21º DOMINGO DO TEMPO COMUM ANO B ( Estudo Bíblico)

João 6,60-69

Introdução

A quem iremos, Senhor! Só tu tens palavras de vida eterna!

O evangelho de hoje, nos apresenta a cena conclusiva do capítulo 6 de João.

Depois da multiplicação dos pães e dos peixes, depois de ajudar os discípulos a passar o mar durante a noite e depois de fazer uma maravilhosa revelação sobre o “Pão que dá a Vida”, o auditório de Jesus reage.

Aprofundando

  1. A primeira reação é um escândalo:É dura esta linguagem” (6,60a).

Os discípulos demonstram sentir-se chocados. A proposta de “comungar” a Jesus, bem como de considerar o fazer-se eles mesmos pão que vivifica aos demais – a partir da identificação sacramental com Cristo Crucificado – excede qualquer possibilidade humana razoável: “Quem pode escutá-lo?” (6,60c).

Em poucas palavras os discípulos expressam que não podem levar a sério a proposta de Jesus. Jesus responde amavelmente com quatro frases: duas perguntas e duas afirmações.

As duas perguntas:

(1) “Isto vos escandaliza?” (6,61).

       Convida-os a examinar sua reação.

(2) “E quando vires o Filho do homem subir onde estava antes?” (6,62).

      Convida-os a olhar o caminho do Crucificado: o que Jesus pede, tem vivido primeiro.

As duas afirmações:

(1) “O espírito é o que dá vida, a carne não serve para nada” (6,63a). Convida-os a tomar consciência de que isto não se realiza pelas próprias forças, senão pelo dom vivificador do Espírito.

(2) “As palavras que vos tenho dito são espírito e são vida” (6,63b). Convida-os a acolher a proposta como um dom de Deus: Jesus não nos pede nada que não possamos viver, por isso em cada “palavra” sua o sopro do “Espírito” nos ajuda a encarná-la.

  • Vem então a segunda reação: o auditório se divide em dois.

Um grupo de discípulos se vai: “Desde então muitos de seus discípulos voltaram                                                atrás e já não andavam com Ele” (6,66).

Outro grupo, encabeçado por Pedro, fica com Jesus e faz uma belíssima confissão de fé (6,67-70).

Há três afirmações importantes na declaração de Pedro:

  • Uma reflexão de desencantamento:

“Senhor, aonde iremos?” (6,68a).

A reflexão põe-nos em estado de vigilância sobre as decisões precipitadas, movidas pelo impulso do sentimento.  Para tomar decisões, primeiro é preciso refletir se não há possibilidades melhores. Segundo Pedro não há.

  • Uma referência às palavras de Jesus:

“Só Tu tens palavras de vida eterna” (6,68b).

Pedro se apóia na promessa que acaba de fazer Jesus: “As palavras que vos tenho dito são espírito e vida” (6,63b).

Compreende que o decisivo de Jesus é a vida e que só Ele está em capacidade de dá-la. Pedro mostra interesse por este dom.

  • Um reconhecimento da pessoa de Jesus

 “Nós cremos e sabemos que tu és o Santo de Deus” (6,69).

A confiança de Pedro em Jesus se mostra total: “cremos e sabemos”. O plural comunitário indica uma fé eclesial. Reconhece em Jesus uma relação especial com o Pai “Santo” quer dizer que pertence a Deus e está unido a Deus de maneira total.

Pedro se apóia no elemento decisivo e fundamental da fé: a relação de Jesus com Deus, a pertença de Jesus a Deus. Em Jesus está o dom da “vida plena”, por isso é que é preferível ficar com Jesus, que afastar-se de forma insensata.

Cultivemos a semente da palavra no profundo do coração

  1. Quem é Jesus para mim?
  • Por que ainda sigo caminhando com Jesus?
  • Qual foi a proposta de Jesus que escandalizou a um bom grupo de discípulos?
  • Algum ensino de Jesus me escandaliza e me parece impossível de viver?
  • Que ajuda oferece Jesus para poder encarnar sua Palavra?

Pe. Fidel Oñoro, cjm

ANEXO 1:

O ensinamento de Jesus na sinagoga de Cafarnaum sobre o Pão da Vida causou uma crise profunda entre seus seguidores.

Esse momento ficou registrado na mente do evangelista como um ponto de ruptura na adesão a Jesus: “Desde então muitos de seus discípulos voltaram atrás e já não andavam com Ele”.

Nessa ocasião as palavras de Jesus puseram em evidência quem tinha fé nele e quem o buscava só por interesses humanos.

 De fato, após a multiplicação dos pães, onde Jesus saciou a multidão, o entusiasmo foi tão grande que “tentavam tomá-lo à força para fazê-lo rei” (Jo 6,15).

Mas Ele advertia que esse entusiasmo não era fé, mas motivações materiais:

“Em verdade, em verdade vos digo: vós me buscais, não porque vistes sinais, mas porque comestes dos pães e vos saciastes. Trabalhai, não pelo alimento perecível, mas pelo alimento que permanece para a vida eterna, o que vos dará o Filho do homem” (Jo 6,26-27).

A multiplicação dos pães havia que tomá-la como um sinal daquele outro pão que Ele os daria.

O discurso que segue aclara qual é esse pão. Ficará em evidência quem são os que buscam a Jesus só pelo alimento perecível e quem são os que o buscam por crerem que Ele os dará esse pão da vida eterna.

Três afirmações de Jesus permitiram uns e outros a discernir:

  • “Eu sou o pão vivo baixado do céu…”;
  • “O pão que eu darei é minha carne pela vida do mundo…”;
  • “Se não comerdes a carne do Filho do homem e não beberdes seu sangue não tereis vida em vós”.

Depois de cada uma dessas afirmações o abandonava uma parte de seus seguidores. Elas permitem também hoje a cada um de nós examinar sua fé em Cristo. Ao final ficarão somente os Doze.

A reação não era de aberta recusa; tampouco tinham a humildade de pedir esclarecimento. A reação está caracterizada pela “murmuração”, ou seja, por essa atitude de resistência e dissensão dissimulada.

Mas Jesus percebe: “Sabendo Jesus em seu interior que seus discípulos murmuravam por isto, disse-lhes: ‘Isto vos escandaliza?’.

Ninguém responde; faz-se um silêncio reticente. Jesus segue explicando: “O espírito é que dá vida; a carne não serve para nada. As palavras que vos tenho dito são espírito e vida”.

Novo silêncio. Ninguém reage, porque já tinham tomado à decisão de distanciar-se dele. Jesus então conclui: “Há entre vós alguns que não creem”.

Esta situação é semelhante àquela criada quando apresentaram a Jesus um paralítico para que o curasse. Jesus disse ao paralítico: “Ânimo, filho, teus pecados te são perdoados”, e alguns dos presentes murmuravam considerando uma blasfêmia.

Então Jesus, conhecendo seus pensamentos, disse: “Pois para que saibais que o Filho do homem tem na terra poder de perdoar pecados, disse então ao paralítico: Levanta-te, toma tua cama e vai para tua casa” (Mt 9,6). Ele levantou-se e foi para casa.

Essa cura foi um sinal do perdão concedido. Deste mesmo modo, na multiplicação dos pães havia que ver um sinal do pão de vida eterna que Jesus prometia a quem crer nele.

Todos viram a multiplicação dos pães e todos se saciaram desse pão. Mas nem todos viram o sinal.

O quarto Evangelho narra só sete sinais, mas em sua conclusão aclara:

“Jesus realizou na presença dos discípulos muitos outros sinais que não estão escritos neste livro. Estes foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que crendo tenhais vida em seu nome” (Jn 20,30-31).

Os sinais foram atos para suscitar a fé em Jesus e em seu poder salvador.

Todos vêem o ato milagroso; mas uns crêem e outros não. De que depende?

Responderemos com as palavras de Jesus:

  • “A obra de Deus é que creiais em quem o enviou…” (Jo 6,29)
  • “Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou não o atrai…” (Jo 6,44).

Crer em Jesus é “a obra de Deus”, e seguir a Jesus responde a uma eleição de Deus. É o mesmo que Jesus reitera agora: “Por isto vos digo que ninguém pode vir a mim se não o concede o Pai”.

Tomando esta declaração, o Catecismo da Igreja Católica ensina: “A fé é um dom de Deus, uma virtude sobrenatural infundida por Ele” (153).

Por isso nossa oração humilde deveria ser sempre esta: “Senhor, aumenta a nossa fé” (Lc 17,6); “Creio, mas ajuda minha incredulidade” (Mc 9,24).

O evangelista observa: “Jesus sabia desde o princípio quais os que não criam e quem o ia entregar”. Os que não creem já se foram. Porém permanecia o que o ia entregar. O evangelista sublinha horrorizado que este era “um dos Doze!” (Jo 6,71).

Jesus agora se volta aos Doze, que são os únicos que permanecem e pergunta-lhes: “Também vós quereis ir?”. A pergunta vai dirigida a todos; mas em nome de todos responde um: Pedro. Sua resposta é magnífica: “Senhor, a quem iremos? Tu tens palavras de vida eterna, e nós cremos e sabemos que tu és o Santo de Deus”.

Duas coisas os retêm junto a Jesus:

  • por um lado, enquanto os demais têm palavras efêmeras que servem somente para a vida terrena, Jesus tem palavras que não passam e comunicam a vida eterna;
  • por outro, eles creem – e por isso sabem – que Jesus é o “Santo de Deus”. Esta expressão pode ser traduzida como “consagrado de Deus”, e designa ao Ungido de Deus, quer dizer, ao Cristo.

Quando Pedro foi chamado por seu irmão André, disse: “Encontramos o Messias, que quer dizer Cristo” (Jo 1,41). E Pedro creu. Nele se realizou “a obra de Deus”; ele foi atraído a Jesus pelo Pai. Merece esta bem-aventurança: “Ditoso és Pedro, pois isto não te revelou nem a carne nem o sangue, mas meu Pai que está no céu” (Mt 16,17).

            + Felipe Bacarreza Rodríguez, Obispo Auxiliar de Concepción

ANEXO 2

Aprofundemos com os nossos pais na fé

  • São Jerônimo (374-420), presbítero, tradutor da Bíblia, doutor da Igreja

    “As palavras que vos disse são espírito e vida”

Lemos as Santas Escrituras: por mim, sou de opinião que o Evangelho, é o corpo de Jesus, que as Santas Escrituras são a sua doutrina.

Sem dúvida o texto “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue” encontra toda a sua aplicação no mistério eucarístico; mas o verdadeiro Corpo de Cristo e o seu verdadeiro Sangue, é também a palavra das Escrituras, a doutrina divina.

Quando vamos aos santos mistérios, se uma parcela vem a cair, ficamos inquietos.

Quando escutamos a palavra de Deus, se pensamos noutra coisa enquanto ela entra nos nossos ouvidos, em que responsabilidade não incorremos?

A carne do Senhor sendo uma verdadeira comida e o seu sangue uma verdadeira bebida, nosso único bem, é comer a sua carne e beber o seu sangue, não somente no mistério eucarístico, mas ainda na leitura da Escritura.

  •  Santa Catarina de Sena (1347-1380), terceira dominicana, doutora da Igreja, co-padroeira da Europa.

«Também vos quereis ir embora?»

Escrevo-vos no seu precioso Sangue, com o desejo de vos ver verdadeiros servos de Jesus crucificado, constantes e perseverantes até à morte, a fim de receberdes a coroa de glória que não é dada a quem só inicia, mas a quem persevera até ao fim.

Quero, portanto, que vos apliqueis com zelo a correr pela via da verdade, esforçando-vos sempre em avançar de virtude em virtude. Não avançar é recuar, porque a alma nunca pode ficar estacionária.

E como poderemos nós, filhos queridíssimos, aumentar o fogo do santo desejo? Deitando lenha ao fogo. Mas que lenha? A lembrança dos numerosos e infinitos benefícios de Deus, que são incontáveis, e sobretudo a lembrança do sangue derramado pelo Verbo, seu único Filho, para nos mostrar o amor inefável que Deus tem por nós; lembrando-nos deste benefício e de tantos outros, veremos aumentar o nosso amor.

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