29º DOMINGO DO TEMPO COMUM ANO B (Estudo Bíblico)

Marcos 10,35-45

Introdução

Domingo passado lemos o episódio da vocação de um homem rico a quem Jesus formulou um chamado explícito a dar seus muitos bens aos pobres e logo segui-lo. Porém o homem recusou o chamado “porque tinha muitos bens” (Mc10,22). Deste modo Jesus ensina que uma condição necessária para segui-lo é ser pobre. De fato, em outra ocasião, a alguém que o dizia: “Seguirei a ti aonde quer que vás”, Jesus o adverte: “O Filho do homem não tem aonde reclinar a cabeça” (Lc 9,57.58).

Os apóstolos cumpriam com esta condição, como faz notar Pedro falando por todos: “Nós temos deixado tudo para te seguir” (Mc 10,28). E era verdade: o Evangelho insiste que eles, quando Jesus os chamou, “deixando tudo o seguiram” (Mc 1,18.20).  A eles Jesus promete: “Recebereis cem por um, agora no presente… e no mundo vindouro, a vida eterna” (Mc 10,30).

Eles haviam renunciado aos bens que possuíam para seguir a Cristo. Porém não haviam renunciado a outra das paixões dominantes do ser humano: o afã de poder, de receber honra e de ser servido. Isto é o que demonstra o Evangelho de hoje. Neste relato Jesus expõe seu ensinamento sobre o exercício do poder neste mundo. “Aproximam-se de Jesus Tiago e João, os filhos de Zebedeu, e lhe dizem: ‘Mestre, queremos que nos concedas o que te pedimos'”. Esta introdução reflete a insistência em sua petição e a intensidade do desejo que os move; querem obter um compromisso da parte de Jesus. Mas Jesus não se compromete antes de saber o objeto da petição: “Que quereis que vos conceda?”.

Também estamos curiosos por saber que podem ambicionar os dois grandes apóstolos. Respondem: “Concede que nos sentemos em tua glória, um a tua direita e outro a tua esquerda”. A petição pode parecer justa e expressar o anseio de estar com Cristo após sua ressurreição e glorificação. Mas, na realidade, situada em seu contexto, é expressão de uma ambição terrena de poder que revela incompreensão do mistério de Cristo. Jesus a evidência dizendo-lhes: “Não sabeis o que pedis”.

Os irmãos haviam visto Jesus fazer milagres, escutado Pedro declarar: “Tu és o Cristo” (o Ungido de Deus; Mc 8,29), e estavam de acordo com essa definição da identidade de Jesus; viram-no ensinar com autoridade: tudo levava a crer que de um momento a outro Jesus se manifestaria como o “filho de Davi” a quem Deus daria o trono de Israel. E eles desejavam ter um posto de honra nesse reino terreno; desejavam ter poder e ser servidos.

Ante este anseio Jesus põe uma condição: “Podeis beber o cálice que eu vou beber, ou ser batizado com o batismo com que eu vou ser batizado?”. Esta é uma pergunta enigmática. Não sabemos que entenderam os dois apóstolos. Podemos assegurar que, apesar de haver anunciado Jesus três vezes sua paixão e morte, esta perspectiva não entrava ainda clara. Eles compreenderam que se tratava de participar do mesmo destino de Jesus e expressam sua disposição: “Sim, podemos”. Então Jesus confirma esta adesão dos irmãos declarando: “O cálice que eu vou beber, sim o bebereis e também sereis batizados com o batismo com que eu vou ser batizado”.

Agora é claro para nós que Jesus se referia a seus padecimentos e sua morte dolorosa e afirma que nisto os dois irmãos o seguiriam. Isto é evidente no caso de Tiago, cujo martírio é narrado no livro dos Atos dos Apóstolos (At 12,2); mas no caso de João que a tradição diz que muito padeceu, mas morreu de velhice, se confirma os dois modos de martírio: o chamado martírio branco e o martírio de sangue.

Vimos que os dois irmãos desejavam gozar com Cristo de um poder terreno. Porém não estavam livres desta ambição os outros dez apóstolos. O Evangelho continua: “Ao ouvir isto os outros dez, começaram a indignar-se contra Tiago e João”. Não se indignam pela incompreensão deles e nem pelo ridículo que aparentam em sua petição, mas porque eles se adiantaram naquilo que cada um queria para si. Todos são iguais na ambição do poder e da honra.

E isto dá ocasião a Jesus para dar um ensinamento fundamental.  Está introduzida de modo solene: “Jesus, chamando-os, disse: ‘Sabeis que os que são tidos como chefes das nações, as dominam… e seus grandes as oprimem com seu poder'”. Vemos que Jesus retoma a imagem que eles formaram de seu futuro reinado. Porém agrega algo novo e desconcertante: “Não deve ser assim entre vós, mas o que queira chegar a ser grande entre vós será vosso servidor, e o que quiser ser o primeiro entre vós, será o escravo de todos”.

Deste modo Jesus estabelece uma lógica distinta à que rege entre os poderosos deste mundo: entre seus discípulos é grande o que serve aos demais e é o primeiro o que se faz escravo de todos. E para confirmar sua sentença, Jesus põe como exemplo sua própria pessoa, o que supostamente devia possuir a glória: “O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida como resgate por todos”.

Com esta sentença Jesus anuncia novamente sua morte e indica de que modo se deve ler sua missão. Deve-se compreendê-la na perspectiva dos cantos do “Servo de Yahveh” do profeta Isaías. Em um deles se lê: “Ele foi ferido por nossas rebeldias, moído por nossas culpas. Ele suportou o castigo que nos traz a paz, e por suas chagas fomos curados” (Is 53,5). Isto é o que fez Jesus.

Este Evangelho, que formula o ensinamento de Jesus sobre o exercício do poder, é muito oportuno nestes dias. Aos que se apresentem como candidatos devem estar dispostos a assumi-los como um serviço, especialmente aos mais pobres e àqueles de quem não se pode esperar retribuição, e devem estar desinteressados das honras e dos benefícios próprios.

              + Felipe Bacarreza Rodríguez, Obispo Auxiliar de Concepción

1. O texto

Seguimos passo a passo o caminho de formação de Jesus com seus discípulos, o qual coincide com a subida a Jerusalém. Chegamos à lição central que se desprende do discipulado da Cruz: o serviço aos demais ainda que com sacrifício.

Jesus propõe àqueles que querem ser grandes, que assumam a função de servidores daqueles que querem superar e de descer até o mais baixo na escala social, até fazerem-se escravos. O Mestre é o modelo deste ensinamento: Ele dá sua vida para redimir a humanidade.

Aqui nos é proposto uma passagem muito válida para estes tempos, em que, para algumas pessoas, o que conta é o êxito a todo custo, o sobressair por cima dos demais e o afã na busca de postos.

2. Anotações sobre a passagem

O evangelista Marcos, extraordinário pedagogo da fé, continua mostrando-nos as implicações da vida nova no seguimento de Jesus, ou seja, o de estar entrando no Reino de Deus. Hoje o faz colocando sobre a mesa o tema, humano, humano até demais: o “poder”.

Quais os critérios de ação de um discípulo de Jesus a respeito?

Não percamos de vista que Jesus já indicou a direção do seguimento desde que disse: Se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me (Mc 8,34) e que isto implica um discernimento de espíritos para escolher  – dentro  das múltiplas atrações que exerce, sobre nós, a  vida –  o  que está em sintonia com a opção da Cruz (8,35-38).

Depois de Pedro (ver o Evangelho do domingo passado), tomam a palavra os dois irmãos, filhos de Zebedeu: Tiago e João, pertencentes ao grupo… (1,16-20). Também são chamados “filhos do trovão” (talvez por seus temperamentos fortes; 3,17).

É possível que estes discípulos, que “haviam deixado tudo e seguido” a Jesus, estivessem já em um alto nível de discipulado e, portanto, capazes de diferenciar-se dos demais no âmbito da liderança e o exercício da autoridade na comunidade. Porém, parece que não.

Como se estivessem tratando de algo profissional, de uma carreira administrativa, os dois discípulos temperamentais pedem a Jesus os postos mais altos no Reino de Deus: Concede-nos que nos sentemos em tua glória, um a tua direita e outro a tua esquerda(v.37). O pedido suscita uma reação forte, tanto da parte de Jesus (v.38) como do resto da comunidade (v.41).

Também aqui notamos dentro do texto um arco que une a petição inicial com a resposta final, enquanto que no desenvolvimento do texto vão se desmontando os velhos hábitos, ao mesmo tempo, que se formam as atitudes que caracterizam aqueles que estão “entrando no Reino” pela via do seguimento, “tomando a Cruz”.

O núcleo do texto está relacionado com o do domingo passado: a conversão pascal. Por isso a esta passagem precede o terceiro anúncio da paixão e ressurreição (v.31-34) e tem sua expressão culminante na última frase de Jesus: O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e a dar sua vida em resgate por muitos” (v.45).

Para um discípulo, o único caminho possível para exercer a autoridade é esvaziando-se a si mesmo no caminho da Cruz, dando vida com sua própria vida.

Então, sob a sombra da cruz as relações de influência sobre os outros são vistas com outra lente:

  • Em primeiro lugar: a cruz põe em severa crise os interesses de fundo de cada um;
  • Em segundo lugar: por ser um dar-se, orienta todos os melhores esforços humanos em função de um único objetivo, que é a vida que cresce e realiza seu projeto como Deus a quer e num âmbito de liberdade (=o “resgate”, v.45).

É confrontando-nos com o crucificado que podemos discernir se a influência que exercemos sobre os demais é submetimento que “mata” ou entrega amorosa que “vivifica”.

Relendo atentamente o texto, vejamos os pontos relevantes da Boa Nova de Jesus sobre o poder-serviço:

  • Jesus não rejeita, a princípio, as aspirações dos dois discípulos. Ele não deseja discípulos covardes, sem iniciativa e sem projeção, por isso admite que chegue a ser “grande” e “o primeiro” (vv.40.43-44;). O problema não está no “que”, mas no “como” e no “para que” (em função de que);
  • Jesus questiona a atitude egocêntrica: quando o interesse pelo êxito terreno, o prestígio e a honra pessoal é a aspiração fundamental. O individualismo vaidoso e egocêntrico, que leva uma pessoa a querer sobrepor-se sobre os demais, é a fonte da maior parte dos conflitos da convivência, como bem o ilustra a indignação de uns contra outros, que brota, imediatamente, entre os doze (v.41);
  •  Jesus responde, não com uma teoria, mas sobre o fundamento de sua própria vida: Ele é o critério último do agir do discípulo. As aspirações espontâneas (ou naturais) dos discípulos (v.35-37) e os modelos de comportamento da sociedade (v.42) se confrontam com a instrução de Jesus que indica como é que se lhe segue (vv.38-40 e 43-45);
  •  Jesus ensina, não com a coação de uma lei, mas a partir do exemplo de sua própria vida. Sua autoridade não é exercida pela imposição, mas pela a atração do exemplo (ver o “assim como” que introduz o v.45);
  •  Jesus reorienta o olhar dos discípulos para a radicalidade da paixão, momento cume de seu ministério e sua revelação. Desta forma eles aprendem que a comunhão com Jesus ou é total ou ela, simplesmente, não existe. Se ela é total, então inclui o caminho da cruz, da qual se derivam os princípios que determinam seu comportamento. Veja os vv.38-39 sobre o “cálice” e o “batismo”;
  • Jesus revela que, se do ponto de vista externo, experimentou a cruz como agressão do poder religioso e político que tentaram anulá-lo, do ponto de vista interno a viveu ativamente como um serviço à vida (v. 45 em relação com os vv. 33-34);
  • Jesus indica a partir da palavra-chave “servir” (v.45), que o caminho do prestígio e da grandeza está no constituir-se “servidor” e “escravo” (vv.43-44). O posto mais alto é o mais baixo, só se é primeiro se, se ocupa o posto dos últimos. O discípulo é o que faz das necessidades dos demais o centro de suas preocupações, o centro não é ele mesmo, mas os outros;
  • Jesus revela o perfil do discípulo com tons que tem os termos. O “serviço” é o da mesa, que indica tudo que contribui à formação da comunidade (v.43). O “ser escravo” é um modo de enfatizar que o serviço é gratuito, não espera salário, se faz porque há um sentido profundo de pertença (v.44);
  • Jesus visualiza, ainda, a comunidade e assinala os destinatários do serviço. Não só os de dentro (o “vós” e “vosso”, v.43), mas, também, os de fora. No serviço cristão não há fronteiras (o “de todos” do v.44, que faz eco ao “muitos” do v.45). Mas é verdade ainda que o amor ao próximo não pode ser substituído pelo serviço aos que estão longe (tentação do ser “luz na rua” e “treva em casa”);
  • Enfim, Jesus e os que lhe seguem estreitamente vão, profeticamente, na contramão dos interesses econômicos e políticos de toda sociedade, cuja ética do poder exclui, marginaliza, mata ou nega a pessoa. No ouvido fica ressoando a frase: Entre vocês não será assim (v. 43).

Relacionando com o Evangelho do domingo anterior, a passagem de hoje põe de relevo que a natureza essencial da renúncia a si mesmo é o dom de si mesmo no serviço. Então, na vida cristã há carreira, porém, só pela rota e no exercício da Cruz.

3. Aprofundando com os Padres da Igreja:

Santo Agostinho, sermão 160,5.

Buscais a Cristo glorificado, voltai-vos a Ele crucificado:

Escutaste no Evangelho aos filhos de Zebedeu.

Buscavam um lugar privilegiado, ao pedir que um deles se sentasse à direita de tão grande

Pai e o outro à esquerda.

Privilegiado, sem dúvida, e muito privilegiado era o lugar que buscavam; porém dado

que descuidavam o “por onde”, o Senhor desvia sua atenção do aonde queriam chegar,

para que se detenham no “por onde deverão caminhar”.

Que responde a estes que buscavam lugar tão privilegiado?

“Podeis beber o cálice que eu hei de beber?” (Mt 20, 22).

Que cálice é este, senão o da paixão, o da humildade? Bebendo-o e fazendo sua nossa debilidade disse ao Pai: “Pai, se é possível passe de mim este cálice?” (Mt 26,39).

Pondo-se em lugar de todos que recusavam beber esse cálice e buscavam o lugar privilegiado, descuidando o caminho da humildade, disse: “Podeis beber o cálice que

hei de beber eu?”.

Buscais a Cristo glorificado; voltai-vos a Ele crucificado.

Quereis reinar e ser glorificado junto ao trono de Cristo; aprendei antes a dizer: “Longe de

mim o gloriar-me, a não ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo!” (Gl 6,14).

Esta é a doutrina cristã, o preceito e a recomendação da humildade: não gloriar-se a não ser

na cruz de nosso Senhor Jesus.

Pois, nada tem de extraordinário gloriar-se na sabedoria de Cristo, mas, sim, o fazê-lo na cruz.

Onde encontra o ímpio motivo para insultar, ali há de encontrar o piedoso sua glória.

Idêntico é o que provoca o insulto do soberbo e a glória do cristão.

Não te envergonhes da cruz de Cristo; para isso tu recebeste seu sinal na frente, a sede do pudor, por assim dizer.

Pensa em tua frente para não temer a língua alheia.

3. Para cultivar a semente da Palavra na vida:

  1. Os filhos de Zebedeu deixaram sentir suas aspirações no seguimento de Jesus. A que aspiro na vida?
  2. Que determina meu comportamento: impulsos pessoais, a maneira de ser, o exemplo de Jesus?

Que é “beber o cálice” e “ser batizado no batismo de Cristo”?

  • Estou consciente de que todas as relações devem estar sustentadas pela vontade de servir?

Cumpro com meus deveres de boa vontade, por amor?

  • Limito meus serviços ou tenho como critério “todos”, não importa que a pessoa seja feia ou atrativa,

amiga ou inimiga, benéfica para meus interesses ou não?

  • Quais os elementos de uma ética do poder desde o Evangelho de Jesus? Como se aplica no âmbito

da família, das comunidades eclesiais, da vida social, da política?

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