LECTIO DIVINA: segunda semana comum ano 2020 (semana do Enchei-vos)

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DOMINGO, 19 DE JANEIRO DE 2020

João 1,29-34 (O testemunho de João) A solene abertura do evangelho já apresenta­ra a Palavra eterna do Pai entrando na história dos homens e convertendo-se em Jesus de Nazaré. Era necessário encontrar um nexo para que Jesus pudesse vincular-se concretamente à historia. Todos os profetas haviam falado dele. O último, dotado de um carisma particular, o «precursor», se chama João: o porta-voz do atual texto evangélico. Em um estupendo pri­meiro plano, Batista é apresentado como a testemunha leal. Esse que empenha todo seu ser em falar de Jesus, reconhecendo-o como o Messias e proporcionando-lhe as cre­denciais fundamentais. Seu testemunho se expressa com três frases de teor teológico: Jesus é «o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo»; o Espírito pousou sobre Ele e permanece de forma estável; e Jesus é o eleito de Deus, quer dizer, o «Filho de Deus». São três afirmações ligadas entre si que reve­lam a idéia que João tem sobre o Messias. As três imagens encontram correspondência parcial nos cantos do «Servo de Yahweh» e o porquê de sua eleição como primeira leitura. A obra principal de Jesus consiste em «tirar o pecado do mundo». Para João, o evangelista, existe um único pecado: rejeitar a Luz que veio ao mundo para iluminar todos os homens (1,9). Rejeitar Cristo é o maior e único pecado; as demais transgressões (pecados) são manifestações incompletas. Jesus cumprirá esta colossal obra de reconciliação entre Deus e o homem porque Ele mesmo é Deus. O texto diz claramente. A cena do batismo serve para mostrar a presença do Espírito Santo que desce sobre Jesus e permanece sobre Ele.

 

 

Is 49,3.5-6 (Segundo canto do Servo) A primeira leitura recolhe parte do segundo cântico do «Servo de Yahweh». no total, quatro composições poéticas referidas a um personagem chamado «Servo do Senhor» (Is 42,1-9; 49,1-7; 50,4-11; 52,13-53,12). A identificação do servo resulta, no mínimo, misteriosa. Reiterados intentos foram feitos a fim de dar um nome e um rosto para este personagem. Entre outros, sugeriram que se trata do povo de Israel, do próprio profeta, de Ciro, enquanto libertador dos judeus desterrados na Babilônia. Sem dúvida, nenhum dos «candidatos» corresponde plenamente aos requisitos necessários para ser identificado como «Servo de Yahweh», hom­em eleito por Deus, íntegro em sua fé, ao qual foi confiada uma missão universal. É necessário esperar Jesus Cristo para encontrar a resposta satisfatória e definitiva. O texto atual, com efeito, foi escolhido para criar uma conexão entre o «Servo de Yahweh» e o «Cordeiro de Deus» (do evangelho). As duas expressões denotam, na linguagem e na teologia de João Batista, a mesma realidade. A leitura litúrgica seleciona algumas frases do segundo canto do servo para sublinhar sua missão universal. A frase central, posta nos lábios de Deus, soa assim: «Converto-te em luz das nações para que minha salvação chegue até os confins da terra» (v.6). O peso teológico descansa na idéia de salvação que chega desde Deus aos homens pela mediação do servo; além do mais, tal salvação alcança a todos. A figura do servo encontra pleno cumprimento em Jesus, a luz vinda ao mundo para iluminar a todos os homens, o cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo. A humanidade não tem que seguir esperando; por fim, a esperança se enche com um conteúdo preciso.

 

1 Cor 1,1-3 (Endereço e saudação. Ação de graças) Hoje iniciamos a 1ª carta de Paulo aos Corintios. Vemos, como de costume, a tradicional saudação: o remetente, o des­tinatário e o anúncio inicial. Em seguida aparece uma profusão de títulos e alusões precisas que acompanham tanto remetente como destinatários. O nome de Paulo, engrandecido com o título de «apóstolo», certifica a origem de sua missão. E se não fosse suficiente, o duplo acréscimo, apóstolo «de Cristo Jesus» e «por vontade de Deus» (v.1), insiste na sacralidade e oficialidade de seu posto. Longe de ser um título vaido­so, a consciência apostólica de Paulo serve para revalori­zar seu modo de falar e atuar. Paulo não atua em nome próprio, nem decide segundo critérios puramente humanos. Ele é, fundamentalmente, um «chamado» que responde à solicitude divina. Paulo se junta a Sóstenes, designando-o «irmão». Existe uma delicada vontade de tê-lo como colaborador ao trabalho apostólico. O apóstolo nunca atua como um marinheiro solitário; sua vocação divina o põe em comunhão com todos aqueles que Deus chama ao seu serviço. Os destinatários da carta são todos os crentes, «a Igreja de Deus», expressão preferida de Paulo. O termo ekklesia indica a assembléia litúrgica convocada por Deus para ser seu povo santo mediante uma vocação especial. Esta nova comunidade, com respeito de Israel, está marcada com o selo pascal e tem em Jesus o verdadeiro cordeiro imolado. Encontra-se mencio­nada em referencia a uma cidade: «em Corinto». E a es­pecificação consiste em indicar uma igreja local. A igreja, sem dúvida, é a realidade nascida da con­fluência entre o amor trinitário e a aceitação do homem. A concepção paulina de igreja foi assu­mida e confirmada pelo Concilio Vaticano II, que fez sua esta citação de são Cipriano: “A Igreja universal se manifesta como ‘uma multidão reunida pela uni­dade do Pai, do Filho e Espírito Santo’” (LG 4). O anuncio inicial está composto por um binômio que permanecerá invariável em todas as cartas: «graça e paz», dons que têm no Pai e em Cristo seu ma­nancial, expressam a comunhão com Deus, enquanto dom gratuito, que vem do alto (“graça”) e perdura, graças à colaboração humana (“paz”). O inicio da carta oferece uma entonação teológica que pressagia a sinfonia que se desenvolverá em seguida.

 

Sl 39/40 (Ação de graças; Pedido de socorro) A oração que mais admiro é de ação de graças e louvor. No entanto, é difícil agradecer e perceber a beleza a nosso redor, e ter consciência de todas as graças que Deus nos tem dado ao longo de toda nossa vida. Diante de Deus não temos nenhum direito, a não ser de sermos amados. Ele tudo nos dá de graça, por isso é nosso dever canta suas maravilhas. O salmista, por ser pobre, faz a experiência do cuidado de Deus. Em meio a tanta pobreza material, só o Senhor vem em nossa ajuda, com pleno amor e gratuidade. Devemos testemunhar de todas as formas, os benefícios recebidos dele.

Senhor, desculpa-me se sou cego e insensível à tua graça e ao teu amor. Dá-me um coração de pobre para acolher tudo como dom, desde a luz do sol até a saudade, os amigos e a família, o amor e o sofrimento. Que possa repetir com Santa Teresinha: “Tudo é graça… Não posso confiar em mim mesmo, mas devo pedir a todo o momento uma só coisa: o amor, Senhor, para que te possa amar e fazer-te amado”. Amém.

 

 

MEDITATIO: Ainda que tenha pluralidade de funções ou diversidade de chamados, o fim deve ser comum: a realização de si mesmo e a gloria de Deus. Visto que a vocação vem de Deus, Ele, que é unidade e amor, convoca a todos à plena realização. O servo da primeira leitura foi enviado para levar a luz a todos os povos. Já não existem barreiras, nem muros divisórios, mas um único e grande projeto: construir a família humana, ligada pela mesma lei que lhe une com Deus, doador de todo bem. Paulo, na segunda leitura, se dirige à comunidade, e a nós atualmente, apresentando-se como apóstolo que tem recebido uma missão a cumprir. Toma consigo o irmão Sóstenes, idealmente, a todo irmão na fé, recordando que todos têm como encargo um serviço apostólico. Desde a pluralidade de papeis, é comum o empenho de dar a conhecer e amar a Cristo. Através deles, a comunidade de Corinto tem a «graça» de descobrir a Cristo e nele encontrar a novidade de vida, que adquire o nome teológico de «salvação» ou «redenção». Paulo é o instrumento eleito pela Providencia para fazer chegar a numerosos povos a mensagem do Evangelho. O texto evangélico mostra a peculiar vocação de João: ser o precursor e mensageiro que anuncia a pre­sença de Jesus. O Batista não se limita a um atestar físico (“está aqui, é aquele dali»). Oferece um qua­dro teológico de profunda espessura. Isto significa que toda verdadeira vocação, incluída a nossa, antes de ser testemunho externo, é descobrimento interior da rea­lidade de Cristo. Ele é «o Cordeiro que tira o pecado do mundo». Ele carrega-se com nossas misérias e transforma a iniquidade em santidade. Nele, todos nós podemos esperar um novo nascimento, da água e do Espírito, para cons­truir uma sociedade onde a fraternidade seja o estatuto e o amor a única regra de convivência. Em Cristo, com Cristo e por Cristo, tem eco e senti­do nossa vocação; conservamos a própria originali­dade, que deve desenvolver-se autônoma e completamente; encontramos o tempo e o modo apropriado para rela­cionar-nos com Deus. Inseridos em Cristo, o batizado se realiza na singularidade exclusiva de seu ser e na comunhão de uma humanidade que, com Cristo, caminha ao encontro do Pai para render-lhe eterna glorificação.

 

ORATIO: Para que tivéssemos a luz, te fizeste cego. Para que obtivéssemos a união,  experimentaste a separação do Pai. Para que possuíssemos a sabedoria, te fizeste «ignorância». Para que nos revestíssemos da inocência, te converteste em «pecado». Para que esperássemos, quase te desesperaste. Para que estivesse Deus em nós, o sentiste distante de ti. Para que fosse nosso o céu sentiste o inferno. Para dar-nos uma agradável morada na terra entre centenas de irmãos, foste excluído do céu e da terra, dos homens e da natureza. Tu és Deus, és meu Deus, nosso Deus de amor infinito. (Chiara Lubich, «Perché fosse nostroilcielo»).

 

CONTEMPLATIO: Tu és, em verdade, o único Senhor; Tu, cujo domínio sobre nós é nossa salvação, e nosso serviço a ti, não é outra coisa senão ser salvos por ti. Qual é tua sal­vação, Senhor, origem da salvação, e qual tua benção sobre teu povo, senão o fato de que re­cebemos de ti o dom de amar-te e de ser por ti amados? Por isto quiseste que o Filho de tua direita, o homem que confirmaste para ti, fosse chamado Jesus, quer dizer, Salvador (…) Ele nos ensinou a amá-lo quando, antes que ninguém, amou-nos até a morte na cruz. Por seu amor e afeto suscita em nós o amor para com Ele, que foi o primeiro em amar-nos até o extremo. Assim é, desde já. Tu nos amaste primeiro para que nós te amassemos. Não é que tenhas necessidade de ser amado por nós, mas nos havias feito para algo que não podíamos ser sem amar-te […]. Tal é a Palavra que nos dirigiste, Senhor: o Verbo todo poderoso que, em meio do silencio que mantinham todos os seres, quer dizer, o abismo do erro, veio des­de o trono real dos céus a destruir, energicamente, os erros e a fazer prevalecer, docemente, o amor. E tudo o que fez, tudo o que disse sobre a terra, desde os opróbrios, as salivas e as bofetadas, até a cruz e o sepulcro, não foi outra coisa que a Palavra que tu nos diri­gias por meio de teu Filho, provocando e suscitando, com teu amor, nosso amor para ti. Sabias, com efeito, Deus criador das almas, que as almas dos homens não podem ser constrangidas a esse afeto, mas que convém estimulá-las, pois onde há coação não há liberdade, e onde não há liberdade não existe, tampouco, justiça. Quiseste, pois, que te amássemos visto que não podíamos ser salvos pela justiça, senão pelo amor, porém não po­díamos tampouco amar-te sem que este amor procedesse de ti. Assim, pois, Senhor, como disse teu apóstolo predileto, e como também aqui temos dito, Tu nos amaste primei­ro, e te adiantas no amor a todos os que te amam. Nós, ao contrário, te amamos com o afeto amoroso que Tu tens depositado em nosso interior. Ao con­trario, Tu, o bom e sumo bem, amas, com um amor que é tua própria bondade, o Espírito Santo que procede do Pai e do Filho. Este, desde o começo da criação, paira sobre as águas, quer dizer, sobre as mentes flutuantes dos homens, oferecendo-se a todos, atraindo para si todas as coisas, inspirando, aspirando, protegendo do prejudicial, favorecendo o benéfico, unindo a Deus conosco e a nós com Deus (do Tratado de Guillermo, abade, Sobre a contemplação de Deus).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Está escrito no livro que se cumpra a tua vontade» (Sl 39,8b-9a)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Com cada homem vem ao mundo um ser novo que não existiu nunca, alguém original e único. «Cada israelita está obrigado a reconhecer e considerar que é único no mundo, que jamais existiu nunca nenhum homem idêntico a ele: se já houvesse existido um homem idêntico, não teria sentido sua existência. Cada pessoa é diferente e deve realizar seu próprio ser. Que isto não suceda é o que atrasa a chegada do Messias» Todos estão chamados a desenvolver e realizar pessoalmente esta unicidade e irrepetibilidade, não voltar a repetir mais o já realizado por outro, por maior que fosse esta pessoa. Já velho, o sábio Rabi Bunam disse um dia: «Não me trocaria pelo pai Abraão. Que adiantaria a Deus se o patriarca Abraão se convertesse no cego Bunam e o cego Bunam em Abraão?». A mesma idéia foi expressada com maior agudeza pelo Rabi Sussja, que a ponto de morrer exclamou: «Na vida futura não me perguntarão: ‘Por que não fostes Moisés?’; me perguntarão: ‘Porque não foste Sussja?’». Estamos diante de um ensinamento baseado na unicidade natural das pessoas e a impossibilidade, portanto, de fazê-las iguais. Todos os homens têm acesso a Deus, porém cada um tem uma senda diferente. A diversidade humana, a diferenciação de suas qualidades e tendências, é a grandeza do gênero humano. A universalidade de Deus consiste na multiplicidade infinita de caminhos que conduzem até Ele, e cada um deles está reservado a um homem (…). Assim, o caminho através do qual cada homem tem acesso a Deus o vem indicado unicamente pela consciência de seu próprio ser, pelo conhecimento de sua especificidade e a singularidade de sua existência. «Em cada pessoa há algo único que não existe em nenhuma outra» (M. Buber, cammino del/’uomo).

 

 

 

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SEGUNDA-FEIRA, 20 DE JANEIRO DE 2020

Marcos 2,18-22 (Debate sobre o jejum) O comportamento dos discípulos oferece o mo­tivo para uma polemica ulterior dos mestres da lei contra Jesus. Por que não jejuam eles como fazem, ao contrário, os discípulos de João e dos fariseus? O ataque lançado contra Jesus, em vez de lhe prejudicar, oferta-lhe uma nova possibilidade de revelar-nos seu mistério. Jesus é «o Esposo» extensamente prefigurado no Antigo Testamento (Is 62,5;61,10; Os; Ct; Ez 16), que, enfim, está no meio de seu povo. Portanto, chegou o tempo da salvação e o tempo do jejum deixou de ter sentido, visto que a presença de Cristo abre o tempo da festa e da alegria. Haverá ainda dias em que será arreba­tado o Esposo, com violência, da companhia de seus irmãos (cf. Mc 14,43ss), por agora fez irrupção na historia a novidade absoluta. Com a pre­sença de Jesus entrou no tempo algo irredu­tivelmente diferente. A veste da lei não pode tolerar o pano novo representado por Jesus. No banquete de bodas de Deus com a humanidade, do qual Cristo nos fez partícipes, está agora o vinho novo do Espírito, que rompe os odres velhos dos corações endurecidos.

 

 

Hb 5,1-10 (Sacrifício terrestre: no dia de sua carne) A passagem cuja leitura nos propõe hoje está construída com grande esmero. Primeiro assinala as características do sumo sacerdote do Antigo Testamento. Dele sabemos que estava chamado a intervir em favor dos homens em suas relações com Deus (v.1); compreende-os profundamente porque é um deles (v.2); deve receber este encargo da parte de Deus. Em seguida, começando pela última e as­cendendo até a primeira, o autor aplica estas carac­terísticas a Jesus, mostrando que Ele é, verdadeiramente, o único e sumo sacerdote. Enquanto eleito por Deus é, também, o Filho, depositário de um sacerdócio que dura para sempre; é misericordioso com os homens até o ponto de oferecer, ainda que não tenha pecado, não sacrifícios externos, mas a si mesmo, abrindo, assim, o ca­minho de todos os homens à salvação eterna. En­contramo-nos no ponto central da carta aos Hebreus, que nos mostra Cristo no momento em que oferece ao Pai sua vontade de compartilhar o sofrimento huma­no até a morte na cruz. Cristo, com «orações e súplicas, com grandes gritos e lágrimas» (v.7a), apresentou sua oferenda e agradou ao Pai por sua respeitosa submissão a sua divina vontade. Assim alcançou «a perfeição» (v.9) e pôde obter a salvação para todos os que acolhem sua Palavra.

 

Salmo 109/110 (O sacerdócio do Messias) Este Salmo foi rezado por aquele que é o Messias, o Rei, o Profeta: Jesus Cristo, em quem todas as promessas do Antigo Testamento se realizam. Ele, que entregou o seu sangue precioso para nos salvar, é o único caminho para a vida eterna.

Senhor quero te louvar por este Salmo que me ajuda a compreender a grandeza de Jesus na minha vida e na vida da Igreja. Ele é modelo perfeito do Messias, Rei e Profeta. Nele nos espelhamos e contemplamos a ti, nos Pai. “[…] recebestes a marca do Espírito Santo prometido, que é a garantia da nossa herança, até o resgate completo e definitivo para louvor da sua glória”(Ef 1,13-14). Amém.

 

 

MEDITATIO: As duas leituras que nos foram propostas constituem um claro convite a fixar o olhar de nosso coração em Jesus. Ele é o sumo sacerdote que verdadeiramente pode sentir justa compaixão por nós, dado que pagou com «com grandes gritos e lágrimas» sua solidariedade conosco e «aprendeu a obedecer através do sofrimento». Por isso permanece agora sempre vivo na presença do Pai como memorial santo e agradável a Deus por todos nós. Abriu-nos, por fim, o caminho para ascender ao coração do Pai, com a cer­teza de que seremos escutados além de nosso de­sejo. De fato, não só Ele nos representa ante Deus, mas é também a presença viva de Deus em meio dos homens, é o Esposo que faz sentar cada um de nós em seu banquete de alegria e de festa, onde não está permitido jejuar, porque agora está conosco para sempre até o final dos dias. Estamos, pois, ante uma palavra que nos afeta pro­fundamente e constitui um verdadeiro «evangelho», a Boa Noticia que esperávamos. Nossa ignorância e nosso erro, nosso extravio, encontraram, enfim, alguém que está em condições de dar-nos um nome e mudar-nos, com a certeza de que nada de que é nosso carece de valor. Deus nos ama, Deus me ama. Ele é quem recolhe nossas lágrimas em seu odre, pois lhe são preciosas, e muda nosso lamento em dança (cf. Sl 55,9; 29,12).

 

 

ORATIO: Ó Senhor Jesus, a tua recordação irrompe na monotonia das nossas jornadas como um toque de festa. Enquanto ao nosso redor parece imperar a mordaça de um cruel egoísmo, tu, Senhor, sabes dizer ainda a palavra que abre os corações à alegria e à esperança. Tu és a no­vidade absoluta, o vinho novo e espumoso que rompe os odres endurecidos de nossas presunçosas certezas. Hoje quiséramos não nos sentir-nos bem no vestido velho de nossas idéias preconcebidas. Envia de novo o Espírito do Pai para que permi­tamos ao pano novo e robusto de tua divina humanidade revestir-nos com as vestes da salvação. Será a ves­te festiva que nos permitirá sentar-nos contigo no Banquete de bodas, saborear o vinho da alegria, comer esse pão que não tem outra coisa senão a perpetuação de tua entrega de amor por nós. Faz que tenhamos parte em tua mesa, conscientes do preço dos «gritos e lágrimas» que tu derramaste por nós. Faz que tam­bém nós, vivendo contigo e no Espírito, em obediência ao Pai, levemos a cabo seu desígnio de salvação e cheguemos a ser testemunhas de seu amor eterno para todos.

 

 

CONTEMPLATIO: A mortificação da alma consiste em que não se de­seje em seu coração os bens deste mundo e suas satis­fações passageiras, nem se compraza em vagar, com seu pensamento, na cobiça das coisas terrenas, mas que seu espírito anseie, continuamente, com impaciência e com uma expectativa incessante, a esperança das rea­lidades futuras, da vida nova. De fato, é esta a mortificação de quem está morto, com Cristo, nossa ressurreição. Contudo, não é possível alcançar esta mor­tificação sem a ajuda do Espírito Santo. Ó Cristo, que em teu amor morreste por mim, faz-me mo­rrer ao pecado e despoja-me do homem velho, a fim de que me encontre, em todo momento, em novidade de vida ante ti, como no mundo novo. Tu, o Deus a quem os céus, e os céus dos céus, não podem conter; Tu, que elegeste um templo entre nós para morada, faz-me digno de converter-me em lugar onde habite tua caridade. Os santos, atraídos por teu amor, se esqueceram de si mesmos, se tornaram loucos atrás de ti e, em sua ebriedade, se uniram a ti em todo momento, só por amor, e nunca voltaram atrás. Tu embriagaste, com efeito, como o estupor de teus mistérios, a todos que haviam bebido desta doce fonte, para que tivessem sede de tua caridade (Isaac de Nínive).

 

 

 

AÇÃO: Repete com frequencia e vive hoje a Palavra:

«Mudaste meu lamento em dança» (Sl 29,12)

 

PARA A Leitura Espiritual A eucaristia protege o mundo e, de modo secreto, o ilumina. O homem encontra nela sua filiação perdida, alcança sua própria vida na de Cristo, o amigo fiel que partilha com ele o pão da necessidade e o vinho da festa. O pão é seu corpo, e o vinho é seu sangue; e nesta unidade nada mais nos separa de nada nem de ninguém. Que pode ser maior? É a alegria da páscoa, a alegria da transfiguração do universo. E nós recebemos esta alegria em comunhão com todos nossos irmãos, vivos e mortos, na comunhão dos santos com a ternura da Mãe. Por isso agora já nada pode dar-nos medo. Conhecemos o amor que Ele sente por nós, chegamos a ser «deuses». Agora tudo tem um sentido. Tu, tu também, tens um sentido. Não morrerás. Aqueles a quem amas, ainda que os creias mortos, não morrerão. Todo lo que vive, tudo o que é belo, até a última lâmina de grama, inclusive esse breve momento em que sentes palpitar a vida em tuas veias, tudo estará vivo para sempre. Até a dor, até a morte, têm um sentido, se convertem em sendas da vida. Tudo está agora vivo. Porque Cristo ressuscitou. Existe aqui abaixo um lugar onde já não há separação, mas só o grande amor, a magna alegria. Esse lugar é o cálice, no coração da Igreja. E desde ali também em teu coração (Patriarca Atenágoras 1, cit. en Dialoghi con Atenagora, entrevista).

 

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TERÇA-FEIRA, 21 DE JANEIRO DE 2020

Marcos 2,23-28 (As espigas arrancadas) Um novo ataque procedente dos fariseus oferta a Jesus a ocasião de dar-nos outra revelação sobre sua própria identidade. Desta vez o pretexto proporciona uma ação realizada pelos discípulos, ao passar por um campo de espigas. Para abrandar a fome, esfregam entre as mãos as espigas maduras, e esse ges­to é interpretado pelos adversários como uma vio­lação da lei do sábado que proibia a ceifa. Jesus replica, ao modo dos rabinos, fazendo uma pergunta aos que se constituíam em paladinos da obser­vância da Lei. Também Davi, em um momento de necessidade, saciou sua fome e a dos seus companheiros com os doze pães da oferenda reservados a Aarão e a seus filhos e que todos os sábados eram «colocados ante a face do Senhor».Toda lei, até a mais sagrada, está, com efeito, em fun­ção do homem e não ao contrario. Porém, há mais. Jesus, que caminha pela plantação com seus discípulos, é a realização de quanto Davi e os seus prefiguravam. Ele é o Messias esperado, o Senhor que faz alegres a todos quantos lhe seguem no mistério e no gozo daquele sábado sem ocaso, no qual entra­rá todo o que se alimenta dele, pão vivo descido do céu, para introduzir, também a nós, na plenitude de seu descanso. Jesus não veio, com efeito, para abolir a lei, mas para levá-la a plenitude. Com ele, nele e por ele entramos no verdadeiro sábado.

 

 

Hb 6,10-20 (Palavras de esperança e de encorajamento) Foi-nos oferecido uma grande esperança, uma espe­rança segura e firme que nos faz penetrar nos céus com Jesus, que é, para nós, o Caminho ao Pai. Ele é, com efeito, o sumo sacerdote, de quem era uma pre­figuração o misterioso Melquisedec no Antigo Testamento, que entrou no interior do véu do santuário, quer dizer, nos céus, e, agora, permanece à direita do Pai como intercessor nosso para sempre. Nele vemos realizadas todas as nossas aspirações por parte daquele Deus em quem “buscamos refugio” (v.18), um Deus verdadeiro e bom que prometeu recompensar toda boa obra, como nos revelou Jesus, assegurando-nos que terá sua recompensa até num só copo de água. Deus, com efeito, «não é injusto» (v.10) e não esquece o que temos feito aos irmãos na fé (aos «san­tos») por amor a Ele (ao seu «nome»). O único necessário é não ceder à indolencia e, imitando aos patriarcas, especialmente a Abraão, nosso pai na fé, perse­verar até a consecução das promessas; mais ainda, da única grande promessa: a de alcançar nosso Senhor Jesus na gloria.

Salmo 110/111 (Elogios das obras divinas) O salmista é sempre um homem de muita fé. Mas, e as mulheres? Será que algum Salmo foi escrito por uma? Sim, houve participação delas: muitas das que aparecem na Bíblia louvavam a Deus de maneira mais admirável que os homens. Temos, por exemplo, os cânticos de Débora, de Judith, da Virgem Maria e de tantas mulheres santas que estão espalhadas pelos livros sagrados da Bíblia. Nesta oração o salmista quer louvar a Deus publicamente, na comunidade, no culto litúrgico. É um testemunho maravilhoso de ação de graças e de louvor por tudo o que ele e sua família têm recebido do Senhor. A melhor forma de nos admirarmos com a grandeza de Deus é por meio de testemunhos. Como seria bom se os tivéssemos em todas as liturgias, a fim de contar e cantar as maravilhas do Senhor!

Senhor, também quero cantar tuas maravilhas, os dons que, em Jesus, nos dás. Todos os dias participamos da celebração da mais bela memória do teu amor, que é a celebração eucarística, em que fazemos a memória de Jesus, rezamos os Salmos na Liturgia das Horas e caminhamos na história de ontem, mas atualizada no nosso hoje. Tu sempre caminhas conosco em todos os tempos. Celebramos a memória viva do nosso passado, das pessoas que se foram, mas ficam conosco por meio de seus exemplos. Celebramos os santos, nossos irmãos na fé, que viveram com intensidade a tua Palavra: celebramos os novos mártires que a cada dia regam com sangue e lágrimas as terras áridas onde há conflitos religiosos. Senhor, encontro na minha vida de cada dia a tua passagem silenciosa ou forte, que me chama a viver com fidelidade a tua Palavra. Dá-me olhos para ver-te, ouvidos para escutar-te e língua para louvar-te por tudo e em todos. Amém.

 

 

MEDITATIO: A vida cristã nos revela, uma vez mais, seu caráter paradoxo. O autor da carta aos Hebreus parte de fatos muito simples, cotidianos, como as boas obras realizadas aos irmãos na fé, para abrir o discurso ao verdadeiro horizonte que se apresenta a toda vida humana: a vida eterna. Por isso se requer uma perseverança a toda prova. Nada que faz o homem é pequeno, insignificante; todo gesto é para sempre e nossas obras nos seguirão (cf. Ap 20,12ss). Nem sequer uma atividade aparentemente trivial, como a realizada pelos discípulos de Jesus ao passar entre os campos recolhendo espigas, carece de consequências. O Adversário, o acusador dos irmãos, está ali, dis­posto a converter tudo em instrumento para seus fins. A vida humana está assediada. Podemos cansar-nos de fazer o bem (cf. primeira leitura) ou podemos atuar sem dar-nos conta da verdadeira novidade que se pro­duz quando caminhamos atrás de Jesus. Com efeito, com Ele tudo muda. Os céus já são nossa pátria e goza­mos de uma liberdade soberana: a liberdade de quem é «filho no Filho», porque verdadeiramente tudo é nosso, e nós de Cristo. Contudo, é demasiado fácil pensar que somos cris­tãos porque aprendemos algum slogan deste tipo: «O sábado foi feito para o homem». Não se tra­ta disto. Jesus é nosso tudo, e só nele podemos encontrar a plena felicidade, ainda que não seja uma felicidade ao alcance da mão, descontada e trivial, que nos decepcionaria ao final. Chegamos a ela se caminhamos com Jesus fazendo-nos com Ele, como Ele, pão para os irmãos em meio da humildade cotidiana do serviço, através da disponibilidade, da acolhida. Só assim, fazendo incansavelmente o bem, saboreamos a paz daquele descanso no qual Jesus, nossa cabeça, já tem pe­netrado.

 

ORATIO: Senhor, «que é o homem, para que te recordes dele? Que é essa criatura saída de tuas mãos como argila modelada pelo oleiro, e da qual não deixas cair no vazio nem sequer o menor gesto de bondade para com os irmãos? Em tua gratuidade quiseste unir-te a nós de um modo verdadeiramente singular; fizeste de Abraão amigo teu, sussurraste-lhe promessas grandes como o céu estrelado, inumeráveis como a areia do mar. Tu cumulaste a indigência humana com tua imprevisível riqueza, a riqueza surpreendente do amor, que tem um nome e um rosto: Jesus Cristo. Que es­peras Tu de nós? Só queres que nós, os que temos buscado e encontrado refugio em ti, aferre­mos, firmemente, a âncora segura e sólida de nossa vida, em teu Filho amado, seguros de que, pelo mistério de seu sofrimento também nós entraremos naquele descanso que anseia nosso coração. Ele é o Esposo vin­do a convidar-nos ao banquete de bodas, no qual Ele mesmo se entrega como pão; Ele é o Senhor do sábado, Ele a festa e o repouso sem fim.

 

CONTEMPLATIO: A eucaristia é a vida de todos os homens. Dar-lhes o Principio da vida; dar-lhes a lei da vida; mais ainda, da caridade, da qual é fonte este sacramento: pre­cisamente em virtude disso cria entre os indivíduos um vinculo de comunhão, quase, por assim dizer, um paren­tesco cristão. Todos comem o mesmo pão, todos são comensais de Cristo, o qual leva a cabo entre eles, de modo sobrenatural, uma consonância de costumes fraternos. A eucaristia é a vida da alma e da socie­dade humana, do mesmo modo que o sol é a vida do corpo e da terra. Sem o sol seria estéril a terra; o sol adorna, enriquece e faz exultar de alegria. Bem-a­venturada e inclusive mais que bem-aventurada a alma crente que encontra este tesouro escondido, que acalma sua sede na fonte da vida, que come, com freqüência, este pão vivo, este pão da vida. A comunidade cristã é uma família, e o vínculo entre seus membros é Cristo-eucaristia. É o Pai quem prepara a mesa para sua família. Na santa missa, todos somos crianças que nos alimentamos do mesmo alimento. A eucaristia proporciona à comunidade cristã a força para observar a lei do respeito e da caridade como próximo. Jesus Cristo nos manda amar e honrar aos irmãos. Por isso, Ele mesmo se identifica, por assim dizer, com eles: “(Asseguro-vos que quando fizestes a um destes meus irmãos mais pequenos, comigo o fizestes» (Pietro Giuliano Eymard).

 

AÇÃO: Repete com frequencia e vive hoje a Palavra:

“Para que sejamos livres Cristo nos libertou” Gl 5,1)

 

PARA A Leitura Espiritual Quanto maior a esperança, melhor percebe de modo instintivo que poderá consumar-se só se tem uma grande e resoluta paciência consigo mesmo, com o outro, com o próprio Deus. Qualquer pequeno gesto serve para expressar-se. Um vaso de água oferecido u recebido, um pedaço de pão partilhado, o fato de dar a mão, são mais eloquentes que um manual de teologia sobre o qual é possível ser juntos. Estamos marcados, uns e outros, pela chamada de um mais além, porém a lógica prioritária deste mais além é que se pode fazer melhor entre nós, hoje, juntos. Está em gestação um mundo novo, e a nós corresponde deixar pressentir sua alma […]. Vemos perfeitamente que seria algo contrario ao Evangelho pretender dar passos para o outro só a condição de que este faça o mesmo. às vezes se ouve dizer: «Sempre me toca dar o primeiro passo. Já estou cansado. Que comece ele. Como se nós mesmos não estivéssemos em dúvida, em primeiro lugar, com a extraordinária iniciativa tomada por Aquele «que nos amou até o extremo» (Jo 13,1). Ir até o outro e ir até Deus é uma só coisa: não se pode fazer de outro modo, e requer a mesma gratuidade. Posto que se perfila ante nós um único horizonte, adquire uma importância vital aprender a caminhar juntos em nome do mejhor que temos em nós. Jesus Cristo é precisamente o grande sacramento deste «Terceiro Mundo» da esperança, o iniciador da fé no homem e sua consumação em Deus (padre Cristian de Chergé).

 

 

 

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QUARTA-FEIRA, 22 DE JANEIRO DE 2020

Marcos 3,1-6 (Cura do homem com a mão atrofiada) É sábado. Jesus entra na sinagoga. Há um homem enfermo, porém, sobretudo, há alguém que espera surpreender o Rabi em alguma falha. O Mestre bom, que passa fazendo o bem, está, na realidade, sendo espiado pelos que desejam desembaraçar-se daquele incômodo personagem. Jesus adverte a hostilidade contra sua pessoa, uma hostilidade mascarada pelo amor à Lei de Deus, e lhes faz frente a rosto descoberto. Faz com que ponham ao meio o homem que tem a mão atrofiada e lança uma pergunta a seus adversários sobre a licitude de fazer o bem ou o mal em sábado. Produz-se um silencio muito eloqüente depois de sua pergunta. Jesus se expõe de forma digna frente à armadilha e a dureza de coração dos que buscam entrincheirar-se por trás daquele silencio hostil. Jesus restabelece a mão daquele homem: faz o bem apesar de tudo. Sabe que isso lhe custará a vida, porém, veio precisamente para assumir nossas durezas, nossas fraquezas, nossas lepras, e para queimá-las no dom supremo de um amor que não se detém frente a nenhuma ingratidão.

 

 

Hb 7,1-3.15-17 (Melquisedec) No texto de hoje temos um personagem misterioso: Melquisedec. O seu nome significa «rei de justiça» e é qualificado como «sacerdote do Deus altíssimo». Ao contrario dos demais personagens do Antigo Testamento, cuja ascendência sempre se detalha de uma maneira minuciosa, Melquisedec surge no cenário bíblico assim de um maneira inusitada; «apresenta-se sem pai, nem mãe, nem antepassados». Quem é, pois, este rei de paz (Salem), superior inclusive a Abraão, a cujo encontro sai este, no vale do Rei, e o bendiz oferecendo-lhe pão e vinho, e ao qual Abraão paga o dizimo? É «figura», quer dizer, quase um esboço e uma antecipação, que perfila os traços de Jesus Cristo, nosso único, sumo e santo sacerdote, constituído como tal para sempre, não segundo uma descendência carnal, mas porque é Filho de Deus. Seu sacerdócio lhe fará para sempre único autêntico mediador entre a humanidade e seu Criador; como verdadeiro homem e verdadeiro Deus, fala ao Pai com palavras de homem e é aceito porque é o único santo e imaculado. Seu sacerdócio, com efeito, e seu culto ao Pai são tão novos que levam à sua consumação de modo inesperado, tanto a realeza de Davi, a cuja descendência pertence Jesus segundo a carne, como o mais antigo sacerdócio do Antigo Testamento, representado por Melquisedec. Agora, em Cristo, todo o povo de Deus pode ascender ao culto novo e perfeito inaugurado por Jesus em seu corpo imolado na cruz.

 

Salmo 109/110 (O sacerdócio do Messias) Este Salmo foi rezado por aquele que é o Messias, o Rei, o Profeta: Jesus Cristo, em quem todas as promessas do Antigo Testamento se realizam. Ele, que entregou o seu sangue precioso para nos salvar, é o único caminho para a vida eterna.

Senhor quero te louvar por este Salmo que me ajuda a compreender a grandeza de Jesus na minha vida e na vida da Igreja. Ele é modelo perfeito do Messias, Rei e Profeta. Nele nos espelhamos e contemplamos a ti, nos Pai. “[…] recebestes a marca do Espírito Santo prometido, que é a garantia da nossa herança, até o resgate completo e definitivo para louvor da sua glória”(Ef 1,13-14). Amém.

 

 

MEDITATIO: Nosso coração tem sede de comunhão com Deus; quiséramos encontrar-lhe, entender-lhe, falar-lhe; recuperar a unidade e a harmonia com os outros, coma ordem criada. Não há nenhum homem que não tenha sentido, ao menos de uma maneira fugaz, um resplendor destes desejos bons e santos. E não há desejo humano que não encontre em Jesus seu cumprimento e sua realização. Ele veio a nós para ser o santo e sumo sacerdote, prefigurado miste­riosamente por Melquisedec, e para dar-nos sua maravi­lhosa dignidade. Agora, depois de ter consumado, Jesus, na cruz, seu santo sacrifício, todo homem pode oferecer ao Pai, por meio dele e participando de seu sacerdócio, o único e perfeito sacrifício. Cada homem recuperou a inesperada dignidade que lhe permite falar com Deus, oferecer-lhe toda a criação e, o que é ainda mais: ser aos seus olhos uma viva imagem do Filho amado no qual pôs toda a sua complacência. Para isso veio Jesus, com efeito.

 

ORATIO: Ó Senhor Jesus, muito obrigado por ter vindo a nós para abrir-nos, de novo, o caminho para o Pai. Não te canses de nossa ingrata dureza e de nossas rejeições. Tem piedade da paralisia que nos atrofia a mão e, ainda mais, o coração. Sempre nos pões no centro de tua atenção e voltas a soltar nossas mãos atrofiadas, para que possamos abri-las, por fim, e acolher o dom que és Tu mesmo, convertido, por nosso amor, em pão e vinho. Com teu exemplo Tu nos ensinas a não fechar mais nossa mão como uma garra sobre teus dons, aferrando-os e possuindo-os só para nós mesmos, mas, com o poder de teu Espírito Santo de amor nos fazes entrar contigo no movimento de gratuidade e de oferenda que nos faz livres e felizes.

 

CONTEMPLATIO: […]. É por isso mesmo fez-se Cordeiro de sacrifício e pôs em si as condições e qualidades devidas ao Cordeiro, que, sacrificado, limpava… e, dispondo-se para ser sacrificado, sacrificava-se, de fato, como fogo da aflição, que de tão contrários extremos em sua alma nascia, e antes de subir à cruz lhe era cruz essa mes­ma carga que para subir a ela levava sobre seus ombros. E elevado e cravado nela, não lhe rasgavam tanto nem lastimavam suas ternas carnes os cravos, quanto lhe traspassavam o coração a multidão de malvados e de maldades, que, juntos consigo e so­bre seus ombros tinha; e lhe era menos tormento o de­satar-se seu corpo que o ajuntar-se no mesmo templo da santidade tanta e tão grande torpeza. À qual, por uma parte, sua santa alma a abraçava e recolhia em si para desfazê-la pelo infinito amor que nos tem… De sorte que, ardendo ele, arderam nele nossas culpas, e banhando seu corpo de sangue, se banharam em sangue os pecadores, e morrendo o Cordeiro, todos os que estavam nele pela mesma razão, paga­ram o que o rigor da lei requeria. Que, como foi justo que a comida de Adão, pois em si nos tinha, fosse comida nossa, e que seu pecado fosse nosso pecado, e que emporcalhando-se, ele, nos emporcalhasse todos, assim foi justíssimo que, ardendo na ara da cruz, e sacrificando-se este doce Cordeiro, em quem estavam encerrados e como feitos um, todos os seus, quanto é de sua parte ficassem abrasados to­dos e limpos (FrayLuis de León, Los nombres de Cris­to).

 

AÇÃO: Repete com frequencia e vive hoje a Palavra:

«Compadeces-te de todos, ó Senhor; amante da vida» (cf. Sb 23,26)

 

PARA A Leitura Espiritual Só Cristo se ofereceu perfeitamente como hóstia viva, consumando sua vida por amor no mistério da cruz; só Ele realizou perfeitamente o culto espiritual que nós mesmos podemos oferecer em união com Ele. Que é, pois, este culto? (1) É exigente e pascal. O fiel não pode fugir da cruz: morte ao egoísmo e vida para Deus. Do mesmo modo que o rapaz prova seu amor a sua amada, com maior razão o que pensa haver descoberto Deus o alcança pela morte a si mesmo e a vida oferecida com gozo. O sacerdócio do fiel se consuma em sacrifício, ou seja, em dom de si por amor. O Cristo ressuscitado faz brilhar a luz na passagem estreita da páscoa. Brilha como um raio de luz através do bosque e guia nossos passos, sem que por isso nossa marcha se torna menos fatigosa. Não haverá nunca nenhum manual para alcançar «a santidade sem esforço»; a infância espiritual que nos propõe Teresa de Lisieux não é caminho de facilidades, mas coragem para tornar-se criança. (2) É libertador e fonte de humanização. Excede a rigidez do ritualismo. Sabe eleger o que é possível em cada circunstância e submete as observâncias, seja a de uma regra escrita ou a de um ideal pessoal, à exigência superior da caridade. Libera ainda de uma falsa compreensão do pecado relativizando todas as coisas ante à verdade do amor (1 Jo 3,19-20). (3) É crístico e espiritual. É entrar em comunhão com a atitude de Cristo na liberdade inovadora do Espírito. Não suporta apego rígido ao testemunho de Jesus, nem relevar Cristo em beneficio duma idade do Espírito que justificasse a fantasia. O consagrado ao culto espiritual sabe que tem que atar-se a Cristo e ao mesmo tempo deixar-se guiar pelo Espírito de liberdade. (4) É filial e eterno. Como vinculação a Cristo e como docilidade ao Espírito, nivela o homem que busca a Deus através da aceitação do mistério do Pai. Chega ao fim de sua busca reconhecendo que este ser absoluto, criador e providente, é o Pai amantísimo. Sou criatura, por suposto, e não existo senão a partir da potência vivificante do Ser, mas sou o filho que subsiste nas palavras ditas ao Filho: tu és meu filho bem amado, tu tens todo meu favor. Estas palavras são eternas, visto que se apoiam no diálogo trinitário; o são também no sentido de que nossa vocação se realizará através da aceitação bem aventurada desta verdade. No céu não se dirá palavras diferentes das da terra. Mas tomaremos plena consciência delas, as aceitaremos e gozaremos com elas. Toda nossa busca será coroada não na satisfação beata e preguiçosa, mas dançando de alegria com todos os irmãos junto à fonte da vida (Ph.Ferlay,Compendio de la vida espiritual).

 

 

 

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QUINTA-FEIRA, 23 DE JANEIRO DE 2020

Marcos 3,7-12 (As multidões seguem a Jesus) O texto que a liturgia de hoje nos apresenta inicia-se com um dos chamados «resumos», isto é, uma síntese de muitos feitos a qual se interpõe entre diferentes passagens. Estas conexões são importantes pois o autor revela nelas suas intenções teológicas e nos oferece a chave interpretati­va do relato. Neste resumo vemos uma grande multi­dão que acorre a Jesus. Este se retira com os discípulos para junto do mar. A multidão se lança sobre Ele até o ponto de pôr em perigo sua segurança, o que o obriga a pedir aos discípulos que ponham a sua disposição uma barca para libertar-se do assédio dos gentios. São enfermos de todo tipo que se lançam literalmente sobre ele, quase para arrancar dele uma energia curadora. A fama das curas que realizara havia se difundido rapidamente pelas regiões que Marcos enumera no inicio do relato. É o melhor momento para que os espíritos imundos ponham em cena uma grande propaganda sobre Jesus: “Tu és o Filho de Deus», proclamam. É a verdade, mas anunciada de um modo que a faz vã. De fato, Satanás quer antecipar a gloria de Jesus para fazer-lhe evitar a cruz, que é o único que a faz verdadeira. Também Pedro, mais tarde e por uma amizade mal entendida, tentará poupar o Mestre da prova suprema e receberá dura reprimenda: “Afaste-te de mim, Satanás!» (cf. 8,31-33). Também quando tentamos fugir da cruz servimos de obstáculo à realização do desígnio divino de salvação. Mas, Jesus quer ser fiel ao Pai, que lhe chama a converter-se no Servo de Yahweh; por isso resiste, com firmeza aos que lhe tentam e lhes impede manifestar sua identidade. Todo conhecimento de Jesus sem amor à cruz se torna mentira deturpadora.

 

 

Hb 7,25-8,6 (Perfeição do sumo sacerdote celeste; novo sacerdócio e novo santuário. Ocupando-se de um tema aparentemente distante e obsoleto, o autor nos apresen­ta uma passagem repleta de conteúdos que nos afetam de perto. Jesus é o sumo sacerdote que necessitamos, «santo, inocente, imaculado» (7,26). De fato, a dife­rença dos sumos sacerdotes do Antigo Testamento, Jesus não tem que oferecer, antes, nada por seus próprios pecados e, depois, pelos nossos, porque se ofere­ceu a si mesmo, de um modo perfeito e cumprido, de uma vez por todas, imolando-se na cruz. Estamos no ponto capital do qual se vai dizendo na carta: Je­sus, que tem assumido em plenitude a natureza humana, é e segue sendo, para sempre, o Filho sentado à direita do Pai, sempre vivo para interceder em nosso favor. Tudo o que no Antigo Testamento era só sombra e figura encontrou, finalmente, uma reali­zação inesperada, pois, em Jesus, Deus mesmo saiu ao nosso encontro para aproximar-nos a Ele. Em Cristo coin­cide o que oferece o sacrifício e o que se oferece como tal, e com ele realiza uma mediação única e extraordi­nária entre Deus e o homem.

 

Salmo 39/40 (Ação de graças; Pedido de socorro) A oração que mais admiro é a de ação de graças e louvor. No entanto, é difícil agradecer e perceber a beleza ao nosso redor, e ter consciência de todas as graças que Deus nos tem dado ao longo de toda a nossa vida. Diante de Deus não temos nenhum direito, a não ser o de sermos amados. Ele tudo nos dá de graça, por isso é nosso dever cantar as suas maravilhas. O salmista, por ser pobre, faz a experiência do cuidado de Deus. Em meio a tanta pobreza material, só o Senhor vem em nossa ajuda, com pleno amor e gratuidade. Devemos dizer a todos, e de todas as formas, os benefícios recebidos por intermédio dele.

Senhor, desculpa-me se sou cego e insensível à tua graça e teu amor. Dá-me um coração pobre para acolher tudo como dom, desde a luz do sol até a saudade, os amigos e a família, o amor e o sofrimento. Que possa repetir com Sta Teresinha do Menino Jesus: “Tudo é graça… Não posso confiar em mim mesmo, mas devo pedir a todo o momento uma só coisa: o amor, Senhor, para que te possa amar e fazer-te amado”. Amém

 

 

MEDITATIO: Jesus, viestes como homem para realizar um ato único, perfeito e agradável ao Pai, oferecendo-se a si mesmo na debilidade, no sofrimento, na morte. Toda sua vida, culminada na entrega total de si mesmo na cruz, nos toca de perto. A ela estão asso­ciados, agora, nossos atos cotidianos, trabalhos, as mil ocasiões de renúncia e de morte que formam a trama de nossos dias. Como vivê-los? Deixando-os fundir num lamento estéril, numa insatis­fação mal reprimida, ou lançando alegremente no tesouro desse generoso padecer por amor, nesse ato perene que lhe faz viver para sempre intercedendo por nós? De fato, não há ocupação, circunstância ou adver­sidade que possa impedir-nos voltar a levantar interior­mente o olhar do coração para sua cruz, a fim de al­cançar, pela força dum ato de renovada adesão à vontade do Pai. Só assim gozaremos a doçura de termos sido curados pelas chagas de nosso descon­tento, a fim de encontrar a alegria de sermos filhos no Filho.

 

ORATIO: Senhor Jesus, não posso pôr-me verdadeiramente ante ti, senão contemplando-te suspenso em uma cruz. Tu és o amante pobre, humilhado, oferecido, totalmente, de uma vez por todas. Sem dúvida, teu sacrifício, o que agora faz que te sentes à direita do Pai, me interpela e me inquieta, porque prossegue hoje em meus irmãos enfermos, explorados, nos que sofrem. Parece-me que não posso fazer nada por este mal que se propaga, que me atropela por todas as partes e acaba quase por molestar-me empurrando-me a endurecer meu coração para não ser ferido. Concede-me, rogo-te, compreender que também eu posso fazer algo se me uno mais profundamente a ti, à tua incessante intercessão por nós, com uma oferenda humilde e renovada dos pequenos inconvenientes que me molestam, das inevitáveis contrariedades que en­contro no caminho.Ensina-me a entesourar tudo para unir-me à oferenda plena e total que tu consumaste ge­nerosamente por todos nós.

 

CONTEMPLATIO: Cristo nos espera e nos quer, nos chama e atrai. Este rei do universo se interessa por meus atos, por minhas fatigas, por minhas virtudes, por meus pecados, pelas vi­brações de minha vida moral, por meus propósitos, pelo que deixo de cumprir. Seu olho vigia e de cada ato exala reflexo de fidelidade, um reverbero de amor que diz que entre ele e eu passa, sim, passa, o amor. Um amor au­têntico, não puro sentimento, algo primordial, absoluta­mente autêntico, forte, inconfundível… Neste ponto é preciso que nos façamos «alunos» de são Paulo, o grande mestre de quem quer verdadeir­amente amar a Cristo, porque nos ensina que ninguém, senão, só Cristo é, verdadeiramente necessário para a salvação humana, para a economia universal que vai desde Adão até o último homem. O que veio sob Pôncio Pilatos é necessário a todo que queira alcançar seu próprio destino. A função de Cristo, antes, inclusive, de definir-se como salvadora, é mediadora: Jesus se situa como ponte, como caminho entre nós e o Pai celes­tial. É o único revelador, caminho que nos leva da terra ao céu; se queremos chegar a Deus não com a religião que é intento, anseio, desejo, grito dirigido ao céu e que não sabemos se chega, senão com a religião que nos dá a vida eterna e o pão da vida eterna, que enche nossa vida de uma plenitude que não falha, ponhamo-nos a seguir Jesus, mediador entre nós e Deus (Paulo VI, Meditazioni)

 

AÇÃO: Repete com frequencia e vive hoje a Palavra:

«Senhor, com simplicidade de coração, ofereço-te tudo com alegria» (cf. 1 Cr 29,14)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Quem nos fará compreender o quão terrível é o pecado? Quisera, ó Señor, que me o fizesse compreender. Quero para aprender a odiá-lo em mim e nos demais. Quisera que gravasses tão profundamente em minha alma a compreensão do que é o pecado, que brotasse de mim, ó Senhor, uma perene fonte de lágrimas e uma sede insaciável de reparar também o que cometem os outros […]. Compreendo também que se não tenho a compreensão do pecado é porque não tenho amor. Só à luz do amor pode ser compreendido […]. Teu amor abrasa, de modo perene, todas as criaturas: estas estão submersas, ainda que o ignoram ou o negam ou não o querem, neste oceano de tua caridade e se movem nele. E enquanto o amor as rodeia por todas as partes para atraí-las a suas profundidades, elas o odeiam, o repudiam, querem sair de suas águas dulcíssimas […]. E tu, onipresente, onividente, abarcas com teu olhar todos seus pecados passados e futuros, sentes subir até ti sua rebelião, a nossa, e detesta com um ódio perene esta loucura coletiva, esta injúria inconcebível. Porém temos de acercar-nos ao Verbo para compreender a profundidade desta dor divina pelo pecado. É preciso ver-te coberto, Senhor Jesus, do suor de sangue para compreender o que é não corresponder ao amor, rebelar-se contra o amor […]. É sobretudo o Amor que apagará o pecado contra o Amor (1. Mela, In un mare di luce).

 

 

SEXTA-FEIRA, 24 DE JANEIRO DE 2020

Marcos 3,13-19 (Instituição dos doze) Como ocorreu já na primeira leitura, também no evangelho de hoje destaca-se a iniciativa de Deus, que, desejando vincular consigo de modo mais estreito, a humanidade, elege, através de Jesus, alguns, para que experimentem mais profundamente, seu amor e se convertam em testemunhos, anunciadores da nova aliança entre os irmãos. As características deste chamado têm como criterio preponderante uma liberdade absoluta por parte do Mestre: chamou «aos que quis», quer dizer, aos que amavam mais. Contudo, a eleição se faz sempre em favor de todos os irmãos. Marcos o sublinha imediata­mente depois. Elegeu-os antes de mais nada «para que o “acompanhassem”, aprendendo, assim, a conhecer o co­ração do Pai misericordioso manifestado em Jesus. Só a partir do vínculo profundo estabelecido com Ele, os discípulos serão enviados a anunciar a todos a «Boa Nova» do amor do Pai. Jesus lhes confere, também, o poder de vencer o mal e, portanto, todo medo, expul­sando os demônios. Os escolhidos são doze, número muito significativo em Israel. São, portanto, os patriarcas do novo povo de Deus, testemunhos, diante de todos, de tudo o que Jesus diz e faz. O primeiro é Simão, que recebe o nome de Pedro (=rocha), imagem da fidelidade de Deus à sua aliança. Seguem-lhe Tiago e João, a quem Jesus deu, talvez por causa de seu caráter, o sobrenome de «filhos do trovão», e depois todos os outros, até chegar em Judas Iscariote, o traidor: também ele foi eleito por amar mais, embora de forma distorcida. Os doze são gente normal, sem prerrogativas excep­cionais. Muito ao contrario. Mas, é, sem dúvida, precisa­mente a eles que confiou Deus dar testemunho de seu amor aos homens.

 

 

Hb 8,6-13 (Cristo mediador de aliança melhor) (…) Em toda celebração eucarística, no momento da consagração, revivemos, com estupor comovido e adorador, o mistério da “aliança superior”, cujo mediador, como diz a carta aos Hebreus, é Jesus Cristo. A passagem descreve detidamente, com uma extensa citação tomada do capitulo 31 do profeta Jeremias, a “nova” aliança com a qual Deus substitui, declarando superada a precedente, a qual era expressada por meios de ritos e práticas exteriores. O vinculo que havia estabelecido com os pais, quando libertou seu povo do Egito, perdeu a validade por causa da infidelidade de Israel. Sem dúvida, Deus não se detém diante disso e estipula outra aliança, desta vez, destinada a penetrar no intimo do homem, em sua mente e em seu coração. Toda a história da salvação não é outra coisa que o progressivo cumprimento do desejo apaixonado de Deus de fazer-se reconhecer e amar, profundamente, pelo homem, criatura pensada e querida na liberdade. O prodígio desta “aliança nova” consistirá em que, por fim, cada um “conhecerá”, isto é, amará ao Senhor, que, uma vez mais, se manifesta como Aquele que é misericórdia e perdão (Ex 34,6ss). O lugar em que se consumará tal manifestação será a cruz do Filho amado, Jesus.

 

Sl 84/85 (Oração pela paz e pela justiça) Hino de louvor que brota do coração de um povo que se vê livre da opressão. Atualmente, acreditamos mais na ciência e na medicina que no poder de Deus. Esquecemo-nos que foi o Senhor que criou a medicina, assim como os médicos, e aos quais recorremos com frequência. Com o auxílio da medicina, devemos confiar no Senhor. Deus não é inimigo da ciência; ambos caminham juntos, mas Ele é fonte única de todo saber. Do mesmo modo devem caminhar a verdade e a justiça: lado a lado. A verdade não existe sem que a procuremos com amor e insistência, e Deus se revela aos que incansavelmente o procuram. Mesmo em situações difíceis, na dor, sofrimento e perante a justiça, é preciso esperar que sementes da verdade brotem em nossos desertos áridos e sem vida. Todo desejo de verdade e amor encontra a sua resposta plena e total na pessoa de Cristo.

Senhor, quero assumir hoje o compromisso de buscar sempre a verdade, que está escondida em Cristo e que passa sempre através da cruz e da morte e resplandece na ressurreição. A verdade veio habitar entre nós, mas nossos olhos não souberam reconhecer e nossa inteligência se fecha à luz e ao amor. Vivemos, Senhor, num tempo de espera paciente em que a verdade, a misericórdia e a justiça devem florescer na humanidade sedenta de amor, mas que, em razão de tantos falsos profetas, percorrem caminhos obscuros que levam à morte e não à vida. Ajuda-me, Senhor, a recusar corajosamente toda cultura da morte, seja qual for: morte física, espiritual ou intelectual. Que eu busque só defender a vida. Maria nos ensina a abrir-nos à verdade e dizer no nosso dia a dia o sim que motiva, continuamente, a presença de Cristo Jesus entre nós. Somos luz no Senhor… “Outrora éreis trevas, mas agora sóis luz no Senhor. Procedei como filhos da luz. E o fruto da luz é toda espécie de bondade e de justiça e de verdade” (Ef 5,8-9).

 

MEDITATIO: Deus criou todo o universo para o homem e criou o homem para uni-lo a Ele, em Jesus, seu Filho. Esta certe­za está em condições de iluminar e mudar, por com­pleto, nossa vida, porque não é possível sentir-nos amados sem que isto renove, desde o interior, nossa existência e mude nossas relações. O risco que corremos é viver como desmemoriados, deixando-nos esmagar pela opacidade de um horizonte no qual não penetra a luz de Deus. «Veio aos seus, porém os seus não a receberam» (cf. Jo 1,11), porém, se o recebemos, se nos abrimos à alegria da fé, então, também nós nos conver­temos em filhos amados, escolhidos e eleitos, para estar sempre com Ele e para anunciá-lo aos irmãos. E mais, com o poder de derrotar o Maligno, que recorrerá a tudo para afastar-nos da alegria deste descobrimento. Onde podemos alcançar a força para viver a memória deste amor poderoso, senão participando no ­sacrifício eucarístico que a cada dia torna a levar-nos às fontes do dom de Deus e volta a propor-nos a aderir à nova e eterna aliança entre Deus e o homem, que Jesus veio a estabelecer com seu sangue divino derramado por nós?

 

ORATIO: Senhor, Tu chamaste também a mim para que esteja contigo. Venceste para sempre minha solidão dando-me a plenitude de teu amor capaz de renovar todas as coisas. Abre meu coração para acolher cada dia a no­vidade de teu Espírito que vem sobre mim e me impulsiona a anunciá-lo a meus irmãos. Há uma enorme necessi­dade de alegria, de amor e paz ao meu redor, entre todos os que vivem mais próximo de mim. Concede-me penetrar no mistério de tua entrega de amor que renovas por nós, diariamente, sobre o altar, faz com que eu chegue a ser um testemunho crível. Faz-me com­preender que “há mais alegria em dar do que em receber» e vence em mim toda resistência e toda dureza, para que, também eu, seja, para todos, pão partido e sangue derramado, no mistério da nova e eterna aliança entre Deus e o homem, que Tu vieste selar com teu sangue.

 

CONTEMPLATIO: O Senhor prometeu a seus santos não só estar, mas permanecer junto a eles e, o que é ainda maior, morar neles. Que digo? Está escrito nada me­nos que o Senhor, amigo dos homens, se une a seus san­tos com tal amor que forma um só com eles. É impossível expressar a amizade de Deus pelos homens; seu amor por nossa estirpe supera todo discurso hu­mano e só convém à divina bondade: nisto consiste, de fato, a paz de Deus, que supera todo entendimento. De modo análogo, a união do Senhor com os que Ele ama está acima de qualquer união que possamos imaginar; de qualquer exemplo que possamos expor; por isso a Sagrada Escritura teve que servir-se de muitas imagens para expressá-la, porque uma só teria sido insuficiente. Algumas vezes usa a figura da casa e do que habita nela, outras, a da videira e os sarmentos, outras, as bodas, outras, a cabeça e os membros, porém, nenhuma corresponde à realidade, de tal modo, que, pelas imagens, não é possível chegar ao conhecimento exato da verdade. Com efeito, a união deve corresponder ao amor, porém que realidade pode ser adequada ao amor divino? As bodas não podem unir aos esposos até tal ponto que lhes faça estar e viver um no outro, como acontece com Cristo e a Igreja. Os membros estão unidos à cabeça, vivem desta conexão e, se são cortados, morrem, porém, bem mais que a sua cabeça, estão unidos a Cristo e vivem por Ele muito mais que pela união a sua cabeça. E chego assim à realidade mais extraordinária; quem está mais unido a outro que consigo mesmo? Pois bem, também esta unidade é inferior à união da qual falamos. Certamente, cada um dos espíritos bem aventurados é único e idêntico a si mesmo; sem dúvida, está mais unido ao Salvador que a si mesmo; de fato, ama ao Salvador mais que a ti mesmo (Nicolás Cabasilas, La vita in Cristo).

 

AÇÃO: Repete com frequencia e vive hoje a Palavra:

            “Mostra-nos, Senhor, tua misericórdia e dai-nos tua salvação” (Sl 84,8)

PARA A Leitura Espiritual Não parece tão evidente que os cristãos sejam uma «estirpe eleita». Egoístas, petulantes, ingratos, ressentidos, esta raça eleita se distingue no marco da universal miséria humana. Nada de nosso pode haver motivado, nem de longe, a eleição divina. O único valor que há em nós é, precisamente, esta eleição, que leva a cabo e explica tudo de santo, de puro, de generoso, de sábio, de bom que germina em um terreno tão sórdido e duro. A existência de uma «raça eleita» não significa que haja «raças excluídas». A raça eleita está composta por todos os que não se defendem do assalto do amor que está na raiz de todas as coisas que existem. Os «predestinados» estão ai onde se encontrem os que se deixam amar. A Igreja é a assembleia dos convocados pelo amor do Pai. Com nosso comportamento podemos desmentir mil vezes esta realidade, mas nem por isso deixa de verdade. Somos um povo e parecemos uma manada de litigiosos sumários. (…)Somos um povo que tenta amar em um mundo onde tudo nos convida a fechar-nos em nós mesmos; que tenta contemplar a realidade verdadeira e eterna, enquanto todos nos exortam a dissipar-nos; que tenta orar, isto é, abrir-se ao diálogo com o Pai, quando todos estão persuadidos que o céu é um vazio e o mundo um orfanato. Todos estes repetidos intentos, realizados juntos para que nosso escasso ânimo se multiplique e nossos abatimentos não se dissipem, isso é o povo de Deus (G. Biffi, Meditazioni sulla vita ecclesiale).

 

 

 

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SÁBADO, 25 DE JANEIRO DE 2020

Marcos 16,15-18 (Aparições de Jesus ressuscitado) A liturgia aplica também a Paulo o mandato missionário que Jesus ressuscitado dirigiu aos onze. Ainda que Paulo não pertença ao grupo dos doze, é verdadeiro e autêntico apóstolo de Jesus: estas palavras também se dirigem a ele. O Jesus ressuscitado anuncia, primeiro um manda­to: «Ide por todo o mundo e proclamai a Boa Noticia a toda criatura». A ordem não dá lugar a nenhuma duvida. Pede submissão e espera obediência. Deus quis salvar a humanidade por meio de colaboradores e Jesus tem necessidade de missionários­ testemunhos. O acontecimento da salvação, este é o segundo dado, é fruto da pregação e se leva a cabo median­te o ato de fé do que escuta: «O que crê e for batizado será salvo». Sem a escuta da fé não há nen­huma possibilidade de salvar-se. Deus, que nos criou sem nosso consentimento, não quer salvar-nos sem nós. As últimas palavras do Ressuscitado con­tém, por último, uma promessa formulada em futuro: os benefícios que receberão os crentes, múltiples e extraordinários, serão os sinais, através dos quais cada ser humano poderá reconhecer a presença consoladora de Deus entre nós.

 

 

At 22,3-16 (Discurso de Paulo aos judeus de Jerusalém) Estamos ante um dos três relatos da conversão de Paulo (cf tb At 9.26) com os quais Lu­cas adorna a história da primitiva comunidade cristã. Em seu caráter extraordinário, o acontecimento de Damasco se articula em três momentos. Primeiro, o diálogo entre o Senhor ressuscitado e Saulo de Tarso. Ambos comunicam sua identidade e se reconhecem reciprocamente. É um primeiro passo para o acordo posterior. Vem após o acontecimento extraordinário da conversão, que Lucas resume, sim­plesmente, numa pergunta: «Que devo fazer, Senhor?» (v.10). Saulo está agora subjugado pelo poder de Jesus, seu salvador e mestre. E só deseja configurar por com­pleto sua vida segundo a vontade e o projeto do Ressusci­tado. Ao final, se encontra a missão: o que conheceu a vontade de Deus e viu o Justo percebendo a pa­lavra de sua própria boca, se torna, agora, testemunho das coisas que viu e ouviu ante todos os homens, ser missionário é agora o único modo de viver para Paulo.

 

Salmo 116/117 (Convite ao louvor) Este pequeno Salmo confirma o ditado popular: “os melhores perfumes estão nos menores frascos”. Podemos dizer que nesta oração, que manifesta a alegria do homem de fé, está a síntese de toda a Escritura. Nossa vida foi feita para louvar a misericórdia, a fidelidade e a misericórdia de Deus. Tais palavras devem estar sempre presentes na nossa oração. Nunca devemos nos esquecer que Deus é misericórdia e verdade. Hoje há quem faça confusão com relação a isso; não é possível ter um coração grande que encobre a injustiça e o pecado.        A misericórdia nunca esconde a verdade. Este Salmo de aleluia era cantado na ceia pascal e manifesta a necessidade da Igreja de missionar. Nenhum povo ou indivíduo é excluído do anúncio da verdade e do Evangelho.

Senhor, quero poder cantar este Salmo de cor, rezá-lo cotidianamente para me lembrar que tu és misericórdia e verdade e que nos envias para sermos teus missionários, para anunciar que o teu amor não pode permanecer escondido, mas deve ser revelado a todos. Amém.

 

 

MEDITATIO: Não acabamos nunca de aprofundar no conhecimento de Saulo-Paulo, inclusive após ter meditado, uma e outra vez, sobre as páginas que falam dele e as que ele próprio escreveu. Sem dúvida, há algo que aparece de imediato com uma grande evidencia: seu itinerário de fé é símbolo do nosso. Crer implica, ante tudo, encontrar pessoalmente uma pessoa, ao Deus feito homem, Jesus de Nazaré. Não se crê em uma doutrina, em uma fórmula, em um sis­tema, mas em uma pessoa, a única digna de ser crida. A fé é um encontro que não se esgota em um momento determinado de nossa própria vida, mas que continua sempre, até a morte. Quem encontra Jesus se dá conta de que já não pode viver sem Ele e deve aprofundar em seu conhecimento. Do encontro se passa ao diálogo: a fé é, precisamen­te, um encontro entre pessoas inteligentes e livres. Por um lado, Deus se dá a conhecer no que é, revela sua vontade, dá a conhecer seus projetos. Assim, trava o diálogo com todo o que está disposto a escutar e a reagir: Por outro, o crente, na medida em que faz uma escuta sincera e autêntica à Palavra de Deus, se sente implicado em um diálogo que não se desenvolve só em torno a conceitos e verdades, mas que se entrelaça com experiências, confidencias, comunhão de vida. Trata-se de um diálogo vital que implica dois seres vivos e chega a uma forma de vida cada vez mais elevada. Agora bem, a fé cristã é também obediência, submissão, abandono total da criatura ao Criador do homem a Deus, do pecador ao Justo. Para o crente, obedecer não significa em absoluto abdicar de sua própria liberdade, nem sequer de seus próprios direitos; significa captar a infinita distancia que media entre Ele e seu próprio interlocutor e, ao mesmo tempo, intuir que a adesão à vontade deste conduz à plena e mais satisfatória realização de si mesmo. Semelhante ato de abandono está sustentado por uma promessa que não deixa nenhum espaço para duvida: quando Deus promete, se compromete por completo em beneficio de seu interlocutor, enche-lhe o coração de certezas sobrenaturais e abre ante ele horizontes ilimitados. Por último, a fé cristã se traduz em missão: o exemplo de Paulo é claro e decisivo. Não pode privatizar-se um bem que, por sua própria natureza, é comunitário. Quem recebeu o dom da salvação em Cristo sente-se impulsionado, intimamente, a dá-lo aos outros.

 

ORATIO: Ó Pai, Deus de infinita bondade e misericórdia, concede-nos caminhar fielmente, a exemplo de são Paulo, pelo caminho que nos abriste em Cristo Jesus. Faz, ó Deus, que nossos caminhos, como o de Saulo, se cruzem com o teu, o que nos indicaste em Cristo, teu Filho, e no cristianismo. Que, como o apóstolo Paulo, queiramos caminhar com Jesus e seguir seus passos até que cheguemos a ti, meta última de nossa vida, meta suspirada e esperada. Concede-nos, ó Pai, andar juntos por este caminho abençoado por ti, a fim de que nenhum de nós se perca e nossa comunhão eclesial possa ser, no tempo, sinal manifesto daquela comunhão que gozaremos junto a ti na eternidade bem-aventurada.

 

CONTEMPLATIO: Chamou-me por sua graça” (Gl 1,15). Deus quer dizer: chamou-lhe por sua virtude. Dizia o Senhor a Ananias: «Este é um instrumento eleito para levar meu nome a todas as nações” (At 9,15), ou seja, é idôneo para exercer o ministério e para manifestar uma obra grande. O Senhor indica este motivo para o chamado, enquanto que o apóstolo afirma por todos os lugares que tudo deriva da graça e da inefável bondade divina, expressando-se nestes termos: «E se encontrei misericórdia (não por ser digno e a merecesse) foi para que em mim primeiro manifestasse Jesus toda sua paciência e servisse de exemplo aos que haviam de crer nele para obter vida eterna” (1 Tm 1,16). Fixa-te em sua imensa humildade! Por isso, disse, obteve mise­ricórdia, a fim de que ninguém desesperasse, dado que o pior entre todos os homens obteve beneficio da bondade divina (São João Crisóstomo).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

Para mim, a vida é Cristo e o morrer um lucro(Fl 1,21).

                                                                                                                                    

 

Leitura Espiritual O edifício espiritual construído por São Paulo, com sua profundidade profética e suas escarpadas ascensões, emerge alto sobre o plano de nossa tranquila piedade cristã. Quem foi este grande, que operou à sombra de Um imensamente maior que ele? Quem foi este atrevido pioneiro, este “errante entre dois mundos”? Duas cidades exerceram uma influencia decisiva no ciclo de sua formação: Tarso e Jerusalém. “Sou um judeu de Tarso de Cilicia…”: assim se qualificou Paulo ante o comandante romano quando foi encarcerado. Duas correntes da antiga civilização afluíam, pois, e se fundiam nele: a educação judia em família e a formação grega que absorvia na capital de sua província natal, dotada de universalidade. Está escrito, certamente, nos desígnios da Providencia que este homem, destinado a que em sua vida atuaria como missionário em meio dos pagãos, deveria receber sua primeira educação em um centro mundial do paganismo. Aquele para já não deveria existir diferença alguma entre judeus e pagãos, entre gregos e bárbaros, entre livres e escravos (cf. Cl 3,11; 1 Cor 12,13), não devia nascer entre as idílicas colinas da Galileia, mas no tumultuo de um rico empório comercial onde afluíam e se mesclavam gentes de todas as nações submetidas ao império romano. “Sou de Tarso, uma cidade não obscura de Cilicia”. Parece que se reflete nesta resposta um sentimento de genuíno orgulho grego por sua própria cidade de nascimento. Tarso competia, em efeito, com Alexandria e Atenas pela conquista do primado no campo da cultura. Nela se elegiam os mestres para os príncipes imperiais de Roma, e é natural que um centro de cultura tão eminente influisse na formação da personalidade do futuro apostolo… Em Tarso dominavam a espiritualidade e a língua grega junto às leis romanas e à austeridade da sinagoga judia (J. Holzner, L’Apostolo Paolo, Brescia 1987 [edición española: San Pablo, Editorial Herder, Barcelona 1989]).

autor:

Giorgio Zevini y Pier Giordano Cabra)

 

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