças, mas, infinitamente, mais do que peças. Aproximar-me-ei d’Ele com muita audácia, em teu favor, porém, se não te aproximas também, será uma grande vergonha. Jesus não rejeita a ninguém. Nosso Deus, e salvador, quer que nos salve­mos, porém corresponde a nós gritar incessante­mente: «Salva-me, Senhor!». E Ele te salva (Barsanufio e Juan de Gaza, Epistolário).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Com amor eterno te amo» (Jr 31,3b)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Toda a natureza é caridade, porém só o místico vive este amor de uma maneira experimental. O amor de Deus nos rodeia por todas as partes. Seu amor é a água que bebemos, o ar que respiramos e a luz que vemos. Todos os fenômenos naturais não são mais que formas materiais diferentes do amor de Deus. Movemo-nos dentro de seu amor como o peixe na água. E estamos tão próximos d’Ele, tão embevecidos de seu amor e de seus dons (nós mesmos somos dom seu), que não nos damos conta disso por falta de perspectiva. Seu amor nos rodeia por todas as partes e não o sentimos como tampouco sentimos a pressão atmosférica. Deus proveu à terra durante quatro mil milhões de anos e se preocupou com os pássaros e os insetos durante centenas de milhões de anos; porém tu te sentes só e abandonado no universo e caminhas preocupado por teus assuntos como se ninguém se preocupasse contigo. Esqueces que alguém se preocupa a cada instante de todos teus trabalhos, regula o movimento de teu sangue e o funcionamento de todas tuas glândulas. E crês que os pequenos problemas de tua vida prática, só tu, em todo o universo, podes resolvê-los. Ele escuta o grito do cervo no arroio que lhe pede uma companheira e lhe dá. Preocupa-se do cuco que pede sua comida. Guia às cegonhas em sua imigração. Vela sobre a doninha e o furão quando dormem em suas tocas. A rã, o escaravelho e o corvo encontram o alimento cada dia à hora devida. “Todos, Senhor são pedintes de ti, e esperam que lhes dês a comida a seu tempo. Tu as dás e eles a tomam, abres tua mão e ficam saciados” (Sl 103) (E. Cardenal, Canto all’amore, Asís)..

 

 

QUINTA-FEIRA, 06 DE AGOSTO DE 2020- 18ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO A

Mateus 17,1-9 (A transfiguração) =Mc 9,2-8; Lc 9,28-36 Mateus une a transfiguração à promessa de Jesus a seus discípulos: «Asseguro-vos que algu­ns dos aqui presentes no morrerão sem ver ao Filho do homem vir como rei» (16,28). A promessa se cumpre, ao menos como prenda, «seis dias depois» (17,1). A transfiguração vem confirmar, assim, a fé dos após­tolos expressada por Pedro em Cesaréia (16,16), e a superar sua oposição à perspectiva da paixão predita por Jesus. Este pede a quem quer seguir-lhe a participação em seus sofrimentos (16,21-27). O que se deu no caminho é, entretanto, glorioso, e este aconteci­mento extraordinário o prova. Pedro, Tiago e João podem ver que Jesus é real­mente o que concluirá a his­toria inaugurando o Reino de Deus. Podem constatar que, em Jesus, chegam a seu cumprimento as expectativas de Israel: junto a Ele aparecem Moisés e Elias, testemunhos pri­vilegiados de Deus no Sinai, que forjaram e sustentaram a fé do povo. Enquanto a nuvem da presença de YHWH envolve os presentes, uma voz revela a identidade absolutamente única e incomparável de Jesus. O convite a escutar-lhe é, assim, compro­metedor demais: a palavra do Filho predileto será mais vin­culante que as palavras da Lei, mais penetrante que as palavras dos profetas que convidam à conversão… De fato, Mateus apresenta, aqui, Jesus como o novo Moisés que sobe o monte ao encon­tro de Deus: Moisés recebe o chamado a entrar na nuvem «após seis dias» de espera (Ex 24,15-18a) e, após ter falado com Deus, seu rosto se torna radiante (Ex 34,28-35). Compreende bem, assim, o sagrado temor dos apóstolos frente a esta teofania que ma­nifesta Jesus como o Revelador de Deus (v.5) e cuja palavra é a lei perfeita e definitiva: «Não viram a ninguém mais que a Jesus» (v.8). Mas, esta anteci­pação da gloria do Mestre não deve fazer esquecer, aos apóstolos, o caminho já traçado: o Filho do homem atravessará as trevas da morte e será seu radiante vencedor (v.9).

 

 

Dn 7,9-10.13-14 (Visão do ancião e do Filho do Homem)– Ao profeta revela o desígnio de Deus sobre a história, em uma visão noturna. Vê a sucessão dos grandes impérios e seus violentos dominadores (7,2-8), mas esta altivez humana se interrompe: a Daniel foi concedido contemplar os acontecimentos do ponto de vista do Senhor da história. Ele é Juiz onipotente (cf.v.10), que conhece e, definitivamente, valorizará a obra dos homens, mas, é também alguém que intervêm no tem­po para resgatá-lo: de fato, aos reinos terrenos se contrapõe o Reino que o «Ancião» confia a um misterioso «Filho de homem» que vem sobre as nuvens (vv.13ss). O autor sagrado indica, assim, que este personagem é um homem, ainda que de origem divina. Já não se trata do Messias davídico, esperado para restaurar o Reino de Israel, mas de sua transfiguração sobrenatural: o Filho do homem inau­gurará um Reino que, mesmo inserido no tempo, “não é deste mundo» (Jo 18,36). Este triunfará sobre os impérios mun­danos, levando a historia a seu cumprimento escatoló­gico. E «os santos do Altíssimo» participarão plenamente na soberania do Filho do homem e cons­tituirão uma só coisa com Ele e nele (Dn 7,18.22.27). Com esta figura bíblica, frequentemente, se identificará Jesus em sua pregação e, em particular, na hora decisiva do processo ante o Sinédrio que lhe condenará a morrer na cruz.

 

2 Pe 1,16-19 (O testemunho apostólico)- Pedro e seus companheiros contemplaram a gran­deza de Jesus, ouviram a voz celestial que o procla­mava Filho predileto, por isso se reconhecem portadores de uma graça maior que a dos profetas. De fato, podem confirmar, por experiência pessoal, a veracidade das profecias, às quais Jesus dá cumprimento. A pa­lavra do Antigo Testamento, sem dúvida, não esgo­tou sua tarefa de «lâmpada que ilumina na escuridão» (v.19): deverá seguir sempre iluminando os passos dos crentes que avançam em meio às trevas da historia até o dia, sem ocaso, da vinda de Cristo, na gloria (cf.v.19). Neste caminho, a visão radiante de Jesus transfigurado, que os apóstolos nos testemunham, sustenta nossa fé e acende de desejo nossa espe­rança: o «luzeiro da manhã» já se levanta no coração de quem vela expectante.

 

Salmo 96/97 (Iahweh triunfante) – O salmista nos fala de um Deus forte, corajoso e poderoso, e põe à prova todos os homens que dele se afastam por medo ou para buscar outros ídolos. O Deus vivo e verdadeiro é o Deus de Abraão, Isaac e Jacó que, passando pela História, chega até Jesus e os apóstolos. É este mesmo Deus que nos convida ao amor e nos impele a oferecer-lhe um culto de adoração. Devemos adorá-lo pois é grande, forte como nenhum outro e é o verdadeiro Senhor. Não resta dúvida de que vivemos em um mundo idólatra. Muitos se refugiam nos falsos ídolos em busca da resolução de um problema ou carência. Devemos batalhar constantemente pelo fim da idolatria em nossas vidas, pois tudo isso é vão. Só há um caminho para a verdadeira alegria, que está no Nosso Senhor. Libertar-se dos ídolos é o grande esforço de toda pessoa que ama de verdade ao Deus vivo.

Senhor, não tenho medo nem vergonha de reconhecer que não raramente me sinto idólatra; amo os ídolos, procuro-os e deixo de lado a ti, verdadeiro Deus da vida e do amor. Perdoa-me, Senhor, por este meu pecado. Às vezes, pressionado pela dor, pela necessidade, consulto horóscopo, cartomante, videntes e assim me distraio e me afasto do Senhor. Quero voltar a ti com todo o meu amor e me doar totalmente. Não permitas que me refugie nos ídolos, sejas tu o meu único refúgio e amor. Amém.

 

MEDITATIO: Há uma chama interior que arde nas criaturas e canta sua pertença a Deus e geme de desejo dele. Há um fio de ouro sutil que une os acontecimentos da historia na mão do Senhor, que os unirá, no fim, em um bordado maravilhoso. O rosto de Cristo está impresso no coração de cada homem e lhe faz um amado de Deus. E está, entretanto, nosso pobre olhar, ofuscado, acostumado a disper­sar-se na curiosidade epidérmica e insaciável, disformes por múltiplas impressões; já não sabemos orientar o olhar à sua fonte. Tornamo-nos incapazes de assumir o olhar de Deus sobre as coisas, pois nossa lógica e nossa prática se orientam em direção oposta à sua, no esforço por não perder nossa vida, por não tomar nossa cruz. Só quando Jesus nos deixa entrever algo de seu fulgurante mistério, é que nos damos conta de nossa habitual cegueira. A luz da transfiguração vem dissipar, hoje, se o queremos, nossas trevas. Mas, devemos acolher o convite a retirar-nos a um lugar separado com Jesus, subindo o monte elevado, ou seja, aceitar a fa­tiga que supõe dar passos concretos que nos afastam de um ritmo de vida agitado e nos obrigam a prescindir dos fardos inúteis. Se fossemos capazes de perma­necer um pouco no silencio, perceberíamos sua radiante Presença. A luz de Jesus no Tabor nos faz intuir que a dor não tem a última palavra. A última e úni­ca Palavra é este Filho predileto, feito Servo de YHWH por amor. Escutemo-lo pois nos indica o caminho: vida ressuscitada enquanto dada. Es­cutemo-lo enquanto nos indica, com claridade abso­luta, os passos diários. Escutemo-lo pois nos convida a descer com Ele, aos irmãos. Então o luzeiro da manhã se levantará em nossos corações e, iluminando nosso olhar interior, nos fará vislumbrar a Deus «tudo em todos», eterna meta de nossa peregrinação no tempo, na opa­cidade das coisas, na obscuridade dos acontecimen­tos, no rosto de cada homem.

 

ORATIO: Jesus, és Deus de Deus, luz de luz. Cremos, mas nossos olhos são incapazes de reconhecer tua beleza nas humildes aparências que te revestes. Purifica, Senhor, nossos corações, pois só a estes prometeste a visão de Deus. Dá–nos a pobreza interior que nos faz atentos à sua Presença na vida diária, capazes de ver um raio de tua luz até nos lugares onde tudo parece obscuro. Faz-nos silenciosos e orantes, porque tu és a Palavra saída do silencio que o Pa­i nos pede que escutemos. Ajuda-nos a ser teus ver­dadeiros discípulos, dispostos a perder a vida, cada dia, por ti, pelo Evangelho; faz crescer teu amor em nós, para ser, contigo, servos dos irmãos, e ver, em cada homem, a luz de teu rosto.

 

CONTEMPLATIO: Antes de tua cruz preciosa e de tua paixão, toman­do, contigo, os que havias eleito entre teus sagrados discípulos, subiste ao monte Tabor, ó Soberano, que­rendo mostrar-lhes tua gloria. E eles, ao ver-te transfigu­rado e mais resplandecente que o sol, caídos rosto em terra, ficaram atônitos frente à soberania, e acla­mavam: «Tu és, ó Cristo, a luz sem tempo e a irra­diação do Pai, ainda que, voluntariamente, te faças ver na carne, permanecendo imutável». Tu, Deus Verbo, que existes antes dos séculos, tu que te revestes de luz como de um manto, transfigurando-te diante de teus discípulos, ó Verbo, refulgiste mais que o sol. Estavam junto a ti, Moisés e Elias, para indicar que és o Senhor de vivos e de mortos e para dar glo­ria a tua economia inefável, a tua misericórdia e a tua grande condescendência, pela qual salvaste o mundo que se perdia pelo pecado. Nascido de nuvem virginal e feito carne, transfigurado no monte Tabor, Senhor, e envolto pela nuvem lumi­nosa, enquanto estavam contigo teus discípulos, a voz do Pai te manifestou, distintamente, como Filho ama­do, consubstancial e reinante com Ele. Dai que Pedro, cheio de estupor, exclamara: «Que bom estarmos aqui!», sem saber o que dizia, ó misericordiosíssimo benfeitor (Anthologhion di tutto l’anno, Roma 2000).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“A tua luz vemos a luz» (Sl 35,10)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Se soubéssemos reconhecer o dom de Deus e experimentar estupor, como o pastor Moisés, ante todas as sarças que ardem às margens de nossos caminhos; compreenderíamos, então, que a transfiguração do Senhor – a nossa – inicia com certa mudança de nosso olhar. Foi o olhar dos apóstolos que foi transfigurado; o Senhor permanece o mesmo. A cotidianidade de nossa vida, trivial e extraordinária, deveria revelar, então, sua deslumbrante profundidade. O mundo inteiro é sarça ardente, todo ser humano, seja qual for a impressão que suscita em nós, é esta profundidade de Deus. Todo acontecimento leva, nele, um raio de sua luz. Nós, que temos aprendido a olhar, hoje, tantas coisas, temos aprendido os dados elementares de nosso oficio de homens? Vive-se, com efeito, à medida do amor, porém, se ama, à medida do que se vê. Agora, na transfiguração, nossa visão participa no mistério, dai que o amor esteja em condições de brotar de nossos corações como fogo que arde sem consumir, e assim pode ensinar-nos a viver. Devemos passar da sonolência, da qual fala o evan­gelho, à autêntica vigilância, à vigilância do coração. Quando despertemos, se nos dará a alegria inesgotável da cruz. Ao ver, por fim, na fé, ao homem em Deus e a Deus no homem – Cristo – nos tornaremos capazes de amar e o amor sairá vitorioso sobre toda morte. O Senhor se transfigurou orando; também nós seremos transfigurados unicamente na oração. Sem uma oração con­tinua, nossa vida fica desfigurada. Ser transfigurados é aprender a ver a realidade, quer dizer, nosso Deus, Cristo, com os olhos abertos, de par em par. Certamente, neste mundo de loucos, sempre teremos necessidade de fechar os olhos, e os ouvi­dos, para recuperar certo silencio. É necessário, é como uma espécie de exercício para a vida espiritual. Sem dúvida, a vida, a que brota, a vida do Deus vivo, é contemplá-lo com os olhos abertos. Ele está no homem, nós estamos nele. Toda a criação é a sarça ardente de sua parusía. Se nós «esperássemos com amor sua vinda» (2 Tm 4,8), daríamos um im­pulso muito diferente a nosso serviço neste mundo (J. Corbon, La gioia del Padre, Magnano 1997).

 

SEXTA-FEIRA, 07 DE AGOSTO DE 2020 – 18ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO A

Mateus 16,24-28 (Condições para seguir a Jesus)– Jesus confirmou sua própria identidade de Messias e de Filho de Deus e indicou também o caráter sofredor de seu messianismo (cf. Mt 16,16-17.21): agora fala daqueles que desejam segui-lo. A sorte do discípulo não será diferente da do Mestre (cf. 10,24ss); mais ainda, toda atitude e toda decisão do discípulo terão significado para sua relação com a vida do Mestre. A escala de valores e de prioridades está determinada, em consequência, pela referência à pessoa de Jesus, cujo caminho histórico de sofrimento vivido no amor haverá de apropriar-se dele o discípulo (v.24). Este experimentará o paradoxo do «perder para conservar», do «morrer para viver» (v.25). Com suas obras manifestará a decisão fundamental de por a Jesus, e não a si mesmo, no centro de sua vida; sua recompensa a receberá no momento do juízo (v 27; cf. 25,31-40). O Servo de Yhaweh, sem dúvida, é também o Juiz escatológico; o Messias humilhado é também o Rei glorioso. Poderão compreender bem alguns que o estão escutando (v.28), dado que durante sua vida terrena terão lugar os acontecimentos anunciados (cf. 16,21).

 

 

Na 2,1.3;3,1-3.6-7 (Sentenças proféticas contra Judá e contra Nínive, a prostituta) – Naum, de cujo livro está tomado o texto de hoje, realizou sua atividade no Reino de Judá, provavelmente durante a segunda metade do século VII a.C. Seus oráculos anunciam o final do poder assírio, que dominava por então com uma grande ferocidade toda a região do Oriente Médio. A crueldade de Nínive, capital de Assíria, está descrita com realismo e intensidade (3,1-3): a fraude e a rapina constituem sua política; o estrondo dos carros de guerra se eleva ao alto; seus soldados, animados por una fúria homicida, semeiam aonde passam violência e morte. O profeta contempla o final de tanto horror: o anúncio que proclama é a notícia da libertação. O povo pode celebrar com alegria a salvação e a paz recuperadas (2,1), que Yhaweh o concede humilhando o opressor (3,6). Naum tem, pois, uma mensagem de consolação para Judá, enquanto Nínive – símbolo do caos e das forças do mal que ameaçam a harmonia da ordem querida pelo Criador – não tem quem a console (3,7).

 

Dt 32,25cd-26ab (Cântico de Moisés) – (…) trata de um texto antigo mas posterior a Moisés, sobre cujos lábios foi posto, para lhe conferir um caráter de solenidade. Este cântico litúrgico situa-se na própria origem da história do povo de Israel. Não faltam nessa página orante notas ou ligações com alguns Salmos e com a mensagem dos profetas: desta forma, ela tornou-se uma sugestiva e intensa expressão da fé de Israel. A imagem de Deus presente na Bíblia não se mostra absolutamente como a de um ser obscuro, uma energia anônima e feia, um acontecimento incompreensível. Ao contrário, é uma pessoa que tem sentimentos, age e reage, ama e condena, participa na vida das suas criaturas e não é indiferente às suas obras. Assim, o Senhor convoca uma espécie de assembleia judicial, na presença de testemunhas, denuncia os delitos do povo acusado, exige uma pena, mas deixa impregnar sua sentença por uma misericórdia infinita. Vem de imediato a menção dos espectadores-testemunhas cósmicos: “Escutai, ó céus… ouça toda terra” (Dt 32,1). (…) A voz de Moisés, profeta e intérprete da palavra divina, anuncia a iminente entrada em cena do grande juiz, o Senhor, do qual ele pronuncia o nome santíssimo, exaltando uma de suas inúmeras características. De fato, o Senhor é chamado a Rocha (cf. v.4), um título que aparece em todo o cântico (cf. vv.15.18.30.31.37), uma imagem que exalta a fidelidade estável e indiscutível de Deus, que é bem diferente da do povo. O tema é desenvolvido com uma série de afirmações sobre a justiça divina (…) (São João Paulo II, papa).

Dá-me, Senhor, um coração vigilante, que nenhum pensamento arraste-o para longe de ti; um coração nobre, que nenhuma afeição indigna o debilite; um coração reto, que nenhuma intenção equívoca o desvie; um coração firme, que nenhuma adversidade o abale; um coração livre, que nenhuma paixão o subjugue. Concede-me, Senhor, uma inteligência que te conheça, uma vontade que te busque, uma sabedoria que te encontre, uma vida que te agrade, uma perseverança que te espere com confiança, e uma confiança que te possua inteiramente. Amém.

 

 

MEDITATIO: Os atropelos e as violências de todo tipo parecem garantir a segurança e a prosperidade dos fortes, ao preço da aniquilação dos débeis. Sem dúvida, não é esta a verdade da vida, e a história nos mostra a precariedade do poder humano, registrando o desmoronamento de impérios políticos, econômicos, ideológicos, que se apresentavam (e se apresentam) como indestrutíveis. A lógica que vence é outra: perder a própria vida, quer dizer, consumi-la no serviço aos outros, sem recusar o sofrimento que disso possa derivar-se, e seguir amando de todos os modos. Como fez Jesus. Quando vivo assim, me converto em anúncio silencioso –ainda que eficaz – da autêntica libertação.

 

ORATIO: Senhor Jesus, quisera seguir-te pelo caminho que Tu percorres. Sinto que não me obrigas a ir contigo, só me convidas. E entendi que só teu caminho é o da vida; mais ainda, que Tu és o Caminho e a Vida. Sei que, caminhando contigo e como Tu, amar se conjuga com sofrer, e sinto medo: gostaria de um amor mais barato. Desde meu ponto de vista, absorvido por completo no presente, dar equivale a perder e é um péssimo negócio. Sem dúvida, o amor que não se entrega por completo não é, senão, uma cópia camuflada do egoísmo. Que eu possa aprender, caminhando atrás de teus passos, a força da entrega sem condições. Infunde-me a força dos pequenos e a desconfiança com respeito a tudo aquilo que tem o odor azedo da violência, que obtém porque usurpa, que vence porque aniquila. Ponde meus passos nos teus, Jesus, que eu aprenda a sabedoria de teu amor crucificado.

 

CONTEMPLATIO: Sê fiel, queridíssima irmã, àquele a quem fizeste tuas promessas. Por Ele mesmo, de fato, serás coroada com o louro da vida. Breve é nossa fadiga aqui, mas a recompensa é eterna; que não te confundam os estrépitos do mundo que foge como sombra; suporta firme os males adversos, e que os bens prósperos não te exaltem. Estes, de fato, dispensam a fé, e aqueles a exigem. Queridísima, olha para o céu ao qual nos convida, toma a cruz e segue Cristo, que nos precede; de fato, após as diferentes e abundantes tribulações, graças a Ele, entraremos em sua glória (Santa Clara de Assis).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Envia, Senhor, teu mensageiro de paz» (cf. Na 2,1)

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – O sofrimento não está abaixo da dignidade humana. Ou seja, se pode sofrer de modo digno ou indigno do homem. Isto é o que quero dizer: a maior parte dos ocidentais não compreende a arte da dor, e assim vivem obsecados por mil medos. A vida que vive as pessoas agora já não é uma verdadeira vida, cheia como está de medos, resignação, amargura, ódio, desespero. Deus meu, tudo isto se pode compreender muito bem, porém, se uma vida assim fica suprimida, se suprime muito depois? Devemos aceitar a morte, inclusive a mais atroz, como parte da vida. Se não vivemos cada dia uma vida inteira, tem muita importância que vivamos alguns dias mais ou menos? Estou diariamente na Polônia, onde o que muito bem podemos chamar campos de batalha; em ocasiões me oprime uma visão destes campos que se tornaram verdes de veneno; estou diariamente ao lado de famintos, de maltratados e de moribundos, mas também estou junto ao jardim, este pedaço de céu que há além de minha janela: numa vida há lugar para tudo. Para a fé em Deus e para um final miserável. Devemos ter também a força necessária para sofrer a sós e não ser uma carga para os outros com nossos próprios medos nossos próprios fardos. Deveríamos nos educar reciprocamente para isto, se possível com doçura e, se não, com severidade. Quando digo: de um modo ou outro, já tenho feito minhas contas com a vida, não o digo por resignação. Que quero dizer? Talvez que já não pode suceder-me nada novo? Não, trata-se de um viver a vida minuto a minuto, e deixar também um espaço à dor, um espaço que, hoje, não pode ser pequeno. Supõe, pois, uma grande diferença que em um século seja a Inquisição que faz sofrer aos homens e a guerra e os massacres em outro? A dor tem exigido sempre seu lugar e seus direitos de um modo ou de outro. O que conta é o modo como o suportamos e se estamos em condições de integrá-lo em nossa própria vida e, ao mesmo tempo, de aceitar também a vida. Às vezes devo inclinar a cabeça sob o grande peso que tenho sobre a nuca, e então sinto a necessidade de unir as mãos, quase com um gesto automático, e poderia permanecer sentada assim durante horas. Estou em condições de suportar tudo e, por sua vez, estou segura de que a vida é belíssima, digna de ser vivida e está repleta de significado, apesar de tudo. O que não quer dizer que alguém nem sempre se encontre em um estado de ânimo mais elevado nem pleno de fé. Podemos estar cansados como burros depois de haver realizado uma longa caminhada ou haver tido que ficar numa longa fila, porém isso também faz parte da vida, e dentro de ti há algo que não te abandonará jamais: o amor que vem dEle. (E. Hillesum, Diario)

 

 

 

SÁBADO, 08 DE AGOSTO DE 2020- 18ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO A

Mateus 17,14-20 (O endemoninhado epilético) = Mc 9,14-19; Lc 9,37-42 – O pedido de um pai para que cure a seu filho epiléptico dá a Jesus um motivo para dirigir aos dis­cípulos um último chamado sobre a necessidade de crer n’Ele. Os discípulos não são capazes de realizar a cura (vv.16.19), visto que o poder miraculoso não lhes pertence: é um dom que o Mestre concede como participação em sua própria missão (cf.10,1). Os discípu­los, por sua parte, devem aderir a Ele por meio da fé. A exclamação de Jesus (v.17: «Geração incrédula e perversa!») expressa à resistência que opõe a du­reza de coração de seus contemporâneos, já manifestada, pelo evangelista, em outras ocasiões (cf.11,16ss.39ss). É Jesus quem proporciona o ensinamento: se os discípulos estão animados por uma fé certa, n’Ele, podem realizar o grande sinal de comunicar, aos homens, a salvação outorgada por Deus (v.20; cf.Jo 14,12;At 3,16); ao contrário, a falta de fé, que os separa da comunhão com Jesus, torna praticamente impossível a libertação do mal (v.17).

 

 

Hab 1,12-2,4 (Segunda lamentação do profeta: as extorsões do opressor; Segundo oráculo: o justo viverá por sua fidelidade) – O enigma da presença do mal na história e, ainda mais, o fato de que prevaleça sobre o bem é algo que tem atormentado aos crentes desde sempre. É o problema que atormenta também ao profeta Ha­bacuc. A história pessoal deste profeta nos é des­conhecida, porém seu escrito se apresenta a todo o mundo como modelo de leitura da história. A pergunta crucial tem que ver com a relação entre o mal e Deus: por que Deus cala fren­te à maldade e ao atropelo (1,12ss)? A dúvida que se in­sinua é a de que possa existir uma espécie de conivência entre Deus e o mal, como se Deus fosse inimigo do homem, como se estivesse aliado com os que se convertem em instrumentos da maldade (1,14). Habacuc expressa esta ideia com a imagem do pescador que, de um modo sádico, se compraz com os peixes que captura e mata (1,15-17). No ânimo do profeta se delineia uma hipótese inquietante: acaso tem fundamento a insinuação da serpente com respeito a certos zelos de Deus em relação com o homem (cf. Gn 3,4)? Abandonando a busca de respostas verificáveis sobre as intenções de Deus, Habacuc se agita por dentro, despertando seu coração à fé (2,1). O silêncio «obstinado» de Deus a suas perguntas já não lhe assusta: sabe que pode apoiar sua própria vida na promessa divina, que é segura e não está ligada a um tempo pre­ciso, porque é válida para sempre (2,3). O crente reconhece em Deus seu centro vital e a razão dos acontecimentos, ainda que sejam contraditórios, da existência: Habacuc compreende que esta fé é a raiz profunda que garante tanto a vida como a estabili­dade. Ao contrário, o que presume de erguer-se como centro e fim de seu próprio viver fica prisioneiro de seu orgulho, que, encerrando-o em si mesmo, o faz instável (2,4). Esta é uma verdade que todo o mundo deve conhecer (2,2).

 

Salmo 9 (Deus abate os ímpios e salva os humildes) – A vida é feita de pequenos gestos, de pequenas coisas e da capacidade de nos maravilharmos diante deles. Há, por acaso, algo mais belo que uma flor? Do que uma estrela? Do que uma criança que brinca, uma nascente de água ou a amizade entre duas pessoas? Algo mais maravilhoso que uma mulher grávida ou uma pessoa idosa à espera da irmã morte? Tudo se torna grandioso quando contemplado com amor.

Senhor, dá-me, hoje e sempre, a capacidade de amar e contemplar a beleza que a natureza nos oferece. Que isso seja um sinal desse amor para os meus irmãos de jornada de trabalho. Que os pobres ao meu redor possam sentir-se bem. Tu te tornarás o defensor dos pobres por meio de mim. Que eu ame a todos sem a necessidade de ser amado. Amém.

 

 

MEDITATIO: A Palavra de Deus provoca-me, hoje, a proceder uma comprovação de minha fé. Crer em Deus, em sua bondade, em seu amor por mim e por todas as criaturas, é algo que se diz muito rápido. Porém existe a dor do mundo, existe o mal em todas suas perversas manifestações, e, ante os atrozes «espetáculos» de injustiças evidentes ou de tragédias que produzem vítimas entre os inocentes, a sensibilidade e a inteligência sofrem um duro contragolpe. Como é possível que Deus, que é bom, permita que sofra tanta gente? Jesus me diz que minha fé, por menor que seja, pode tudo; o profeta me fala de uma vida que a fé ga­rante. Crer em Deus, longe de ser um analgésico, um remédio para a pena produzida pela dor pessoal e alheia, me abre à ação: vou a Ele, não me detenho em mim mesmo; projeto n’Ele minha esperança e acolho sua promessa. Não começa a operar, assim, em mim e a meu redor, o impossível, o inesperado?

 

ORATIO: Às vezes sinto o coração e a garganta fechados pela mordaça do por quê… Por quê, Deus meu, esta infinita ladainha de morte? Onde está tua providência generosa, ó Senhor do tempo e da história? Onde está teu amor? Tu o sabes, Deus meu: se me queixo é porque tenho experimentado na pele que viver sem ti é condenar-se ao vazio. E me parece como se agora estivesses perguntando-me: Que Deus estás buscando? Um Deus que resolva teus problemas? Um Deus que te ofereça soluções pré-fabricadas? Eu sou o Deus amor. Quem ama não cria fantoches ou crianças eternas, mas homens livres, mas o preço da liberdade é a dor. Se o jogo das liberdades pode transformar o viver humano em um crisol, tu és sempre para mim esse metal precioso que purificado se torna lu­minoso. Podes crer em meu amor, onde eu, o crisol do viver humano, o tenho atravessado até o final. Podes crer em meu amor, pelo qual tenho te unido a mim no «impossível» da ressurreição.

 

CONTEMPLATIO: “De onde vem o mal? Acaso a matéria de onde tirou as criaturas era má e a formou e ordenou, sim, mas deixando nela algo que não convertesse em bem? E por que isto? Acaso sendo onipotente era, sem dúvida, impotente para convertê-la e mudá-la toda, de modo que não ficasse nela nada de mal? Finalmente, por que quis servir-se desta matéria para fazer algo e não, ao contrario, usar de sua onipotência para destruí-la total­mente? Ou podia ela existir contra sua vontade? E se era eterna, por que a deixou por tanto tempo estar por tão infinitos espaços de tempo para trás e lhe agradou tanto, depois de servir-se dela para fazer alguma coisa? Ou já que, repentinamente, quis fazer algo, não houvesse sido melhor, sendo onipotente, fazer que não existisse aquela, restando só Ele, bem total, verda­deiro, sumo e infinito? E se não era justo que, sendo Ele bom, não fabricasse nem produzisse algum bom, Por que, retirada e aniquilada aquela matéria que era má, não criou outra boa de onde tirasse todas as coisas? Porque não seria onipotente se não pudesse criar algum bem sem ajuda daquela matéria que Ele não havia criado. Tais coisas revolviam em meu peito, pesado com os devoradores cuidados da morte e de não ha­ver falado a verdade. Sem dúvida, de modo estável se afincava em meu coração, em ordem à Igreja católica, a fé de teu Cristo, Senhor e Salvador nosso; informe cer­tamente em muitos pontos e como flutuando fora da norma de doutrina, mas, contudo, já não a abandonava minha alma, antes cada dia se enchia, mais e mais, com ela (Santo Agostinho).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“O justo viverá por sua fidelidade» (Hb 2,4)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL– O mal está numa falta de fé na oposição ao seguimento do Ponto Omega. Isto ocorre desde sempre pois é autônomo, pessoal, transcendente:nele encontrará a humanidade novo modo de vida, uma espécie de êxtase: se trata do êxtase em Deus. O mal, em todas suas modalidades, existe num mundo que se acha em vias de formação porque a união criadora não está consumada ainda e o mundo não saiu ainda do desapego e, portanto, da desordem. O mal é uma condição inevitável do universo, que está submetido de contínuo a um retorno ao múltiple. Está presente no mundo desde o primeiro instante da criação. O pecado original é, segundo T. de Chardin, não um ato isolado, mas uma condição que marca todos os homens por causa de infinitas culpas disseminadas ao longo da história humana, e aparece plenamente consciente quando nasce o pensamento e o homem se descobre também livre de rebelar-se contra Deus. Contudo, o mal e o pecado acabam por ajudar à evolução; ambos estão no mundo para que o homem os supere livremente no processo evolutivo. Assim, pois, o pecado maior hoje é o que se comete contra a humanidade em processo de unificação. A história humana é a manifestação de um plano divino. Cristo redentor compensa ao mundo pela existência do mal, e atrai e guia o progresso para si. O Cristo ressuscitado é o Cristo cósmico: o Ponto Omega. A cosmogêneses tem seu ponto culminante na noogêneses, que culmina por sua vez na Cristogêneses. Eis aqui, pois, o mal, o grande escândalo do universo. A dor das crianças… Terias criado, se pergunta Dostoievski, se tivesse sabido que um só destes pequenos haveria de sofrer? O mal, a morte… o mal como dor, o mal como erro, o mal como culpa. Como se concilia, na visão cristã, com a bondade e o plano de Deus? Escreve Chardin: “Há um observador absolutamente clarividente, que olha desde muito tempo e desde uma grande altura a Terra, nosso planeta lhe parecia, primeiro azul, pelo oxigênio que o rodeia; depois, verde, pela vegetação que o recobre; depois, luminoso, cada vez mais luminoso, pelo pensamento que se intensifica em sua superfície, porém também obscuro, cada vez mais obscuro, por um sofrimento que cresce em quantidade e em agudeza ao mesmo ritmo que ascende a consciência ao longo das idades… De fato, quanto mais homem se torne, mais se incrusta e se agrava em sua carne, em seus nervos, em sua mente, o problema do mal: o mal de compreender, o mal de padecer…” (R.Doni.Le grandi domande).

 

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