ESTUDO BÍBLICO: Domingo da Ressurreição.
Domingo da Ressurreição do Senhor
João 20,1-9
A hora de Jesus. A Páscoa do Cordeiro de Deus
“Então, entrou também o outro discípulo que chagara primeiro ao sepulcro: e viu e creu” (Jo 20,8)
Se o Cordeiro é Cristo e Cristo é a Páscoa, as carnes das palavras divinas só podem ser as divinas Escrituras” (origenes)
Comecemos orando: Dia da Ressurreição: resplandeçamos de gozo nesta festa. Abracemo-nos, irmãos, mutuamente. Chamemos ‘irmãos nossos’ inclusive aos que nos odeiam. Perdoemos tudo pela ressurreição e cantemos nossa alegria: Cristo ressuscitou dentre os mortos e com sua morte venceu a morte e aos que estavam nos sepulcro lhes deu a vida. (Del Tropário)
Introdução
Saudemos com júbilo este novo dia
Neste Domingo gritemos com todas as nossas forças e do mais profundo de nosso coração:
“Cristo ressuscitou dentre os mortos dando-nos, a todos, a vida!”.
Este é o Domingo que dá sentido a todos os domingos, no qual, com a ajuda do Espírito Santo, queremos fazer uma proclamação de júbilo e de vitória que seja capaz de assumir nossas dores e as transforme em esperança, que nos convença, de uma vez por todas, que a morte não é a última palavra em nossa existência. É à luz desta certeza que hoje brota de nós, e se irradia com todo seu esplendor, nossa fé como discípulos de Jesus.
Efetivamente, somos cristãos porque cremos que Jesus ressuscitou da morte, está vivo, está no meio de nós, está presente em nosso caminhar histórico, é manancial de vida nova e primícias de nossa participação na natureza divina, de nosso fundir-nos como uma pequena gota de água no imenso mar do coração de Deus.
E nos levantamos com um novo olhar sobre o mundo porque a ressurreição de Jesus tem um significado e uma força que vale para toda a humanidade, para o cosmos inteiro e, de modo particular, para os dolorosos acontecimentos que afligem a nossa humanidade.A Boa Nova da Ressurreição de Jesus é palavra poderosa que impulsiona nossa vida.
Por isso, neste tempo de páscoa que estamos começando, nós temos que abrir um sulco em nosso coração à Palavra, para que a força de vida que ela contém seja seiva que corra por todas as dimensões de nossa existência e se transforme em frutos de vida nova.
É assim que a Boa Notícia que Cristo ressuscitou cala fundo: se entretém com nossas dúvidas, com nosso fechamento na tristeza, dilatando nossa pobre visão da vida e mostrando-nos o grande horizonte de Deus, de onde podemos compreender o sentido e o valor de todas as coisas.
Cristo ressuscitado se funde em nosso coração e deflagra uma grande batalha interior entre vida e morte, esperança e desespero, resignação e consolação.
São Gregório Nacianceno, pregando num dia como hoje dizia: “Surgiu outra geração, outra vida, outro modo de viver, uma mudança em nossa própria natureza”.
Essa é hoje nossa segurança!
Buscadores dos sinais do Ressuscitado.
A experiência pascal inicia uma dinâmica de vida feita de buscas e encontros, de conversão e de fé, que se delineia com grande riqueza nos relatos pascais dos Evangelhos.
Em João 20,1-10 lemos o texto que narra a maravilhosa descoberta do túmulo vazio. Inicia-se, assim, uma série de reações de Maria Madalena e os dois mais autorizados discípulos de Jesus.
O relato contém elementos muito valiosos que nos ajudam a fortalecer nosso próprio caminho pascal. Agora vamos fazer anotações breves sobre as frases mais importantes do relato, como um convite para saborear o texto inteiro:
- Maria Madalena descobre que o túmulo está vazio (20,1-2)
Notemos os movimentos de Maria Madalena:
- Maria madruga:“Vai ao sepulcro de madrugada quando ainda estava escuro” (20,1).
Esta ação é sinal evidente de um coração que batia forte por Jesus. O amor não se faz esperar. Mas também é certo que a hora da manhã e os novos fatos têm correspondência: de madrugada muitos detalhes anunciam grande e radical mudança, a noite se afasta, o horizonte se aclara e sob a luz nova todas as coisas vão tomando, aos poucos, sua forma.
Assim ocorrerá com a fé no Ressuscitado: haverá sinais que anunciam algo grande, mas só no encontro pessoal e comunitário com o Ressuscitado tudo será clareado, o novo sol se levantará e irradiará a glória de sua vida imortal.
- Maria “corre” em seguidae vai informar aos discípulos mais autorizados, apenas percebe que o sepulcro do Mestre está vazio(20,2a)
Esta carreira insinua o amor de Maria pelo Senhor. Seguirá demonstrando-o em seu pranto junto à tumba vazia (20,11ss). Assim Maria se apresenta diante de Pedro e do discípulo amado como símbolo e modelo do autêntico discípulo do Senhor Jesus, que deve ser sempre movido por um amor vivo pelo Filho de Deus.
- Maria confessa Jesus como “Senhor”:“Levaram do sepulcro o Senhor e não sabemos aonde O puseram” (20,2b).
Apesar de não havê-lo descoberto vivo, para ela Jesus é o “Senhor” (Kýrios), o Deus da glória e, portanto, imortal (20,13.10). Ela está animada por uma fé vivíssima no Senhor e personifica, assim, todos os discípulos de Cristo, que reconhecem no Crucificado o Filho de Deus e vivem para Ele.
Eis aqui um exemplo para refletir nas diversas circunstâncias e expressões da existência, sobretudo nas horas de dificuldade e, ainda, nas tragédias da vida. Para a fé e o coração desta mulher, foi na morte na Cruz de Jesus e na sua sepultura, que todo seu amor pelo Senhor se revelou “mais forte que a morte” (Ct 8,6).
- Os dois discípulos correm ao túmulo (20,3-10)
Segundo João os dois seguidores mais próximos a Jesus se impressionam com a notícia e imediatamente se põem em movimento, eles não permanecem indiferentes nem parados, mas levam a sério o anúncio (que tem sujeito comunitário: “não sabemos”, v.2). Notemos como as ações dos dois discípulos se entrecruzam entre si e superam cada vez mais as primeiras observações de Maria Madalena.
- “Encaminharam-se ao sepulcro” (20,3)
A menção dos dois discípulos não é casual, ambos têm amplo prestígio na comunidade que representam. Distingue-se, Primeiro, Pedro, a quem Jesus chamou “Kefas” (Rocha; 1,42), que confessa a fé em nome de todos (6,68-69), dialoga com Jesus na ceia (13,6-10.36-38) e, no final do Evangelho recebe o encargo de pastorear seus irmãos (21,15-17). Segundo, o Discípulo Amado, por sua parte, é o modelo do “amado” pelo Senhor, porém também do que “ama” ao Senhor (13,23;19,26;21,7.20).
- “O outro discípulo chegou primeiro ao sepulcro” (20,4)
O discípulo amado corre mais rápido que Pedro (v.4). Isto parece aludir à sua juventude, mas também, a um amor maior. Não é verdade que correr é próprio de quem ama?
- “Inclinou-se, viu os panos no solo, porém, não entrou” (20,5)
O discípulo amado chega primeiro à tumba, porém não entra, respeita o papel de Pedro.Limita-se a inclinar-se e olhar os panos atirados na terra. Ele vê um pouco mais que Maria, que só viu a pedra tirada do sepulcro.
- “Simão Pedro entra no sepulcro e vê os panos no solo, e o sudário que cobriu sua cabeça, não junto aos panos, mas dobrado em um lugar à parte” (20,6-7).
Ao princípio Pedro vê o mesmo que viu o discípulo amado, mas, logo vê um pouco mais: vê que também o sudário, que estava sobre a cabeça de Jesus, estava dobrado, a parte, noutro lugar (v.7). Este detalhe quer indicar que o cadáver do Mestre não havia sido roubado, já que o mais provável é que os ladrões não iam ter tanto trabalho.
Portanto, Jesus liberou-se a si mesmo dos lençóis e do sudário que o envolviam, à diferença de Lázaro, que precisou ser desenrolado por outros (ver 11,44). As ataduras da morte foram rompidas por Jesus.O túmulo vazio e os panos não são uma prova, são, simplesmente, um sinal de que Jesus venceu a morte. Sem dúvida, Pedro não compreende o sinal.
- “Então entrou também o outro discípulo… viu e acreditou… que, segundo a Escritura, Jesus devia ressuscitar dentre os mortos” (20,8.9)
O discípulo amado agora entra no sepulcro, vê tudo o que viu Pedro e dá o novo passo que este não deu: crer na ressurreição de Jesus! A constatação de simples detalhes aguça a fé do discípulo amado na ressurreição de Jesus, para ele a ordem que reinava dentro do sepulcro foi suficiente.
Não necessitou de mais nada para crer, como necessitou Tomé. A ele se aplica o dizer de Jesus: “ditosos os que não viram e creram” (v.29).Mas, atenção! O discípulo amado “viu” e “creu” na Escritura que anunciava a ressurreição de Jesus (v.9). Isto já havia sido dito em Jo 2,22.
Aqui João não cita nenhuma passagem particular do Antigo Testamento, nem tampouco nenhum anúncio por parte de Jesus. Porém, fica claro que a ignorância da Escritura por parte dos discípulos implica certa dose de incredulidade (ver também 1,26;7,28;8,14).
A ligação entre o “ver” e o “crer” (v.8) será daqui em diante um dos temas centrais do resto do capítulo, onde se descrevem as aparições do ressuscitado aos discípulos, para enfim dizer: “Porque me vistes, crestes. Ditosos os que não viram e creram” (v.29). Nós, os leitores, fazemos o mesmo caminho do Discípulo Amado, através dos “sinais” testemunhados por ele (20,30-31).
- Na Páscoa Jesus se converte no centro da vida e de todos os interesses do discípulo
Na manhã de Domingo a única preocupação dos três discípulos do Senhor– Maria, Pedro e o discípulo amado – é buscar o Senhor, a Jesus morto sobre a Cruz por amor, porém, ressuscitado dentre os mortos para a salvação de toda a humanidade. O amor os move, a buscar o Ressuscitado, nesse estupor que sabe entrever nos sinais o cumprimento das promessas de Deus e das expectativas humanas. Entretanto, cada um com sua participação, vão delineando um caminho de fé pascal.
A busca amorosa do Senhor se converte logo em impulso missionário. Como mostra o relato, trata-se de uma experiência contagiosa que envolve a todos, um após o outro. É assim que este texto nos ensina que o evento histórico da ressurreição de Jesus Cristo não se conhece somente com áridas especulações, mas com gestos contagiosos de amor gozoso e apaixonado.
O ato de fé brota de alguém que se sente amado e que ama como disse Santo Agostinho: “Pode conhecer perfeitamente somente aquele que se sente perfeitamente amado”. Assim, todos nós, discípulos de Jesus, deveríamos amar intensamente a Jesus e buscar os sinais de sua presença ressuscitada nesta nova Páscoa!
- Para cultivar a semente da palavra no coração
- Que processo de fé pascal vai se formando nas sucessivas intervenções de Maria, Pedro e o Discípulo Amado no texto de hoje?
- Por que o Discípulo Amado espera Pedro? Que me diz esta atitude para minha vivência eclesial da Páscoa?
- Que primeiros frutos posso recolher hoje do caminho preparatório da Quaresma, desta Semana Santa e do Tríduo Pascal que hoje termina?
- Como o Evangelho me convida a viver a alegria Pascal e como vou “cultivar” a vida nova na cinquentena gloriosa que inicia hoje e acaba com a celebração de Pentecostes?
- Com que sinais externos concretos vou celebrar a Ressurreição de Jesus em minha casa e em minha comunidade?
Pe. Fidel Oñoro, cjm
ANEXO 1
Papa Bento XVI
Audiência geral de 9/8/06 (trad. DC n° 2365, p. 821 © Libreria Editrice Vaticana)
O ensinamento do Apóstolo S. João
Se existe um assunto característico que mais sobressai nos escritos de João, é o amor. Não foi por acaso que quis iniciar a minha primeira Carta encíclica com as palavras deste Apóstolo: “Deus é amor (Deus caritas est); quem está no amor habita em Deus e Deus habita nele” (1 Jo 4,16).
É muito difícil encontrar textos do gênero em outras religiões. Portanto, tais expressões põem-nos diante de um dado verdadeiramente peculiar do cristianismo. Certamente João não é o único autor das origens cristãs que fala do amor.
Sendo este um elemento essencial do cristianismo, todos os escritores do Novo Testamento falam dele, mesmo se com acentuações diferentes. Se agora nos detemos a refletir sobre este tema em João, é porque ele nos traçou com insistência e de modo incisivo as suas linhas principais.
Portanto, confiemo-nos às suas palavras. Uma coisa é certa: ele não reflete de modo abstrato, filosófico, ou até teológico, sobre o que é o amor. Não, ele não é um teórico.
De fato, o verdadeiro amor, por sua natureza, nunca é meramente especulativo, mas faz referência direta, concreta e verificável a pessoas reais. Pois bem, João, como apóstolo e amigo de Jesus mostra-nos quais são os componentes ou melhor as fases do amor cristão, um movimento caracterizado por três momentos.
O primeiro refere-se à própria Fonte do amor, que o Apóstolo coloca em Deus, chegando, como ouvimos, a afirmar que “Deus é amor” (1 Jo 4,8.16). João é o único autor do Novo Testamento que nos dá uma espécie de definição de Deus. Ele diz, por exemplo, que “Deus é Espírito” (Jo 4,24) ou que “Deus é luz” (1 Jo 1,5). Aqui proclama com intuição resplandecente que “Deus é amor”.
Observe-se bem: não é simplesmente afirmado que “Deus ama”, nem sequer que “o amor é Deus”! Com outras palavras: João não se limita a descrever o agir divino, mas procede até às suas raízes. Além disso, não pretende atribuir uma qualidade a um amor genérico e talvez impessoal; não se eleva do amor a Deus, mas dirige-se diretamente a Deus para definir a sua natureza com a dimensão infinita do amor.
Com isto João deseja dizer que o constitutivo essencial de Deus é o amor e, portanto, toda a atividade de Deus nasce do amor e está orientada para o amor: tudo o que Deus faz é por amor, mesmo se nem sempre podemos compreender imediatamente que Ele é amor, o verdadeiro amor.
ANEXO 2
São João Crisóstomo (c.345-407), bispo de Antioquia e Constantinopla, doutor da Igreja
Dia da Ressurreição, dia da nossa alegria
«Eis o dia que fez o Senhor; nele exultemos e rejubilemos!» (Sl 117,24).
Porquê? Porque o sol já não está obscurecido, mas tudo se ilumina; o véu do templo já não está rasgado, mas a Igreja está revelada; nós já não seguramos ramos de palmeira, mas cercamos os novos batizados.
«Eis o dia que fez o Senhor»… eis:
- o dia no sentido próprio,
- o dia triunfal, o dia dedicado a festejar a ressurreição,
- o dia em que nos revestimos de graça,
- o dia em que partilhamos o Cordeiro espiritual,
- o dia em que se ensopa de leite os que acabam de nascer,
- o dia em que se realiza o plano da Providência em favor dos pobres. «Exultemos e rejubilemos neste dia»…
Eis o dia:
- em que Adão foi libertado,
- em que Eva foi libertada da sua pena,
- em que a morte selvagem estremeceu,
- em que o poder das pedras se quebrou,
- em que os ferrolhos dos túmulos foram arrancados…,
- em que as leis imutáveis dos poderes dos infernos foram anuladas,
- em que os céus se abriram quando Cristo, Nosso Senhor, ressuscitou.
Eis o dia em que, para bem dos homens, a planta verdejante e fértil da ressurreição multiplicou os seus rebentos em todo o universo como num jardim, onde os lírios dos novos batizados desabrocharam, onde a multidão dos crentes rejubila, onde as coroas dos mártires reverdejam. «Eis o dia que fez o Senhor; nele exultemos e rejubilemos».