São José (Estudo Bíblico)

Mateus 1,16.18-21.24a

Introdução

Celebramos a solenidade de São José. A liturgia da Igreja nos convida a ler as palavras que descrevem a José, primeiro na genealogia de Jesus (“Jacó gerou a José, o esposo de Maria”; Mt 1,16) e logo no relato do anúncio da concepção virginal de Jesus (Mt 1,18-24).

Na genealogia de Jesus, José está como um verdadeiro Israelita, descendente davídico que dá esta dignidade, por adoção, a Jesus. A lista de descendentes tem uma variante em José: “justo”, para expor que é esposo de Maria, mas que Jesus não é filho natural de José. Jesus, nem é gerado nem gera, com Ele acaba a lista. Contudo, graças a José, Jesus se insere na história do povo do qual é a plenitude. Por meio de José recebe uma nação, um povo, uma cultura e a adesão ao povo de Abraão.

O texto de hoje relata como José supera suas dúvidas e acolhe Maria em sua casa. Com poucas palavras se disse muitíssimo sobre Jesus, Maria e José. O relato aponta para a afirmação que Jesus não tem pai terreno, que deve a origem de seu ser ao Espírito Santo, à obra criadora de Deus. Deus interveio e pôs um novo começo na história da humanidade. Mas José tem um papel importante nos acontecimentos. O relato nos apresenta as diversas fases que passa José para compreender seu lugar e sua missão.

Após ficar perplexo com a notícia da gravidez de Maria (1,18), José tenta resolver o impasse jurídico com um repúdio em segredo (1,19). Está planejando isto, quando Deus, intervêm com uma palavra que contradiz seus planos (1,20-21), e ao qual José responde positiva e pontualmente (1,24). Tudo poderia sintetizar-se na “justiça” de José. De fato, é chamado “justo” (1,19).

Esta justiça consiste na obediência aos projetos de Deus: trata-se de uma pessoa madura na fé, que tem uma profunda relação com Deus, que percebe seus caminhos e transita por eles. Jesus nasce à sombra deste “justo”, testemunho de maturidade na fé. Esse ânimo lhe permite confrontar seu projeto pessoal com o de Deus, e deixar-se vencer pelo segundo. O faz porque é capaz de compreender a Deus e é por isso que está em condições de saltar as barreiras legais, que se lhe apresentam no momento crítico de sua vida e fazer algo inaudito. José percebe o projeto de Deus em sua esposa e opta por ele.

A página do Evangelho nos coloca hoje ante um quadro estimulante: um homem com uma grande estatura em sua fé, que não é eximido das vacilações e temores ante as situações difíceis, porém, que é capaz de dar o salto pelo qual se abandona na graça iluminadora de Deus, que o anjo lhe lançou quando lhe disse: “Não tenhas medo” (1,20).

Assim, rompe a escuridão e penetra no horizonte da salvação inaugurado em Jesus. Nos relatos seguintes, nos quais a vida do menino Jesus se vê ameaçada (Mt 2,13-21), José assume o papel de defensor da vida do menino e da mãe. O que teve em seus braços o Emanuel teve a oportunidade de, primeiro ver como, nesse menino, Deus estava com Ele, foi, também, na hora da violência cruel sobre os inocentes, o mediador do Deus-Pai que protege a vida de seu filho. Em José, Jesus também viu como Deus-Pai estava com Ele.

O texto

O texto que a liturgia nos apresenta hoje pode ser dividido em quatro partes:

  • A ascendência de Jesus (v.16)

Na genealogia de Jesus, segundo Mateus, não basta uma enumeração de nomes, (muitos deles desconhecidos para nós). Também o número das gerações tem sentido. Ao observar os vv.12-16, notamos que, depois das listas que seguem a Abraão e Davi, Mateus coloca uma terceira lista que parte do exílio e culmina com Jesus. São, assim, três pequenas listas, cada uma de 14 gerações. E se temos em conta o número “14” como soma de 2×7, e que 7 indica perfeição, vemos, claramente, que Mateus está dando uma mensagem com números (sete+sete=plenitude).

Jesus é a plenitude da história da salvação

Neste cálculo que o evangelista Lucas faz ao fim da lista das gerações (1,17), nota-se que esta história não é algo disposto pelo acaso, mas uma série de acontecimentos dispostos por Deus. O curso desta história foi querido por Deus e Ele mesmo a orientou, até culminar no Messias (1,16). Assim, toda a história tem seu sentido maior em Jesus. Tudo que veio antes prepara sua chegada que começa o tempo da plenitude e o cumprimento da promessa.

Jesus é o ponto culminante, e o cumprimento do agir de Deus, com seu povo. Note-se, ainda, que a série das gerações se interrompeu, de repente, em Jesus. Não se disse: “José gerou Jesus”, mas Jacó gerou a José o esposo de Maria da qual nasceu Jesus chamado Cristo” (1,16). Ou seja: José, esposo de Maria, não é o pai carnal de Jesus.

  • Breve relato da origem de Jesus e o sonho de José (vv.18-21)

Em poucas palavras Mateus nos conta que José se encontra ante uma situação surpreendente: sua esposa está grávida de um filho que não é dele. Então reflete que fazer: Pôr fim à relação com Maria? Introduzir na família a um descendente ao qual não tem direito? Dar nome a um menino que sabe que no gerou?  O texto nos diz que José pensa na primeira possibilidade, porém quer fazê-lo com a maior dignidade. Retomemos alguns elementos da narração.

Acontecimento inédito: “achou-se grávida pelo Espírito Santo(1,18c) 

Antes de que iniciassem a vida conjugal em comum, Maria se encontra “grávida”. O dado “por obra do Espírito Santo”, que por lo pronto só conhecem Maria, o evangelista e seus leitores, é alheio ao conhecimento de José que só vê o fato externo.

O Espírito, a força criadora de Deus, tem atuado em Maria para fazer possível a concepção de Jesus (assim também se diz em Lc 1,35: “O Espírito Santo virá sobre ti…”).  Nem José, nem nenhum outro meio humano, têm a ver com o assunto. Portanto, Jesus provém de Deus.

A saída digna ante a desonra do marido: José entra em conflito. Reflete e toma, finalmente, uma decisão: deixar livre a sua esposa renunciando efetuar o “repúdio” ao qual legalmente tinha direito. A intenção de proceder “em segredo”, e não ante duas testemunhas – a forma oficial que mandava a Lei –, está unida ao qualificativo que se dá a José: “era justo”.De um lado, pôr em evidência pública o caso, mediante denúncia, implicava abandonar sua própria sorte e desprezo geral da população a sua amada.

Revelação divina da origem de Jesus a José. Porém, o aflito José só conhece um aspecto do acontecimento. Falta escutar o outro ponto de vista: o de Deus. Acontece como em todo sério discernimento que se faça para as decisões importantes da vida: sempre será preciso escutar o ponto de vista de Deus. Por meio do Anjo, Deus ilumina o acontecimento e dá instruções precisas a José.

As palavras do Anjo. Diferente do relato da anunciação do anjo à Virgem Maria, Deus se comunica com José por meio de um sonho. Não é a primeira vez que isto acontece na Bíblia, mas, também, com este fato, José faz honra ao outro José do Antigo Testamento que em sonho Deus lhe revela como conduzir os acontecimentos (“José teve um sonho e o manifestou a seus irmãos…, Gn 37,5 e assim em outras passagens). Ao menos duas vezes mais José seguirá sendo o homem que sonha com Deus (ver 2,13.19). O anjo se dirige a José chamando-o “Filho de Davi”.

Este título nos remete às antigas promessas messiânicas conectadas com um descendente de Davi (ver Mt 1,1: Jesus é “Filho de Davi”); por isso o rei aparece destacado na genealogia (1,6.17). Através de José, Jesus será conectado com Davi (1,16). Por isso só o fato de dar-lhe este título a José, além do convite a “não temer”, é um chamado para que exerça sua responsabilidade como membro do povo eleito que aguarda ao Messias.

  • A execução do mandado por Deus (v.24a)

Enfim, vemos como José desperta do sonho e faz o que lhe é mandado. Isto sublinha a obediência de José assim como o fato de que a Palavra de Deus é realizável. O relato nos havia falado da sensibilidade espiritual de José.

Jesus Está em função de seu Pai-Deus. Dele se diz que deve sua própria existência ao poder criador de Deus.Por provir de Deus está em capacidade de libertar o povo de seus pecados, por isso se chama “Jesus”.Chama-se “Jesus” porque é capaz de tirar o povo de sua situação de separação de Deus e introduzi-lo na comunhão com o Deus da Aliança, por isso é “Emanuel”.

Maria Está em função de Jesus. Dela não nos diz o que faz, pensa ou sente neste relato, porém sabemos três dados fundamentais: Ela é Mãe por obra do Espírito Santo; Ela é a Mãe do Salvador e do Emanuel; Ela está sob a proteção e os cuidados de José.

José Está em função de Maria e de Jesus. É o protagonista do relato de hoje. Escuta a Deus e atua realizando de forma pontual, ao pé da letra, o que Deus lhe pede. Do relato se desprende que não é o pai biológico de Jesus, porém desempenha um papel importante junto a Jesus e a Maria, enquanto pai e esposo que acolhe na casa e dá o nome ao menino. Ele lhe oferece um espaço de proteção no qual Maria poderá levar a cumprimento sua tarefa e Jesus poderá crescer como um verdadeiro homem em função de sua obra. Também ele, como Maria e como Jesus, é posto a serviço dos planos de Deus. Ele compreende isso graças a sua sensibilidade espiritual e a sua disposição para levar em consideração, dentro de seu discernimento, o ponto de vista de Deus. Ser esposo e pai é um chamado de Deus.Por meio de José, Jesus é inserido, não no sentido carnal, mas no sentido legal, na genealogia que vai desde Abraão até José. Graças a José, Jesus entra na história de seu povo.No fundo de todo está o mesmíssimo Deus: de maneira diferente está vinculado com cada um dos personagens. De muitas formas hoje se nos fala do amor de Deus por nós. Seu desejo é libertar-nos da ruína do pecado e dar-nos a plenitude da vida. Para realizar isto nos manda seu Filho, o “Salvador” e “Emanuel”. Porém, para que seja possível a vinda de seu Filho ele chama a Maria e a José para o seu serviço. Maria e José se convertem frente a Jesus, e, portanto frente a toda a humanidade, em um casal modelo a serviço de Deus.

Enfim… Muito temos por descobrir dentro desta maravilhosa passagem.O certo é que dentro do conjunto dos relatos que precedem o nascimento de Jesus talvez este seja um dos que, sem perder de vista os demais personagens, mais enfoca a figura de José.Hoje vimos como José se permite aproximar-se de forma muito humana ao mistério do Deus que dá a salvação e a vida à humanidade. Com José aprendemos que ser “pai” é muito mais que gerar um filho. Digamos então que a paternidade humana é tão necessária que nem o próprio Deus foi eximido dela.

Aprofundemos com os nossos pais na fé:

Leão XIII, papa de 1878 a 1903

Encíclica “Quanquam pluries”

São José, um modelo para todos

Há razões para que os homens de qualquer condição e qualquer país se recomendem e confiem à fé e à guarda do Bem-aventurado José. Os pais de família encontram em José a mais bela personificação da vigilância e da solicitude paterna; os esposos, perfeito exemplo de amor, de entendimento e de fidelidade conjugal; os que são virgens têm nele, ao mesmo tempo que um modelo, um protetor. Que os privilegiados pelo nascimento aprendam com José a guardar, mesmo no infortúnio, a sua dignidade; que os ricos compreendam, pelas suas lições, quais são os verdadeiros bens que é preciso desejar e adquirir a todo o custo. Quanto aos operários, aos pobres, às pessoas de condição desfavorecida, têm o direito especial de recorrerem a José e a decidirem imitá-lo. José, com efeito, sendo de descendência real, unido pelo casamento à maior e mais santa das mulheres, olhado com pai do Filho de Deus, passa todavia toda a vida a trabalhar e procura no seu labor de artesão tudo o que é necessário ao sustento da sua família. É, pois, verdadeiro que a condição dos humildes não tem nada de abjeto e, não só o trabalho do operário não é desonroso como pode, se a virtude se lhe juntar, ser grandemente enobrecido. José, contente com o pouco que possuia, suportou essas dificuldades… com grandeza de alma, à imitação de seu Filho que, após ter aceitado a situação de escravo, Ele, que era o Senhor de todas as coisas (Fl 2,7), se submeteu voluntariamente à indigência e à falta de tudo.

João Paulo II

Redemptoris Custos, 25-26

A primazia da vida interior em São José

O mesmo clima de silêncio, que acompanha tudo aquilo que se refere à figura de José, estende-se também ao seu trabalho de carpinteiro na casa de Nazaré. Trata-se de um silêncio que desvenda de maneira especial o perfil interior desta figura. Os Evangelhos falam exclusivamente daquilo que José «fez»; no entanto, permitem-nos auscultar nas suas «ações», envolvidas pelo silêncio, um clima de profunda contemplação.José estava quotidianamente em contacto com o mistério «escondido desde todos os séculos», que «estabeleceu a sua morada» sob o teto da sua casa. Isto explica, por exemplo, a razão por que Santa Teresa de Jesus, a grande reformadora do Carmelo contemplativo, se tornou promotora da renovação do culto de São José na cristandade ocidental. O sacrifício total, que José fez da sua existência inteira, às exigências da vinda do Messias à sua própria casa, encontra a motivação adequada na «sua insondável vida interior, da qual lhe provêm ordens e consolações singularíssimas; dela lhe decorrem também a lógica e a força, própria das almas simples e límpidas, das grandes decisões, como foi a de colocar imediatamente à disposição dos desígnios divinos a própria liberdade, a sua legítima vocação humana e a felicidade conjugal, aceitando a condição, a responsabilidade e o peso da família e renunciando, por um incomparável amor virgíneo, ao natural amor conjugal que constitui e alimenta a mesma família». Esta submissão a Deus, que é prontidão de vontade para se dedicar às coisas que dizem respeito ao seu serviço, não é mais do que o exercício da devoção, que constitui uma das expressões da virtude da religião [segundo Santo Tomás de Aquino].

São Bernardo (1091-1153), monge cisterciense e doutor da Igreja

“José, filho de David, não temas em receber Maria, tua esposa”. “José, o esposo de Maria, era justo e não queria denunciá-la; decidiu então deixá-la secretamente” (Mt 1,19). Porque era justo, não a queria desonrar. Não teria sido justo se se tivesse feito seu cúmplice depois de a ter considerado culpada nem se, reconhecendo a sua inocência, a tivesse condenado. Por isso, tomou a decisão de a deixar secretamente. Mas porquê deixá-la? Pela mesma razão (dizem os Padres da Igreja) que incitava Pedro a empurrar Jesus dizendo-lhe: “Afasta-te de mim, Senhor, porque sou um homem pecador!” (Lc 5,8) Tal como o centurião lhe fechava a porta dizendo: “Senhor, eu não sou digno de que entres na minha casa!” (Mt 8,8) José, que se via pecador, achava que era indigno de conservar mais tempo em sua casa uma mulher cuja excelência e superioridade lhe inspiravam temor. Via-a trazer em si a marca indubitável da presença divina; incapaz de compreender o mistério, queria deixá-la. São Pedro temia a onipotência divina, o centurião ficou aterrorizado pela presença da majestade de Cristo. José, como homem que era, foi tomado de temor perante um milagre tão inesperado e um mistério tão impenetrável; era por isso que, em segredo, pensava deixar Maria. Não vos espanteis de ver José julgar-se indigno de viver ao lado da Virgem grávida: Santa Isabel também não pôde suportar a sua presença sem ficar tomada de temor e de respeito. “Como pode ser que a Mãe do meu Senhor venha até mim?” (Lc 1,43) Porquê deixá-la em segredo? Para que não procurassem a causa da sua separação e não viessem exigir explicações. Que teria podido responder este justo a pessoas sempre prontas a contestar? Se tivesse revelado os seus pensamentos, se se afirmasse convencido da pureza da sua noiva, essas pessoas cépticas teriam escarnecido dele e lapidado Maria. José teve pois razão, ele que não queria nem mentir nem difamar. Mas o anjo disse-lhe: “Não temas! O que ela concebeu é obra do Espírito!”

Santo Efrém (c. 306–373), diácono na Síria, doutor da Igreja

«José, filho de David, não tenhas receio». José abraçava o Filho do Pai celeste E servia-O como seu Deus. Regozijava-se Nele como na própria bondade; e reverenciava-O como o Justo por excelência (Mt 1, 19). Grande era a sua perplexidade! «Como me é dado a mim, ó Filho do Altíssimo, ter em Ti um filho? Indispus-me contra a tua mãe, e pensava repudiá-la. Eu não sabia que no seu seio havia um grande tesouro que, na minha pobreza, repentinamente, Me tornava rico. O rei David nascera da minha estirpe e cingira a coroa. A que grande despojamento cheguei! Em vez de rei, sou operário; mas foi-me dada uma coroa visto que no meu peito repousa o Senhor de todas as coroas!»

Para cultivar a semente da Palavra na vida:

  1. Por que é importante conhecer a origem de Jesus? Que aspectos de diferença ou semelhança podemos estabelecer entre os costumes judeus acerca do matrimonio e o que acontece na sociedade atual? Que podemos imaginar que Deus está pedindo a nossa sociedade? Que pede a nós?
  2. A decisão que José toma de repudiá-la em segredo está relacionada com a busca da vontade de Deus. Como busco a vontade de Deus? Nesta busca estou disposto a salvar as pessoas ainda que estas estejam acusadas gravemente? Como família, comunidade ou grupo, a que pessoas concretas temos tratado de salvar?
  3. José pôde decidir porque lhe foi revelado o ponto de vista de Deus. Frequentemente decido baseando-me só em “meu” ponto de vista ou contando só com o ponto de vista dos outros? De que modo vou propor-me escutar e pedir a Deus seu ponto de vista?
  4. Que condicionamentos, pessoal ou comunitário, nos impedem decidir segundo a vontade de Deus?
  5. Que vamos fazer para que este natal que se aproxima não fique só em festas e celebrações sociais, mas que nos ajude a entrar em um caminho de busca e obediência da vontade de Deus?

Fonte: www.homiletica.org / www.mercaba.org

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