O caso Lázaro: Psicopata tem cura? O que a igreja diz?
É possível falar em arrependimento? Como se aplica a doutrina sobre legítima defesa? Que medidas podem ser aplicadas a um psicopata?
Opsicopata Lázaro não tem cura, afirma o psiquiatra forense Ulysses Castro, segundo reportagem do Jornal de Brasília. O especialista foi consultado a respeito do complexo perfil de Lázaro Barbosa, o criminoso de 32 anos que tem estado no olho do furacão midiático ao longo das últimas duas semanas tanto por conta do seu chocante histórico de crimes brutais quanto da extraordinária habilidade em driblar uma gigantesca operação policial que foi acionada para capturá-lo.
Transtorno de Personalidade Antissocial Grave
Segundo Ulysses Castro, as informações disponíveis sobre Lázaro Barbosa parecem indicar que o assassino foragido apresenta um Transtorno de Personalidade Antissocial Grave, o que é comumente chamado de psicopatia. Esse transtorno se caracteriza por tendências marcantes ao narcisismo extremo e à manipulação, mas também à ausência de empatia pelo próximo e a um exacerbado sadismo diante do sofrimento dos demais:
“A história dele é de estupro e assassinatos cruéis. É muita crueldade e tentativa de infligir sofrimento ao outro para obtenção de um prazer, muitas vezes, sexual”.
Ulysses acrescenta que a tendência de Lázaro ao narcisismo e à manipulação dos outros poderia ser tamanha que ele até se entregaria à polícia para deixar claro que só foi preso porque ele próprio assim permitiu:
“Será justamente o que ele quer: o encanto. Ele vai virar um líder dentro do presídio por não ter sido preso por essa quantidade de policiais”.
O sargento Valter Lourenço dos Santos, da polícia militar da Bahia, sustenta a mesma possibilidade:
“Quando se sentir cansado e gastar todos os recursos que tem, talvez ele procure alguém para ajudá-lo a se entregar sem correr o risco de ser morto”.
O sargento Valter comandou a primeira caçada a Lázaro em 2008, quando o criminoso assassinou um homem que o impediu de consumar um estupro no interior da Bahia. Também naquela ocasião o jovem conseguiu passar 15 dias eludindo a polícia na caatinga e só foi preso porque ele mesmo resolveu entregar-se. Poucos dias depois, no entanto, voltou a fugir com facilidade.
A mulher que esteve a ponto de ser estuprada por Lázaro há quase 13 anos continua traumatizada até hoje pela violência que sofreu. Com o criminoso à solta, ela declarou que teme o seu retorno à Bahia: segundo declarações do pai da mulher, ela se diz “assombrada” com essa preocupação.
Pai e mãe de Lázaro falam em “monstro” e “perturbação do demônio”
A própria mãe de Lázaro, Eva Maria de Souza, afirmou a repórteres que acredita que o filho seja “perturbado por um demônio”. Em entrevista à TV Bahia, Eva também afirmou esperar que o filho seja preso “para esclarecer todas as verdades”.
Edenaldo Barbosa, o pai, chegou a afirmar que Lázaro é um “monstro”. Acusado depois por familiares de ter sido violento com o filho durante a sua infância, Edenaldo negou as declarações. Segundo ele, o jovem foi criado pela mãe e pelo padrasto. Nesta semana, Edenaldo fez novas declarações afirmando não ter medo do filho, mas sim “das barbaridades e das coisas que ele vem aprontando”.
Conforme publicado pelo Diário do Nordeste, Edenaldo acrescentou que gostaria que o filho “se entregasse e voltasse a tempo”. Declarou também que não deseja a morte “nem para ele, nem para ninguém” e garantiu que perdoaria o filho “se ele vier chorando, pedindo desculpa, pedindo perdão e tudo, mas com arrependimento dentro do coração”.
Eis uma questão crucial: este arrependimento é possível?
Psicopata Lázaro não tem cura, afirma psiquiatra
O psiquiatra forense Ulysses Castro considera, a propósito de eventual “tratamento”, que o transtorno de Lázaro é hoje incurável porque a ciência não possui meios eficazes para modificar esse perfil:
“Na psicofarmacologia, nós não temos drogas que vão tratar. No caso da psicopatia, de um transtorno de personalidade, já faz parte desde a infância e adolescência com perversões e maus-tratos com animais e pessoas (…) Além de uma psicoterapia intensiva, não há o que fazer. Uma das coisas do psicopata é que ele não é um doente mental: ele tem uma perturbação da saúde mental. Ele não está: ele é daquele jeito”.
“Ele não está brincando”
A criminóloga Ilana Casoy também fez afirmações impactantes sobre o perfil e o comportamento de Lázaro:
“Ele não está brincando: vai atirar para matar”.
Especialista em assassinos seriais ou “serial killers”, pelo termo em inglês popularizado mundo afora, Ilana é autora dos livros “O quinto mandamento” (Arx, 2006), sobre o caso de Suzane von Richtofen, e “Casos de família” (Darkside, 2016), sobre o assassinato da menina Isabella Nardoni. A criminóloga não teve contato direto com Lázaro Barbosa e esclarece que é cedo para um relatório psicológico, mas, ao mesmo tempo, é enfática em afirmar que ele “precisa ser parado” com urgência devido à sua periculosidade extrema:
“Não é hora de pensar se ele é um serial killer, se teve uma infância traumática ou não, se ele é frio, psicótico, esquizofrênico, psicopata. Ele pode ser muitas coisas. Ele é um abusador em série? É obvio. Ele tem várias condenações por estupro. Agora, que tipo de abusador que ele é? Tem vários. Ainda não sabemos (…) A única chance de resposta é ele contando, e a chance é com um bom interrogatório. Que o cara é um homicida, não resta dúvida. O nosso papel é apoiar as polícias para fazer um bom trabalho tático e prender o fugitivo”.
Já existem, no entanto, informações relevantes sobre a psicologia de Lázaro. Um laudo criminológico de 2013 aponta que ele tem características de personalidade como “agressividade, ausência de mecanismos de controle, dependência emocional, impulsividade, instabilidade emocional, possibilidade de ruptura do equilíbrio, preocupações sexuais e sentimentos de angústia”. O documento deixa claro, além disso, que ele “tinha consciência de suas atitudes”.
É relevante observar que o mesmo laudo também registra que Lázaro assume os seus atos e percebe o sofrimento que causa. A avaliação sugere ainda uma relação entre os crimes do psicopata e a dependência química: segundo o laudo, ele abusava de bebida alcoólica antes da sua reclusão e se viciou em crack após a prisão.
O que diz o catolicismo sobre os psicopatas?
O eremita Vanderlei de Lima, da diocese de Amparo, SP, é autor do livro “Psicopatas: quem são? Como agem? Que fazer com eles“, lançado em 2020 pela editora Ixtlan. Graduado em Filosofia (PUC-Campinas) e pós-graduado em Psicopedagogia (UNIFIA-Amparo) com extensão universitária em Bioética e Tecnociências (PUC-Campinas), o autor aborda nesta obra dois panoramas complementares sobre os psicopatas: primeiramente, a definição e os graus de psicopatia, e, numa segunda parte, as questões teológicas católicas relacionadas com o assunto.
A propósito da visão católica, Vanderlei encara perguntas frequentes sobre temas como a existência ou não da “maldade de nascença”, a moralidade da pena de prisão perpétua para os psicopatas ou a imputabilidade ou não de pecado mortal ao psicopata dada a sua suposta carência de consciência moral objetiva. A obra trata ainda do conceito de legítima defesa quando se chega ao ponto de matar um psicopata como injusto agressor.
Vanderlei de Lima comenta:
“O psicopata não é, de modo algum, um doente mental no sentido corrente do termo. Ele tem, em linguagem popular, ‘defeito de fábrica’, que se caracteriza por ser 100% razão e 0% emoção. Sabe o que faz, quando faz, onde faz e com quem faz. Enquanto um doente mental – esquizofrênico em certo grau, por exemplo –, fica nu no meio de uma praça movimentada, o psicopata premedita, passo a passo, todos os seus atos, de modo que nunca um desses seres molestou, nem molestará, uma criança em local público. E, exatamente por bem saber o que faz, tem de ser punido”.
Sobre a punição, ele afirma a necessidade da privação de liberdade do psicopata:
“Uma vez comprovada a psicopatia, [é preciso] prendê-lo por tempo indeterminado e em local isolado dos demais presos. Tal isolamento não o afeta em nada, pois o psicopata não cria vínculo afetivo com ninguém”.
Vanderlei declara que, em casos extremos, pode não haver alternativa alguma senão imobilizar o psicopata mesmo que seja mediante o uso de arma de fogo:
“Com um psicopata em ação com reféns, não há, via de regra, como negociar. É preciso imobilizá-lo com tiros certeiros (nem sempre letais) antes que ele mate sua inocente vítima”.
No tocante à legítima defesa, a Igreja tem diretrizes bastante claras. Tanto os Doutores da Igreja quanto o Magistério afirmam que a autodefesa legítima não é apenas um direito, mas, em certos casos, é também um dever.
Catecismo e legítima defesa
O Catecismo considera preliminarmente que matar um ser humano é sempre grave e jamais pode ser encarado como coisa trivial. Estabelecida esta premissa, acrescenta que o princípio fundamental da moralidade é o amor e a preservação de si mesmo (nº 2264), o que torna legítimo “zelar pelo respeito ao próprio direito à vida”. Jesus, aliás, foi explícito ao afirmar que devemos “amar o próximo como a nós mesmos” em vez de “acima de nós mesmos”. O instinto de autopreservação decorre naturalmente do fato de que a vida é um bem recebido de Deus e temos o direito intrínseco e fundamental de defendê-lo.
Mas e quanto a defender os outros, também temos o mesmo direito? Na verdade, mais do que um direito, defender o inocente é um dever, tanto que podemos dar a própria vida por um bem maior, como foi feito pelo próprio Jesus e pelos mártires da Igreja, sem que isto equivalha a suicídio. O Catecismo explica em seu número 2265:
“A legítima defesa pode ser não somente um direito, mas um grave dever para o responsável pela vida de outrem. A defesa do bem comum exige que um injusto agressor seja impedido de causar danos. Por esta razão, aqueles que legitimamente detêm autoridade também têm o direito de usar de armas para repelir os agressores da comunidade civil confiada à sua responsabilidade”.
O Catecismo fala também da justificação da força letal quando não resta nenhuma outra escolha. Matar deve ser o último recurso, depois que todas as alternativas já tiverem sido tentadas. Citando São Tomás de Aquino, o número 2264 do Catecismo ensina:
“Quem defende a própria vida não é culpado de assassinato, mesmo que seja forçado a desferir no agressor um golpe mortal. Se um homem usar em legítima defesa mais violência do que a necessária, esta será ilícita: mas se repelir a força agressora com moderação, sua defesa será lícita (…) Não é necessário, para a salvação, omitir a autodefesa moderada a fim de evitar matar o outro, já que cada um deve cuidar da própria vida prioritariamente à de outra pessoa”.
E se Lázaro Barbosa for capturado com vida?
A diretriz que se vislumbra na doutrina católica é a de mantê-lo isolado da sociedade. O isolamento é um meio de, ao mesmo tempo, proteger as pessoas da sua periculosidade comprovada e proteger a vida do próprio Lázaro, que, excetuando-se os casos muito específicos de legítima defesa já expostos acima, não pode ser tirada por absolutamente ninguém além de Deus.
Psicopata Lázaro: o arrependimento é possível?
Por fim, a respeito da possibilidade ou não de arrependimento sincero por parte de um psicopata: existe esta possibilidade, afinal de contas?
Cabe recordar que “de internis neque Ecclesia“, ou seja, a Igreja não tem condições de afirmar nada sobre o que se passa na interioridade de um ser humano. Trata-se de uma realidade somente acessível ao “sacrário da consciência” de cada um e à onisciência de Deus, que “enxerga o que há no coração do homem”. É por isso mesmo, aliás, que a Igreja pode afirmar com certeza que alguém está no céu, mas não pode afirmar com certeza que alguém esteja no inferno.
Não existe, portanto, a possibilidade humana de julgar uma pessoa: este julgamento só é possível a Deus. Existe, porém, para nós, humanos, não só a possibilidade, mas também o dever moral de julgar os atos e as omissões das pessoas. É por isso que os crimes de qualquer autor, inclusive os de um psicopata, podem e devem ser objetivamente julgados e sentenciados, ao mesmo tempo em que, por amor ao próximo e em sua defesa legítima, o criminoso deve ser impedido de continuar representando um perigo real a quem quer que seja.
Por Francisco Vêneto, jornalista, filósofo e tradutor, via Aletéia.org