1º DOMINGO DO ADVENTO (Estudo bíblico)

Ano A

Mateus 24,37-44

VI. O advento próximo do Reino dos Céus

Oração para o Advento

Jesus, Tu que vives em Maria, vem e vive em teus servos, na santidade de teu espirito, na plenitude de tua força, na perfeição de tuas vias, na verdade de tuas virtudes, na comunhão com teus mistérios. Domina em nós toda potencia inimiga, no teu Espírito Santo, para gloria do Pai. Amém.”

(Juan Jaques Olier)

Introdução ao Advento

Começamos uma nova etapa em nosso caminhar: o Tempo do ADVENTO (ou da “vinda” do Senhor). Nosso olhar se fixa no futuro, explorando, como sentinelas, a vinda do amoroso Senhor que vem ao nosso encontro.

Este é o tempo da esperança!

Despertemos!

“Velai, estai despertos!” (Mt 24,42), é uma nota aguda do anúncio de Jesus no evangelho de hoje.

Em nosso mundo de hoje a palavra “vigiar”, “estar muito atentos”, é a palavra de ordem.

Porém, há outra “vigilância”, que é substancialmente diferente, que não é defensiva, porque não parte do “terror”, do “medo” ou da “ameaça”, mas da feliz expectativa de quem espera a chegada imprevista do ser amado, aquele que chega para cumular nossos desejos mais profundos, aquele de quem nossa vida necessita.

Esta é a “vigilância” que nos ensina o evangelho e que durante este tempo do ADVENTO, que hoje começamos, vamos exercitar, continuamente, guiados pela santa Palavra.

De onde vem a palavra “vigiar”?

As “vigílias” eram, no mundo romano, as três partes que se dividia a noite. Assim se chamava aos turnos dos sentinelas e dos militares. Em significa passar parte da noite, ou talvez a noite inteira, de pé e em atitude de alerta frente a um eventual perigo ou, simplesmente para atender ao que chega.

A vigilância era uma atitude de serviço. Hoje não é difícil entendê-la quando vemos, por exemplo, os turnos de trabalho noturno de uma enfermeira, do pessoal da vigilância de nossos bairros ou edifícios.

Também há outros casos que são por puro amor, como a vigília de uma mãe angustiada pela chegada de seu filho que saiu a uma festa.

Na vigilância se expressa o coração. Renuncia-se a si mesmo, se sai de si mesmo e é o outro o alvo de nossa atenção. Na expectativa da chegada, se exercita o amor.

Então deve se dá tempo ao sono? 

Atenção!  Com o convite a “não dormir” se pode cair num equívoco: Será que Jesus condena o sono?

Não propriamente, porque, como diz  o Sl 127,2 se diz que o Senhor “cumula seu amado enquanto dorme”. O sono é um dom de Deus.

Com razão o escritor francês, Péguy, faz um elogio ao sono. O mal é a insônia. Esta pode acontecer por distúrbios físicos, por preocupações ou por condições ambientais adversas. Porém, por trás da insônia, dizia, está a inquietude, a ansiedade, a falta de confiança em Deus, o mal estar com outros ou consigo. Quanto dano pode produzir o negar-se o descanso!

Porém, a “vigilância” cristã, que em principio significa “não dormir”, vai, paradoxalmente, na direção do verdadeiro repouso do coração. Por isso, a insistência da Palavra, em diversos textos do Novo Testamento, em acentuar os termos que acompanham o imperativo “Velai”: “Velai, estai atentos”, “Velai, estai preparados”, “Velai  e orai”, “Velai e sede sóbrios”. 

Vamos então mais fundo. A “vigilância” é uma maneira diferente de estar frente à vida. Implica discernir o que estamos vivendo, entrar nesse estado de reflexão lúcida procurando detectar aquilo que nos tira a paz; é um retomar sobriamente os sonhos dourados que nos fazem felizes por pouco tempo, porém que ao final não descansam o coração. Alcança-se entrando em diálogo puro e honesto consigo mesmo e com Deus.

Só assim não nos tomarão de surpresa os acontecimentos fundamentais, onde está em jogo o rumo de nossa história pessoal, teremos prontidão espiritual para reagir e decidir corretamente um projeto de vida que em si dá crescimento pleno.

Um novo giro quando por este exercício conseguimos despertar dos incômodos sonos do pecado. Como nos diz Paulo: “É hora de levantar-nos do sono… Como em pleno dia procedamos com sobriedade, nada de comilanças e bebedeiras; nada de luxurias e exageros, nada de rivalidades e invejas” (Rm 13,11.13).

Então teremos capacidade de “acolher”, nossa receptividade afinará nossa receptividade, porque, despojados interiormente de nosso “eu” egoísta, do fazer girar tudo em torno a nós, seremos livres para “sair ao encontro” de Deus, que vem a nós em suas muitas formas de presença e dar-lhe espaço em nosso coração.

Ao contrário, quem não tem a vida em ordem é como quem viaja em um ônibus sem ter comprado a passagem. O que compra pode dormir tranquilo durante a viagem e só desperta para exibir, com calma, seu bilhete, no momento em que se faz o controle. Mas quem não compra viaja em permanente aflição, não pode dormir, aguardando a hora da vergonha pública.

Por isso a “vigilância” está estreitamente ligada ao “estar preparados”. Quem está preparado vive em paz com Deus, com todos e consigo, com a lâmpada da fé acesa durante a noite.

Qual é o acontecimento para o qual é preciso preparar-se?

O acontecimento que não deve nos achar despreparados é o retorno de Cristo. Este é, precisamente, o tema do evangelho de hoje

Leiamos Mateus 24, 37-44. Um evangelho maravilhoso sobre a vinda do Senhor. Vale a pena que o exploremos seguindo os três passos da dinâmica espiritual implicada no texto:

(1) A vinda de Cristo anunciada;

(2) A vinda de Cristo preparada;

(3) A vinda de Cristo desejada.

1. O retorno de Cristo anunciado

Em seu discurso sobre o futuro do Reino dos Céus (ver Mateus 24 e 25), Jesus havia anunciado: “Aparecerá no céu o sinal do Filho do homem; e então baterão no peito todas as raças da terra e verão o Filho do homem vir sobre as nuvens do céu com grande poder e glória” (v.30).

Desde o começo do evangelho, Jesus havia anunciado a proximidade do Reino, quer dizer, a decisão definitiva de Deus de fazer valer seu senhorio real (ver Mt 4,17).

Já não serão os homens, nem as forças da natureza, que determinam o curso e o fim da historia humana. Isto acontecerá por meio da vinda do Filho do homem com a potência e a glória de Deus.

Quando o Reino se revele, definitiva e universalmente, com todo seu poder, ante todo o mundo, toda existência humana se manifestará ante o Filho do homem, Jesus em sua gloria, com seu verdadeiro sentido e valor. Com a vinda definitiva de Jesus toda pessoa sairá à luz em sua mais íntima essência.

Visto que todo homem está profundamente ligado à segunda vinda do Senhor, cada um deveria conduzir seu projeto de vida nesta direção. Ante Jesus teremos que responder por tudo que buscamos, trabalhamos e conquistamos. Neste sentido, toda nossa vida deve preparar-se para esse momento.

2. O retorno de Cristo preparado

Com a mesma força que Jesus anuncia sua vinda, também diz que ninguém conhece o dia nem a hora:

  • “Mas daquele dia e hora, ninguém sabe nada, nem os anjos dos céus, nem o Filho” (v.36);
  • “Velai, pois, porque não sabeis que dia virá vosso Senhor” (v.42);e
  • “Estai preparados, porque no momento que não penseis, virá o Filho do homem” (v.44);

Note-se como o convite à preparação do fato, cujo momento desconhecemos, vai perpassando o texto hoje. Pôr-se a fazer cálculos sobre o dia e a hora do fim é tempo perdido, porque este é indeterminado e desconhecido.

O que importa é que estejamos preparados em todo momento. Como uma vez que perguntou são João Bosco a um rapaz:  “E se morresses esta noite”.

Por isso é preciso evitar qualquer comportamento irresponsável. Não é razoável viver ao impulso dos imediatismos, sem nenhum projeto nem horizonte de vida. Para fazer-nos entender isto, Jesus passa ao mundo das comparações. Apresenta-nos três, todas elas desenvolvendo-se como em cascata:

2.1. Um exemplo de vida distraída.

Primeiro Jesus nos recorda os tempos de Noé: “Como nos dias que precederam ao dilúvio, comiam, bebiam, casavam-se, até o dia em que Noé entrou na arca, e não se deram conta que veio o dilúvio e arrastou a todos” (vv.37-39).

A moral salta à vista: não se pode viver de maneira distraída, despreocupada.

A cena descrita nos tempos de Noé nos apresenta gente absorvida pela vida terrena: comer, beber, casar-se. Eram pessoas que se deixavam levar, tranquilamente, pelo ciclo natural da vida, atentos ao presente, sem pensar em nada além; o que importava era gozar a vida.

Naquela época o dilúvio havia sido anunciado, mas ainda não estava ocorrendo nada. A eles isso parecia distante e quase irreal, por isso preferiram centrar suas energias naquilo que achavam ser mais concreto e prático.

Da mesma maneira, agora a vinda do Senhor somente foi anunciada.

O fato de que não suceda nada ainda pode levar a pensar que haja muito tempo na vida e descuidar-se na atenção à sua vinda, concentrando-se mais em outros assuntos.

Porém, como insiste Jesus, imprevista e surpreendente será sua vinda: “Assim será também a vinda do Filho do homem” (24,39b; ler esta frase junto com o versículo anterior).

2.2. Um exemplo sobre o engano das aparências.

Dando um passo adiante, agora Jesus ensina que não se deve ficar na aparência das situações terrenas: “Então, estarão dois no campo: um será tomado, o outro deixado; duas mulheres moendo no moinho: uma será tomada, a outra deixada” (vv.40-41).

Jesus parte de cenas da vida cotidiana: a vida do trabalho em uma sociedade agrícola. Descreve as ocupações mais importantes do homem e da mulher: os homens semeiam e colhem o trigo no campo; logo as mulheres movem a roda de moinho para obter a farinha e o pão de cada dia.

Todos, homens e mulheres, trabalham e se movem igualmente nas rotinas da vida. Isto pode levar a uma falsa dedução.

Com efeito, pelo fato de que todos passemos por situações semelhantes – trabalho e fadiga, felicidade e infelicidade, sofrimentos e alegrias, vida e morte – pode nascer a ilusão de que a obediência ou a desobediência, a retidão ou a injustiça, não tenham importância alguma; que seja indiferente a forma como se viva, porque, ao fim de tudo, todos terminaremos igual.

Pois aqui está o ponto: não terminaremos igual. Com a vinda do Senhor haverá uma separação radical: “um será tomado e o outro deixado”, quer dizer, os que estiverem preparados serão recebidos na comunhão com Deus, e os outros serão excluídos.

2.3. Um exemplo de chegada imprevista

Em conseqüência, é preciso auto regular-se e conduzir a vida com base na vigilância: “Se o dono da casa soubesse a que hora da noite viria o ladrão, estaria em guarda e não permitiria que sua casa fosse arrombada” (24,43).

É provável que se conhecêssemos o dia e a hora da vinda do Senhor, mais ainda, com relógio na mão, deixaríamos para a última hora a preparação, como é habitual em tantas outras situações da vida. Porém o Senhor vem como um ladrão noturno: inesperado, surpreendente, imprevisível.     

Por isso é preciso estar preparado em todo momento. Não devemos nunca baixar a guarda. É preciso viver responsavelmente segundo a vontade do Senhor, de maneira que possamos responder em qualquer momento por ela e com a cabeça erguida.

3. O retorno de Cristo desejado

Jesus não pronuncia todos estes ensinamentos para obrigar-nos a uma conversão forçada, movida pelo medo, mas para abrir-nos os olhos.

A vinda do Senhor não deve ser motivo de medo, mas de mobilização para a preparação. Óbviamente teremos medo da vinda do Senhor, se temos dividas com a história e não temos pronta a vida.

Neste caso, temos que por em ordem a casa! Preparar a vinda do Senhor! Então nossa vida terá repouso, força interior, sonharemos e construiremos os sonhos de Deus, para os quais tanto nos animam os profetas.

De qualquer modo devemos dizer: “Que bom, que vens, Senhor! Tu “Vens” para dar plenitude à nossa vida, para elevá-la a um plano superior, partilhando conosco a tua, como nos deste a entender desde o momento da encarnação”

Um dia o Senhor Jesus nos convidará a ficarmos definitivamente com Ele. Esse dia, o fim marcado pela morte, será na realidade o começo: deste lento processo de gestação terrena formando Jesus em nós.

Nasceremos, definitivamente, para a vida, depois deste lento processo de gestação terrena formando Jesus em nós. Enquanto isso, aguardamos, vigilantes, o momento do encontro.

Tenhamos presente que a “vigilância”, que nos pede o evangelho, não só se refere ao encontro final com Deus (ao final de meu mundo, de minha vida).

Cada dia Deus está vindo ao nosso encontro e não podemos deixá-lo passar despercebido. Vem na Palavra, na Eucaristia, na comunidade, na presença escondida nas pessoas mais necessitadas, nas diversas formas em que nos oferta sua graça.                  

A “vigilância”, então, é esse saber ter a casa pronta e a ponto para receber a visita, para abrir os braços, de par em par, ao Deus que é, por definição, “O que vem” (Ap 1,8).

São Bernardo falava das três vindas de Cristo:

  • Sua vinda na carne, a qual celebraremos no natal que se aproxima;
  • Sua vinda na parusia (sua segunda vinda), na qual refletimos hoje; 
  • A sua vinda no presente. Não é verdade, por exemplo, que cada vez que celebramos a Eucaristia, Jesus está vindo ao nosso encontro? 

Em conclusão

O evangelho do “Velai, estai preparados”, com o qual hoje abrimos o advento, nos dá a ocasião para que, ante a esta tríplice vinda do Senhor, façamos uma pausa de reflexão e nos perguntemos que estamos fazendo com nossa vida. 

A consciência de nossa fragilidade nos levará a abrir o coração:

  • Àquele que veio ao mundo assumindo a carne humana por nossa salvação;
  • Àquele a quem o evangelho de Mateus nos apresenta dizendo: “Por-lhe-ás por nome Jesus, porque ele salvará seu povo de seus pecados” (1,21).

Então vivendo com alegria nosso projeto de vida em seu discipulado levantaremos límpido nosso olhar para a meta e oraremos confiantes: “Vem, Senhor Jesus! Maranatha!”

4. Entremos no Advento com os Padres da Igreja

Sigamos a clássica apresentação do Advento, como celebração da “tríplice vinda” do Senhor (ontem na carne, amanhã na gloria, hoje nos sinais de sua presença).

São Pascásio nos apresenta uma veemente exortação que tem originalidade e grande intuição espiritual.

Logo, com santo Agostinho, vemos como o Salmo responsorial deste dia possui ricos sentidos, especialmente o sentido “eclesial”, que devemos nos apropriar.

4.1. São Pascásio Radberto:

“A dupla vinda do Senhor”

Devemos ter presente no pensamento a dupla vinda de Cristo: uma quando apareça e lhe demos conta de todas nossas ações; a outra a cada dia, quando Ele, continuamente, visita as nossas consciências e vem até nós a fim de encontrar-nos preparados para sua chegada.

De que me serve saber quando será o dia do juízo, se eu tenho a consciência pesada por tantos pecados? 

De que aproveita saber quando virá o Senhor, se Ele não vem primeiro a minha alma e volta-se ao meu espírito, se não vive em mim e me fala?

A sua vinda será para mim um bem, se Ele já vive em mim, e eu vivo

E para mim já quase chegou a hora de seu segundo advento quando os valores deste mundo se eclipsam a meus olhos e eu, de algum modo, posso dizer: “O mundo está crucificado para mim e eu para o mundo” (Gl 6,14).

4.2. Santo Agostinho:

“Corramos, pois, corramos, Vamos à casa do Senhor!”

Este Salmo… deseja a própria Jerusalém.

Ou melhor, o que sobe cantando este Salmo suspira por ela.

Trata-se aqui, com efeito, de um salmo gradual e, como já dissemos muitas vezes, estes degraus não são para o que desce, mas o que sobe.

Portanto, o que se quer é subir.

E para onde, senão para o céu? (…)

No céu há uma Jerusalém eterna onde os anjos são nossos concidadãos.

Longe deles peregrinamos na terra: na peregrinação suspiramos, na cidade gozaremos.

Nesta peregrinação, contudo, encontramos companheiros que viram a cidade e nos convidam a correr para ela.

Por eles se regozija o salmista que diz:

“Que alegria quando me disseram: vamos à casa do Senhor!”.

Corramos, pois, corramos, pois vamos para a casa do Senhor.

Corramos e não nos cansemos, pois chegaremos onde nunca mais haverá fadiga.

Corramos para a casa do Senhor, que nossa alma exulte com quem nos diz tais coisas.

Os que isto nos dizem, viram, primeiro, a pátria e, de longe, gritaram aos que vinham atrás: “Vamos à casa do Senhor! Andai, correi”.

Viram-na os apóstolos e nos disseram: “Correi, caminhai, segui-nos, vamos à casa do Senhor!”. E, que diz cada um de nós? “Alegrei-me com que me disseram: Vamos à

casa do Senhor! Alegrei-me com os Profetas e com os Apóstolos”.

5. Para cultivar a semente da Palavra na vida:

  1. Hoje começamos o tempo do “Advento”. Que significa esta palavra? Quando se fala de “vinda” do Senhor,

de que se está falando? Que se espera que façamos neste tempo?

  • A “vigilância cristã” refere-se ao encontro com o Senhor. Em que consiste o exercício da mesma?

Que consequência tem o fato de não se conhecer a hora da vinda do Senhor?

  • Advento nos abre como tempo da vigilância, do estar preparados. Concretamente, como penso preparar-me durante este tempo para a chegada de Jesus? Seria muito bom dedicar um tempo para pensar no aspecto

de minha vida que devo mudar. Que passos dar para conseguir essa mudança?

  • Minha vida está absorvida por minhas tarefas diárias, ou melhor, livre das preocupações diárias?

De que forma concreta estou me preparando para o encontro definitivo com o Deus da vida?

Penso que ainda me resta muito tempo?

  • Participar cada semana na Eucaristia dominical é para mim um momento isolado que devo fazer e basta,

ou o preparo com minha vida honesta, amável, generosa e de boa relação com os demais?

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