26º DOMINGO DO TEMPO COMUM ANO B ( Estudo Bíblico)

Marcos 9,38-43.45.47-48

Introdução

Jesus continua a formação dos discípulos. O faz com instruções precisas e práticas no chamado “discurso de Cafarnaum” (Mc 9,35-52), do qual lemos domingo passado a primeira parte: a regra do serviço. Vamos aprofundá-las…

1. O texto e seu contexto

  1.  Leiamos a passagem de Marcos 9,38-43.45.47-48.

Sigamos as três partes de sua estrutura:

(1) O comportamento com os de fora da comunidade (vv.38-41);

(2) O comportamento com os pequenos da comunidade (v.42);

(3) O comportamento consigo mesmo (vv.43-48).

  1. Vejamos agora o contexto em que Jesus pronuncia esses ensinamentos:
  • O lugar: Cafarnaum

Situamo-nos na instrução que Jesus dá aos doze em Cafarnaum (9,33-50), imediatamente depois do segundo anúncio da Paixão. Cafarnaum é um dos lugares nos quais mais agiu Jesus (Mc 1,21; 2,1…). Esta é a última vez que se menciona esta cidade no Evangelho. Os discípulos já não estão no caminho, mas em uma casa (9,33; 1,29; 2,1; 3,20).

Na visão que Marcos nos dá do discipulado, a “casa” é o lugar do aprofundamento: ali é onde os discípulos pedem a Jesus que aprofunde algum de seus ensinamentos ou, ao contrário, onde Jesus lhes faz pergunta e lhes esclarece situações.

  • O conjunto das instruções aos discípulos

Depois de ter confrontado seus discípulos pelo tema que vinham conversando pelo caminho (9,33-34), Jesus:

  • Explica-lhes que o verdadeiro caminho para a grandeza é o da pequenez humilde no serviço (9,35-37);
  • logo lhes fixa o comportamento com relação aos que não são da comunidade (9,38-41);
  • previne-os expressamente sobre o escândalo (9,42-49); e,
  • finalmente exorta-os a ser pacíficos (9,50).
  1.  A estrutura dos ditos do Senhor que lemos hoje

A princípio põe como meta ser servidores de todos: “Se alguém quer ser o primeiro, seja o último de todos e o servidor de todos” (9,35). Os ensinamentos seguintes parecem depender desta regra de vida que o Senhor estabelece para sua comunidade.

A imagem do “servidor” que se desprende deste dito de Jesus é a do “diácono”, quer dizer, um servidor da mesa (ver Mc 1,31), uma pessoa que não come junto com as outras, mas que está pendente todo o tempo para que todos tenham o que necessitam.

O “servidor” (a diferença do “escravo”) é uma pessoa que trabalha com gosto e está sempre atenta ao bem dos demais, ela percebe o que lhes faz falta e se ocupa de consegui-lo. O seu, então, é ajudar sem impor limites, a única preocupação é o bem dos demais.

Pois bem, é à luz deste ensinamento fundamental, e a partir da disposição interior que ela implica que há que resolver as três situações e conflitos que se enumeram a seguir.

  • O comportamento com os de fora da comunidade (9,38-41)

A passagem começa com um diálogo entre João e Jesus:

  •  O relato de João (9,38)

Um dos três discípulos mais próximos a Jesus, o discípulo João (3,16-17; 5,37; 9,2; 14,33), expõe a Jesus algo que aconteceu aos discípulos: Mestre, temos visto um que expulsava demônios em teu nome e não vem conosco e tratamos de impedir-lhe porque não vinham conosco (9,38).

Ao contrário do relato anterior, os discípulos não ficam calados ante Jesus, mas que lhe contam o que lhes há causado preocupação – uma pessoa que expulsava demônios valendo-se do nome de Jesus – e a maneira como resolveram o conflito – o proibiram.

O tema da expulsão de demônios apareceu desde o começo do ministério de Jesus (1,25.39…) e foi parte da recomendação que Jesus deu a seus missionários (3,15; 6,7.13). Não esquecer que está entre os objetivos do discipulado: “Estar com Jesus e ser enviados a pregar com poder de expulsar demônios” (3,15).

Apesar de ter cumprido o encargo (ver 6,30), depois de sua resistência frente ao tema da Cruz, os discípulos pareciam impotentes para expulsar demônios (9,18.28). O argumento que os discípulos dão para impedir que outra pessoa faça o mesmo é: “Porque não vinham conosco”. Quer dizer, que somente quem é discípulo de Jesus e pertence ao grupo dos discípulos pode também agir em seu nome.

2.2. A resposta de Jesus (9,39-40)

A reação de Jesus parece desconcertante, já que desautoriza o que hão feito os discípulos. Jesus dá um critério a seus discípulos: onde se faz o bem no nome e com o nome seu, não há que impedir-lhe. Agora bem, isto não quer dizer que uma pessoa assim esteja sendo admitida automaticamente como discípulo seu.

Simplesmente a correção é posta em horizonte mais amplo:

  1. É positivo o fato de que essa pessoa se abstenha de falar mal dele (9,39) e de agredir a Ele e a seus discípulos (9,40).
  2. É bom que uma pessoa faça o bem, ainda no mínimo como dar um copo de água, com a consciência de que os discípulos “são de Cristo” (9,41; Mt 25,35), já que tem assegurada a recompensa.

Se é verdade, por uma parte, que os discípulos estão em estreita relação com Deus (“são de Cristo”, 9,41a), também é verdade que Deus não só bendiz a eles, mas a todo o que faz o bem (“não  perderá sua recompensa”, 9,41b).

Se este é um valor que Deus reconhece a todos, então os discípulos devem fazer o mesmo. Dai que o grande parâmetro do comportamento dos discípulos também tenha vigência no campo conflitivo com os de fora da comunidade: Ser o último de todos e o servidor de todos” (9,35).

  • O comportamento com os pequenos da comunidade (9,42)

O campo dos conflitos agora se amplia. Primeiro havia sido pelo tema da autoridade dentro da comunidade (9,34), logo pela intolerância frente às pessoas que não são discípulas de Jesus (9,38), daqui em diante será pelos escândalos que eventualmente podem surgir entre os cristãos (9,42-49).

Em primeiro lugar se afronta o problema dos escândalos com os “pequenos que crêem” em Jesus: “E ao que escandalize a um destes pequenos que crêem, melhor lhe é que lhe ponham ao pescoço uma dessas pedras de moinho que movem os asnos e que lhe lancem ao mar” (9,42).

Jesus cuida muito a seus seguidores mais “pequenos”, gente simples e vulneráveis, os que têm a fé mais débil e insegura. Por isso mostra o grave que é o escandalizá-los (=pôr pedra de tropeço), quer dizer, o apartá-los da fé em Jesus (=sucumbir em sua fé). Como pode dar-se o “escândalo”?

Em dois textos de Marcos encontramos pistas:

  1. Mc 4,17, uma pessoa pode perder a fé por causa da tribulação e a perseguição.
  2. Mc 14,27.29 anuncia um “escândalo” que ocorre justamente na hora da captura de Jesus, quando os doze “sucumbem” em sua fé mediante a renuncia ao seguimento e empreende a fuga (14,50).

O escândalo, então, se refere ao afastamento de uma pessoa de Jesus por causa de uma palavra mal dita ou um comportamento inadequado por parte de um discípulo de Jesus. A gravidade da situação, Jesus a ilustra em seguida com imagem eloquente do castigo de uma pessoa culpável: Melhor lhe é que lhe ponham ao pescoço uma dessas pedras de moinho que movem os asnos e que lhe lancem ao mar” (9,42b).

Sem dúvida que nas profundidades do mar uma pessoa assim estará longe de afetar a alguém com seu mau comportamento. Mas a questão vai mais fundo ainda: as conseqüências, tanto para os culpados como para as vítimas, tanto para quem se equivoca como para quem faz equivocar-se, tem a ver com a salvação ou perdição para  sempre.

Diz-se, drasticamente, que é preferível estar mortos que cometer tais atos. Tenhamos em conta que Jesus neste ensino não descreve os comportamentos causam “escândalo”. Porém, o contexto da passagem deixa entreve duas possibilidades:

  1. As lutas pela autoridade (9,33-35): um discípulo pode perverter-se por sua ambição de grandeza e arrastar a outros por esse mesmo caminho. Evidentemente os pequenos ficarão escandalizados;
  2. Os próprios pecados (9,43-49): um discípulo pode envolver outros discípulos em suas mesmas debilidades e quedas. Isto é gravíssimo!

Também este ensinamento está relacionado com a regra cristã do serviço: um discípulo falta a este dever de modo ruim quando escandaliza aos pequenos e os leva a apartar-se de Jesus e de sua Palavra. O verdadeiro serviço sempre conduz as demais pessoas a uma relação mais estreita com Jesus.

  • O comportamento consigo mesmo (9,43-48)

O conflito já não tem a ver com os que não são cristãos, nem com os próprios irmãos na fé, mas consigo mesmo: Que fazer quando meu próprio comportamento me afasta do Senhor? Jesus expõe três exemplos bem significativos. Neles disse:

(1) o que um órgão importante do corpo trata de fazer,

(2) que é que alguém tem que fazer; e,

(3) que é que está em jogo se, se continua na mesma linha de comportamento.

  • Três órgãos importantes relacionados com o pecado

Trata-se de: mão, pés e olhos. Os três estão em par e cumprem uma função importante para a pessoa inteira. O conflito aparece quando estes querem afastá-lo de Jesus e de seu ensino por comportamentos negativos:

  • O apego à vida terrena (ver 8,34-35);
  • O querer ficar sempre bem com os demais, ainda que sacrificando os valores do Reino (8,38);
  • Os desejos de ter postos e grandeza (9,34).

Estas três atitudes, próprias da natureza humana, podem acabar dominando todo o comportamento da pessoa, levando-o a apartar-se do caminho de Jesus. Por outro lado, está em jogo a missão do discípulo, já que em lugar de afastar os “pequenos”, pede ao discípulo que faça o contrário: oferecer uma mão que os segure, um olhar que os ilumine, um pé que apoia seus passos vacilantes.

Quando em vez de estender a mão, empurra; quando o olho guia para as trevas; quando o pé arremete ao irmão, aí se dá um escândalo.

  • Que há que fazer

Deve-se tomar uma decisão radical. Não se pode aspirar à convivência entre o bem e o mal, não se pode pretender andar nos caminhos de Jesus e ao mesmo tempo com os anti-valores. Posto que o valor maior para um discípulo é Jesus, é a Ele a quem buscará, ainda a custa de grandes sacrifícios.

O que justifica o sacrifício é o fato que há um valor maior; sendo assim, este tipo de perder na prática é uma ganância: “Quem perder sua vida por mim e pelo Evangelho, a salvará” (8,35). Daí que um discípulo deve velar por seu comportamento, tendo em conta a influência que este pode ter no próximo.

  • O que está em jogo

O que está em jogo, em última instância, é a meta do caminho: o “entrar na vida” (=no Reino) ou o frustrar nossa existência (=o que se chama inferno: a dor insuportável, profunda e violenta por não ter podido conseguir a meta da vida).

Jesus usa a palavra “geena”  para  designar o aspecto negativo: a  “geena” era um vale que ficava ao ocidente de Jerusalém, que em outro tempo serviu para os sacrifícios humanos em honra do deus Moloc; nos tempos de Jesus era o local onde se queimava o lixo da cidade.

Por isso a frase “lançar à geena” e o contrário do “entrar na  vida”, onde o termo “vida” é em grego  “zoé” e não “bios”, já que se refere antes de tudo à vida de comunhão com Deus.

Por tanto, o discipulado é um caminho para a vida, uma entrada no Reino. Este é o sentido definitivo do “seguimento” do caminho de Jesus e se não era para chegar até a plenitude, então não teria sentido.

É aqui onde o ensinamento básico sobre o serviço a todos (8,35) se converte também em um chamado de atenção ao necessário serviço a si mesmo: trabalhar pela própria salvação velando até o final pela fidelidade ao caminho de Jesus.

  • Releiamos o Evangelho com um Padre da Igreja

Santo Agostinho, bispo de Hipona e doutor da Igreja.

“Ali não morrerá seu verme e não se apagará o fogo que lhe devora” (Mc 9,48).

Escutando estas ameaças, que certamente impressionam aos ímpios, alguns, cheios de medo, evitaram o pecado. Tem medo e por isso não cometem pecados.

São pessoas que temem (o castigo), porém, não amam a justiça.

Sem dúvida, esse temor que os impulsiona a abster-se do pecado cria neles uma inclinação constante pela justiça, e o que antes era difícil começa a gostar e se saboreia a doçura de Deus.

A tal ponto que o homem passa a viver na justiça, não por temor das penas, mas por amor da eternidade.

6. Cultivemos a semente da Palavra na vida

  1. Como se correlaciona o ensino de Jesus sobre o serviço (domingo passado) com os ensinamentos de hoje?
  2. Como é minha relação com as pessoas que não estão nos caminhos do Senhor?
  3. Meu comportamento ou minhas palavras hão levado a alguma pessoa a afastar-se de Jesus?
  4. Um dos grandes problemas de nosso tempo é querermos ter tudo ao mesmo tempo: o que é de Deus e o que não é de Deus. Mas isto não é possível. É Jesus o valor maior de minha vida, até o ponto de estar disposto a sacrificar muitas coisas agradáveis do mundo para andar em comunhão com Ele e seus caminhos?
  5. Que decisões tomar como resposta aos ensinamentos que me dá Jesus?

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