Estudo Bíblico na 18ª Semana Comum Ano B 2021

ESTUDO BÍBLICO NA 18ª SEMANA COMUM ANO B 2021

Comunidade Católica Paz e Bem

SEGUNDA-FEIRA

Mateus 14,13-21

  1. O contexto

Os sinóticos se referem a dois fatos principais ocorridos depois do martírio de João Batista: a volta dos discípulos de sua primeira missão e a resolução de Jesus de retirar-se com eles a um lugar isolado.

Se João Batista havia sido decapitado, Jesus está também em perigo (Lc 13,31ss). Por isso, ntes mesmo de regressarem os discípulos, e por haver sabido, Jesus, que Herodes pensava ser, Ele, João Batista ressuscitado, o Senhor decidiu deixar os domínios de Herodes, haja vista que não havia chegado ainda a sua hora.

A comoção popular pela morte de João Batista era profunda, e a fama de que Ele era o Precursor ressuscitado, levava a pensar que talvez Herodes o persiga, para evitar uma revolução popular, ou por instigação de Herodíades.

Enquanto Jesus realiza seu desígnio de retirar-se, e achando-se, talvez, na cidade de Cafarnaum, regressaram os Apóstolos de sua primeira missão. Ignora-se o tempo que o Mestre e os discípulos estiveram separados. O certo é que chegaram, estes, fatigados, de seu ministério.

Jesus, que ouve com júbilo a narração sobre a expansão de seu reino, piedoso e prudente Mestre como é, convida-os a ir com Ele a descansar em um lugar solitário; assim poderão voltar a seu ministério com novas forças: E disse: Vinde a sós comigo a um lugar solitário, e repousai um pouco.

Era impossível o repouso em Cafarnaum, onde eram por demais conhecidos Jesus e os apóstolos. À agitação comum devido à pregação e as curas se acrescentava a proximidade da Páscoa, que convertia a cidade marítima em centro de confluência das caravanas que subiam a Jerusalém, pois eram muitos os que iam e vinham.

Por isso se dirigiram à praia, e, entrando em um barco, se retiraram, a um lugar deserto, do território de Betsaída. Haviam duas cidades com este nome: uma na parte ocidental do lago, pátria de Pedro e André, e outra na parte oriental, para o norte, junto à desembocadura do Jordão. Chamava-se esta Betsaída Julias. A barca que conduzia Jesus e os Apóstolos aportou do outro lado do mar da Galiléia, isto é, de Tiberíades, junto à planície solitária que se estende ao sul de Betsaída.

  1. O texto

Como já vimos, durante estes últimos domingos estamos refletindo sobre o Reino de Deus através das parábolas de Jesus: o Reino é como a menor de todas as semente, é como o fermento, é a grande pérola preciosa, é um tesouro escondido…

Hoje é um milagre de Jesus que encerra estas considerações: o Reino é o grande banquete que Deus oferece aos pobres, enfermos, necessitados e indefesos. Assim havia sido predito por Isaias (primeira leitura) aos judeus que voltavam do desterro: ainda que sem dinheiro poderão comprar trigo em abundância, comerão e beberão até saciar-se.

Depois das reflexões dos domingos anteriores, não é difícil compreender que o Reino vem ao encontro dos mais necessitados; ou melhor dizendo: da humanidade necessitada. Deus sai ao encontro dos homens que caminham pela vida como se esta fosse um deserto estéril e hostil.

Assim diz Yhaweh no Antigo Testamento; assim diz Jesus no Novo Testamento: o Reino de Deus responde à realidade concreta dos homens e os assume assim tal qual são, com todas as suas carências, doenças e enfermidades.

Frente ao drama que vivem os homens, Deus não se queixa nem condena. Não lamenta, tampouco, tempos passados nem se desespera pelo porvir. Trata-se de uma característica da maturidade divina, qualidade na qual temos posto muito pouco nossa atenção…

Nosso texto se desenvolve em três pequenas cenas, todas elas tecidas entre si e ao mesmo tempo com sua própria mensagem:

  1. Jesus cura à multidão (vv.13-14);
  2. Jesus desafia seus discípulos (vv.15-18);
  3. Jesus alimenta a multidão (vv.19-21).
  1. Aprofundando o texto
  • Jesus cura à multidão (14,13-14)

Chama a atenção a sequência das ações de Jesus:

  • Viu” (=com atitude analítica),
  • Se compadeceu” (=com atitude de misericórdia, de apropriação) e
  • Curou” (=ação efetiva).

São três passos que somos chamados a exercitar em nós para fazer nossa vida semelhante à de Jesus.

E notemos que Jesus salva a vida de seu povo renunciando a sua própria comodidade (estava buscando “um lugar solitário”; v.13) e arriscando sua própria vida ao realizar uma atividade pública e massiva quando acaba de morrer João Batista e a situação se pôs perigosa também para Ele (Jo 14,12).

  • Jesus alimenta a multidão (14,19-21)

Jesus não só cura, mas que também sacia a fome do povo.  “Ao entardecer” (v.15ª). Segundo o costume israelita esta é a hora em que toma a comida principal do dia.

Têm razão os discípulos quando advertem que “a hora já está avançada” (v.15b; se entende que para atividades públicas), todos já deveriam estar em suas casas compartilhando a ceia com suas respectivas famílias ou, ao menos, na procura desta, nos povoados mais próximos (v.15c).

Notemos algumas particularidades:

  • A refeição que Jesus lhes oferece nesse entardecer é a comida com a que era habitual para gente simples camponesa: pão e pescado com sal;
  • A novidade é que Jesus vai oferecer o alimento com seu próprio poder. O fato de que estejam em “lugar desabitado” (v.15b; ou “deserto”) sublinha a grandeza da ação de Jesus;
  • É tal a abundancia que todos ficam saciados e até se recolhem doze cestas cheias de sobras.

Jesus se comporta como um pai que forma sua comunidade familiar reunindo-a, atendendo suas necessidades e ensinando-a a compartilhar solidariamente.

Os gestos principais de Jesus, que evocam os da Eucaristia (agradecer, partir, dar), nos mostram como é que Jesus forma sua comunidade.

  • Jesus desafia seus discípulos (14,15-18)

Justo em meio das duas cenas em que Jesus cura e alimenta, o evangelista Mateus insere um diálogo de Jesus com seus discípulos:

  • Ali lhes pede um impossível;
  • Ali interpela seu ceticismo, que aflora quando nos sentimos incapazes de mudar uma realidade;
  • Ali lhes ensina a confiar em seu poder.

Os discípulos, então, aprendem que Jesus tem poder e por esta via seguem descobrindo, pouco a pouco, a identidade de seu Mestre. Novamente nos encontramos no caminho da fé do discípulo e, desta vez, o evangelho coloca seu fundamento: a ação messiânica (e eucarística) de Jesus.

Jesus Cristo não só sacia a um povo, mas surpreende seus discípulos tomando o pouco que tem a comunidade para fazê-lo dom (multiplicado em suas mãos) para os demais.

Jesus Cristo é o solidário por excelência com a humanidade carente, Ele é o Messias de Deus que temos que descobrir.

O discipulado supõe um compromisso concreto de fé e de comunhão com as ações de Jesus para que todos vivam em plenitude e para que haja pão em todas as mesas. O primeiro passo da fé e do compromisso é dar com alegria e solidariamente do pouco que se tem.

  1. Aprofundemos com os nossos pais na fé
  • Santa Madre Teresa de Calcutá (1910-1997)

“Partiu os pães, deu-os aos discípulos e os discípulos os deram à multidão”

Não há maior amor. “Simplicidade da nossa vida contemplativa: ela faz-nos ver o rosto de Deus em cada coisa, em cada ser, em toda a parte e sempre!

E a sua mão, presente em cada acontecimento, faz-nos tudo realizar – a meditação e o estudo, o trabalho e a partilha, comer e dormir – em Jesus, com Jesus, por Jesus e à imagem de Jesus sob o olhar amoroso do Pai, enquanto estivermos dispostos a recebê-lo sob qualquer forma que ele se revista.

Fico maravilhada pelo fato de que, antes de comentar a Palavra de Deus, antes de anunciar as Bem-Aventuranças às multidões, Jesus Cristo, enchendo-se de compaixão para com elas, as tenha curado e alimentado. E só depois lhes começou a dar o seu ensinamento.

Ama a Jesus com generosidade, ama-o com confiança, sem olhares para trás de ti, sem apreensão.

Dá-te inteiramente a Jesus. Ele tomar-te-á como instrumento para realizar maravilhas com a condição de que tu estejas infinitamente mais consciente do seu amor do que da tua fraqueza. Acredita nele, entrega-te em suas mãos, num ímpeto de confiança cega e absoluta, porque ele é Jesus.

Acredita que Jesus, e só Jesus, é a vida; aprende que a santidade não é senão esse mesmo Jesus vivendo intimamente em ti; então ele será livre para fazer o que quiser contigo.      

  • São Beda Venerável

«Eu vou conduzi-la ao deserto e aí lhe falarei ao coração» (Os 2, l6)

Mateus dá mais explicações (que Marcos) sobre o modo como Jesus teve piedade da multidão, quando diz: «Ele teve piedade e curou os enfermos».

Porque ter compaixão dos pobres e dos que não têm pastor é, precisamente, abrir-lhes o caminho da verdade, instruindo-os; é fazer desaparecer as suas enfermidades físicas, cuidando-as, mas é também alimentá-los quando têm fome e, assim, encorajá-los a louvar a generosidade de Deus.

Foi o que Jesus fez… Mas Ele pôs também à prova a fé da multidão, e tendo-a provado, deu-lhe uma recompensa proporcionada.

Efetivamente, Ele procurou um lugar isolado, para ver se as pessoas teriam o desejo de segui-lo. E elas o seguiram. Eles tomaram, com toda a pressa, o caminho do deserto, não sobre burros ou veículos, mas a pé e, assim, mostraram, por este esforço pessoal, o grande cuidado que tinham com a sua salvação. Por seu lado, Jesus acolheu esta gente fatigada.

Como Salvador e médico cheio de poder e de bondade, instruiu os ignorantes, curou os doentes e alimentou os famintos, manifestando, assim, quanta alegria Lhe dá o amor dos que crêem.

  1. Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração:
  • Como vejo a realidade de meu povo e de minha comunidade hoje?

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  • Quais suas necessidades?

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  • Que relação existe entre a multiplicação dos pães e o exercício do pastoreio em uma família ou em uma comunidade?

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  • Que me ensina o relato da multiplicação dos pães para que meu compromisso como discípulo de Jesus seja real e efetivo?

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  • Que valor tem o compromisso solidário, desde uma vida de fé, com o irmão em nosso país?

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TERÇA-FEIRA

Mateus 14,22-36

CAMINHADO EM MEIO DO MAR: QUE PROFUNDIDADE É MINHA FÉ?

“Homem de pouca fé, por que duvidaste?”

O relato da multiplicação dos pães que lemos ontem é o prelúdio de um novo quadro que João nos propõe em sua galeria de experiências de fé. Será que depois de um gesto tão claro como o da multiplicação dos pães, os discípulos estão em condições de expressar sua fé em Jesus como Messias?

Recordemos: o primeiro quadro havia sido a “falta de fé” de seus próprios conterrâneos de Nazaré (13,53-58); o segundo aparece nos lábios do rei Herodes Antipas que reage ante a fama de Jesus (14,1-2); e o terceiro são próprios discípulos: eles, que têm sido testemunhas da obra messiânica que Jesus realizou como pastor de seu povo, também eles têm que tomar uma posição frente ao Mestre.

Jesus manda seus discípulos ao lago da Galiléia, para que sigam adiante até a outra margem. Sobe para orar na montanha, enquanto os discípulos, no lago, enfrentam uma tempestade durante toda a noite. Já se aproxima do amanhecer, quando Jesus se aproxima deles caminhando sobre o mar. Os discípulos se perturbam.

Então Jesus revela sua identidade, e Pedro, desafiando o poder do nome de Jesus, pede para poder caminhar sobre a água. Porém andou poucos passos e começou a afundar. Grita e é salvo por Jesus. É repreendido e, logo, todos, na orla, se prostram ante Ele, para adorá-lo como o “Filho de Deus”, quer dizer, como quem vive em uma relação de caráter privilegiada com Deus.

Detenhamo-nos em algumas particularidades da passagem:

1. O marco de todo o texto é a oração.

  1. No início Jesus ora na montanha e na sua oração acompanha pacientemente a travessia de seus discípulos no lago (14,23):  Jesus está conosco em nossas “travessias” da vida, Ele nos mantém sempre (com sua oração e seu olhar, desde a montanha) particularmente nas situações difíceis.
  2. As duas intervenções de Pedro, em que grita “Senhor!” (14,28.30), tem força oracional.
  3. A reação final da comunidade, apoiada num gesto de prostração ante Jesus (=adoração) e expressa num claro reconhecimento da filiação divina de Jesus, é o cume deste caminho oracional que serve de eixo ao texto e de modelo a nosso caminho de oração. A fé se expressa na oração.

2. O relato aponta a uma confissão de fé

Os discípulos terminam prostrados adorando o Filho de Deus. Esta reação é a primeira confissão de fé comunitária (14,33) e responde ao que se esperava que acontecesse depois da multiplicação dos pães, como se fosse seu “amém”.

3. O itinerário de Pedro é um modelo de tal caminho de fé

No centro do relato está o episódio do diálogo de Pedro e Jesus. No texto se capta o seguinte processo:

  • Começa com um jogo de palavras: Jesus disse “Sou Eu”, Pedro disse “se És Tu” (14,27-28).
  • O “Sou Eu” na boca de Jesus é um eco da revelação de Yahweh a Moisés (Ex 3,14-15), o mesmo que abriu caminhos impossíveis (no deserto); Pedro desafia Jesus para que prove o que diz ser.
  • Jesus atende ao pedido de Pedro e faz que Pedro vá caminhando sobre as águas (14,29).
  • Quando Pedro sente medo começa a afundar e grita “Senhor, salva-me!”; Jesus por sua parte lhe estende a mão ao mesmo tempo que lhe declara sua pouca fé.
  • Uma vez na barca junto com todos se prostra e confessa a fé (14,33).

Em meio do perigo e com um grande sentimento de impotência, Pedro clama ao Senhor com uma das orações mais breves e mais belas do Evangelho: “Senhor, salva-me!”. A fé pura de Pedro deixa entrever sua realidade interior, que é também a realidade de todo crente: crer e ama a seu Jesus, porém, de repente, duvida d’Ele. Jesus reconhece sua fé, porém a qualifica de “pouca”. 

O Mestre parece querer pedir-lhe que faça sua, a oração de confiança do orante do Sl 62,2-3: “Em Deus descansa minha alma, d’Ele vem minha salvação; só Ele é minha rocha, minha salvação, minha cidadela, não vacilarei”.

Retenhamos o momento cume em que Jesus se faz Salvador e Pastor misericordioso de Pedro: estende-lhe a mão e o agarra (com força; 14,31). O gesto é, ao mesmo tempo, sinal da vida e da salvação que Jesus oferece ao discípulo. Está indicando ainda que fé não se alcança sem a ajuda do Senhor (16,17).

Estamos hoje ante uma bela catequese sobre a confiança no Senhor em meio às dificuldades e as provas: Pedro pede o impossível, porém, agora, ele e todos nós temos de saber que o impossível nós podemos alcançar, se confiamos na Palavra do Senhor. 

De outro lado, hoje, uma vez mais, aclamamos, com força, o valor da vida. Tomando Pedro pela mão e tirando-o do caos das águas, Jesus, neste gesto nos repete: “Quanto vale um homem!” (Mt 12,12).

Cultivemos a semente da Palavra em nosso coração:

  1. Qual o caminho que um discípulo chega à adoração de seu Senhor?
  2. Que relação tem com um caminho de fé? Que relação há entre o itinerário de fé de Pedro e o meu?
  3. Que me diz a imagem de um Jesus que está com o braço estendido e agarrando seu discípulo? Como a vejo hoje em minha vida, em minha comunidade, em meu povo?

QUARTA-FEIRA

Mateus 15,21-28

ANTE A HUMILDADE DA MULHER CANANEIA: QUE TAMANHO É MINHA FÉ?

“Mulher, grande é tua fé; que te aconteça como desejas”

Com o relato do itinerário de fé da mulher cananeia entramos no quarto quadro da  galeria apresentada pelo evangelista Mateus. O quadro anterior havia sido o do processo lento e doloroso vivido por Pedro no meio do lago, a ele Jesus havia falado de sua “pouca fé”, de sua “dúvida”.

O quadro de hoje, ao contrário, é radiante: a fé valente duma mulher felicitada por Jesus e a quem conhecemos como “a cananeia”. Mateus prefere chamá-la “cananeia” e não “siro-fenícia”, como faz o evangelista Marcos, talvez para fazer-nos sentir mais a grandeza de sua confissão de fé: de um cananeu não se esperaria tanto. De fato, o povo cananeu é recordado, continuamente, no mundo do Antigo Testamento, como um povo estranho e idólatra; inclusive, desde os tempos de ocupação da terra, que Israel considerava estes antigos povoadores de Canaã como gente grosseira e hostil.

Esta mulher emerge, repentinamente, de dentro dessa penumbra. Não só frente à fé de Pedro, ainda em germe, mas também frente à falta de fé dos fariseus e saduceus, aos quais, Jesus recordou a profecia de Isaías (“Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim”; 29,13, citado em Mt 15,8), a mulher, mãe, cananeia, mas também sofrida, emerge como modelo de fé: “Mulher, grande é tua fé!” (v.28).

O grito de fé da cananeia nos põe em contato com uma realidade profundamente humana: Que não faria uma mãe de família para conseguir que sua filha seja curada e salva? Esta mãe de família, apresentada como uma das mulheres fortes do Evangelho nos ensina seu próprio caminho de fé através da rota da oração que passa por diversos tropeços. Notemos:

A mulher ora de longe

A mulher vai gritando atrás do grupo que acompanha Jesus. Em seu grito vê-se sua agitação interna, sua confusão, seu sofrimento. O seu grito tem uma grande força que se percebe em cada termo que utiliza:

  1. Invoca “piedade”. Como se faz, frequentemente, nos Salmos (6,2; 9,13; 24,16, 51,3 e outros).  Foi dito que é uma pagã, dai que surpreenda que ponha em seus lábios o melhor da oração de Israel.
  2. Dar dois títulos a Jesus, “Senhor” e “Filho de Davi”. Títulos que evocam o mistério de Jesus que os discípulos vão conhecendo gradualmente. Sua oração se insere em uma experiência de Jesus, ou seja, não é, simplesmente, um favor que é pedido, sem penetrar em seu mistério.
  3. Expressa a realidade de sua filha: “está endemoninhada”(15,22). Não pede que a cure, simplesmente disse que se passa. A mulher apela ao Jesus “pastor”, para quem é suficiente “ver” para “compadecer-se” e “agir”.

Os discípulos querem desfazer-se dela

Os discípulos intervêm e fazem com que se rompa o silêncio que, até o momento, Jesus tem guardado. As palavras dos discípulos soam mais como um pedido para “retirá-la” que a um verdadeiro gesto de misericórdia. Eles estão cansados dos gritos desta senhora, eles não parecem realmente interessados nela.

A resposta de Jesus nos recorda seu falar sobre os destinatários da missão em Mateus 10,6, onde limitou sua missão ao mundo de Israel (10,40 e 21,37). Porém, quando olhamos o todo do Evangelho de Mateus, compreendemos que esta aparente limitação se refere a uma etapa da missão e não definitivo, visto que, ao final do Evangelho, o destinatário da missão é o mundo inteiro (Mt 20,19-20).

Daí que as palavras de Jesus se compreendem melhor como uma advertência ao povo de Israel (o povo da oração sálmica), que foi o primeiro destinatário de sua obra salvífica, porém, que vem progressivamente fechando-se a seu anúncio. Portanto, a fé da mulher cananéia, será um juízo para o povo de Israel, e a cura de sua filha, o prelúdio de sua nova etapa missionária.

A mulher ora perto

Agora a mulher aparece frente a Jesus, a quem já pode abordar diretamente. A impressão que se tem é que ela não escutou o diálogo anterior de Jesus com os discípulos, pois irrompe, de repente, com sua súplica, que, desta vez, aparece mais rica e profunda:

  • “Prostra-se” em adoração (recorda-nos o gesto das mulheres na manhã da páscoa (28,9.17).
  • Chama Jesus, novamente, de “Senhor” (recordemos o grito de Pedro sobre o lago).
  • Expressa seu pedido: “Socorre-me” (recorda-nos os Salmos 43,26; 69,5; 78,9;108,26 e outros).

No diálogo com Jesus, o dom do “pão” ocupa um lugar central. Significa a plenitude do bem e que é o dom próprio de um pai para seus filhos. Sabiamente a mulher retoma as palavras de Jesus e as põe a seu favor: aos pequenos cabem as migalhas que caem da mesa dos patrões.

Ela faz uma profunda reflexão: vê os filhos como seus patrões, compreendendo a obra de Jesus com ela como a extensão de sua missão ao povo judeu, seu rebanho (Is 53,6; Mq 2,12). A mulher sabe se colocar no lugar dos pequenos que entram no Reino (18,4). Então Jesus lhe concede o pedido.

Como esta mulher vê Jesus? A mulher suspeita que este Filho de Israel tenha um coração grande e que, no banquete que Ele dá, o pão é de uma abundância tão grande, tão extraordinária, que é para todos, não importa os comensais. Esta mulher intui que, onde está a salvação, todos podem se beneficiar.

Este itinerário de fé e de oração da mulher é importante para nós, nos permite ver o fundo espiritual, os gestos, as palavras e, sobretudo, a atitude fundamental de uma oração de intercessão. E um dado importante: trata-se de uma oração auto-incluente, o seja, ao pedir por sua filha esta mulher pede também por si mesma (“Tem piedade de mim”, “Socorre-me”), mostrando, assim, que leva em seu coração orante, a dor de sua filha e que, portanto, também a mãe necessita de cura.

A identificação de fundo, fazendo própria a dor daquele pelo qual se suplica é característica de uma autêntica oração. “Mulher, grande é tua fé!” (15,28).

Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração

  1. (mulheres) Que me ensina a cananeia para minha identidade e missão de mulher na Igreja e na sociedade?
  2.  (Para os homens:) Reconheço e valorizo a identidade e a espiritualidade da mulher no agir, em minha comunidade, na sociedade?
  3. Minha experiência de fé se traduz em atitudes de confiança filial na misericórdia divina? Em que se percebe?

QUINTA-FEIRA

Mateus 16,13-23

A CONFISSÃO PÚBLICA DA IDENTIDADE DO MESTRE: QUAL A PROFUNDIDADE DA MINHA FÉ?

“Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo”

Seguindo o ritmo do Evangelho de Mateus nos colocamos, hoje, diante da experiência de fé mais alta e mais clara, depois

  • do quadro negativo dos compatriotas de Nazaré;
  • das interpretações erradas do rei Herodes; da fé em progresso do próprio Pedro; e
  • do grito de ajuda, visto como autêntica expressão de fé da mulher cananeia.

Hoje nos colocamos ante a confissão de fé de Pedro. O contexto imediatamente anterior é importante.

Esta quinta cena se apresenta em contraste com dois relatos prévios, nos quais os fariseus e saduceus:

  1. São repreendidos por Jesus por pedir um sinal para crer (Mt 16,1-4) e, de fato, Ele não lhes dá um sinal diferente do de sua missão (explorar os sinais dos tempos);
  2. São postos como exemplo da atitude e da doutrina que não devem seguir (Mt 16,5-12).

O Evangelista também está supondo que conhecemos todo o itinerário de Jesus, que vem sendo narrado e que entendemos que este é o ponto de chegada da sua atividade anterior.

Curiosamente Jesus nunca pediu a seus discípulos que lhe dessem uma opinião sobre seus discursos ou sobre as obras de poder que realizava, mas apenas sobre sua própria pessoa. Para Jesus isso é importante: o que estão compreendendo acerca de sua identidade? É desta maneira que os quer conduzir até um conhecimento claro e profundo, do qual brota uma confissão de fé sem equívocos.

Portanto, no centro do Evangelho não está tanto seu anúncio, mas a própria pessoa de Jesus. Quando Jesus pergunta o que dizem as pessoas sobre Ele, o respondem: “Uns que é João Batista; outros, que é Elias, outros, que é Jeremias ou um dos profetas” (16,14). As pessoas têm Jesus em uma alta conta, mas não passando de uma figura profética semelhante à dos grandes profetas.

Nesse caso, seria um dos muitos que já vieram antes, e de outros que virão depois. Com esta classificação se deixa claro que já há uma grande valorização de Jesus, mas que há o perigo de não ir além das rotulações já conhecidas; portanto, a opinião pública não atingiu ainda o que realmente importa: a descoberta da relação inédita, única e particular, que Jesus tem com Deus.

Quando Jesus pede aos discípulos sua própria opinião, Simão Pedro responde: “Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo” (16,16). O Apóstolo reconhece o duplo relacionamento que caracteriza, de modo inequívoco, a Jesus:

  1. Para o povo é o “Cristo” (Messias): o único, o último e definitivo rei e pastor do povo de Israel, enviado por Deus para dar a este povo e a toda a humanidade a plenitude da vida (como já se viu na multiplicação dos pães e em outros milagres);
  2. Para Deus é seu “Filho”: vive em um relacionamento único e singular com Deus, caracterizado pelo conhecimento mútuo, pela igualdade e a comunhão de amor entre o Pai e Ele (consulte 11. 27).

Aqui não se trata de um Deus abstrato nem genérico, trata-se do Deus vivo, o único verdadeiro e real, que é a vida em si mesmo, que criou tudo o que é vida e com seu imenso poder vence a morte. Jesus é rei-pastor, o que, enquanto Filho do Senhor da Vida, compromete-se com a vida do seu povo.

É o Messias que está profundamente ligado ao próprio poder vital do Deus vivente. O dom da vida será comunicado através da doação de sua própria no caminho da Cruz, conforme o texto de hoje (16,21).

A reação negativa de Pedro o leva a merecer a repreensão e ser chamada “Satanás”, porque pensa a nível humano e não aceita o caminho de sofrimento de Jesus (16, 22-23). Quanta ironia! Ao modelo de discípulo Jesus diz, na frente de toda a comunidade: “Tu és escândalo”! (16,23).

O cume do caminho de fé não é a confissão de boca, mas a confissão com a vida. No caminho da Cruz vai tomar corpo este tipo de confissão de fé que precisava, em primeiro lugar, passar pelos lábios.

Terá então que começar a andar nesta segunda etapa, com uma abertura de coração de mente total ante o projeto de Deus: a plenitude de vida que brota do mistério da dor vivido em comunhão íntima com o crucificado, onde faz sentido toda a vida, todo projeto, toda realização.

Cultivemos a semente da palavra na profundidade do coração

  1. Que opinião de Jesus têm as pessoas com as quais trato cotidianamente em ambientes distintos aos de minha comunidade de fé?

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É parecida com a opinião das pessoas do tempo de Jesus? 

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  • Como expresso minha fé em Jesus, com que termos?

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Pedro expressa o que eu, pessoalmente, estou vivendo de Jesus?

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  • Que poderia fazer para a pessoa de Jesus esteja sempre no centro de minha vida?

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Marcos 9,2-10 TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR

CONTEMPLAR A GLÓRIA DE JESUS.

E se transfigurou diante deles”

O relato começa apresentando-nos as coordenadas de tempo e lugar, os personagens e a circunstância. Não é comum que Marcos nos dê sequência temporal, como de fato faz aqui: “Seis dias depois”.

Esta referência liga o episódio com o narrado anteriormente, nas imediações de Cesaréia de Filipo onde, depois da confissão de fé de Pedro, Jesus anunciou sua própria cruz e as consequências para seus discípulos (ver 8,27–9,1). O relato se entende, em relação de contraste, à luz do anúncio da Cruz.

A pausa dos seis dias poderia entender-se como um espaço de silêncio para acolher e assimilar o anterior. Pedro ali havia manifestado uma primeira resistência ao anúncio de Jesus. Contudo Jesus não o havia deixado pra trás, mas ampliado seu ensinamento (ver 8,34–9,1). Prepara-se, assim, o cenário para a forte experiência que os discípulos farão de Jesus:

Uma eleição

Apesar da reação negativa que Pedro teve ante o anuncio da Cruz (cf. 8,32) e da dura resposta de Jesus (8,33: “Arreda-se de mim, Satanás”), o Senhor “toma consigo a Pedro”, junto com “Tiago e João”, para levá-los a uma montanha alta. Esta é uma das três vezes que Jesus separa e leva consigo estes mesmos três discípulos (ver 5,37: a ressurreição da filha de Jairo;14,33: a oração no Getsemani), todos eles chamados na primeira hora. O fato que sejam três alude ao futuro testemunho que deveriam dar do acontecimento.

O texto de Deuteronômio parece estar de fundo: “Uma única testemunha não é suficiente… A causa será estabelecida pelo depoimento de dois ou três testemunhas” (19, 15). Porém, tem que ter presente que, por este fato, a experiência se dirige somente a eles, não se tem em conta outras pessoas. Isto está reafirmado na expressão “sozinhos” (v.2): Jesus cria um espaço de intimidade com os três discípulos que separa do resto.

Uma montanha

Não sabemos de que montanha se está falando dentro da geografia da Palestina. A tradição assinala o monte Tabor, relativamente próximo de Nazaré. Outros, recentemente, hão proposto o monte Hermon, já que Jesus, na cena anterior, estava muito próximo dali. Em todo caso, a menção da montanha cria uma atmosfera espiritual que nos remete ao que havia sucedido no monte Sinai, o monte no qual o contato de Moisés com Yahveh o levou a refletir em seu rosto a Glória do Senhor (ver Ex 34,35).

E não só isso. Em uma cena prévia, quando Moisés subiu a montanha (Ex 24,12), se diz: “A glória de Yahveh pousou sobre o monte Sinai, e a nuvem o cobriu durante seis dias. No sétimo dia, Yahveh chamou Moisés do meio da nuvem” (24,16). Há aqui dois pontos de contato claros com o relato da Transfiguração. Pode-se intuir, na lógica de nosso relato, que “seis dias depois” do anuncio da Paixão, se escutará uma palavra de Deus Pai em pessoa.

Primeira parte da revelação: Jesus é transfigurado (vv.2b-6)

O centro do relato é uma teofania: a glória de Deus se manifesta neste mundo na pessoa de Jesus; e na obra que faz e Palavra que pronuncia, o Pai, a favor dele. A primeira parte da revelação está caracterizada pela “visão”: “Vê-se” Jesus com novo aspecto; “Vê-se” dois personagens celestiais. Frente a isso se apresenta uma primeira reação de Pedro e os outros discípulos que mostram não ter captado o sentido da visão. Vejamos a entrada sucessiva dos personagens e suas ações:

Jesus (v.2b)

O acontecimento está descrito com poucas palavras. O essencial é que é uma obra de Deus na pessoa de Jesus (literalmente, em grego: “E seu aspecto foi transformado”). Jesus não se transfigurou a si mesmo, Ele “foi” transfigurado: foi Deus quem o realizou isto nele. O efeito desta transformação do aspecto de Jesus se descreve em seguida: “Suas vestes tornaram-se resplandecentes, extremamente brancas, de uma alvura tal que nenhum lavadeiro na terra poderia alvejar” (v.3). O branco alude uma realidade celestial; é o distintivo de quem pertence ao mundo de Deus (ver, por exemplo: Ap 3,5).

O evangelista acentua mais que os outros a brancura das vestes de Jesus. O que ocorre é em função dos discípulos: “diante deles”. Pode-se entender isto: graças ao poder de Deus, Jesus se faz visível ante os três discípulos com a mesma figura que terá em sua ressurreição, quando em sua entronização messiânica, participe plenamente na vida divina (ver Mc 16,5).

Moisés e Elias (v.4)

A entrada em cena destes dois personagens que já não pertencem ao mundo terreno está assinalada pela expressão: “E lhes apareceram” (v.4).  Isto indica duas coisas: (a) Assim como a transfiguração do Mestre, o objetivo de tal “aparição” são os discípulos; e (b) Trata-se de uma manifestação da parte dos personagens celestiais (“foi visto” ou “se fez ver”), não o resultado do esforço humano.

Porém, não só apareceram aos discípulos, mas “conversavam com Jesus” (v.4). Os três aparecem, então, no mesmo plano: o divino. Qual foi o conteúdo da conversa? Não se disse. O que importa é que conversam na presença dos discípulos.

Moisés e Elias são figuras proeminentes na Bíblia. Porém, o que indica sua presença nesta cena? O fundo do Antigo Testamento aqui recebe vida:

  • Moisés, mencionado primeiro, foi o intermediário de Deus na entrega da Lei a seu povo. Isto já havia sido recordado por Jesus no evangelho de Marcos (ver 1,44; 7,10; 10,3; 12,26).
  • Elias, profeta de fogo, não só é importante por ser um dos fundadores da profecia bíblica, mas porque, nos tempos de Jesus, se relacionava a vinda do Messias com um “retorno” seu (ver a profecia de Ml 3,22-24; por certo, neste texto se mencionam juntos a Moisés e Elias).

Ademais, Moisés e Elias são os únicos personagens do Antigo Testamento que sobem o monte Horeb-Sinai (na tradição se crer que é o mesmo monte). Ali Moisés recebeu a Lei e selou a Aliança (ver Êx 19-40). Ali Elias se refugiou quando foi perseguido pela malvada rainha Jezabel, recebendo uma nova manifestação de Deus que alentou seu ministério profético para que o povo vivesse a fidelidade à Aliança (ver 1Re 19,1-18).

O tema da Aliança parece, então, passar aqui a um primeiro plano. A missão de Jesus, com sua cruz incluída, deverá ser compreendida dentro deste amplo e magnífico horizonte.

Pedro e os outros dois discípulos (v.5)

A frase explicativa do v.6 justifica a reação de Pedro e seus companheiros: o “medo”. O acontecimento os supera, eles não são capazes de lê-lo corretamente. É uma maneira de dizer que ainda não está a altura da grandiosa revelação, assim como, tampouco estiveram nas cenas da barca, e como não estarão as mulheres na cena do túmulo vazio (ver 4,41; 6,49.50 e 16,8).

Pedro, tal como acontece na cena anterior da confissão de fé e da reação ante o anuncio da Cruz, é quem toma a iniciativa em nome de todos. Dentro de seu “temor”, as suas palavras parecem inapropriadas, não estando à altura do acontecimento: ante um evento celestial não cabe à proposta de fazer tendas terrenas. Uma vez mais Pedro não entendeu nada. A única resposta adequada que Pedro poderá dar será aquela que lhe seja indicada do alto, como, efetivamente, ocorre a seguir.

Segunda parte da revelação: Deus revela Jesus como seu Filho (vv.7-8)

Ainda que o que acaba de acontecer seja grandioso, o que vem agora será ainda mais. Desta vez uma nova “visão” se complementa com a “audição” da voz de Deus Pai. É preciso notar que também nesta parte se acentua que tudo está referido aos discípulos: (a)  Ao princípio a nuvem: “cobrindo-lhes…”; (b)  Logo a voz está dirigida a eles: “ouvi-o”; e (c) Finalmente fica “Jesus estava sozinho com eles”.

A nuvem (v.7ª)

Como narra o livro do Êxodo, no Sinai, a “nuvem” foi imagem do próprio Deus que faz visível sua glória, foi o sinal da presença escondida e poderosa de Deus: (ver 19,9; 20,21; 24,18 e 34,5). Esta é a manifestação da “Shekinnáh”, isto é, da “glória de Deus” que “habita” a terra (ver Ex 40,34). Não são os homens que fazem habitação para Deus, mas Deus é que neles habita. Como, efetivamente, comenta a respeito Santo Agostinho: “Vede como a nuvem forma uma única tenda!”.

A voz do Pai (v.7b)

É Deus mesmo quem fala da nuvem (no texto grego notamos um jogo de palavras entre “nefelē” (nuvem) e “fōnē” (voz). É o mesmo que havia ocorrido em Êxodo 24,16, quando Deus se revelou ao sétimo dia a Moisés.

As palavras reveladoras do Pai têm duas partes:

  • Uma declaração: “Este é meu Filho amado”. Uma afirmação da identidade de Jesus, na mesma linha que propôs o título da obra (ver 1,1) e como já havia dito o próprio Pai, a Jesus, no Batismo (ver 1,11): Entre Jesus e o Pai tem um vínculo inédito e profundo de amor!
  • Um mandato: “Ouvi-o!”. Indica-se qual é a resposta adequada frente à pessoa de Jesus, qual é a maneira de exercer o discipulado: a escuta pronta, continua e incondicionada.

Por fim temos a resposta à pergunta feita pelos discípulos no lago: “Quem é este…?” (4,41). Porém quem revela Jesus é o próprio Deus Pai. Ele mesmo é quem indica a atitude fundamental do discipulado: a escuta do Mestre.  Aqui, também, nos é dito com que autoridade Jesus tem pronunciado seu ensinamento anterior sobre sua Cruz e a do discípulo (ver 8,31-9,1). Em poucas palavras, nos ensinamentos de Jesus quem fala é o Filho de Deus. E tudo isto acontece em presença de Moisés e Elias.

Diferente de Moisés e do profeta Elias, Jesus não é o que recebe a revelação, mas aquele que é revelado, nele repousa a vontade de Deus que todo homem está chamado a viver. O “Filho de Deus” os supera notavelmente. O que diz o Antigo Testamento – a Lei (Moisés) e os profetas (Elias) – já não vale em si mesmo, senão na medida em que se escuta o “Filho de Deus”.

Jesus e os discípulos de novo “sós” (v.8)

Nesta segunda revelação não há reação dos discípulos, nem boa (de compreensão) nem má (de temor). Só temos um novo dado: eles “viram”. E que veem a Jesus e a ninguém mais. O momento conclusivo da revelação aos discípulos é idêntico ao começo: “Jesus sozinho com eles” (ver 9,2ª).

Agora vêem o Jesus de sempre, aquele com o qual “estão” cotidianamente (ver 3,14), porém, isso sim, com um novo dado que complementa o conhecimento que tinham de seu messianismo: o Cristo é o Filho de Deus. Os discípulos estão sendo convidados a ver a Jesus sob uma nova luz, a captá-lo de um modo novo.

Conclusão: A descida da montanha (v.9)

À “subida” (9,2) corresponde, agora, a “descida”, a qual implica um retorno à vida cotidiana. Uma vez mais vemos Jesus tomando a iniciativa sobre seus discípulos e conduzindo-os: ordena-lhes silenciar o acontecimento. Porém, a ordem não é definitiva, tem um “até que”. Com a ressurreição de Jesus se suspenderá a proibição.

O silêncio faz parte da pedagogia de Jesus: frente à revelação da “filiação” seus discípulos necessitam de tempo para compreender, necessitam percorrer ainda o caminho que conduz até a Cruz, onde outro silêncio, ou aparente silêncio de Deus, levá-los-á ao escândalo que levará o discipulado a um profundo aniquilamento.

Esta é a segunda vez que Jesus Cristo manda os discípulos se calarem. A primeira vez, em 8,30, após a confissão de que Ele era “o Cristo”, e a segunda, agora, depois da revelação de sua identidade como “Filho de Deus”.  Este é, então, e digamo-lo, agora, desde uma perspectiva positiva, o silêncio contemplativo que dispõe ao discípulo para a acolhida plena desta revelação no doloroso caminho da Cruz. Só o discípulo que escuta e compreende este mistério, poderá ser missionário da vida no dia pascoal.

Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração

  1. Em que circunstâncias Jesus oferece estas revelações a seus discípulos? A quem nos remete a menção dos ‘seis dias’ e da ‘montanha’? Por que a compreensão da Cruz (de Jesus e do discípulo) requer um tempo a sós com o Mestre?
  2. Que significa a presença de Moisés e Elias na cena da transfiguração de Jesus? Como é a relação de Jesus com Deus e que implicação tem para o discipulado?
  3. Mais ainda, Como é que podemos captar na Cruz a revelação definitiva de Jesus como “Filho de Deus” e reconhecer suas consequências para nossas vidas? No caminho para a Páscoa, que lição me dá o relato da transfiguração?

Autor: Padre Fidel Oñoro, CJM

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