Estudo Bíblico Semanal de 07 a 11 de agosto

TERÇA-FEIRA

Mateus 14,22-36

CAMINHADO EM MEIO DO MAR: QUE PROFUNDIDADE É MINHA FÉ?

“Homem de pouca fé, por que duvidaste?”

 

O relato da multiplicação dos pães que lemos ontem é o prelúdio de um novo quadro que João nos propõe em sua galeria de experiências de fé. Será que depois de um gesto tão claro como o da multiplicação dos pães, os discípulos estão em condições de expressar sua fé em Jesus como Messias?

 

Recordemos:

  • o primeiro quadro havia sido a “falta de fé” de seus próprios conterrâneos de Nazaré (13,53-58);
  • o segundo aparece nos lábios do rei Herodes Antipas que reage ante a fama de Jesus (14,1-2); e
  • o terceiro são próprios discípulos: eles, que têm sido testemunhas da obra messiânica que Jesus realizou como pastor de seu povo, também eles têm que tomar uma posição frente ao Mestre.

 

Jesus manda seus discípulos ao lago da Galileia, para que sigam adiante até a outra margem. Sobe para orar na montanha, enquanto os discípulos, no lago, enfrentam uma tempestade durante toda a noite. Já se aproxima do amanhecer, quando Jesus se aproxima deles caminhando sobre o mar. Os discípulos se perturbam.

 

Então Jesus revela sua identidade, frente o qual Pedro, desafiando o poder do nome de Jesus, pede para poder caminhar sobre a água. Porém andou poucos passos e começou a afundar. Grita e é salvo por Jesus. É repreendido e, logo, todos, na orla, se prostram ante Ele, para adorá-lo como o “Filho de Deus”, quer dizer, como quem vive em uma relação de caráter privilegiada com Deus. Detenhamo-nos em algumas particularidades da passagem:

 

  1. O marco de todo o texto é a oração.

 

  • No início Jesus ora na montanha e na sua oração acompanha pacientemente a travessia de seus discípulos no lago (14,23):  Jesus está conosco em nossas “travessias” da vida, Ele nos mantém sempre (com sua oração e seu olhar, desde a montanha) particularmente nas situações difíceis.
  • As duas intervenções de Pedro, em que grita “Senhor!” (14,28.30), tem força oracional.
  • A reação final da comunidade, apoiada num gesto de prostração ante Jesus (=adoração) e expressa num claro reconhecimento da filiação divina de Jesus, é o cume deste caminho oracional que serve de eixo ao texto e de modelo a nosso caminho de oração. A fé se expressa na oração.

 

  1. O relato aponta a uma confissão de fé

 

Os discípulos terminam prostrados adorando o Filho de Deus. Esta reação é a primeira confissão de fé comunitária (14,33) e responde ao que se esperava que acontecesse depois da multiplicação dos pães, como se fosse seu “amém”.

 

  1. O itinerário de Pedro é um modelo de tal caminho de fé

 

No centro do relato está o episódio do diálogo de Pedro e Jesus. No texto se capta o seguinte processo:

  • Começa com um jogo de palavras: Jesus disse “Sou Eu”, Pedro disse “se És Tu” (14,27-28).
  • O “Sou Eu” na boca de Jesus é um eco da revelação de Yahweh a Moisés (Ex 3,14-15), o mesmo que abriu caminhos impossíveis (no deserto); Pedro desafia Jesus para que prove o que diz ser.
  • Jesus atende ao pedido de Pedro e faz que Pedro vá caminhando sobre as águas (14,29).
  • Quando Pedro sente medo começa a afundar e grita “Senhor, salva-me!”; Jesus por sua parte lhe estende a mão ao mesmo tempo que lhe declara sua pouca fé.
  • Uma vez na barca junto com todos se prostra e confessa a fé (14,33).

 

Em meio do perigo e com um grande sentimento de impotência, Pedro clama ao Senhor com uma das orações mais breves e mais belas do Evangelho: “Senhor, salva-me!”. A fé pura de Pedro deixa entrever sua realidade interior, que é também a realidade de todo crente: crer e ama a seu Jesus, porém, de repente, duvida d’Ele.

 

Jesus reconhece sua fé, porém a qualifica de “pouca”. O Mestre parece querer pedir-lhe que faça sua, a oração de confiança do orante do Sl 62,2-3: “Em Deus descansa minha alma, d’Ele vem minha salvação; só Ele é minha rocha, minha salvação, minha cidadela, não vacilarei”.

 

Retenhamos o momento cume em que Jesus se faz Salvador e Pastor misericordioso de Pedro: estende-lhe a mão e o agarra (com força; 14,31). O gesto é, ao mesmo tempo, sinal da vida e da salvação que Jesus oferece ao discípulo. Está indicando ainda que fé não se alcança sem a ajuda do Senhor (16,17).

 

Estamos hoje ante uma bela catequese sobre a confiança no Senhor em meio às dificuldades e as provas: Pedro pede o impossível, porém, agora, ele e todos nós temos de saber que o impossível nós podemos alcançar, se confiamos na Palavra do Senhor. De outro lado, hoje, uma vez mais, aclamamos, com força, o valor da vida. Tomando Pedro pela mão e tirando-o do caos das águas, Jesus, neste gesto nos repete: “Quanto vale um homem!” (Mt 12,12).

 

Cultivemos a semente da Palavra em nosso coração:

 

  • Qual o caminho que um discípulo chega à adoração de seu Senhor?
  • Que relação tem com um caminho de fé? Que relação há entre o itinerário de fé de Pedro e o meu?
  • Que me diz a imagem de um Jesus que está com o braço estendido e agarrando seu discípulo? Como a vejo hoje em minha vida, em minha comunidade, em meu povo?

 

QUARTA-FEIRA

Mateus 15,21-28

ANTE A HUMILDADE DA MULHER CANANEIA: QUE TAMANHO É MINHA FÉ?

“Mulher, grande é tua fé; que te aconteça como desejas”

 

Com o relato do itinerário de fé da mulher cananeia entramos no quarto quadro da  galeria apresentada pelo evangelista Mateus. O quadro anterior havia sido o do processo lento e doloroso vivido por Pedro no meio do lago, a ele Jesus havia falado de sua “pouca fé”, de sua “dúvida”.

 

O quadro de hoje, pelo contrário, é radiante: a fé valente de uma mulher que foi felicitada por Jesus e a quem conhecemos como “a cananeia”. Mateus prefere chamá-la “cananeia” e não “siro-fenícia”, como faz o evangelista Marcos, talvez para fazer-nos sentir mais a grandeza de sua confissão de fé: de um cananeu não se esperaria tanto.

 

De fato, o povo cananeu é recordado, continuamente, no mundo do Antigo Testamento, como um povo estranho e idólatra; inclusive, desde os tempos de ocupação da terra, que Israel considerava estes antigos povoadores de Canaã como gente grosseira e hostil.

 

Esta mulher emerge, repentinamente, de dentro dessa penumbra. Não só frente à fé de Pedro, ainda em germe, mas também frente à falta de fé dos fariseus e saduceus, aos quais, Jesus recordou a profecia de Isaías (“Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim”; 29,13, citado em Mt 15,8), a mulher, mãe, cananeia, mas também sofrida, emerge como modelo de fé: “Mulher, grande é tua fé!” (v.28).

 

O grito de fé da cananeia nos põe em contato com uma realidade profundamente humana: Que não faria uma mãe de família para conseguir que sua filha seja curada e salva? Esta mãe de família, apresentada como uma das mulheres fortes do Evangelho nos ensina seu próprio caminho de fé através da rota da oração que passa por diversos tropeços. Notemos:

 

A mulher ora de longe

 

A mulher vai gritando atrás do grupo que acompanha Jesus. Em seu grito podemos captar sua agitação interna, sua confusão, seu sofrimento. O conteúdo de seu grito tem uma grande força que se percebe em cada termo que utiliza:

  1. Invoca “piedade”. Como se faz, frequentemente, nos Salmos (6,2; 9,13; 24,16, 51,3 e outros).  Foi dito que é uma pagã, dai que surpreenda que ponha em seus lábios o melhor da oração de Israel.
  2. Dar dois títulos a Jesus, “Senhor” e “Filho de Davi”. Títulos que evocam o mistério de Jesus que os discípulos vão conhecendo gradualmente. Sua oração se insere em uma experiência de Jesus, ou seja, não é, simplesmente, um favor que é pedido, sem penetrar em seu mistério.
  3. Expressa-lhe a realidade de sua filha: “está endemoninhada” (15,22). Não pede que a cure, simplesmente disse o que se passa.  A mulher apela a um Jesus “pastor”, para quem é suficiente “ver” para “compadecer-se” e “agir”.

 

Os discípulos querem desfazer-se dela

 

Os discípulos intervêm e fazem com que se rompa o silêncio que, até o momento, Jesus tem guardado. As palavras dos discípulos soam mais como um pedido para “retirá-la” que a um verdadeiro gesto de misericórdia. Eles estão cansados dos gritos desta senhora, eles não parecem realmente interessados nela.

 

A resposta de Jesus nos recorda seu falar sobre os destinatários da missão em Mateus 10,6, onde limitou sua missão ao mundo de Israel (10,40 e 21,37). Porém, quando olhamos o todo do Evangelho de Mateus, compreendemos que esta aparente limitação se refere a uma etapa da missão e não definitivo, visto que, ao final do Evangelho, o destinatário da missão é o mundo inteiro (Mt 20,19-20).

 

Daí que as palavras de Jesus se compreendem melhor como uma advertência ao povo de Israel (o povo da oração sálmica), que foi o primeiro destinatário de sua obra salvífica, porém, que vem progressivamente fechando-se a seu anúncio. Portanto, a fé da mulher cananeia, será um juízo para o povo de Israel, e a cura de sua filha, o prelúdio de sua nova etapa missionária.

 

A mulher ora perto

 

Agora a mulher aparece frente a Jesus, a quem já pode abordar diretamente. A impressão que se tem é que ela não escutou o diálogo anterior de Jesus com os discípulos, pois irrompe, de repente, com sua súplica, que, desta vez, aparece mais rica e profunda:

  • “Prostra-se” em adoração (recorda-nos o gesto das mulheres na manhã da páscoa (28,9.17).
  • Chama Jesus, novamente, de “Senhor” (recordemos o grito de Pedro sobre o lago).
  • Expressa seu pedido: “Socorre-me” (recorda-nos os Salmos 43,26; 69,5; 78,9;108,26 e outros).

 

No diálogo com Jesus, o dom do “pão” ocupa um lugar central. Significa a plenitude do bem e que é o dom próprio de um pai para seus filhos. Sabiamente a mulher retoma as palavras de Jesus e as põe a seu favor: aos pequenos cabem as migalhas que caem da mesa dos patrões. Ela faz uma profunda reflexão: vê os filhos como seus patrões, compreendendo a obra de Jesus com ela como a extensão de sua missão ao povo judeu, seu rebanho (Is 53,6; Mq 2,12). A mulher sabe se colocar no lugar dos pequenos que entram no Reino (18,4).

 

Então Jesus lhe concede o pedido. Como esta mulher vê Jesus? A mulher suspeita que este Filho de Israel tenha um coração grande e que, no banquete que Ele dá, o pão é de uma abundância tão grande, tão extraordinária, que é para todos, não importa os comensais. Esta mulher intui que, onde está a salvação, todos podem se beneficiar.

 

Este itinerário de fé e de oração da mulher é importante para nós, nos permite ver o fundo espiritual, os gestos, as palavras e, sobretudo, a atitude fundamental de uma oração de intercessão.

 

E um dado importante: trata-se de uma oração auto-incluente, o seja, ao pedir por sua filha esta mulher pede também por si mesma (“Tem piedade de mim”, “Socorre-me”), mostrando, assim, que leva em seu coração orante, a dor de sua filha e que, portanto, também a mãe necessita de cura. Esta identificação de fundo, fazendo própria a dor daquele pelo qual se suplica é característica de uma autêntica oração. “Mulher, grande é tua fé!” (15,28).

 

Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração

 

  • (mulheres) Que me ensina a cananeia para minha identidade e missão de mulher na Igreja e na sociedade?
  • (Para os homens:) Reconheço e valorizo a identidade e a espiritualidade da mulher no agir, em minha comunidade, na sociedade?
  • Minha experiência de fé se traduz em atitudes de confiança filial na misericórdia divina? Em que se percebe?

 

 

 

QUINTA-FEIRA

Marcos 9,2-10

CONTEMPLAR A GLÓRIA DE JESUS.

E se transfigurou diante deles”

 

O relato começa apresentando-nos as coordenadas de tempo e lugar, os personagens e a circunstância. Não é comum que Marcos nos dê sequência temporal, como de fato faz aqui: “Seis dias depois”.

 

Esta referência liga o episódio com o narrado anteriormente, nas imediações de Cesaréia de Filipo onde, depois da confissão de fé de Pedro, Jesus anunciou sua própria cruz e as consequências para seus discípulos (ver 8,27–9,1). O relato se entende, em relação de contraste, à luz do anúncio da Cruz.

 

A pausa dos seis dias poderia entender-se como um espaço de silêncio para acolher e assimilar o anterior. Pedro ali havia manifestado uma primeira resistência ao anúncio de Jesus. Contudo Jesus não o havia deixado pra trás, mas ampliado seu ensinamento (ver 8,34–9,1). Prepara-se, assim, o cenário para a forte experiência que os discípulos farão de Jesus:

 

Uma eleição

 

Apesar da reação negativa que Pedro teve ante o anuncio da Cruz (cf. 8,32) e da dura resposta de Jesus (8,33: “Arreda-se de mim, Satanás”), o Senhor “toma consigo a Pedro”, junto com “Tiago e João”, para levá-los a uma montanha alta. Esta é uma das três vezes que Jesus separa e leva consigo estes mesmos três discípulos (ver 5,37: a ressurreição da filha de Jairo;14,33: a oração no Getsemani), todos eles chamados na primeira hora. O fato que sejam três alude ao futuro testemunho que deveriam dar do acontecimento.

 

O texto de Deuteronômio parece estar de fundo: “Uma única testemunha não é suficiente… A causa será estabelecida pelo depoimento de dois ou três testemunhas” (19, 15). Porém, tem que ter presente que, por este fato, a experiência se dirige somente a eles, não se tem em conta outras pessoas. Isto está reafirmado na expressão “sozinhos” (v.2): Jesus cria um espaço de intimidade com os três discípulos que separa do resto.

 

Uma montanha

 

Não sabemos de que montanha se está falando dentro da geografia da Palestina. A tradição assinala o monte Tabor, relativamente próximo de Nazaré. Outros, recentemente, hão proposto o monte Hermon, já que Jesus, na cena anterior, estava muito próximo dali. Em todo caso, a menção da montanha cria uma atmosfera espiritual que nos remete ao que havia sucedido no monte Sinai, o monte no qual o contato de Moisés com Yahveh o levou a refletir em seu rosto a Glória do Senhor (ver Ex 34,35).

 

E não só isso. Em uma cena prévia, quando Moisés subiu a montanha (Ex 24,12), se diz: “A glória de Yahveh pousou sobre o monte Sinai, e a nuvem o cobriu durante seis dias. No sétimo dia, Yahveh chamou Moisés do meio da nuvem” (24,16). Há aqui dois pontos de contato claros com o relato da Transfiguração. Pode-se intuir, na lógica de nosso relato, que “seis dias depois” do anuncio da Paixão, se escutará uma palavra de Deus Pai em pessoa.

 

Primeira parte da revelação: Jesus é transfigurado (vv.2b-6)

 

O centro do relato é uma teofania: a glória de Deus se manifesta neste mundo na pessoa de Jesus; e na obra que faz e Palavra que pronuncia, o Pai, a favor dele. A primeira parte da revelação está caracterizada pela “visão”: “Vê-se” Jesus com novo aspecto; “Vê-se” dois personagens celestiais. Frente a isso se apresenta uma primeira reação de Pedro e os outros discípulos que mostram não ter captado o sentido da visão. Vejamos a entrada sucessiva dos personagens e suas ações:

 

Jesus (v.2b)

 

O acontecimento está descrito com poucas palavras. O essencial é que é uma obra de Deus na pessoa de Jesus (literalmente, em grego: “E seu aspecto foi transformado”). Jesus não se transfigurou a si mesmo, Ele “foi” transfigurado: foi Deus quem o realizou isto nele. O efeito desta transformação do aspecto de Jesus se descreve em seguida: “Suas vestes tornaram-se resplandecentes, extremamente brancas, de uma alvura tal que nenhum lavadeiro na terra poderia alvejar” (v.3). O branco alude uma realidade celestial; é o distintivo de quem pertence ao mundo de Deus (ver, por exemplo: Ap 3,5).

 

O evangelista acentua mais que os outros a brancura das vestes de Jesus. O que ocorre é em função dos discípulos: “diante deles”. Pode-se entender isto: graças ao poder de Deus, Jesus se faz visível ante os três discípulos com a mesma figura que terá em sua ressurreição, quando em sua entronização messiânica, participe plenamente na vida divina (ver Mc 16,5).

 

Moisés e Elias (v.4)

 

A entrada em cena destes dois personagens que já não pertencem ao mundo terreno está assinalada pela expressão: “E lhes apareceram” (v.4).  Isto indica duas coisas: (a) Assim como a transfiguração do Mestre, o objetivo de tal “aparição” são os discípulos; e (b) Trata-se de uma manifestação da parte dos personagens celestiais (“foi visto” ou “se fez ver”), não o resultado do esforço humano.

 

Porém, não só apareceram aos discípulos, mas “conversavam com Jesus” (v.4). Os três aparecem, então, no mesmo plano: o divino. Qual foi o conteúdo da conversa? Não se disse. O que importa é que conversam na presença dos discípulos.

 

Moisés e Elias são figuras proeminentes na Bíblia. Porém, o que indica sua presença nesta cena? O fundo do Antigo Testamento aqui recebe vida:

  • Moisés, mencionado primeiro, foi o intermediário de Deus na entrega da Lei a seu povo. Isto já havia sido recordado por Jesus no evangelho de Marcos (ver 1,44; 7,10; 10,3; 12,26).
  • Elias, profeta de fogo, não só é importante por ser um dos fundadores da profecia bíblica, mas porque, nos tempos de Jesus, se relacionava a vinda do Messias com um “retorno” seu (ver a profecia de Ml 3,22-24; por certo, neste texto se mencionam juntos a Moisés e Elias).

 

Ademais, Moisés e Elias são os únicos personagens do Antigo Testamento que sobem o monte Horeb-Sinai (na tradição se crer que é o mesmo monte). Ali Moisés recebeu a Lei e selou a Aliança (ver Êx 19-40). Ali Elias se refugiou quando foi perseguido pela malvada rainha Jezabel, recebendo uma nova manifestação de Deus que alentou seu ministério profético para que o povo vivesse a fidelidade à Aliança (ver 1Re 19,1-18).

 

O tema da Aliança parece, então, passar aqui a um primeiro plano. A missão de Jesus, com sua cruz incluída, deverá ser compreendida dentro deste amplo e magnífico horizonte.

 

Pedro e os outros dois discípulos (v.5)

 

A frase explicativa do v.6 justifica a reação de Pedro e seus companheiros: o “medo”. O acontecimento os supera, eles não são capazes de lê-lo corretamente. É uma maneira de dizer que ainda não está a altura da grandiosa revelação, assim como, tampouco estiveram nas cenas da barca, e como não estarão as mulheres na cena do túmulo vazio (ver 4,41; 6,49.50 e 16,8).

 

Pedro, tal como acontece na cena anterior da confissão de fé e da reação ante o anuncio da Cruz, é quem toma a iniciativa em nome de todos. Dentro de seu “temor”, as suas palavras parecem inapropriadas, não estando à altura do acontecimento: ante um evento celestial não cabe à proposta de fazer tendas terrenas. Uma vez mais Pedro não entendeu nada. A única resposta adequada que Pedro poderá dar será aquela que lhe seja indicada do alto, como, efetivamente, ocorre a seguir.

 

Segunda parte da revelação: Deus revela Jesus como seu Filho (vv.7-8)

 

Ainda que o que acaba de acontecer seja grandioso, o que vem agora será ainda mais. Desta vez uma nova “visão” se complementa com a “audição” da voz de Deus Pai. É preciso notar que também nesta parte se acentua que tudo está referido aos discípulos: (a)  Ao princípio a nuvem: “cobrindo-lhes…”; (b)  Logo a voz está dirigida a eles: “ouvi-o”; e (c) Finalmente fica “Jesus estava sozinho com eles”.

 

A nuvem (v.7ª)

 

Como narra o livro do Êxodo, no Sinai, a “nuvem” foi imagem do próprio Deus que faz visível sua glória, foi o sinal da presença escondida e poderosa de Deus: (ver 19,9; 20,21; 24,18 e 34,5). Esta é a manifestação da “Shekinnáh”, isto é, da “glória de Deus” que “habita” a terra (ver Ex 40,34). Não são os homens que fazem habitação para Deus, mas Deus é que neles habita. Como, efetivamente, comenta a respeito Santo Agostinho: “Vede como a nuvem forma uma única tenda!”.

 

A voz do Pai (v.7b)

 

É Deus mesmo quem fala da nuvem (no texto grego notamos um jogo de palavras entre “nefelē” (nuvem) e “fōnē” (voz). É o mesmo que havia ocorrido em Êxodo 24,16, quando Deus se revelou ao sétimo dia a Moisés.

 

As palavras reveladoras do Pai têm duas partes:

 

  • Uma declaração: “Este é meu Filho amado”. Uma afirmação da identidade de Jesus, na mesma linha que propôs o título da obra (ver 1,1) e como já havia dito o próprio Pai, a Jesus, no Batismo (ver 1,11): Entre Jesus e o Pai tem um vínculo inédito e profundo de amor!

 

  • Um mandato: “Ouvi-o!”. Indica-se qual é a resposta adequada frente à pessoa de Jesus, qual é a maneira de exercer o discipulado: a escuta pronta, continua e incondicionada.

 

Por fim temos a resposta à pergunta feita pelos discípulos no lago: “Quem é este…?” (4,41). Porém quem revela Jesus é o próprio Deus Pai. Ele mesmo é quem indica a atitude fundamental do discipulado: a escuta do Mestre.  Aqui, também, nos é dito com que autoridade Jesus tem pronunciado seu ensinamento anterior sobre sua Cruz e a do discípulo (ver 8,31-9,1). Em poucas palavras, nos ensinamentos de Jesus quem fala é o Filho de Deus. E tudo isto acontece em presença de Moisés e Elias.

 

Diferente de Moisés e do profeta Elias, Jesus não é o que recebe a revelação, mas aquele que é revelado, nele repousa a vontade de Deus que todo homem está chamado a viver. O “Filho de Deus” os supera notavelmente. O que diz o Antigo Testamento – a Lei (Moisés) e os profetas (Elias) – já não vale em si mesmo, senão na medida em que se escuta o “Filho de Deus”.

 

Jesus e os discípulos de novo “sós” (v.8)

 

Nesta segunda revelação não há reação dos discípulos, nem boa (de compreensão) nem má (de temor). Só temos um novo dado: eles “viram”. E que veem a Jesus e a ninguém mais. O momento conclusivo da revelação aos discípulos é idêntico ao começo: “Jesus sozinho com eles” (ver 9,2ª).

 

Agora vêem o Jesus de sempre, aquele com o qual “estão” cotidianamente (ver 3,14), porém, isso sim, com um novo dado que complementa o conhecimento que tinham de seu messianismo: o Cristo é o Filho de Deus. Os discípulos estão sendo convidados a ver a Jesus sob uma nova luz, a captá-lo de um modo novo.

 

Conclusão: A descida da montanha (v.9)

 

À “subida” (9,2) corresponde, agora, a “descida”, a qual implica um retorno à vida cotidiana. Uma vez mais vemos Jesus tomando a iniciativa sobre seus discípulos e conduzindo-os: ordena-lhes silenciar o acontecimento. Porém, a ordem não é definitiva, tem um “até que”. Com a ressurreição de Jesus se suspenderá a proibição.

 

O silêncio faz parte da pedagogia de Jesus: frente à revelação da “filiação” seus discípulos necessitam de tempo para compreender, necessitam percorrer ainda o caminho que conduz até a Cruz, onde outro silêncio, ou aparente silêncio de Deus, levá-los-á ao escândalo que levará o discipulado a um profundo aniquilamento.

 

Esta é a segunda vez que Jesus Cristo manda os discípulos se calarem. A primeira vez, em 8,30, após a confissão de que Ele era “o Cristo”, e a segunda, agora, depois da revelação de sua identidade como “Filho de Deus”.  Este é, então, e digamo-lo, agora, desde uma perspectiva positiva, o silêncio contemplativo que dispõe ao discípulo para a acolhida plena desta revelação no doloroso caminho da Cruz. Só o discípulo que escuta e compreende este mistério, poderá ser missionário da vida no dia pascoal.

 

Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração

 

  • Em que circunstâncias Jesus oferece estas revelações a seus discípulos? A quem nos remete a menção dos ‘seis dias’ e da ‘montanha’? Por que a compreensão da Cruz (de Jesus e do discípulo) requer um tempo a sós com o Mestre?
  • Que significa a presença de Moisés e Elias na cena da transfiguração de Jesus? Como é a relação de Jesus com Deus e que implicação tem para o discipulado?
  • Mais ainda, Como é que podemos captar na Cruz a revelação definitiva de Jesus como “Filho de Deus” e reconhecer suas consequências para nossas vidas? No caminho para a Páscoa, que lição me dá o relato da transfiguração?

 

 

SEXTA-FEIRA

Mateus 16,24-28

SEGUIR FIELMENTE AO MESTRE

“Se alguém quer me seguir…”

 

Qual o modo de “pensamento de Deus”, que Pedro e os discípulos devem aprender? O verdadeiro discipulado não se alcança fácil porque é um “seguir fielmente” (16,24c) o exemplo do Mestre Jesus e isto tem seu preço.

 

É assim como começa uma instrução de Jesus, “a seus discípulos”, sobre a natureza do discipulado.

O ensinamento tem três partes:

  • O “Que”: (uma sentença + um “porque”): Se o Mestre Jesus suporta um caminho de sofrimento e morte (16,21-23), igualmente os discípulos estão chamados a dar suas vidas e carregar a cruz (16,24). Dá-se a motivação fundamental para fazer (16,25: um paralelo que contrapõe “salvar a vida” / “perder a vida”).
  • O “Argumento”: (uma sentença + um “porque”): Com duas perguntas retóricas (que trazem implícita a resposta), uma positiva e uma negativa, Jesus ensina que há que “transcender”, que vida plena não se ganha neste mundo (16,26), mas no vindouro (16,27). Aqui se dá uma contraposição de valores: “ganhar o mundo inteiro” / “ganhar a vida”.
  • A “Verificação”: (um segundo aspecto do “porque” anterior): Na confrontação final com Jesus, que virá em sua glória de “Filho do homem”, se verá quem foi verdadeiro discípulo, a partir de um critério fundamental: “Sua conduta” (16,27). Temos uma série de frases que se desprendem da proposta fundamental do “negar-se a si mesmo, tomar a cruz e seguir” a Jesus.

 

É difícil pensar que se possa pedir algo mais alto, mais duro, a um ser humano. Porém, o que se tem em vista é a “Vida”: notemos como nos vv.25-26 se repete quatro vezes o termo “Vida”. Até parece que se está falando em termos negativos, ao propor “tomar a cruz”, mas, sem dúvida, toda a ênfase do ensino é de um insondável valor positivo: a vitória da Vida.

 

Seguir ao Mestre carregando a Cruz (16,24-25)

 

“Se alguém quer me seguir…”. Depois da imprudente, porém honesta, reação de Pedro, Jesus ensina que ser discípulo significa segui-lo no caminho para Jerusalém, onde lhe espera a Cruz. Entrar nesta rota supõe uma escolha livre: “Se alguém quer”.

 

No horizonte está a Cruz de Jesus, a qual foi Ele o primeiro a tomar.  Ante ela, e imitando ao Mestre o discípulo faz três coisas:

  • Se “nega a si mesmo”: significa não antepor nada ao seguimento. O valor de Jesus é tão grande que se é capaz de deixar de lado o que possa ir em contradição com Ele e seus ensinamentos.
  • “Toma sua (própria) cruz”: Estar pronto a seguir levando a cruz implica estar pronto a dar a vida. Pode entender-se como: a radicalidade de quem está disposto a ir até o martírio para manter sua opção por Jesus; fortaleza e perseverança frente aos sacrifícios e dissabores que a vida cotidiana do discípulo comporta; capacidade de “amar” e transformar a adversidade em fonte de vida.
  • “Segue” a Jesus: Em fidelidade ao Mestre, como alguma vez propôs São Francisco, o discípulo põe cada passo na rota do Mestre.  A motivação fundamental é esta contraposição: Pois quem quer salvar sua vida, a perderá, porém quem perder sua vida por mim, a encontrará (16,25). Estas duas possibilidades, postas agora em consideração, iluminam o sentido do seguir a Jesus com a cruz partindo da ideia da vida. Em poucas palavras: a meta do discipulado é encontrar a vida, o qual corresponde ao desejo mais profundo de todo ser humano.

 

Agora, esta meta pode ser alcançada, ou não, somente de maneira radical, não há soluções intermediárias. A vida, aqui, e mais além da morte, se consegue mediante um gesto supremo de doação da própria vida.

 

Há falsas ofertas de felicidade (ou “realização da vida”) que conduzem a perca da vida; a vida é sempre um dom que não podemos dar a nós mesmos, ao contrário, pensamos que sempre estamos em capacidade de dar. Nesta lógica, quem perde a própria vida por Deus e pelos demais, “a achará”. O discipulado, sob a perspectiva da cruz, não é um caminho de infelicidade, ao contrário: O sentido último do seguimento é alcançar a vida!

 

Uma sábia decisão que tem que tomar com base em argumentos sólidos (16,26)

 

Em seguida Jesus expõe duas perguntas que levam a conclusões irrefutáveis. Estas estão formuladas de tal maneira que só podem ter uma resposta negativa: “De que servirá ao homem ganhar o mundo inteiro, se arruinar sua vida?”; resposta óbvia: “De nada”. “Que pode dar o homem em troca de sua vida?”; resposta obvia: “Nada”.

 

Para captar o específico do que disse Jesus há que considerar a característica própria da ideia da vida. Não se fala aqui da vida como de um valor biológico, de uma vida longa e Oxalá com boa saúde. Trata-se do sentido da vida. A verdadeira vida, a qual, segundo a Bíblia Sagrada, se alcança na comunhão com Deus, se conquista, em última instância, mediante o seguimento de Jesus. O seguimento de Jesus é, então, um caminho completamente orientado à vida, à existência plena e realizada.

 

Esta, se põe em risco quando se vive de modo equivocado, quando se constrói sobre falsas seguranças. Ao referir-se ao que quer “ganhar (=conquistar) o mundo inteiro”, Jesus denuncia a falsa confiança posta em propriedades, conquistas e ideais terrenos e riquezas.

 

A isto já tinha se referido, o evangelista, no relato das tentações de Jesus: a busca e o apego ao poder, ao prestígio, ao que é terreno, como caminhos de felicidade ou como metas de vida. Ninguém pode dar-se a si mesmo a vida e seu sentido. Assim havia expressado já o Salmo 49,6-8: “Por que temer em dias de desgraça / quando me cerca a malícia dos que me hostilizam,/ o que põe sua confiança em sua fortuna/ e se gloria de sua grande riqueza? / Se ninguém pode redimir-se (a si mesmo) / nem pagar a Deus seu resgate!”.

 

Porém, é verdade que se o Salmo 49 é uma advertência sobre a morte, o Evangelho prefere enfatizar a verdadeira vida. Portanto, um sério perigo ameaça a quem quer, desaforadamente, “ganhar” o mundo inteiro apoiando-se em imagens de felicidade que parecem converter-se em fins em si mesmos, entre eles a carreira profissional, o prestígio ou o orgulho pelas próprias conquistas.

 

O verbo em futuro, na expressão “de que servirá ao homem?”, convida a por o olhar no tempo final, no qual cada um verificará em si mesmo se tem conquistado ou não o objetivo de sua vida.

 

A responsabilidade do discípulo no tempo final: dar conta da “práxis” (16,27)

 

Porque o Filho do homem há de vir na glória de seu Pai, com seus anjos, e então pagará a cada um segundo sua conduta”. Finalmente, e estendendo, mais ainda, o olhar para o futuro, Jesus faz referência ao tempo final da vinda do Filho do Homem: onde se valoriza a vida como um todo. A valorização está nas mãos do Filho do homem; os anjos aparecem formando sua corte.

 

A expressão “na glória de seu Pai” indica Jesus como Filho de Deus. O “Filho do homem” que, havendo passado pela humilhação e a rejeição, culmina seu caminho triunfante, é, em última instância, o “Filho de Deus”; o mesmo a quem Pedro, sem captar todas as implicações, havia confessado como tal, um pouco antes. Diante do “Filho” por excelência se manifesta a verdade de todo homem.

 

Neste momento de revelação final, cada homem deve responder por sua vida. Este é um pensamento bíblico bem afirmado (Sl 62,13; Pr 24,12; Rm 14,12; 1 Cor 4,5; 2 Cor 5,10). Particularmente para o “discípulo” de Jesus é a hora da verdade de seu discipulado. A síntese do critério de juízo sobre o agir humano não é o que este tem dito ou prometido fazer (Mt 7,21-23) mas seu “fazer” real: “Pagará a cada um segundo sua conduta” (em grego disse “práxis”).

 

No Sermão da montanha, Jesus havia dito: “que fazer a vontade de meu Pai celestial” (7,21) e também “por seus frutos os conhecereis” (7,16ª); também na parábola do rei: “quanto fizestes… quanto deixastes de fazer” (25,40.45). Esta práxis não está referida só a ações particulares, como pensavam os rabinos, mas ao estilo de vida, a vida entendida como unidade.  Enfim, não é suficiente fazer belas confissões de fé de boca, como vimos semana passada. O discipulado é modelar a vida inteira na dinâmica do seguimento do caminho à Cruz para receber ali, do Pai, a vida ressuscitada.

 

A Cruz não é só para ser contemplada, mas para fazê-la realidade em todas as circunstâncias da nossa vida. Deste modo, o discípulo reconhece e assume o destino de seu Mestre no seu próprio destino. O discipulado é um caminho de vida, uma verdadeira vida que vale a pena descobrir. E é para todos, não só para os apóstolos.

 

  1. Cultivemos a semente da Palavra no coração

 

  • Que é discipulado? Quais os requisitos? Como aparece o caminho de Jesus para Jerusalém? Que caminho está chamado a percorrer o discípulo de Jesus? Por que fazê-lo?
  • Por que Pedro reagiu negativamente ante o anuncio da cruz? Como reajo frente meus sofrimentos, dificuldades e adversidades? Que digo? Que “visão” se esperaria que tivesse um discípulo de Jesus?
  • Não caminhamos sós, mas em Igreja. Em que me implica, este evangelho, com respeito à minha família, à minha comunidade? Que deve diferenciar-nos ante outros modelos de felicidade que traça a sociedade?

 

 

 

SÁBADO

Mateus 17,14-20

O PODER DA FÉ.

“Por que nós não pudemos expulsá-lo?”

 

As historias de fé que nos tem acompanhado ao longo dessa semana na “Lectio Divina” podem ser relidas neste sábado desde este ponto de vista: temos a fé suficiente para operar transformações profundas em nossa vida e na dos outros?

 

Chama à atenção como um atribulado pai de um menino, o qual carrega uma enfermidade que parece ser a loucura e a epilepsia, lamenta-se diante de Jesus porque os discípulos foram incapazes de realizar a cura: “apresentei-o a teus discípulos, porém eles não puderam curá-lo” (17,16).

 

A frase “não puderam” soa trágica, tratando-se de discípulos que Jesus capacitou: “deu-lhes poder sobre os espíritos imundos para expulsá-los e para curar toda enfermidade” (Mt 10,1). O fracasso dos discípulos tem a ver com aquilo que é a razão de ser de sua missão, não é um problema secundário.

 

Este texto ilumina situações semelhantes na vida da Igreja: (a) quando uma missão fracassa (as pequenas comunidades se acabam); (b) quando enfrentamos um desafio pastoral e, ao final, descobrimos que não podemos fazer nada, ou talvez, só muito pouco; e (c) quando uma pessoa, que inicia um caminho de conversão, a principio o faz entusiasmado, mas, aos poucos, se dá conta que seus pecados ganham a batalha.

 

Frente a toda sensação de cansaço e de desilusão é que se pronuncia este evangelho: “Por que não pudemos?” (Mt 17,19). No momento da realização do milagre fica claro que em Jesus está todo poder: “Jesus ordenou e o demônio saiu dele; e ficou curado o menino desde aquele momento” (17,18). Porém, aparece também um aspecto que introduz a resposta final da parte de Jesus: os discípulos não estão em completa sintonia com Jesus.

 

O contexto desta passagem é o anuncio da Cruz, fato que os discípulos ainda não haviam aceitado: “E eles o matarão, mas no terceiro dia ressuscitará. E eles ficaram muito tristes” (17,23). A resposta de Jesus ao pedido de explicação de seus discípulos vai à altura: “Por vossa pouca fé” (17,20a). Jesus não encontra a fé que pede, nem em seus discípulos, nem no povo (“Geração incrédula”, 17,17). Fé em que?

 

Ora, Pedro, em nome de todos, já havia confessado a fé em Jesus (“Simão Pedro, respondendo, disse: ‘Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo”, 16,16). Sem dúvida, ele mesmo, que já havia sido chamado, antes, de “homem de pouca fé” (14,31), se opôs ao anuncio da paixão (“Pedro, tomando-o à parte, começou a repreendê-lo, dizendo: “Deus não o permita, Senhor. Isso jamais o acontecerá”, 16,22).

 

A questão não é saber dizer quem é Jesus, mas identificar-se com o que Ele é e com o seu caminho; é aqui onde a fé começa a debilitar-se. E só em comunhão com Jesus se pode realizar a missão, de outra maneira é inútil é esforço. Jesus pede pelo menos o “mínimo”, por isso cita o provérbio que se refere ao menor: “como um grão de mostarda” (17,20b).

 

A fé que Jesus encontra nos discípulos é “pouca”, ou melhor, é praticamente nula. A mínima fé já é uma grande fé e alcança o que parece impossível: trazer a salvação, fazer milagres, levar aos outros também a um caminho de fé.

 

Jesus, que expulsou o demônio com o poder de sua Palavra, também fala do que faz uma palavra dita com fé, quer dizer, em comunhão com Ele, enquanto Senhor morto e ressuscitado: mudar de lugar uma montanha (17,20c). O poder da fé não é mais que o exercício do poder da Palavra que já tem sido aceita na própria vida: a Palavra da Cruz e da Ressurreição, força poderosa que transforma o mundo.

 

Um apóstolo é aquele que, fazendo o caminho da Cruz junto com seu Mestre, vive, a fundo, o poder da vida que brota da Cruz ressuscitada e é capaz de fazer presente esse poder no mundo para realizar grandes transformações ali onde o mal parece reinar.

 

Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração

 

  • Que pretende suscitar em nós o evangelho de hoje?
  • Há alguma situação difícil, pessoal, familiar ou social, que, “tendo ficado grande”, não consigo superar, apesar de todas as orações que tenho feito? Que tenho que fazer?
  • Que relação tem a fé dos discípulos com o anuncio da Paixão e Morte de Jesus? Que se entende então por fé nesta passagem?

Deixe uma resposta

%d blogueiros gostam disto: