“Se levantou e começou a servi-los” (EFC)

Lucas 4,38-44:

Neste mês de setembro, mês da Bíblia, nos acompanha prioritariamente o evangelista Lucas.

Como acontece todos os anos com as leituras dos dias de semana até a última semana do mês de novembro. Sua maneira particular de introduzir-nos no mistério de Jesus e de mostrar-nos como se forma um discípulo pelas rotas do seguimento, merece toda nossa atenção e apreço.

Não percamos de vista o texto de Lucas no relato modelo “dos peregrinos de Emaús” (Lc 24,13-35).

Ali encontramos muitos elementos que nos colocam numa melhor visão para entender a totalidade do Evangelho, enquanto revelação do mistério da pessoa de Jesus e seu agir, e sua projeção missionária enquanto “base sólida” da mensagem que pregamos (Lc 1,4).

Agora, desde a última página do Evangelho (Lc 24) retrocedamos até o começo do ministério de Jesus, para seguir o itinerário catequético completo, descobrindo, passo a passo, tudo o que o caminho de Jesus implica

Voltemos então a Galileia, porque “tudo começou na Galileia” (At 10,37).

O programa missionário de Jesus

Tenhamos presente que a apresentação do programa da missão de Jesus, objetivo das passagens que se encontram em Lc 4,16-44, segue o esquema didático:

  • do ensino com “Palavras” (em Nazaré, 4,16-30); e
  • do ensino com “obras” (em Cafarnaum, 4,31-43).

Toda esta apresentação termina com uma síntese da missão: “pregando” (incluindo as ações), no país inteiro (ver 4,44).

O texto que lemos hoje nos situa concretamente em Cafarnaum

Em Cafarnaum se mostra que é verdadeiro o cumprimento da profecia anunciada em Nazaré: O Espírito do Senhor está sobre mim, porque me ungiu para… dar a liberdade aos oprimidos” (4,18).

Em Cafarnaum, Jesus não somente se revela por meio de ações de poder (exorcismos e curas), mas que, diferente do acontecido em Nazaré, Jesus é acolhido pelo povo: “Ficaram assombrados de seu ensino, porque sua palavra tinha autoridade” (4,32; traduzimos literalmente).

A missão de Jesus e seus discípulos conhecerá momentos difíceis como o de Nazaré, mas o êxito será maior como descreve a missão de Cafarnaum. Chama a atenção que no começo e no final desta missão Jesus expulsa demônios.

Esta ação é o sinal que confirma que Jesus, enquanto “libertador” do mal, faz presente o “Reino de Deus” prometido pelos profetas (4,43). Como dirá mais adiante: Se pelo dedo de Deus expulso os demônios, é que tem chegado a vós o Reino de Deus (11,20).

Uma jornada missionária cheia de êxitos

Na jornada de Cafarnaum, Lucas nos ensina a contemplar o Mestre em ação, quase passo a passo, ao longo de uma jornada completa. Cada ação, cada movimento de Jesus é uma escola para o discípulo, porque, como se dirá adiante: Todo o discípulo perfeito deverá ser como seu mestre (6,40b).

Como tem feito também o Evangelho de Marcos, Lucas nos apresenta, a seu modo, a “agenda” de Jesus, quer dizer, um dia modelo do Mestre. Isto reflete muito bem o esquema da passagem:

  • Pela manhã está junto com a comunidade de Israel na Sinagoga (4,31-37);
    • Logo passa ao ambiente de intimidade próprio de uma casa de família (4,38-39);
    • Ao final da tarde volta à vida pública, onde se encontra com um grande número de pessoas, todos quantos tinham enfermos de diversas doenças traziam-nos…”, onde enfrenta e cura as diversas formas de sofrimento humano (4,40-41);
    • Na manhã seguinte se afasta de todo o mundo complexo das relações com o povo, para estar sozinho (subtende-se que em oração) (4,42);
    • Finalmente, relança a missão, uma missão que abarca todo o país (4,43-44).

O motivo central de toda esta atividade missionária de Jesus, que passa pelos lugares e momentos chaves mencionados, se resume nestas palavras: “Tenho que anunciar a Boa Nova do Reino de Deus, porque para isto fui enviado (4,43b).

Em uma só frase: “Tenho que evangelizar!”.

Percorrendo os diversos momentos da jornada evangelizadora de Jesus, podemos ir captando como a entrada nos diversos âmbitos da vida do povo, vai gerando claras e profundas transformações:

  • Na sinagoga: destrói o poder do demônio. “Que Palavra é esta! Manda com autoridade e poder aos  espíritos imundos e saem” (4,36);
    • Na casa de Simão: recupera a pessoa inteira, restituindo-lhe a saúde e colocando-a a serviço dos demais. “Levantando-se, ela se pôs a servir-lhes” (4,39);
    • Na cidade inteira: gesto de imposição de mãos, um a um, todos os enfermos para curá-los. E “Também saem demônios gritando e dizendo: ‘Tu és o Filho de Deus’” 4,41;

Na manhã seguinte, vemos como combina os afãs da missão com a solidão da oração. “Ao amanhecer, saiu e foi a um lugar solitário” (4,42).

A passagem nos descreve o êxito da missão, não só nas ações, que já falam por si, mas, também, em dois momentos específicos em que a multidão reage:

  • O povo conta o acontecido: sua fama se estendeu por todos os lugares da região” (4,37);
    • O povo quer que fique sempre com eles: “o povo o procurava e, chegando até Ele, tratavam… (4,42).

Como emerge o rosto de Jesus evangelizador

  • Jesus é um missionário obediente ao Pai

Realiza a obra da evangelização como um ato de obediência ao Plano de Deus.

Jesus se submete a um “dever” divino (“Tenho que…”, 4,43), toda sua obra se realiza segundo um plano preciso de salvação do Pai. Isto é importante porque, em sua busca da humanização de todos os que sofrem ou estão em desvantagem social, Jesus nunca perde de vista que se trata da obra de Deus e que o Pai é a fonte última de toda sua ação.

Com razão os demônios já gritavam certo: “Tu és o Filho de Deus” (4,41b). Só que não é a eles que corresponde dar o testemunho, por isso os cala e mostra-lhes que têm que ceder totalmente frente a Ele.

  • Jesus é um missionário com uma grande liberdade de coração

Assim como mostrou que tinha um coração livre na hora em que lhe fizeram ameaças e pressões na sinagoga de Nazaré (4,30), mostra também que tem um coração livre ante àquele povo que compreende sua missão e o acolhe; e o faz não se apegando a eles quando “tratavam de reter-lhe” (4,42), dizendo “também a outras cidades tenho que anunciar o evangelho” (4,43ª).

  • Jesus é um missionário incansável, zeloso de sua missão

Como missionário itinerante que é, anda continuamente em busca da ovelha perdida onde quer que esta se encontre e por isso sempre está em movimento.

De maneira programática, nesta passagem se lhe vê percorrendo o país inteiro (4,44; para Lucas “Judéia” não indica só a região que conhecemos com este nome, mas todo o país). Jesus sabe que deve chegar a todos os recantos da geografia humana, por isso, não se instala!

  • Jesus é um missionário da misericórdia

Porém, a passagem não se ocupa somente em mostrar-nos os espaços e as ações externas de Jesus. Também, no texto de hoje, podemos ver traços distintivos do coração misericordioso de Jesus.

Este é um aspecto que o evangelista Lucas ama destacar:

  • Ante o homem submetido pelo demônio, faz o exorcismo com contundência, porém também com sumo cuidado, de maneira que o demônio “saiu dele sem fazer-lhe nenhum dano” (4,35).
    • Ante a mulher enferma (a sogra de Simão), Jesus “se inclinou sobre ela” (4,39). Que gesto tão formoso de aproximação ante quem está prostrado!
    • Ante a afluência de público (a massa), Jesus não perde de vista o indivíduo, mas que se aproxima à realidade de cada um: “Cada um deles… os curava” (4,40).
    • Ante todo o quadro de sofrimento que lhe põem Jesus não sente repugnância, não sente aversão, não toma distância, mas ao contrário, toma contato físico, em uma imensa proximidade à realidade humana: “Ele impunha as mãos sobre cada um deles” (4,40).

Este é o modo como Jesus passou fazendo o bem e curando a todos os oprimidos pelo diabo, porque Deus estava com Ele(At 10,38).

Repassemos agora esta passagem, olhando-nos no espelho de Jesus. O discípulo é chamado a “ser como seu mestre” (6,40b) a viver fundo a missão e trabalhar por sua eficácia. Mas, para conseguir terá que entrar no caminho formativo que inicia amanhã.

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