LECTIO DIVINA NA 25ª SEMANA COMUM ANO A 2020

LECTIO DIVINA NA 25ª SEMANA COMUM ANO A 2020 –

PAZ E BEM COMUNIDADE CATÓLICA

 

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SEGUNDA-FEIRA, 21 DE SETEMBRO DE 202025ª SEMANA DO TEMPO COMUM

Mateus 9,9-13 (Chamado de Mateus; refeição com os pecadores) – Cafarnaum estava situada na fronteira do território de Herodes Antipas com o de seu irmão Filipo, no coração comercial que ia desde Damasco até o Mediterrâneo. Isto explica a presença de numerosos encarregados da cobrança de taxas, a odiada classe dos publicanos naquela zona. Toda a atenção do texto está centrada na prontidão da resposta de Mateus, apresentado como “Levi, filho de Alfeu” em Marcos e Lucas, com respeito ao chamado de Jesus, e também no tipo de gente que assiste ao banquete, talvez de despedida, que Mateus oferece aos seus ex-colegas a fim de sublinhar a seriedade de sua opção. O fato de haver muitos publicanos e pecadores comendo com Jesus, e com seus discípulos, escandaliza aos fariseus, porque no Oriente comer juntos significava comunhão de vida e de sentimentos. Ao conversar com os publicanos e os pecadores, Jesus mostra que está na linha da “misericórdia” e reprova, aos fariseus, seu legalismo, o qual os torna insensíveis às autênticas necessidades do Espírito Santo, além de incapazes de compreender as necessidades do próximo.

 

Ef 4,1-7.11-13 (Apelo à unidade) – Paulo, ao apresentar-se, diretamente, como prisioneiro pelo nome do Senhor, confere uma particular autoridade à sua exortação a viver “com dignidade” a vocação cristã.  Em virtude dessa vocação, todos os crentes formam “um só corpo” em Cristo Jesus, e isso exige um novo modo de vida, além do afastamento de todo sentimento de animosidade e discórdia, para não romper “a unidade” realizada pelo Espírito Santo. É, efetivamente, o Espírito Santo o que une o corpo místico de Cristo. Agora, se os membros se opõem entre eles, como poderá organizar-se o corpo? A primeira lei de vida é, pois a harmonia, a “paz”, que é o indispensável cimento da unidade. Impõem-se, portanto, motivos teológicos que imponham ao cristão a unidade espiritual com os irmãos: tudo em sua vida deve ter um caráter de sociabilidade e uma dimensão comunitária. É único o corpo da Igreja, e está animado por um único “Espírito”; única é a “esperança” da salvação eterna à qual nos chama a fé em Cristo; único é o “Senhor” Jesus, que destruiu o muro da divisão e da inimizade (cf.2,14) e proporcionado, a todos, os mesmos meios de salvação: a fé e o batismo. Sem dúvida, o motivo fundamental desta unidade reside na universal paternidade de Deus, que está presente em todo redimido com sua ação e com sua interioridade, mediante a graça.     A clara profissão de fé trinitária, contida nesta passagem, fundamenta o valor dos “carismas” aqui enumerados. Deles se descreve, também, o fim para o qual devem convergir na economia do corpo místico de Cristo: um fim eminentemente social, a saber: a edificação completa deste corpo, que se obterá quando todos nós tenhamos alcançado a “perfeita unidade” de fé e de “conhecimento” amoroso de Cristo. Deste modo, a perfeição pessoal e coletiva expressará a medida em “que alcancemos em plenitude a estatura de Cristo” (v.13).

 

Salmo 18/19 (Iahweh, Sol de justiça) – Quais os princípios que nos orientam? Se eles forem pecaminosos, toda a nossa vida será injusta; mas se eles forem justos, o nosso agir será reto. Os Salmos nos convidam a ter nossas vidas coerentes com a Palavra. A doçura da Palavra de Deus sacia o nosso coração. Que a nossa boca não fale mentira, que o nosso falar seja reto e honesto.

Senhor, preserva-me do orgulho de ser santo e melhor que os outros. Que eu sempre tenha no coração a humildade. Se faço o bem, é por ti; se fujo do mal, é pela tua bondade. Nada sem ti podemos fazer. Contemplar e fazer o bem são os maiores desejos que temos dentro de nós. O bem está presente em todas as pessoas, portanto dá-me olho para enxergá-lo e coração para amá-lo. Amém.

 

 

MEDITATIO: O problema das refeições tomadas em comum, pelos cristãos de procedência pagã e os de origem judia, foi muito importante na primeira geração cristã. Mateus, já evangelista, quer apresentar um ensino de Cristo a sua Igreja. O Mestre, tanto em palavra como com o exemplo, lhes oferece uma lição: Deus exige de nós, sobretudo, gestos de misericórdia, mais que atos cultuais. Jesus, ao chamar Mateus e sentar-se à mesa com os pecadores, aparece como aquele que realiza a vontade de Deus. E toda sua missão de chamar, misericordiosamente, os pecadores, à salvação, tem sido o cumprimento da Palavra de Deus, expressada nas Escrituras. Frente ao Deus discriminador apresentado pelo culto dos judeus de estrita observância, o Deus revelado pela palavra e pela ação de Jesus é um Deus de misericórdia, um Deus que acolhe os perdidos e lhes oferece uma nova possibilidade de refazer-se; até alcançar, mediante sua graça, a “perfeita unidade” interior, que na primeira leitura é “até que alcancemos em plenitude a estatura de Cristo” (v.13).

ORATIO: Concede-nos, ó Pai e Deus de Misericórdia, reconhecer, em nossa história pessoal, o chamado fundamental da vida que teu Filho e Senhor nosso nos dirige com amor. Concede-nos, ó Pai e Deus de bondade, responder-te afirmativamente, com prontidão e generosidade, inclusive, através das grandes e pequenas ocasiões de nosso viver cotidiano, a fim de que possamos realizar, com fidelidade, a obra que, de modo pessoal e comunitário, nos tens dado para realizar na Igreja. E que o mundo, frente ao testemunho de unidade do cristão e da Igreja, possa converter-se e crer em teu amor misericordioso, um amor que temos visto e contemplado no rosto e na ação de Jesus na terra.

CONTEMPLATIO: Obrigado, Senhor, pela compaixão tão grande que dignaste dispensar, por nossa redenção, e te rogo: faz que possamos ser, em verdade, participes, eternamente, desta redenção e da salvação eterna que há em Ti. Quem, ao ouvir dizer o apóstolo: “Esta palavra é verdadeira: Jesus Cristo veio a este mundo para salvar aos pecadores”, não pronunciará, ao mesmo tempo, um louvor e uma oração, nem dirá: “A Ti, Senhor, o louvor, a Ti a ação de graças, porque em tua grande misericórdia buscas a vida e não a morte do pecador. Digna-te, Senhor, conceder-nos tua justificação por nossos pecados e salvar-nos com a salvação eterna”. Quando ouvimos, pois, as palavras de Cristo, com as quais nos referem ou prometem seus benefícios, devemos nos encher, como nos ensina o apóstolo, em ações de graças a Ele. Agora, o ânimo daquele que ama e está repleto de desejo, uma vez realizada a ação de graças, deve acrescentar a oração para ser feito digno de suas promessas (João, O Cartujo).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“O Filho do homem veio buscar e salvar o que estava perdido” (Lc 19,9)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – As palavras «quero misericórdia, não sacrifícios» (Mt 9,13) marcam um importante passo diante da consciência humana, porém, por desgraça, depois de dois mil anos, são muito poucos os que se tem dado conta disto: o passo da religião do Pai à do Filho. O Pai experimentado como Soberano absoluto, como o Juiz inapelável, que premia aos bons e castiga aos pecadores; a consciência necessitada de sacrifícios expiatórios de bodes, sobre os quais depositam os pe­cados próprios e os comunitários. Por outra parte, a consciência solar, criadora e portadora de vida. A árvore frutífera dá com fartura seus frutos, e sua alegria aumenta com o crescimento da abundância dos frutos; não castiga aos animais e aos homens que os comem; sua tarefa é sustentar às criaturas que têm necessidade de seus dons. Do mesmo modo, o seguidor da religião do Filho vive para distribuir a misericórdia, não para levantar altares sobre os quais imolar vítimas. A experiência cristã se encontra no fatigoso e laborioso caminho que vai da religião do Pai, do Rigor e do Juízo irreformável, à religião do Filho, que não julga, não condena, não culpa a nenhuma criatura, mas que com mão generosa distribui amor e misericórdia, não apaga o pavio vacilante, não quebra a cana rachada. Moisés havia declarado que o homem é a imagem de Deus na criação; Cristo nos disse que o Filho e os filhos do homem estão chamados a despojar-se do temor e do tremor dos servos, e a abrir-se à alegria vital de sentirem-se filhos de Deus (G. Vannucci).

 

 

 

TERÇA-FEIRA, 22 DE SETEMBRO DE 2020 – 25ª SEMANA DO TEMPO COMUM

Lucas 8,19-21 (Os verdadeiros parentes de Jesus) Lucas propõe em seu evangelho um exemplo de escuta da Palavra que se torna «prática» da própria Palavra. Assim, ao recordar um episódio onde a mãe e seus irmãos vão ver Jesus, Lucas suprime toda referência ao que pudesse fazer supor a exis­tência de uma tensão entre Jesus e sua família de origem, pois, para o evangelista, o importante é concentrar-se na figura espiritual da mãe de Je­sus: «Apresentaram-se sua mãe e seus irmãos, mas não puderam chegar até Jesus por causa da multidão» (v.19). A vinda de seus familiares proporciona a Jesus a ocasião para um ensinamento decisivo sobre o verdadeiro parentesco com Ele, que não é por vínculos de sangue, mas pela escuta obediente e ativa da Palavra. Como é óbvio seus parentes carnais não estão excluídos desta possibilidade. Todos estão incluídos, iniciando por sua mãe. Lucas quer afirmar a importância da nova família que se reúne em torno de Jesus, uma família gerada pela Palavra. Por outra parte, está clara a intenção do texto: afirma o primado absoluto da Palavra de Deus. É a Palavra que nos põe em comunhão com Jesus; que forma sua comunidade. Esta experimenta de modo paradoxal, uma geração de Cristo em seu próprio interior, um aco­lhê-lo na fé que faz nascer à vida nova. Entre os distintos membros se experimenta, pois, uma relação de fraternidade, compreensível à luz do fato de que estes se reconhecem como «irmãos em Cristo» e «filhos do mesmo Pai». São Lucas recorda após que esta Palavra não pode ficar em escuta superficial e passiva: requer, efetivamente, escuta atenta e ativa, exige tradução para a práti­ca moral da existência (v.21).

 

 

Esdras 6,7-8,12b.14-20 (A construção do Templo) À carta dos dirigentes de Judá, que se de­fendem da acusação de sediciosos e rebeldes por ter querido reconstruir o templo, responde agora o imperador persa, Dário. Este aceita a tese dos an­ciãos e permite prosseguir os trabalhos de construção do templo; mais ainda, pede, inclusive, que rezem por sua pessoa (cf v.10) e manda que façam uso de fundos tomados do tesouro da satrapia aquemênida para a reedificação do templo, além da contribuição econômica da próspera comunidade judia que havia ficado na Babilônia. Se importante é o apoio da autoridade imperial, mais decisivo se mostra ainda o alento proporcionado pela palavra profética. O texto sublinha que é, de fato, a palavra inspirada dos profetas Ageu e Zacarias que infunde confiança e perseverança na realização do projeto de construção do templo do Senhor, que­rido pelos dirigentes de Judá (v.14). O autor bíblico assinala que por trás dos decretos de Dário e Artaxerxes está o mandato de Deus, mais ainda “do Deus de Israel”, que atua para voltar a dar força, uni­dade e esperança ao povo que voltou do exílio e deve reorganizar sua própria vida social e religiosa em torno a três realidades que serão os pilares da comunidade no período pós-exílico: o templo, o sacerdócio e a lei. A solene dedicação do templo, o reinício do culto legítimo e a celebração de uma páscoa ecumênica “como um só homem” (v.20) indicam esta nova e decisiva etapa na vida do povo de Deus, que experimenta, assim, a permanente atualidade das “magnalia Dei” durante o êxodo.

Sl 121/122 (Saudação a Jerusalém) – Esta é, sem dúvida, uma das orações mais belas já pronunciadas: o amor ao templo. Infelizmente, dia a dia, o templo perdeu a importância e nós, a sacralidade da Igreja como lugar onde Deus está e faz morada de modo especial. É o lugar santo por excelência. Para o piedoso judeu, ir a Jerusalém era um acontecimento de imensa alegria. Sentia-se amado e abençoado por Deus. Quem de nós não desejaria ir até Aparecida ou a Jerusalém ou Roma? Não como turistas desejosos apenas em passear e conhecer, mas como pessoas de fé que visitam lugares santos que falam de Deus, da Virgem Maria. Que belo o sentimento que nasce no coração de quem avista pela primeira vez um lugar santo! Teve a alegria de visitar e rezar em lugares santos, e sentir que Deus está me abraçando no seu amor. É verdade que Jesus nos anuncia um novo templo, não mais feito de pedras ou de madeira, mas de carne: o corpo humano, do qual a Trindade Santa toma posse e transforma em templos vivos de amor. Hoje o templo, a Igreja, é carne viva do povo que caminha para a nossa Jerusalém. A beata Elisabeth da Trindade, mística e carmelita, sente-se como templo vivo de Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Faço minha sua oração:

“Ó meu Deus, Trindade que adoro, ajudai-me a esquecer totalmente de mim mesmo para fixar-me em vós, imóvel e pacífico, como se minha alma já estivesse na eternidade. Que nada possa perturbar-me a paz nem me fazer sair de vós, ó meu Imutável, mas que em cada minuto eu me adentre mais na profundidade de vosso Mistério. Pacificai minha alma, fazendo dela o vosso Céu, vossa morada preferida e o lugar do vosso repouso. Que eu jamais vos deixe só, mas que aí esteja todo inteiro, totalmente desperto em minha fé, todo em adoração, entregue inteiramente à vossa ação criadora.” Senhor, só nessa consciência de que somos tua morada nasce de verdade o respeito ao outro. Sinto-me comprometido e pecador sempre que nego o pão, o amor, o respeito ao meu irmão porque tu és carne minha e d’Ele também. Amém.

 

 

MEDITATIO: Uma das problemáticas mais candentes da socie­dade atual é a da família. Nela emergem graves di­ficuldades devidas à falta de valores e à desagregação das relações. Mas, talvez para poder superar a incômoda situação atual não bastem as consultas psi­cosociológicas e as intervenções legislativas e seja pre­ciso voltar à mensagem evangélica sobre a família. Descobrimos, assim, que Jesus, ainda reconhecendo o al­tíssimo valor da família enquanto arraigada na in­tenção originária do Criador, relativiza sua importância. O Evangelho que lemos hoje nos recor­da que o valor da família é inferior e está subordi­nado ao da nova família do Reino. Esta exigência de radicalismo à hora de reconhecer a urgência do cha­mado à conversão e à acolhida do Reino é o que explica certas exigências de Jesus que, de outro modo, estariam em contradição com seus ensinamentos sobre o valor da família. Jesus nos pede que, acima de tudo, opere em nós a paixão pelo Reino: uma acolhida ativa, generosa, das exigências assi­naladas por sua Palavra, que nos incita a colaborar na edificação do povo de Deus. Voltemos a encontrar, assim, o ideal que os profetas Ageu e Zacarias tentavam infundir nos exilados que voltaram a Jerusalém, um tanto incomodados pelas dificuldades da tarefa. Ser crentes, escutar como Maria a Palavra e pô-la em prática como ela, viver sua consequente bem-aventurança…, não significa entrar em uma esfera de raros gozos intimistas, mas converter-se em colaboradores ativos do sonho de Deus: fazer-se uma família de filhos tão grande como toda a humanidade.

 

ORATIO: Percebo, ante Ti, ó Senhor, a beleza do chamado a ser da família do Reino de Deus, experimentar nela a ternura e a força do amor do Pai que me quer como filho, converter-me, cada vez mais, em teu irmão e amigo. Com a ajuda de tua graça, quisera chegar a ser sempre mais, semelhante à Maria, tua mãe e nossa modelo de obediência inteligente e ativa a tua Palavra. Quero ter como ela uma escuta silenciosa e ado­radora da Palavra, único caminho para acolher o projeto divino sobre mim. O silêncio interior, tão necessário, me separará de mim mesmo, de meu pequeno mundo fechado, para levar-me ao firmamen­to de teu Espírito Santo. Então me sentirei realmente «um» com meus irmãos em Cristo.

 

CONTEMPLATIO: Todos os membros, pastores, laicos e religiosos, par­ticipam cada um a sua maneira, da natureza sacramental da Igreja; igualmente, cada um desde seu pró­prio posto deve ser sinal e instrumento tanto da união com Deus quanto da salvação do mundo. Para todos, existe o duplo aspecto da vocação: à santidade: na Igreja todos pertençam à hierarquia, ou seja, guiados por ela, são chamados à santidade (LG 39); e ao apostolado: a Igreja inteira é impulsionada pelo Espírito Santo a cooperar na realização do plano divino (LG 17; cf A.A.2; AG 1,2,3,4,5). Portanto, antes de considerar a diversidade dos dons, ofícios e ministérios; é preciso admitir como fundamento a comum vocação à união com Deus para a salvação do mundo. Mas esta vo­cação requer em todos, como critério de participação na comunhão eclesial, o primado da vida no Es­pírito; em virtude do mesmo, ocupam o primeiro lugar a escuta da Palavra, a oração interior, a consciência de ser membro de todo o Corpo, junto à preocu­pação pela unidade, o fiel cumprimento da própria missão, o dom de si no serviço e a humildade da pe­nitência (Mutuae relationes).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Dou-me pressa para guardar teus mandatos sem tardança» (Sl 118,60)

                                                              

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Certo: no estado definitivo não viveremos isolados, mas em festiva e gratificante comunhão. Comunhão extraordinária e singular, sobretudo com o Pai, o Filho e o Espírito, e após com a multidão dos santos, com a comunidade dos salvos, com a gratificante companhia da humanidade de todos os tempos. É certo que o grau de complacência e gratificação nessa gozosa comunhão dependa do grau de propensão fra­terna, cultivado e promovido aqui nesta terra. A comunidade escatológica, com suas promessas de felicidade, sustenta o empenho pela realização, aqui embaixo, da vida fraterna, com suas fatigas e desilusões. De seu lado, uma fraternidade que cresce na cotidiana obscu­ridade se converte em raio de luz que preanuncia a luz solar da fraternidade definitiva, gozosa e fonte de felicidade. Com sua constância na fatiga da construção preanuncia a grandeza do prêmio e a força atrativa da meta. Com seu característico “que belo que os irmãos vivam unidos” preanuncia a bemaventurada e beatificante fraternidade defini­tiva. Com seu gozo habitual, com seu «hábitat» que permite às pessoas florescer, crescer, expandir-se e dar fruto, com seu clima se­reno e fraternal, está indicando a linha de chegada final onde viveremos tudo isso em plenitude e sem sombra alguma (P.G.Ca­bra, Para una vida fraterna. Breve guia práctica, Sal Terrae

 

QUARTA-FEIRA, 23 DE SETEMBRO DE 202025ª SEMANA DO TEMPO COMUM

Lucas 9,1-6 (Missão dos doze) – A missão dos Doze funde suas raízes no projeto de Jesus de reunir o povo de Israel em torno ao anúncio da salvação; por isso implica também, na tarefa de mensageiros do Reino, aos Doze (mais adiante também aos 72 discípulos: cf. Lc 10,lss), enviando-os por toda Galiléia. O discurso de Jesus aos seus enviados se refere, mais que aos conteúdos de sua pregação, às indicações sobre o estilo que deverá ter o apóstolo: desde o que deve levar ao comportamento no lugar onde o dê hospedagem. Lucas apresenta a missão dos Doze como o prolongamento do próprio ministério de Jesus. Assim, os «convoca» como já havia feito quando os chamou no monte para constituir o grupo dos Doze (cf.6,12ss). A tarefa, para a qual estão autorizados e habilitados pelo poder e pela autoridade que os confere Jesus, consistirá em libertar as pessoas das forças que tentam mantê-las escravas (doenças e demônios) e em anunciar-lhes a proximidade do Reino. Jesus dá instruções concretas aos enviados. Estas insistem na necessidade de adaptar-se às situações e impõem pobreza de meios, para que estes não se tornem mais importantes que o fim e para que possam ser velozes servindo ao projeto ao qual os enviou (v.3). Mais ainda, os Doze através da pobreza de meios experimentarão a assistência divina, mostrarão sua disponibilidade generosa e a vontade de confiar-se somente à defesa que os assegura a força da Palavra anunciada. A palavra da pregação suscita em quem acolhe, disponibilidade e abertura e cria um clima de autêntica fraternidade que o missionário será o primeiro em gozar (v.4). Ficar em uma casa e não ir de casa em casa indica, segundo alguns intérpretes, a desautorização de uma obsessão proselitista; para outros seria, mais um convite ulterior à pobreza: devem contentar-se com o que pode oferecer uma casa, não gastar mal seu tempo e forças na busca de lugares mais confortáveis. Segundo Lucas, não os faltarão, como já o havia passado a Jesus, os desprezos e as oposições. Mas, para os que não aceitam a mensagem do Reino estas palavras supõem, mais que uma condenação, um alerta. Ao apóstolo se pede que o faça compreender a grave situação na qual corre o risco de cair quando se fecha à alegre notícia (v.5).

 

 

Esdras 9,5-9 (A ruptura dos matrimônios com estrangeiros) – Escreve Esdras aqui às pessoas que se reúnem a seu redor para apoiar sua política de restauração da comunidade judia e que se estremecem pela Palavra de Deus (cf.9,4). Com estas pessoas se põe a orar Esdras. Sua oração, semelhante à de Ne 9, tem um claro tom penitencial, como uma confissão dos pecados, ou mais ainda, uma espécie de ato penitencial em forma de oração. O reformador, com as vestes penitenciais, o manto do luto, inicia sua súplica usando a primeira pessoa do singular, mas logo passa ao plural, como para unir consigo a comunidade pecadora passada e presente. A história de Israel está apresentada como uma história de infidelidade (v.7); é uma confissão geral da culpa, um reconhecer da legitimidade do castigo divino ao povo. Nos vv.8ss, em forma duma reflexão sobre o tempo presente, se sublinha que a benevolência divina não minguou em absoluto e que toda a situação atual está marcada, por assim dizer, pela experiência dessa benevolência, como indicam claramente as diferentes expressões: «mostrou-nos sua misericórdia», «um resto», «um refúgio estável», «iluminou nossos olhos», «aliviou nossa escravidão». Põe-se, portanto, uma grande ênfase na experiência – ainda que em meio da precariedade da situação presente – da bondade de Deus e sua assistência ao povo exilado, aos homens do retorno. Interpreta-se, pois, dum modo penitencial a própria situação, mas já se vêem os sinais da libertação, que passam através das experiências concretas, históricas, de uma história lida de maneira «providencial», ou seja, guiada pela mão providente de Deus. Assim, Esdras recorda que o povo dos exilados ganhou o favor dos reis de Pérsia (v.9), que permitiram ao povo reviver e restaurar as ruínas de Jerusalém e voltar a levantar o templo do Senhor. Em suma, a experiência da misericórdia prevalece sobre a experiência do castigo, e o sentimento de estar protegidos pelo Senhor faz alegre e consolador inclusive este momento de luto e de penitência. Com efeito, não se trata de convencer a Deus para que perdoe, mas de reconhecer os sinais de seu perdão já em ato.

 

Tb 13,1-10 (Sião)“De toda minha alma louvarei meu Deus, Rei do céu”. Quem pronuncia estas palavras no cântico de hoje é o velho Tobi, do qual o Antigo Testamento traça uma breve história edificante, no livro que leva o nome do seu filho, Tobias. Para entender plenamente o sentido deste hino é preciso considerar as páginas narrativas que o precedem. A história passa-se entre os israelitas exilados em Nínive. O autor sagrado está escrevendo muitos séculos depois, dirigindo-se aos irmãos de fé dispersos no meio de um povo estrangeiro e tentados a abandonar as tradições de seus pais. Tobi e sua família é dado como um exemplo de vida. Ele é o homem que, apesar de tudo, permanece fiel à lei e, em especial, à prática da esmola. Sobre ele se abate a infelicidade com a chegada inesperada da pobreza e da cegueira, mas não perde a fé. E a resposta de Deus não tarda a chegar, através do anjo Rafael, que guia o jovem Tobias numa viagem perigosa, preparando-o para um matrimônio feliz e, enfim, curando o pai Tobi da cegueira.        A mensagem é clara: quem faz o bem, sobretudo abrindo o coração à necessidade do próximo, agradará o Senhor e, ainda que posto à prova, experimentará, por fim, sua benevolência. É sobre este fundo que tomam todo seu realce as palavras do nosso hino. Ele convida a olhar para o alto, para “Deus que vive eternamente”, para seu reino que “dura por todos os séculos”. A partir deste olhar voltado a Deus se desenvolve um breve esboço de teologia da história, em que o Autor sagrado procura responder à interrogação que o Povo de Deus, disperso e provado, apresenta a si mesmo: porque Deus nos trata assim? A resposta faz um apelo conjunto à justiça e à misericórdia divina (cf v.5).      O castigo aparece, assim, como uma espécie de pedagogia divina, onde, todavia, a última palavra é sempre reservada à misericórdia (v.2). Podemos, pois, confiar de modo absoluto em Deus, que nunca abandona sua criatura. Aliás, as palavras do hino conduzem-nos a uma perspectiva, que atribuem significado salvífico à própria situação de sofrimento, fazendo do exílio ocasião para testemunhar as obras de Deus: “louvai-O, filhos de Israel, diante dos gentios, porque Ele dispersou-vos no meio deles, para proclamar a sua grandeza” (vv.3-4) (…) (João Paulo II)

 

 

MEDITATIO: O Evangelho é o anúncio do eterno plano de Deus, manifestado em Cristo, de convocar um povo para que experimente sua proximidade, a força do amor que transforma todas as situações e «ilumina nossos olhos», pois, como os exilados de Babilônia, Deus nos liberta da escravidão de nosso pecado, do deserto de nosso desespero.           O Evangelho segue sendo em nossos dias cura e libertação. Sem dúvida, não pode ser anunciado se não há quem esteja disposto a acolhê-lo, que aceite sair dos estreitos limites de seus interesses e sonhos privados, individuais, para ir até outros. Nossa missão, para ser como a dos Doze, para ser autêntica, deverá caracterizar-se por alguns sem e com. Seguramente, sem a tentação do poder e a eficiência, mas com uma dedicação plena e com humildade: precisamente através de nossas limitações e dos meios de que dispomos experimentaremos a força da Palavra, que anunciamos uma Palavra que nos transcende e nos guarda. A missão nos pede, sem dúvida, disponibilidade para participar não só no poder de Cristo, mas também em seu destino de desprezo e perseguição. Deveremos ser capazes também de reconhecer os sinais da nova humanidade plasmada pelo Evangelho, sinais que serão as diferentes formas de acolhida, de solidariedade, de fraternidade. E, se pregar e curar é a própria atividade de Jesus, nossa ação apostólica de discípulos deve converter-se também ao final em comunhão com o destino de nosso Mestre.

ORATIO: Dou-te graças, Senhor, por haver-me feito encontrar a alegre notícia de teu amor ao homem, que fez brilhar meu rosto e inflamar meu coração de alegria. Em teu Evangelho tenho encontrado refúgio, consolo, cura, libertação e força. Peço-te que me cumules de teu Santo Espírito, para que não haja nada mais querido a meu coração que a causa do Evangelho e para que possa anunciá-lo aos irmãos e irmãs com firmeza de fé e com generosidade de obras. Peço-te a graça de viver esta tarefa de evangelização de modo alegre, livre de preocupações perturbadoras, solícito ao bem de meus irmãos, sem fiar-me demais em mim mesmo, mas confiando mais no poder de teu nome. Amém.

 

CONTEMPLATIO: O propósito de ajustar sua vida a uma regra (propósito regolare) por parte dos pregadores de Tolosa não era uma novidade: seguiam na linha da Pregação de Narbona. É fácil ver nisso a vontade concreta de Domingo e dos seus de prosseguir aquela «imitação dos apóstolos» cuja norma e exemplo os havia dado Diego: «Ir a pregar a pé a palavra da verdade evangélica» e praticar a pobreza do tipo «evangélico». Se houvesse dúvidas sobre a interpretação desta última frase, a prática constante de Domingo, a partir de 1206, bastaria para dissipá-las. A pobreza evangélica da qual fala o documento de 1215 introduz, como é óbvio, o desprezo de toda cavalgadura, proíbe levar dinheiro consigo, exige que os pregadores se adaptem ao alojamento e ao alimento que os ofereçam seus anfitriões casuais, implica a mendicidade de porta em porta e todos os outros pontos da regula apostólica. Com maior razão, exclui toda propriedade reditual. Giordano o confirma, precisando o motivo: «… a fim de que a preocupação pelos bens temporais não fosse obstáculo para o ministério da pregação». Reconhecemos nisso o espírito de Domingo: viver de esmola não era só imitar ao Salvador e aos apóstolos, mas também uma libertação espiritual; o santo o havia experimentado durante a missão de Narbona (H.Vicaire, Historia de santo Domingo).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Exaltai com vossa vida ao Rei dos séculos» (Tb 13,7)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – O apóstolo é um pobre. Sempre será se é um verdadeiro apóstolo. Mas hoje especialmente se sente imerso numa grande pobreza em suas relações com um mundo muito mais forte e atrevido, ante o qual se sente muitas vezes desarmado, inferior, sem argumentos incisivos, sem ter onde se agarrar. Sucede que, apesar de tudo, apesar de toda boa vontade, apesar de todos os meios usados, poderá sentir-se perdidamente pobre. Trabalhar toda uma jornada, quebrar a cabeça com muitos obstáculos, lançar-se a fundo perdido, esgotar seus recursos, empregar como melhor pode preparar-se, meticulosamente para tudo o que tem que fazer, não havendo deixado passar nada por alto e, ainda assim, te parece que chegas a tua casa com as mãos vazias. E surge em ti a dúvida: haverei conseguido algo? Haverá sido inútil com todo este trabalho? Como saber se está bem ou mau o que tenho feito? Pareciam todos tão longe de minhas e de tuas preocupações, Senhor! Se tivesse tido sequer alguém com quem partilhar esta impressão, em quem confiar esta sensação de vazio! Não será talvez inútil todo meu trabalhar? O povo marcha por caminhos tão distintos! Aceitarão até um certo ponto, enquanto não pretendo que deem o salto à fé… sinto-me então só com meu segredo e minha paixão não compreendida; sinto-me então observado inclusive como algo estranho e anacrônico. Lástima, parecem dizer, que uma pessoa tão moderna e capaz se obstine ainda e insista em certas coisas que não são necessárias! Que cansaço continuar neste caminho de raciocínios e tentativas tão distintos! Será que não vai haver uma via de saída? Não se está fazendo este mundo cada vez mais selvagem? Vale talvez a pena seguir dando-me, para uns frutos que há anos estou esperando em vão? Servo trabalhador, e servo inutil: isso é o que te sentes nesses momentos! Sem dúvida, é agora quando te estás julgando, se paras aqui a saborear tua própria amargura – e é fácil, porque o vazio chama o vazio, o abismo chama o abismo -, cairás na amargura e no desconsolo. Perceberás só o limite de tuas forças, sentirás unicamente a insignificância de tua pobreza. Mas se voltas o olhar para tua riqueza, se esse cinzento e distante vazio o enche logo com Aquele em cujo nome tens trabalhado e suado e aceitado um resultado incerto, selarás nesse momento, com a potência do amor, esse dia começado por amor, vivido no amor, aceitado em tudo com amor. E estarás enchendo tua pobreza com teu tesouro, e dai em diante o sentirás mais teu ainda, próximo a ti como nunca, como nunca tua força superabundante (P G.Cabra, Amarás con todas tus fuerzas (Pobreza), Sal Terrae, Santander).

 

 

 

 

 

QUINTA-FEIRA, 24 DE SETEMBRO DE 2020 – 25ª SEMANA DO TEMPO COMUM

Lucas 9,7-9 (Herodes e Jesus) Jesus, ao formar o grupo dos doze e enviá-los em missão, mostra sua vontade de reunir o povo de Israel para o tempo da salvação (cf. 9,1ss). Como reage ante este fato o mundo do poder? Lucas nos refere à perplexidade de Herodes Antipas, que não consegue situar o Nazareno em nenhum de seus esquemas. Frente ao redemoinho de opiniões que circulam so­bre Jesus, Herodes não sabe o que pensar dele. O evangelista se faz eco de que a multidão capta algo da grandeza de Jesus, posto que, compara-o com um pro­feta, com Elias e inclusive com João que reapareceu, porém, apesar de tudo, é incapaz de captar a novidade presente em Jesus. «E buscava uma ocasião para conhecê-lo» (v.9). Querer inteirar-se pessoalmente de quem era realmente Jesus seria uma coisa positiva se esse desejo estivesse movido por intenções sérias, como ocorrerá com Zaqueu (Ct Lc 19,3). Sem dúvida, não é este o caso de Herodes. O fato de que se confesse cinicamente a si mesmo, sem re­morsos, que fez decapitar o Batista e de ter feito calar deste modo uma voz que lhe era hostil – talvez mais incômoda para sua imagem pública que inquie­tante para sua corrupta consciência – mostra que a sua é só uma curiosidade superficial e volúvel. Tudo isto ficará claro no relato da paixão (Lc 23,8-10). He­rodes representa o homem curioso que não quer con­verter-se em discípulo de Jesus, porém ao que lhe gostaria ver fenômenos religiosos extraordinários, inclusive al­gum sinal operado por Jesus; representa esse «prurido de ouvir coisas novas» contra o qual também nos falará São Paulo e que constitui uma forma degenerada do sentimento religioso.

 

 

Ageu 1,1-8 (Reconstrução do Templo) – A mensagem do profeta Ageu, do qual não sabemos quase nada, anima os exilados, que voltam a Jerusalém, em sua obra de reconstrução da cidade e da casa do Senhor. A necessidade de reconstruir o templo é o centro de sua mensagem. O profeta considera, de fato, que para obter a benção do Senhor, para gozar de uma vida realmente rica de sentido, é preciso que o povo sinta e faça sua a causa do templo, lugar da presença visível e sensível de Deus em Is­rael. A leitura de hoje traz o primeiro oráculo de Ageu, um convite a reconstruir o templo e a superar as prolongadas pausas impostas aos trabalhos pelas dificuldades encontradas. Ante um povo que, provavelmente, sublinha a dificuldade surgida pelo compromisso da empresa, o profeta contrapõe a solicitude de quem sente a causa do templo como infinitamente mais importante que a construção de uma casa cômoda e segura para si mesmo. Os homens com os quais o Senhor quer reconstruir sua comunidade devem ser, pois, pessoas que anteponham à busca de seu próprio interesse a busca do bem comum, do bem estar do povo. E este bem não pode realizar-se sem a reedifica­ção do templo, para significar a presença abençoada do Senhor em meio do povo. E mais, as carências e as dificuldades econômicas adiantadas pelos homens, para justificar os atrasos nos trabalhos de reparação do templo, as atribui o profeta preci­samente a esta falta de benção. É necessário apressar-se; de outro modo, o povo, privado de impulso e de entusiasmo espiritual, experimentará a insensatez de uma vida à qual sempre lhe falta algo, porque, necessita de um fim digno, de uma causa que valha a entrega ge­nerosa da própria vida: «Comeis, porém ficais com fome; bebeis, porém seguis sedentos; vestis, porém não vos aquecestes» (v.6). É um fato que o povo não se sente movido com uma solicitude plena pelo objetivo absolutamente mais importante para os indivíduos e para a comunidade, ou seja, a reconstrução da casa do Senhor: «Subi ao monte a buscar madeira, reconstruí meu templo e eu me comprazerei nele» (v.8).

 

Sl 149 (Hino triunfal) Este Salmo deveria, desde os primórdios, ser cantado em todas as celebrações litúrgicas. Sempre que à comunidade está reunida há a certeza da presença de Deus, pois “onde dois ou três estão reunidos em meu nome, eu estarei no meio deles”. O mandamento de Jesus nos recorda que devemos responder à violência com a paz. São os mártires que fazem a beleza da Igreja, pois nunca usaram a força bruta para se defender, mas só a força do amor. Profetas, apóstolos, mártires, como Edith Stein, Maximiliano Kolbe, Dom Romero, que nos ensinam o verdadeiro cristianismo, que é o amor. Há também os mártires “brancos”, que não deram o seu próprio sangue, literalmente falando, mas sofreram martírio quando foram proibidos de seguir sua religião e adorar o Senhor. Sobre eles, o Evangelho nos fala que bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois serão saciados. Cantemos este Salmo com os justos perseguidos, mas vitoriosos. Com os pobres e os que sofrem, de um modo ou outro. Que ninguém carregue só sua cruz. Queremos ser bons cirineus para ajudá-los na oração e na solidariedade.

Senhor, quero te louvar hoje com as bem-aventuranças de Lucas, que colocam em contraste os felizes do mundo com os que vivem o teu amor. “Jesus levantou o olhar para os seus discípulos e disse-lhes: ‘Felizes vós, os pobres, porque vosso é o Reino de Deus! Felizes vós que agora passais fome, porque sereis saciados! Felizes vós que agora estais chorando, porque haveis de rir! Felizes sereis quando os homens vos odiarem, expulsarem, insultarem e amaldiçoarem o vosso nome por causa do Filho do Homem. Alegrai-vos, nesse dia, e exultai, porque será grande a vossa recompensa no céu, pois era assim que os seus antepassados tratavam os profetas. Mas, ai de vós, ricos, porque já tendes vossa consolação! Ai de vós que agora estais fartos, porque passareis fome! Ai de vós que agora estais rindo, porque ficareis de luto e chorareis! Ai de vós quando todos falarem bem de vós, pois assim era que seus antepassados tratavam os falsos profetas’” (Lc 6,20-26).

 

 

MEDITATIO: Os oráculos de Ageu seguem conservando uma grande atualidade para nós, porque também hoje vemos à Igreja de Deus como sua casa necessitada de cuidados, de serviço zeloso e animoso, de testemunho apaixonado e perseverante. Continua sendo válido o aviso do pro­feta, que tinha ressoado de diferentes modos no coração dos grandes santos – como Francisco de Assis, por exemplo -, que se sentiram chamados a trabalhar, com todas as fibras de sua pessoa, na edificação do povo de Deus: “Subi ao monte a buscar madeira, reconstruí meu templo e eu me comprazerei nele». Trabalhar pela Igreja de Deus, através da diversi­dade de carismas e de ministérios, é um compromisso fa­tigoso, porém é também uma paixão que dá sentido à vida, uma causa digna à que dedicar nossa própria vida. Se perfila assim uma figura de crente e de discípu­lo que se encontra nas antípodas de uma religiosidade falta de compromisso, que é só curiosidade de sensa­cionalismos e se mostra só conversa inútil e superficial como a que representa o miserável He­rodes Antipas nos Evangelhos. O desejo de seguir a Jesus é sincero quando há dis­ponibilidade para implicar-se em pessoa, para pôr-se ao serviço de seu sonho de reunir o povo de Deus para o tempo da salvação. Em caso contrário, a aventura religiosa é inútil, inclusive prejudicial, porque se reduz à busca de sinais estrepitosos, de aparições, de fenômenos que atraem a curiosidade de muitos, porém coincide com a incapacidade para saber reconhecer a no­vidade de Deus – doador de sentido e benção – em nossa vida.

 

ORATIO: Senhor, infunde em mim o desejo de seguir-te cada dia e de sentir amor por teu templo, por tua Igreja, em especial quando me parece decrépita e ofuscada por tantos defeitos e pecados. Com tua ajuda, quero imitar teus santos, que se tem entregado por completo à reparação das ruínas de tua casa, esquecendo-se de si mesmos e dos pequenos ideais. Eu sou discípulo teu: ensina-me, oh! Senhor Jesus, não a buscar sinais prodigiosos, mas a custodiar tua Palavra. Não permitas que me converta em uma pessoa simples­mente curiosa, superficial, movida pelo «prurido de ouvir coisas novas»; ajuda-me mais a ser um servo teu atento e generoso, que só busca tua glória. Amém.

 

CONTEMPLATIO: O sentido da comunhão eclesial, ao desenvolver-se como uma espiritualidade de comunhão, promove um modo de pensar, dizer e operar que faz crescer a Igreja em profundidade e em extensão. A vida de comunhão “será assim um sinal para o mundo e uma força atrativa que conduz a crer em Cristo. Deste modo, a comunhão se abre à missão, fazendo-se ela mesma mi­ssão”. Mais ainda, «a comunhão gera comunhão e se configura, essencialmente, como comunhão missionária» (Christifideles laici, 31ss). Nos fundadores aparece sempre vivo o sentido da Igreja, que se manifesta em sua plena participação na vida eclesial em todas as dimensões, e diligente obediência aos pastores, em espe­cial ao romano pontífice. Neste contexto de amor à Igreja, «coluna e fundamento da verdade» (1 Tm 3,15), se compreendem bem a devoção de Francisco pelo «senhor papa», o filial atrevimento de Catarina de Sena quando o chama «doce Cristo na terra», a obediência apostólica e o sentire cum Ecclesia de Inácio de Loyola, a gozosa profissão de fé de Teresa de Jesus: «Sou filha da Igreja»,  bem como o desejo de Teresa de Lisieux:«No coração da Igreja, minha mãe, eu serei o amor». Semelhantes testemunhos são representativos da ple­na comunhão eclesial na qual participaram santos fundadores em épocas di­versas da história e em circunstâncias, às vezes, difíceis. São exemplos nos quais devem fixar-se continuamente as pessoas consagradas, para resistir às forças centrífugas e desagregadoras, particularmente ativas em nossos dias (João Paulo II, Vita consecrata, n.46).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Que se alegre Israel por seu Criador» (do salmo responsorial)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Quem se sente amado por um Amor absoluto, incondiciona­do e inexplicável, sente de imediato o impulso de fazer pre­sente e operante este amor aos outros. Porque sente sua pobre­za total e a de todo irmão privado desta sólida riqueza. Porque vê o nada em quem não se deixa aferrar por esta única consistência. Porque adverte a vaidade de toda existência que não esteja envolta pelo Amor criador e beatificante. É o amor que leva à missão. O amor que quer respon­der ao Amor. O amor que havia intuído que o Absoluto é mistério de amor que quer envolver tudo em sua realidade. A missão, an­tes de ser uma tarefa, é exigência urgente do homem to­cado nas profundidades de sua existência pela fulgurante e dulcíssima certeza de ser amado. Amado de tal modo que não pode deixar de verter-se sobre os outros; é um rio que não pode ser contido porque é impetuoso, se transborda, invade os territórios pelos quais passa e resulta impossível de deter. “A Igreja é o corpo da caridade na terra. É o víncu­lo vivo entre aqueles que foram queimados por esta chama di­vina. Ai de mim se não evangelizar! Se deixo de evangelizar significa que se tem retirado de mim a caridade. Se deixo de sentir a necessidade de comunicar a chama, quer dizer que esta tem deixa­do de arder em mim. Ao escolher-nos, Deus não nos escolheu contra os outros, mas para os outros» (H.de Lubac) (P.G.Cabra,Amarás con todas tus fuerzas (Pobreza), Sal Terrae).

 

 

 

SEXTA-FEIRA, 25 DE SETEMBRO DE 2015- 25ª SEMANA DO TEMPO COMUM

Lucas 9,18-22 (Profissão de fé de Pedro) A confissão de Pedro, reconhecimento humano do messianismo de Jesus, corresponde perfeitamente à confissão da filiação divina de Jesus por parte do Pai (Lc 9,28-36). Lucas omite toda indicação topo­gráfica, enquanto que, seguindo a preocupação que lhe caracteriza, assinala que Jesus se encontrava em um lugar afastado orando. O terceiro evangelista conecta sempre os momentos importantes da vida de Jesus com a oração, para animar também sua comunidade a permanecer em uma constante atitude de oração. Por outro lado, faz entender que os discípulos só podem entrar nos mistérios do Reino graças à intercessão orante de Jesus. A pergunta de Jesus aos discípulos quer conduzir-los a uma compreensão mais plena de sua identidade, além das opiniões inadequadas da multidão, referidas aqui, só para preparar o momento culminante da resposta de Pedro. Este capta a verdadeira identidade de Jesus e não lhe identifica com um profeta do passado, mas indica sua novidade messiânica de modo decidido. Lucas, como os outros dois sinóticos, recorda que Jesus impõe silêncio aos discípulos não, certamente, para desmentir a Pedro, mas para dissipar todo possível equívoco sobre a própria iden­tidade messiânica. Jesus, para evitar qualquer possível mal entendido, indica que o Cristo de Deus coincide com o Filho do homem, que deve ser rejeitado, sofrer e morrer (v.22). A realeza de Deus que o Messias deve­rá realizar na terra, é uma realeza que passa pela ex­periência da paixão e da morte. Note-se que o «é necessário que…» (Lc 13,33; 17,25; 24,46) indica que o plano de Deus, revelado a Israel nas Escrituras, prevê também a rejeição de Cristo por parte dos homens. Aos três primeiros verbos que expressam a obra do homem se associa um quarto verbo, «ressuscitar» – atestado aqui em grego na forma da passiva teológica -, para indicar a poderosa ação de Deus em Jesus, que se ma­nifesta na ressurreição.

 

 

Ageu 1,15b-2,9 (A reconstrução do Templo) – É o segundo oráculo, que segue, aproximada­mente a um mês de distância, ao precedente. É provável que este oráculo tenha sido proferido com ocasião da «festa das tendas», durante a qual se costumava festejar a dedicação do primeiro templo, o de Salo­mão (cf 1 Re 8,2). O profeta Ageu refere que os an­ciãos, que conservam a recordação do antigo templo, não podem deixar de assinalar a diferença entre a antiga construção, suntuosa e coberta de dourados, e a no­va, tão pobre. Nasce neles um sentimento de decep­ção e quase de desânimo. O risco consiste em que isto produza de novo uma espécie de letargo espiritual e constitua um freio nos trabalhos de restauração e na reedificação da comunidade. Em consequência, se impõe dar ânimos, e a isso exorta o profeta. Esses âni­mos se baseiam na promessa de Deus, que está de uma maneira indefectível com os seus. À promessa da presença Deus o profeta acrescenta outra: se produzirá um desconcerto do universo, e as nações e os povos da terra considerarão Jerusalém o centro de sua vida. Responderão a ela devotamente, levando dons e materiais que farão o segundo templo mais suntuoso que o de Salomão, para exibir exteriormente a misteriosa presença de Deus em meio a seu povo. Será a presença de um Deus reconhecido como Senhor de toda a terra e como doador da paz para todos os povos. Note-se o paradoxo do título “Senhor dos exércitos», que sublinha o senhorio de Deus, com o fruto do mesmo senhorio, que é exatamente a shalom.

 

Sl 42/43 (Lamento do levita exilado) – Este Salmo tem um grande apelo psicológico. O salmista vai ao mais íntimo de si mesmo para descobrir seu eu profundo, onde se encontra com Deus. Depois tenta trazer ao seu eu mais superficial e cotidiano a experiência do amor do Senhor. Sentir-se amado e conhecido pelo Senhor é o segredo de toda felicidade e todo amor. A vida espiritual é o caminho para a montanha santa, para a tenda de Deus, para o templo, para a morada eterna. Sabemos que Deus aprecia mais os adoradores em espírito e em verdade, os adoradores livres que optam pelo Senhor se bem que, acima de todas as leis e normas, estão Deus e o valor do ser humano. Não é o homem que é feito para o sábado, mas o contrário.

Senhor, dá-me forças para suportar os obstáculos que me impedem chegar até a montanha santa. Que eu saiba me libertar de tudo, em especial do peso do meu pecado e egoísmo; que caminhe corajoso e livre para o altar. Que as minhas ofertas não sejam sacrifício sem vida, mas que seja a minha vida o sacrifício. Amém.

 

 

MEDITATIO: A primeira pergunta dirigida por Jesus aos doze pode ser bastante neutra também a nós: “Quem sou eu, no dizer da multidão?”, enquanto que a se­gunda é fortemente comprometedora: “E vós, que dizeis que sou eu?”. Como os apóstolos, é possível que, também nós, façamos sobre Jesus perguntas semelhantes às suas, ainda que sem dirigir-nos a Ele na oração. Nossa mente está tomada por mil opiniões, críticas e rumores dos meios de comunicação, que, com excessiva frequência, põem tudo no mesmo plano, desde a publicidade à moral, a fé à magia. Sem dúvida, a resposta à pergunta sobre quem é verdadeiramente Jesus para nós é séria, implica o sentido de nossa pessoa e nosso viver comunitário, se de verdade seguimos Je­sus. Essa é a razão de que, se bem é cômodo referir as opiniões alheias sobre Jesus – que refletem critérios e modos de pensar triviais, não comprometidos-, é muito mais árduo e decisivo, porém não por isso menos abso­lutamente necessário, formular nossa convicção pes­soal sobre ele. E, como aos doze, também a cada um de nós nos impõe Jesus esse silêncio que se torna contemplação, a fim de ajudar-nos a vencer a natural resistência ao mistério de uma salvação atravessada pela dor e a impotência. Em efeito, ninguém poderá anunciar a fé de uma maneira autêntica se não afronta previamente uma purificação dos modos pessoais de pensar o mun­do de Deus, modos influenciados por lógicas e expecta­tivas mundanas, carnais, incapazes de vislumbrar a vontade de Deus e de compreender os caminhos miste­riosos com os quais ele realiza seu plano de salvação.

                                                                                                                                                                                                                                                                                                   

ORATIO: Hoje quero confessar, Senhor, minha fé em Ti. Tu és o Filho eterno do Pai, e por teu amor a nós decidiste compartilhar nossa vida e viver nossa morte. Tu és o Esperado de teu povo, o herdeiro da promessa feita a Davi, o preanunciado pelos profetas, a esperança dos justos. Tu és o Redentor, e com teu sangue nos obteve o perdão de nossos pecados. És o caminho que nos conduz ao Pai, a verdade que nos revela o mistério do amor de Deus, a vida do mundo, porque só em Ti há salvação. Amém.

 

CONTEMPLATIO: Esta palavra parece dura a muitos: «Nega-te a ti mesmo, toma tua cruz e segue a Jesus» (Lc 9, 23). Por que, pois, temes tomar a cruz pela qual se vai ao Reino? Na cruz está à saúde, a vida, a defesa contra os inimigos; está à in­fusão da suavidade soberana, a forta­leza do coração, o gozo do espírito; na cruz está à suma virtude, a perfeição da santidade. Não está na saúde da alma, nem na esperança da vida eterna, senão na cruz. Volta-te para cima, para baixo, para fora, para dentro, e em tudo encontrarás cruz. E é necessário que em todo lugar tenhas paciência, se queres ter paz interior e merecer perpétua coroa. Se de boa vontade levas a cruz, ela te levará e guiará ao fim desejado, aonde será o fim do padecer, ainda que aqui não o seja. Se contra tua vontade a levas, carregaste e fizeste-a mais pesada, e, sem dúvida, convém que sofras. Se desejas uma cruz, sem dúvida encontrarás outra, e pode ser que mais grave. Pensas tu escapar do que nenhum dos mortais pode livrar-se? Quem dos santos esteve no mundo sem cruz e tribulação? Jesus Cristo, por certo, enquanto viveu neste mundo não esteve uma hora sem dor de paixão. Porque «convinha, disse, que Cristo padecesse e ressus­citasse dentre os mortos, e assim entrasse em sua glória» (Lc 24,26). Pois, como tu buscas outro caminho senão este caminho real que é a via da santa cruz? Não é segundo a inclinação humana levar a cruz, amar a cruz, castigar o corpo, pô-lo em servidão; fugir as honras, sofrer de bom grado as injúrias, desprezar-se a si mesmo e desejar ser desprezado; sofrer todo o adverso e danoso, e não desejar coisa de prosperidade neste mundo. Se olhas a ti mesmo, não poderás por ti só coisa al­guma destas; mas se confias em Deus, Ele te enviará fortaleza do céu e fará que te estejam sujeitos o mundo e a carne. Dispõe-te, pois, como bom e fiel servo de Cristo, para levar varonilmente à cruz de teu Senhor, crucifica­do por teu amor. Prepara-te a sofrer muitas adversidades e diversos in­cômodos nesta miserável vida, pois assim estará contigo Jesus onde quer que fores e de verdade o encontrarás em qualquer parte que te escondas. Assim convém que seja, e não há outro remédio para eva­dir-se da dor e da tribulação dos males senão sofrer. Bebe afetuosamente o cálice do Senhor, se queres ser seu amigo e ter parte com Ele. Porque se alguma coisa fosse melhor e mais útil para a salvação dos homens que o padecer, Cristo o teria declarado com sua doutrina e com seu exemplo. Pois manifestamente exorta a seus discípulos e a todos os que desejam seguir-lhe a que levem a cruz, e disse: «Se alguém quiser vir após mim, negue-se a si mesmo, tome sua cruz e siga-me» (To­más de Kempis, La imitación de Cristo)

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Tu és o Deus de minha defesa, o Deus de minha alegria» (Sl 42,2.4)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – O mundo não reconhece a luz que brilha na escuridão. Não o tem feito nunca. Porém tanto hoje como no passado há pes­soas que, em meio deste mundo, vivem com a consciência de que Jesus está vivo e mora dentro de nós, que tem superado o poder da morte e tem aberto o caminho para a glória. Sa­bem que quem odiou a Jesus também pode odiar a eles, e quem lhe matou também pode matar a eles. Sem dúvida, não têm medo de dar testemunho dele, ainda sabendo que seu teste­munho não será só de palavras, mas também de sangue. Não têm medo do martírio porque o Ressuscitado, presente em seu ser íntimo, lhes encheu de um amor mais forte que a morte. São os protagonistas do grande mandato de Jesus: «Ide e anunciai». Devem anunciar a todos os irmãos que estão dispostos a receber Jesus o que viram e ouviram. Devem ir sem demora, sem esperar, sem vacilar, pondo-se em caminho e voltan­do aos lugares de onde vieram e fazer saber aos que deixaram em seus esconderijos que não há nada a temer, pois Cristo está verdadeiramente vivo (P. G. Cabra, Y al prójimo como a ti mismo: la mission, Sal terrae, Santander).

 

 

SÁBADO, 26 DE SETEMBRO DE 2020 25ª SEMANA DO TEMPO COMUM

Lucas 9,43b-45 (Segundo anuncio da paixão) Este vem após o relato da cura do epiléptico (9,37-42), assim, estas palavras soam ainda mais duras e difíceis de aceitar por parte dos discípulos, porque contrastam com o estupor generalizado que suscitam as ações milagrosas de Jesus. «Vós escutai atentamente estas palavras» (v.44). É preciso que os discípulos compreendam a identidade profunda de Jesus como Filho do homem, cuja missão se revelará através do sofrimento e da rejeição que lhe espera. Aqui se impõe uma aclaração exegética sobre o título de «Filho do homem». Este parece tomado do livro de Daniel, e se trata de uma figura misteriosa que recebe o poder de Deus e o exerce em favor do homem, ao contrário das bestas, que exercem um poder que se tem arrogado por si mesmas e querem fazer reinar uma ordem bestial, desumana. «Filho do homem» é, portanto, um título contrário ao de «filho da besta» e não ao de «Filho de Deus». Este último, ao contrário, é o título pascal que expressa à relação de intimidade total entre o Pai e Jesus. A pregação da paixão anuncia «ser entregue em mãos dos homens», que, além de indicar o destino de Jesus, implica também uma manifestação paradoxal do rosto de Deus. Trata-se da chamada passiva teológica alusiva ao plano divino que se realiza na «entrega» do Filho. Ou seja, Deus, em sua vontade inescrutável, deixa Jesus nas mãos dos ímpios, porém esta dramática entrega se converterá em fonte de salvação para a humanidade. Lucas indica, a seguir, que os discípulos não compreendiam, pois a perspectiva da paixão choca de modo radical com a lógica mundana. Será preciso que a luz da Páscoa faça cair o véu de seus olhos (cf. Lc 24,16.31). O medo de perguntar-lhe (v.45) indica certa distância como dis­cípulos, a falta de uma comunhão plena com o Mestre. Este segue sendo, fundamentalmente, incompreendido por eles.

 

 

Zc 2,5-9.14ss (Terceira visão: o medidor) – Esta visão segue à dos quatro cavaleiros e dos obreiros que se contrapõem aos quatro chifres e que representam os povos hostis. A visão de hoje nos mostra um homem com um cordel na mão: o plano imediato e eviden­te da visão sugere o retorno dos exilados, que começam a reconstruir a cidade santa devastada; mas a mensagem se alarga e se torna uma pro­fecia do tempo messiânico, no qual Jerusalém não é já, simplesmente, uma cidade como as outras, mas uma cidade muito florescente, que vive sob a proteção do Senhor, glória da cidade, quer dizer, o que assegura seu verdadeiro valor. Encontramos de novo o tema da presença fiel do Senhor no meio do seu povo, de um Deus que ha­bita no meio da filha de Sião. Essa presença se con­verte em causa de atração dos povos e, portanto, causa de uma experiência de salvação cujos confins se tornam cada vez mais universais. O sonho de Zacarias é o de uma unidade dos homens que, aderindo ao Senhor, se converte em um só povo. Não fica suprimido o pensamento do privilégio de Israel, mas se sonha mais em uma comunidade san­ta, cujos limites se delineiam não tanto por motivos de pertença étnica, mas de fidelidade à Palavra do Senhor. O plano de Deus vai, pois, muito além das perspectivas humanas, que são as de uma ex­pansão da cidade protegida pelo Senhor.

 

Jr 31,10-13 (Restauração prometida a Israel) “Nações, ouvi a palavra do Senhor! Levai a notícia às ilhas longínquas” Qual a notícia que está para ser anunciada nestas solenes palavras de Jeremias que ouvimos no cântico? Trata-se duma notícia confortadora, e não é por acaso que os capítulos que a contêm (cf 30-31), sejam qualificados de “Livro da consolação”. O anúncio refere-se diretamente ao antigo Israel, mas já deixa de alguma forma entrever a mensagem evangélica. Eis o centro deste anúncio: “Porque o Senhor resgatou Jacó e o libertou das mãos do seu dominador” (Jr 31,11). O quadro histórico destas palavras é constituído por um momento de esperança experimentado pelo povo de Deus, acerca de um século desde quando o Norte do País, em 722, fora ocupado pelo poder assírio. Agora, no tempo do profeta, a reforma religiosa do rei Josias exprime a volta do povo à aliança com Deus e faz surgir a esperança de que o tempo do castigo tenha terminado. Começa a delinear-se a perspectiva de que o Norte possa voltar à liberdade e Israel e Judá se recomponham na unidade. Mesmo as “ilhas mais distantes”, deverão ser testemunhas deste acontecimento religioso: Deus, pastor de Israel, está para intervir. (…) (João Paulo II)

 

 

MEDITATIO: Os «anúncios da paixão» não são simples previsões. Devem recordar a nós que o caminho da cruz é um passo obrigatório, do qual ninguém po­de fugir se não queremos ser infiéis a Jesus. O desconcertante modo de agir de Deus no mistério do Filho deveria recordar-nos que o Reino é a irrupção de uma «contra história» na história dos homens, história que parece submetida à vontade dos poderosos, dos «primeiros», que, certamente, não podem reconhecer-se como seguidores de Jesus. Trata-se de uma história alternativa, real e não fictícia, na qual não contam nem a força, nem a riqueza, nem a inteligência, mas o abandono humilde e confiado à vontade divina. Não se trata de exaltar, aqui, uma espiritualidade dolorosa, mas de entender o que verdadeiramente interessa. Se a verdadeira sa­bedoria consiste em escolher a vida, então nossa sabedoria de discípulos de Jesus consiste em saber es­colher morrer a nós mesmos e aceitar converter-nos em dom, para ter acesso à vida plena, a exemplo seu. Assim ascendemos também à vertente lu­minosa dos anúncios de paixão, ou seja, o anúncio da ressurreição. O mistério pascal, compreendido em sua totalidade, se converte no fundamento da espe­rança, na reconciliação e unidade.

 

ORATIO: Ajuda-nos, Senhor, a permanecer em tua presença sem temores e sem fugas, contemplando a Ti, o Filho amado do Pai e, que não te envergonhas de chamar os homens «irmãos» e sabes compadecer-te de nossas de­bilidades porque foste provado em tudo para benefício nosso. Adoramos, oh! Senhor, tua cruz e exaltamos e glorifica­mos tua santa ressurreição. Concede-nos que, através da contemplação de teu mistério pascal, nos renovemos à tua semelhança. E co­mo por nosso nascimento havíamos levado em nós a imagem do homem carnal, faz que pela ação do Espírito Santo possa crescer em nós a criatura nova que nasceu em tua morte.

 

CONTEMPLATIO: Quem disse «Sim» à graça já obteve a remissão dos pecados. A graça cara é o tesouro oculto no campo pelo qual o homem vende tudo que tem; é a pérola pre­ciosa pela qual o mercador entrega todos seus bens; é o Reino de Cristo pelo qual o homem arranca o olho que lhe escandaliza; é o chamado de Cristo que faz que o discípulo abandone suas redes e lhe siga. A graça cara é o Evangelho que sempre temos de buscar, são os dons que temos de pedir, é a porta à qual se chama. É cara porque chama ao seguimento, é graça por­que chama ao seguimento de Cristo; é cara porque lhe custa ao homem à vida, é graça porque lhe oferta a vida; é cara porque condena o pecado, é graça por­que justifica o pecador. Sobretudo, a graça é cara porque custou cara a Deus, porque lhe custou a vida de seu Filho -«fostes adquiridos a grande preço»­, porque o que custou caro a Deus não pode resul­tar barato a nós. É graça, sobretudo, porque Deus não considerou seu Filho demasiado caro, como tal, de devolver-nos a vida, entregando-o por nós. A graça cara é a encarnação de Deus. A graça cara é a graça como santuário de Deus que tem que o proteger do mundo, que não pode ser entregue aos cachorros; portanto, é a graça como palavra viva, Pa­lavra de Deus que ele mesmo pronuncia quando lhe agrada. Esta palavra chega a nós na forma de um chamado misericordioso a seguir Jesus, se apresenta ao espírito angustiado e ao coração abatido como uma palavra de perdão. A graça é cara porque obriga o homem a su­bmeter-se ao jugo do seguimento de Jesus Cristo, porém é uma graça o que Jesus diz: «Meu jugo é suave e meu fardo leve» (D. Bonhoeffer, El precio de Ia gracia).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«O Senhor resgatará a Jacó e o livrará de uma mão mais forte» (Jr 31,11)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL: No mundo que vivemos se faz uma distinção radical entre a alegria e o sofrimento. A morte, a doença, as misérias humanas, tudo isto é preciso tirá-lo da vista, pois nos aparta da felici­dade pela qual lutamos. A visão que Jesus nos oferece apresenta um forte contraste com esta visão. Jesus mostrou, tanto com seu ensinamento, como com sua vida, que a real alegria se oculta, com frequência, em meio ao sofrimento e que a dança da vida inicia na dor. Ele disse: “Se o grão de trigo não morre, não dá fruto…” O que não perde sua vida não pode encontrá-la; se o Filho do homem não morre, não pode enviar o Espírito. Aos dois discípulos abatidos após sua morte, disse: “Que tardios sois para crer o que disseram os profetas! Não era necessário que Cristo sofresse tudo isso para entrar em sua glória?». Aqui se revela um modo de vida totalmente novo em que pode abraçar-se a dor, não pelo desejo de sofrer, mas pela certeza de que da dor nascerá algo novo. Jesus chama nossas dores «dores de parto». Disse: «A mulher quando está em dores de parto se sente angustiada, porque chegou sua hora, mas quando já deu a luz à criança não se recorda mais da angústia, pela alegria de que nasceu um homem no mundo» (Jo 1 6,21). A cruz havia se convertido no símbolo mais poderoso desta nova visão. A cruz é um símbolo de morte e vida, de sofrimento e alegria, fracasso e vitória. A cruz nos mostra o caminho. Sempre seguirá sendo muito difícil abraçar o sofrimento, confiar que isto nos trará uma nova vida. Mas, há experiências que demonstram a verdade do caminho que Jesus nos ensina. As lágrimas de dor e as de alegria não deveriam estar tão separadas. Se tratamos a dor como um amigo, ou, nas palavras de Jesus, «carregamo-nos com nossa cruz», descobriremos que a ressurreição está, de fato, muito próxima. Um modo muito importante de aceitar nosso sofrimento é tirá-lo de seu isolamento e compartilhá-lo com alguém que possa recebê-lo. Grande parte de nossa dor fica oculta, inclusive, para nossos amigos mais próximos. Quando nos sentimos sós, deveríamos ir a alguém que confiemos e dizer-lhe; «Estou só. Necessito de ajuda e tua companhia». Quando nos sen­timos ansiosos, preguiçosos, irritados ou amargurados, deveríamos atrever-nos a pedir a um amigo que nos dê companhia e acolha nossa dor. Com muita frequência pensamos ou dizemos: «Não quero incomodar os amigos com meus problemas; os seus já são suficientes». Porém, a verdade é que honramos nossos ami­gos quando lhes confiamos nossas lutas. Não dizemos a nossos amigos, quando nos ocultam seus sentimentos por medo ou vergonha: “Por que não me disseste antes? Por que guardaste este secreto durante tanto tempo?”. Evidente­mente, não é o caso de comunicar a qualquer pessoa nossos sofri­mentos ocultos. Porém eu creio que se realmente desejamos alcançar a maturidade espiritual, Deus nos enviará os amigos que necessi­tamos. Muitos de nossos sofrimentos não nascem da dor, mas de nossa sensação de estar isolados em meio à nossa dor. Jesus carrega o sofrimento de todos e o transfor­ma em uma oferenda de compaixão a seu Pai. Este é o caminho que nós temos que seguir. (H. J. M. Nouwen, Aquí y ahora. Viviendo en el Espíritu).

 

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