Relatos de “I FIORETTI”

Capítulo 04  

RELATOS  DE  “I FIORETTI”

           

O termo italiano “fioretti” soaria, em português, como “florinhas”, e são várias histórias, algumas recheadas de bom humor, que chegaram até nós, e que nos mostram um franciscanismo vivido no dia-a-dia, na palavra e no silêncio, na simplicidade de viver e nas brincadeiras.

O FRADE CURIOSO

            Aconteceu que, um dia, Francisco visitou um pequeno convento, onde havia um jovem frade noviço, ansioso por conhecer o segredo de sua santidade. Sobretudo, queria muito saber o que Francisco fazia, à noite, quando se levantava.

            Os frades, por necessidade de espaço, dormiam lado a lado. O jovem frade, temendo ser enganado pelo sono, pôs-se a dormir ao lado de Francisco e amarrou discretamente o cordão do hábito ao de Francisco, justamente para perceber quando ele se levantasse.

            Como de costume, quando todos os frades já dormiam, Francisco levantou-se e encontrou o cordão atado. Com um sorriso nos lábios, ele desatou o nó sem que o frade percebesse, foi para o bosque e pôs-se em oração numa gruta.

            Algum tempo depois, nosso curioso e dorminhoco frade acordou e, notando a ausência de Francisco, foi procurá-lo. Chegando ao local viu uma luz admirável que cercava Francisco e nela viu também Cristo, a Virgem Maria, São João Batista, João Evangelista e grande número de anjos. Diante dessa visão e mal acreditando no que via, desmaiou…

            Mais tarde, Francisco encontrou o frade desmaiado, e o carregou para o convento. Depois sabendo dele sobre a visão, ordenou-lhe que nada dissesse a ninguém.

A TENTAÇÃO DE FREI RUFINO

            Certa vez, o demônio cismou de pegar no pé de Frei Rufino, o qual todos admiravam pela sua simplicidade e fervor na oração.

            O demônio, com sua astúcia, pôs-lhe no coração que estava danado, que não era dos predestinados à vida eterna, e que também era tempo perdido o bem que fazia como frade menor. Por isso, frei Rufino andava melancólico e triste. Por vergonha e confusão não contou nada a Francisco. Mas continuava a fazer suas orações e jejuns.

            O inimigo se tornava cada vez mais agressivo, “ajuntando tristeza sobre tristeza” em seu coração e confundindo-o com falsas aparições. Assim, atrevidamente, uma vez apareceu-lhe em forma de crucifixo e disse-lhe:

            — Ó Frei Rufino, por que te afliges com penitências e orações, se não és dos predestinados à vida eterna? Não creias no filho de Pedro de Bernadone, se ele te disser o contrário. Ele e seu pai também estão danados e todo aquele que os seguir.

            Diante disso, Frei Rufino ficou cismado. Foi esfriando toda a fé e amor que tinha por Francisco. Evitava-o, sem nada lhe dizer. E aos poucos, ia perdendo o gosto pelas coisas de Deus…

            Mas o que Rufino não disse a Francisco, o Espírito Santo lhe revelou. E vendo-o em perigo, enviou frei Masseu a ele, dizendo-lhe que estava sendo enganado pelo “príncipe das trevas”, até que Rufino aceitou procurar Francisco para conversar.

            Vendo-o vir, de longe, Francisco começou a gritar:

            — Ó Frei Rufino mauzinho, em quem acreditaste?

            E ao chegar perto, Francisco lhe disse toda a tentação e as falsidades que o demônio lhe colocara no coração. Rufino, surpreso, ouve calado. Francisco orientou-o:

            — Quando o demônio te disser de novo – ‘Tu estás danado’ – responde-lhe: ‘Abre a boca que a quero encher de esterco!’ E verás que é o demônio e não Cristo, pois logo fugirá. Já devias ter percebido que ele  era o demônio, porque te endureceu o coração a todo bem, o que é próprio do seu ofício; mas Cristo bendito nunca endurece o coração do homem fiel, antes o deixa terno, amável e alegre…

            Frei Rufino, percebendo a armadilha que o inimigo lhe armara, começou a chorar e humildemente pediu perdão a Francisco por ter-lhe ocultado a tentação.

            Francisco deu-lhe um forte abraço e encorajou-o:

            — Vai, filho, e confessa-te e não deixes de rezar. Em breve experimentarás que esta tentação é de grande utilidade e consolação.

            Depois disso, o inimigo voltou mais furiosamente, repetindo as mesmas ameaças e baboseiras. Desta vez, frei Rufino deu-lhe a resposta que Francisco lhe ensinara. O pai da mentira, vendo-se vencido, cheio de raiva, partiu rosnando

            Aliviado, com o coração em festa, vai até Francisco, e novamente lhe pede perdão. Depois foi para sua cela e aí se pôs em oração, nesse momento teve uma visão de Cristo que lhe dizia:

            “— Bem fizeste, filho, de crer em frei Francisco, porque aquele que te havia contristado era o demônio; mas eu sou o Cristo, teu Mestre e, para te dar a certeza, dou-te este sinal: enquanto viveres não sentirás mais tristeza nenhuma, nem melancolia.”

            A alegria de Frei Rufino alcançou níveis nunca antes alcançados. Transformou-se em um “novo Rufino”.

            Francisco dizia que Rufino tinha sido “canonizado” em vida por Jesus Cristo. E passou a chamá-lo de “São Rufino”.

MASSEU E A VIRTUDE DA HUMILDADE

            Os primeiros irmãos da Ordem de Francisco sentiam-se muito felizes por serem pobres e só se interessavam pelas riquezas eternas. Estando juntos, um dia, a falar de Deus, um deles contou-lhes que havia um homem que era grande amigo de Deus e tinha a grande graça de vida ativa e contemplativa, marcada pela profunda humildade. Assim mesmo considerava-se um imenso pecador. A virtude da humildade o fazia crescer em santidade e demais virtudes divinas, evitando que caísse em pecado.

            Frei Masseu ouviu tudo com muita atenção e vivamente impressionado, cheio de amor, desejou, de todo o coração, a virtude da humildade. Voltou seus olhos para o céu, suplicando esta graça a Nosso Senhor. Fez até um voto de não mais se alegrar neste mundo, enquanto não sentisse a dita virtude perfeitamente em sua alma. E desde então, Masseu caprichou na qualidade de sua oração, aumentou seus jejuns, as vigílias e até chorava diante de Deus, pedindo esta graça.

            Passaram-se os dias e, com eles, intensificaram-se as súplicas confiantes do fradezinho. Deus, de boa vontade, ouve as orações dos humildes e contritos. Encontrando-se, certo dia, em oração, no bosque, Frei Masseu ouve uma voz vinda do céu que o chama por duas vezes. Soube, em espírito, que aquela era a voz de Cristo, e respondeu:

            — Senhor meu, Senhor meu.

            E Cristo falou-lhe:

            — Que queres dar para ter esta graça que pedes ?

            Respondeu Masseu:

            — Senhor, quero dar-lhe os meus olhos.

            Então Cristo lhe disse:

            — E eu quero que tenhas a graça que pedes e também teus olhos.

            Frei Masseu ficou tão cheio da desejada virtude da humildade que, daí em diante, estava sempre transbordando de alegria. Muitas vezes, quando orava, soltava um murmúrio de júbilo, á semelhança das pombas, e com seu semblante sempre alegre, permanecia em contemplação. Cheio de humildade, definia-se o mínimo de todos os homens do mundo.

            Um dia, Frei Tiago de Fallerone, invocado com o mesmo e repetido canto de Masseu, perguntou-lhe porque não buscava variar. Este, cheio de alegria, disse-lhe que quando em uma coisa se encontra todo o bem, não é preciso trocá-la por outra. 

O ANJO E FREI ELIAS

            Os frades tinham sempre muito cuidado em não perturbar Francisco em sua oração. Isto faziam pelo grande respeito que lhe tinham e porque sabiam que Deus lhe revelava grandes coisas na oração.

            Aconteceu um dia que, estando Francisco em oração no bosque, um belo jovem, com trajes de peregrino, chegou à porta do convento e bateu com tanta pressa e tanta força por tanto tempo que os frades ficaram surpresos com aquele modo pouco normal de bater.

            Frei Masseu foi atender a porta e disse ao jovem:

            — De onde vens tu, filho, que parece nunca teres vindo aqui, batendo de modo tão desusado ?

            — E como se deve bater perguntou o jovem ?

            De boa vontade, Frei Masseu disse:

            — Bate três vezes, uma após outra, devagar. Depois espera que o irmão tenha rezado um Pai Nosso e venha abrir, e se durante esse tempo ele não vier, bate outra vez.

            O jovem lhe respondeu:

            — Tenho grande pressa e vim aqui falar com Frei Francisco, mas por ele estar em contemplação no bosque, não o quero incomodar. Vai e manda-me Frei Elias, que lhe quero fazer uma pergunta, porque sei que ele é muito sábio.

            A irritação e o mau humor estavam em companhia de Frei Elias e este não quis vir atender o jovem. Diante disso, Frei Masseu não soube o que fazer nem o que responder àquele jovem. Se dissesse: ‘Frei Elias não pode vir’, mentia; se dissesse que ele estava irritado, temia dar-lhe mau exemplo.

            O jovem era um anjo de Deus, em forma humana, e sabendo o que se passava, pediu a Frei Masseu que fosse até Francisco, dizendo-lhe que mandasse Frei Elias entender-se com ele. Disse Francisco:

            — Vai e dize a Frei Elias que, por obediência, atenda imediatamente ao jovem.

            Perturbado e nada cortês, Frei Elias foi à porta e disse ao jovem:

            — Que queres ?

            Respondeu o jovem:

            — Cuidado, irmão, não te irrites, como pareces estar, porque a ira tolhe o espírito e não te deixa discernir o verdadeiro.

            Disse Elias:

            — Dize o que queres de mim.

            E o jovem:

            — Eu te pergunto se àqueles que observam o santo Evangelho é lícito comer o que se põe diante deles, conforme o que disse Cristo aos seus discípulos? E te pergunto ainda se é lícito a algum homem obrigar a qualquer coisa contrária à liberdade evangélica?

            — Sei bem disto, respondeu o soberbo Elias, mas não quero te responder. Cuida de teus negócios!

            Disse o jovem:

            — Saberei melhor do que tu responder a esta pergunta.

            Então Frei Elias, furioso, fechou a porta e retirou-se.

            Depois disso, no entanto, começou a pensar nesta pergunta e duvidar de si mesmo. E não sabia responder.

            Frei Elias era, na época, vigário da Ordem e tinha ordenado e feito uma Constituição contra o Evangelho e contra a ordem de Francisco, de que nenhum frade comesse carne. Por isso, a dita pergunta era contra ele.

            Caindo em si e constatando a modéstia do jovem, retorna à porta, mas ele já se tinha ido. Neste meio tempo Francisco está retornando da sua oração e estava a par, pois Deus lhe revelara o acontecido. Repreendeu a Elias, dizendo:

            — Mal fizeste, Frei Elias soberbo, que expulsaste de nós os santos anjos que nos vem ensinar. Digo-te temer muito que tua soberba te faça acabar fora da Ordem!

DAR COM ALEGRIA   

            Conta-nos Frei Tomás de Celano que, certa vez, veio confiante até Francisco a mãe de dois confrades, para pedir-lhe uma esmola. Ela se encontrava em extrema necessidade. Compadecida dela, o santo pai disse a Frei Pedro de Catani, superior da casa:

            — Temos alguma coisa para dar a nossa mãe? ( Francisco chamava de mãe sua e de todos os frades quem fosse mãe de algum frade. )

            Frei Pedro, constrangido, respondeu:

            — Não há mais nada em casa que lhe possamos dar. E acrescentou: só temos ( de valor ) o Novo Testamento, que usamos para leituras, já que não temos breviário.

            Francisco disse-lhe:

            — Dê o Novo Testamento a nossa mãe, para que ela o venda e possa acudir a necessidade, pois é ele mesmo que nos manda ajudar os pobres. Acho que Deus vai ficar mais contente com a esmola do que com a leitura.

            E assim, foi embora o primeiro Novo Testamento que houve na Ordem Franciscana…

DO FRADE QUE RECEBEU A GRAÇA DE SABER AS SECRETAS PALAVRAS, AS QUAIS DISSE O SERAFIM A SÃO FRANCISCO

            Aconteceu que certo frade devoto e santo, lendo a Legenda de São Francisco, no capítulo dos Estigmas, começou com grande ansiedade de espírito a pensar que palavras poderiam ser aquelas tão secretas, as quais Francisco disse que não revelariam a ninguém enquanto vivesse, as quais o Serafim lhe havia dito quando apareceu. E dizia este frade consigo mesmo: “Aquelas palavras não quis São Francisco dizer a ninguém em vida, mas agora depois de sua morte corporal, talvez as dissesse se lhe fosse pedido devotamente.” E desde esse dia começou o frade a suplicar a Deus e a São Francisco que lhe desse a graça  de ser revelado aquelas palavras, e perseverando este frade por oito anos neste pedido, no oitavo ano mereceu ser atendido da seguinte forma. Aconteceu que um dia estando em oração, em certa parte da igreja, suplicando a Deus devotamente por essa graça, ele foi chamado por um outro frade e lhe foi ordenado que o acompanhasse  à cidade por utilidade do convento.

            Como ele tinha consciência de que a obediência é mais meritória que a oração, imediatamente a  deixa e vai humildemente cumprir a ordem de seu superior. E dessa forma mereceu de Deus, pelo ato de pronta obediência, receber o que por longo tempo de oração não havia merecido. Aconteceu que logo que se acharam fora das portas do convento se encontraram com dois frades forasteiros, os quais pareciam vir de países distantes. Um deles parecia jovem e o outro mais velho e magro, e pelo mau tempo estavam molhados e enlameados. O frade obediente junto com seu companheiro, cheios de compaixão, resolveram cuidar desses dois frades e depois iriam à cidade. O frade obediente tratou de tentar aquecer e  lavar os pés do mais velho, enquanto que o outro foi cuidar do mais moço. De repente o frade que cuidava do mais velho, percebeu ao lavar-lhe os pés, os estigmas; e abraçando os pés daquele frade, começou a gritar em meio a surpresa e alegria: “Ou és Cristo ou São Francisco”. À essas palavras apareceram os frades que estavam na casa, e todos puderam ver com grande reverência aqueles gloriosos estigmas. O frade mais velho, à pedido deles permite-lhes que toquem e beijem suas chagas, para alegria maior de todos disse-lhes: “Não duvideis e não temais, irmãos caríssimos e filhos; eu sou vosso Pai Francisco, o qual, segundo a vontade de Deus fundou três Ordens. E se bem que tenha sido implorado, há oito anos, por este frade o qual me lava os pés, e hoje mais fervorosamente do que das outras vezes, para lhe revelar aquelas secretas palavras que me disse o Serafim quando me deu os estigmas, as quais palavras nunca quis revelar em vida, hoje por ordem de Deus, por sua perseverança e pela pronta obediência, pela qual deixou a sua doçura de contemplação, foi-me mandado por Deus de revelar-lhe diante de vós o que ele pede.” E então voltando-se São Francisco para aquele frade, disse assim: “Sabe irmão, que estando eu no monte Alverne, todo absorvido na memória da paixão de Cristo, nesta aparição seráfica eu fui assim por Cristo estigmatizado no meu corpo, e então Cristo me disse: ‘Sabes o que te fiz? Dei-te os sinais de minha paixão. E como no dia da minha morte desci ao limbo, e todas as almas que ali achei, em virtude dos meus estigmas tirei-as e levei-as ao paraíso; assim te concedo desde já, a fim de que  me sejas tão conforme na morte como tens sido na vida, que tu, desde que passes desta vida, cada ano, no dia de tua morte, vás ao purgatório e todas as almas das tuas três Ordens, isto é, menores, irmãs e continentes ( secular ) e, além destas, as dos teus devotos que ali encontrares, dali as tires em virtude dos teus estigmas, os quais te dei, e as leve ao paraíso.’ E estas palavras não disse a ninguém enquanto vivi neste mundo.”

            E ditas estas palavras São Francisco e o companheiro subitamente desapareceram.                               

UMAS E OUTRAS DE FREI JUNÍPERO

JUNÍPERO E O PORQUINHO

            Frei  Junípero estava sempre animado de boas intenções. Às vezes, até em excesso, como no caso presente.

            Certo dia, o Junípero soube que o maior desejo de um confrade doente era comer um “pezinho de porco”… Transbordando em bondade e cuidados, ele põe as mãos à obra. Pega uma faca de cozinha e vai direto atrás de um porquinho de seu vizinho, pensou que já que ele tinha tantos, não iria se importar em ceder um ‘pedaço’ para um pobre irmão doente.

            Encontrou um porquinho e cortou-lhe, sem pena nenhuma, um pé. Junípero sai por um lado e o porquinho aos berros, pelo outro. Com tanto barulho, o dono do porco apareceu furioso, chamando os frades de ladrões.

            Coube a Francisco resolver o problema, e logo descobriu que o acusado era Frei Junípero. Acusação: invasão de propriedade alheia, seguida de roubo. Motivo: socorrer um pobre doente.

            Frei Junípero estava tranqüilo, considerava apenas ter feito uma grande caridade. Afinal, segundo ele, as coisas materiais só valem em função do bem que se fizer ao próximo, pois na verdade, Deus é o único proprietário de tudo.

            Francisco o repreende severamente e lhe explica que é possível fazer caridade sem ser cruel. Dá-lhe a penitência: deveria ir atrás do dono do porquinho e pedir-lhe perdão de joelhos por seu gesto cruel. Junípero, obediente, vai.

            Após ter ouvido poucas e boas do, ainda furioso, dono do porco, Frei Junípero, cheio de serena humildade e alegria, explica-lhe as vantagens da caridade feita.

            Lançando-se-lhe ao pescoço abraçou-o e beijou-o. Mais: ousou pedir o resto do porco. O fez com tanta simplicidade, que o homem não só concordou em dá-lo, mas ele próprio fez questão de prepará-lo e assá-lo. Era o seu gesto reparador pelas injúrias que havia proferido contra Frei Junípero e seus confrades.       

FUGA DAS HONRAS HUMANAS, INIMIGAS NA BUSCA DA SANTIDADE

            A fama de santidade de Frei Junípero havia chegado até Roma. Quando certo dia, lá chegou, muitos romanos por devoção e admiração, foram-lhe ao encontro. Ele resolveu pregar-lhes uma peça.

            Dois meninos, ali perto, brincavam de gangorra. Junípero tomou o lugar de um deles e começou a balançar-se. Nisto, chegou o povo e maravilhava-se dos balanços do santo frei. Saudaram-no com toda reverência e esperaram, pacientemente, que terminasse de brincar, para acompanhá-lo com honras até o convento. Frei Junípero pouco se importava com honras, reverências e com a espera deles… Continuava a divertir-se na gangorra. Não demorou muito para o pessoal chatear-se, julgando-o um estúpido e doido!

            Era o que Junípero queria. Quando percebeu que todos haviam partido, deixou a gangorra. Alegre e consolado porque alguns tinham zombado dele, pôs-se também à caminho, rumo ao convento dos frades menores.

            Conseguiu o que queria: fugir das honras humanas, dos elogios que são inimigos na busca da santidade.

JUNÍPERO CONDENADO À FORCA

            Certo dia, o demônio armou uma cilada para Frei Junípero. Foi até o castelo de um cruel tirano chamado Nicolau. O inimigo fez-se passar por uma pessoa importante. Na sua maldade foi logo descrevendo, em pormenores, a figura de Junípero, o qual realmente estava vindo para aqueles lados.

            Um tirano, por não ter sua consciência em paz, vê conspiração em tudo e em todos. Amedrontado com estas informações, manda reforçar as guardas. Quem aparece junto à porta do castelo é o pobre do Junípero. Ele apresentava todas as características do sujeito denunciado. É preso. Nicolau vendo nele todos os sinais que confirmavam a informação do demônio acusador, ordena que seja torturado, para confessar sua má intenção.

            A tortura é acompanhada, com sempre, de inúmeras perguntas e acusações. Perguntado quem era, o frei respondeu:

            — Sou um grande pecador.

            — Perguntado se queria trair o castelo, respondeu:

            — Sou o maior traidor e indigno de qualquer bem.

Ainda perguntado se queria matar o tirano Nicolau e incendiar o castelo, respondeu que maiores e piores coisas faria , se Deus lhe permitisse.

            Furioso, Nicolau condena Junípero a ser preso à cauda de um cavalo e ser arrastado pelo chão até o local da forca.

            Diante de tudo isso, Junípero, não demostrava tristeza. Estava contente em passar por essas tribulações, por amor de Deus, apesar de estar sendo confundido.

            Um bom homem que, com outros, encontrava-se no local onde haveria o enforcamento, correu até a ermida dos frades dizendo:

            — Foi preso um pobrezinho e condenado à forca. Por Deus, venho pedir a um dos frades dar-lhe a Unção e ouvi-lo em confissão, para que possa morrer em paz. Ele me parece uma boa pessoa.

            O Frei Guardião, que era um homem piedoso, saiu correndo para cuidar da salvação daquele coitado. Encontra o condenado com os olhos vendados e falando alguma coisa. Para seu espanto, reconhece a voz de Frei Junípero. Tirando-lhe a venda do rosto, obtém a confirmação. Por compaixão, quis tirar o hábito e cobrir Junípero que estava semi-nu. Este cheio de bom humor, quase rindo, disse:

            — Ó Guardião, tu és gordo e não ficaria bem que esse povo te visse nu. Obrigado!

            O Frei Guardião corre até o tirano Nicolau, dizendo-lhe:

            — Aquele, a quem condenaste à morte, é Frei Junípero, companheiro de Frei Francisco.

            O tirano assustou-se com esta informação, porque já ouvira muito falar da fama e da santa vida de Frei Junípero, mas não o conhecia pessoalmente.

            Desculpando-se muito, mandou soltá-lo. Frei Junípero perdoou-o generosamente.

            Estava feliz por ter suportado tudo isso por amor de Deus.

TUDO PARA OS POBRES

            Junípero era o frade campeão em generosidade. Normalmente não esperava que algum pobre lhe pedisse algo, ele ia de encontro ao necessitado. Quando via alguém mal vestido ou nu, imediatamente cortava um pedaço ou lhe dava todo o hábito. Seu superior, sabendo disso, em nome da Santa Obediência proibiu-o de dar parte ou todo o hábito.

            Alguns dias depois da proibição, Junípero encontra um pobre maltrapilho que lhe pede uma ajuda, por amor de Deus. Compadecido, diz-lhe:

            — Nada tenho que te possa dar, senão o meu hábito. O meu superior, no entanto, pela Santa Obediência ordenou que não desse a ninguém, nem mesmo parte dele. Mas se o tirares de mim, não te impedirei.

            Não precisou falar duas vezes. Afinal, era pobre, mas não surdo. Mais do que depressa, o pobre tirou-lhe o hábito pelo avesso e foi-se com ele, deixando frei Junípero só de ceroulas.

            Na volta para casa, foi-lhe perguntado sobre o paradeiro de seu hábito. Ele sem cerimônia, respondeu:

            — Uma boa pessoa necessitada tirou-o de mim e foi-se com ele.

            Os frades tinham o maior trabalho, para não deixar nada ao alcance das “mãos generosas” de Junípero. Ele não se contentava em dar seu hábito, mas dava também os livros, paramentos e mantos que encontrasse. Dava tudo aos pobres, por amor de Deus.

CURIOSIDADES FRANCISCANAS

O SIGNIFICADO DO TAU

O TAU NA VOCAÇÃO FRANCISCANA

            O TAU tem a forma da letra grega TAU ( T ) que é uma cruz.

            As  duas maiores influências diretas em Francisco, em relação ao TAU, foram os antonianos e o Quarto Concílio Laterano.

            São Francisco tomou o TAU e seu significado dos antonianos. Eles eram uma comunidade religiosa masculina, fundada em 1095, cuja função era cuidar dos leprosos.

            Em seu hábitos era pintada uma grande cruz. Francisco tinha relações muito familiares com eles, porque trabalhavam no leprosário de Assis e no Hospital de São Brás, em Roma, onde Francisco esteve hospedado.

            No princípio de sua conversão, Francisco encontrou os antonianos e seu símbolo do TAU. Mas a influência mais forte que fez do TAU um símbolo tão querido para Francisco e pela qual ele se tornou sua assinatura, foi a do Concílio de Latrão. Os historiadores geralmente admitem que Francisco estava presente nesse Concílio, no qual o Papa Inocêncio III fez o discurso de abertura, incorporando em sua homilia a passagem de Ezequiel (9,4) que diz que os eleitos, os escolhidos serão marcados com o sinal do TAU: “Percorre a cidade, o centro de Jerusalém, e marca com uma cruz na fronte os que gemem e suspiram devido a tantas abominações que na cidade se cometem e acrescenta: “O TAU é a última letra do alfabeto hebraico e a sua forma representa a cruz, exatamente tal e qual foi a cruz antes de ser nela fixada a placa com inscrição de Pilatos. O TAU é o sinal que o homem porta na fronte quando – como diz o apóstolo – crucifica o corpo com os seus pecados quando diz: “Não quero gloriar-me a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo, pela qual o mundo foi crucificado para mim, e eu para o mundo”(…) Sejam portanto mestres desta cruz!

            Sejam os campeões do TAU!

            Quando Inocêncio III terminou sua homilia com “SEJAM OS CAMPEÕES DO TAU!” Francisco tomou estas palavras como dirigidas a ele e fez do TAU seu próprio símbolo, o símbolo de sua Ordem, de sua assinatura; mandou pintá-lo em toda parte e teve grande devoção a ele até o fim de sua vida.

Simples e basicamente, o TAU representa a Cruz. Os Concílios da Igreja foram convocados para reformar a Igreja, cabeça e membros. Assim o grande tema da Reforma: pessoal, interior, conversão constante e mudança de vida. Aqueles que deviam comprometer-se com a conversão contínua, uma vida  de constante penitência, deviam ser marcadas pelo TAU.

O TAU para Francisco é um sinal da certeza de salvação; é o sinal de universalidade da salvação e é o símbolo da conversão contínua.

Se você permite ser marcado com o TAU ou usa o TAU, você está dizendo que se comprometeu com a conversão contínua, isto é, com o tema da Espiritualidade Franciscana. Não que você esteja convertido de uma só vez, mas dia-a-dia, mês após mês, ano após ano, você conserva seu olhar fixo no Senhor como sua única meta, e caminha em direção a ele com a mente indivisa. (Carta S. Mary Margaret, out. 1.989)

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