32º DOMINGO DO TEMPO COMUM ANO B (Estudo Bíblico)
Marcos 12,38-44
Introdução
Hoje é o penúltimo domingo do ano em que lemos o Evangelho de Marcos. Deixamos de ler a última parte que corresponde à paixão e ressurreição de Jesus (cc.14,15 e 16), a qual leremos na Semana Santa e na Páscoa.
O evangelho de São Marcos vem nos apresentando um resumo do ministério de Jesus em Jerusalém, ressaltando os seus últimos atos e palavras na cidade santa como um resumo dos seus ensinamentos e de sua própria vida vida.
Em Jerusalém, nos últimos dias da vida de Jesus, as duas cenas que aqui lemos unidas, e que se relacionam pela referência às viúvas.
A primeira cena reflete a tensão que, com frequência, houve entre Jesus e os escribas. Os escribas são especialistas na Sagrada Escritura e conhecedores da lei; interpretam a palavra de Deus para os pobres, os simples, o povo.
O que Jesus não suporta da atuação dos escribas (que não deviam ser todos) é a exibição de seu conhecimento da vontade de Deus e de sua piedade: as roupagens e os assentos nas sinagogas são sinais desta exibição.
E ainda suporta menos é que disto queiram tirar proveito e preeminência sobre as demais pessoas. E, finalmente, o extremo último de tudo isto é que alguns cheguem a aproveitar-se disso para atuar diretamente contra aqueles que Deus mais ama, os pobres.
A segunda cena vem resumir o que Deus valoriza das atuações humanas. Ante os ricos que dão muito, Jesus valoriza o que dá a viúva pobre. E valoriza, sobretudo, o fato de que aquela viúva “lançou mais que ninguém”, porque deu algo que era muito importante para ela, a diferença dos ricos que davam do que lhes sobrava.
Atuando desta maneira, e a semelhança do que fez a viúva da primeira leitura, aquela mulher tem mostrado que confia absolutamente em Deus e põe-se totalmente, inteiramente, em suas mãos.
É o mesmo que Jesus fará no Getsemaní: aceitar a vontade de Deus, confiando absolutamente nele e pondo-se totalmente em suas mãos.
- O texto em seu contexto
- O contexto
O evangelho nos tem situado já no término do caminho de Jesus, nas vésperas de sua morte: os caminhos se fecham, os poderosos confabulavam para liquidá-lo, a maioria do povo fica na expectativa. Só um pequeno grupo de homens e mulheres o segue.
A radicalidade do evangelho de Marcos aparece hoje uma vez mais. Bem que as duas leituras de viúvas (a primeira e evangelho) poderiam chamar nossa atenção melhor para a ternura e a compaixão vendo a atuação das duas pobres mulheres, que apesar de serem tão pobres.
Mas não! Bem ao contrário, o chamado real do evangelho de hoje é antes um chamado a confiarmos absolutamente em Deus e, por esta confiança, sermos capazes de entregar-nos a nós mesmos. De fato, o evangelho de hoje não é mais que uma aplicação prática do que já nos disse Jesus anteriormente: “Amarás ao Senhor teu Deus com todo teu ser”.
- O texto
Leia atentamente Marcos 12,38-44. Podemos distinguir três partes:
- Os escribas julgados por Jesus (vv.38-40);
- A multidão e os ricos generosos (v.41);
- O óbolo da viúva (vv.41-44)
- Estudando o texto
- Os escribas julgados por Jesus (vv.38-40)
Inesperadamente Jesus se confronta com os letrados. Atacados pouco antes no plano doutrinal, agora também o são no plano da vida.
Em lugar do «ai de vós!» (Lc 11,43), vemos a expressão «cuidado!», uma advertência dirigida ao povo e, naturalmente, à comunidade dos discípulos.
Já havia rompido de maneira definitiva com os «chefes», com a classe dirigente, já não discute com eles, considera-os irrecuperáveis, dado seu fechamento preconcebido. Só o resta agora dirigir-se o povo comum.
Desta forma aparece uma das constantes do evangelho de Marcos: o povo em más mãos. A culpa é, essencialmente, de seus guias. As acusações dirigidas aos letrados, reduzidas em comparação aos outros evangelhos sinóticos, podem resumir-se nestes defeitos: Vaidade, Hipocrisia e Avareza.
Para a vaidade se cita o passear pomposamente trazendo suas amplas roupagens de lã amarela ou violeta (o tallit, manto), o comprazer-se nas reverências e saudações por parte do povo, o apego aos postos de honra nos banquetes e nas assembléias litúrgicas.
A hipocrisia consiste, sobretudo, em uma devoção ostentosa, baseada na quantidade e no tamanho da oração, feita como espetáculo para atrair a admiração e estima, em especial das mulheres.
Que sua religiosidade seja falsa aparece de forma particular na terceira acusação: a avareza. Em vez de ajudar aos pobres, aos pequenos, aos indefesos, não duvidam em explorá-los descaradamente, aproveitando-se, inclusive, de sua hospitalidade. Os letrados, não esqueçamos que eram também “expert” no campo jurídico e davam conselhos ao povo nas distintas questões de ordem legal, exigindo «parcelas» não pequenas, inclusive aos débeis, com os que deveriam ter melhor compreensão.
Porém, talvez aqui sejam assinalados por algo que vai, sem dúvida, além da odiosa exigência dos favores.
Em outras palavras, se servem de seu prestígio religioso para obter vantagens materiais a custa dos mais simples. São parasitas. E, ainda que tal comportamento apareça externamente irreprovável e cheguem a justificar tudo, sua máscara de «legalidade» cairá ante o severo juízo de Deus.
A conclusão do debate registra só o interesse do povo sobre este ensinamento. O texto, sem dúvida, é bastante importante porque conclui a atividade pública de Jesus. Com efeito, desde agora, o Mestre, nos discursos e comidas de despedida, exclusivamente, se dirigirá ao círculo restrito de seus discípulos.
- A multidão e os ricos generosos (v.41)
O texto nos situa no chamado “átrio das mulheres”, dentro do Templo de Jerusalém. Ali ficava a “Arca do Templo” (12,41), onde havia treze cofres de bronze destinadas a receber dinheiro para diferentes propósitos. Os cofres tinham o formato de um funil com a parte larga virada para baixo por questões de segurança.
Jesus “olhava como o povo colocava as moedas ali” (12,41b). O “olhar”, nesta ocasião, indica “contemplar”: observar cuidadosamente. Jesus vê o “como” se fazem as doações. O primeiro que nota é que “muitos ricos deixavam muito” (12,41c). Chama a atenção o “muitos/muito”.
Marcos utiliza o termo “tesouro”. Porém com este termo se entendia comumente o complexo de edifícios onde eram guardados os objetos preciosos do templo. Aqui se trata mais do ”korban”, oferendas. Como os cofres eram em forma de funil ao inverso é provável que as moedas eram lançadas uma a uma. Em tal caso, o observador – aqui Jesus – tinha uma dupla possibilidade: ver e ouvir.
A questão não está nas doações, nem na quantidade, nem na procedência, mas no fato de que são tão notáveis que Jesus tem que chamar a atenção dos discípulos para se fixem na doação menos vistosa: a da viúva pobre (12,42). Não é frequente nos determos para reparar no valor do pequeno.
- O óbolo da viúva (vv.41-44)
A cena – que se enlaça com a passagem anterior pelo termo «viúva»- está construída cuidadosamente desde um ponto de vista literário. São três quadros introduzidos pelos seguintes verbos: «sentou-se… e observava», «aproximou-se uma pobre viúva e lançou», «chamando seus discípulos os disse…».
O ponto de partida talvez esteja formado pelo o fechamento altivo dos grandes, dos sábios, se contrapõe à disponibilidade do povo simples. Porém tem que ir mais além. Até o episódio da purificação do templo. Os frutos que Jesus tem buscado, inutilmente, a princípio, são demonstrados agora por esta pobre viúva.
A mulher mete no orifício duas moedas das mais pequenas que estavam em circulação, correspondentes a um quadrante. Uma coisa irrisória. Umas poucas pesetas. O motivo pelo qual esta mulher, apesar das aparências, foi mais generosa que todos é assinalada por Jesus: os outros têm dado do que lhes sobrava. A viúva, ao contrario, lançou no cofre o que a faz falta, de sua miséria, do estritamente necessário para viver.
Nos ambientes judeus circulava a história de uma pobre que havia sido recriminada pelo sacerdote pela oferenda de um punhado de farinha. Durante a noite, o encarregado do templo, havia recebido em sonhos esta advertência de Deus: «Não a desprezeis: é como se oferecesse a própria vida».
A cena descrita tão vivamente por Marcos tem, sem dúvida, todo o ar de haver sido captada da realidade. E o ensinamento de Jesus adquire um relevo todo especial porque está colocado no final das disputas. Com este episódio termina Jesus sua atividade e seu ensinamento no templo.
Havia iniciado condenando o mercado de oferendas que acontecia no mesmo, tendo como fundo a ganância dos próprios sacerdotes; em seguida, desaprovara a segurança e a jactância dos dirigentes de Jerusalém, escribas e saduceus, que tinham no templo o símbolo de seu prestígio, indicando que o encontro com Deus não passa pelo poder cultual ou institucional.
Ouçamos a este respeito o profeta Isaias:
“Ouvi a palavra do Senhor, príncipes de Sodoma;
escuta a lição de nosso Deus, povo de Gomorra:
De que me serve a multidão de vossas vítimas, diz o Senhor.
Estou farto de holocaustos de cordeiros e da gordura de novilhos cevados.
Eu não quero sangue de touros e bodes.
Quando vindes apresentar-vos a mim, quem vos reclamou isto: atropelar os meus átrios?
…não posso suportar a presença do crime na festa religiosa.
Abomino as vossas luas novas e as vossas festas; elas me são molestas, estou cansado delas.
Quando estendeis vossas mãos, eu desvio de vós os meus olhos;
quando multiplicais vossas preces, não as ouço.
Vossas mãos estão cheias de sangue, lavai-vos, purificai-vos.
Tirai vossas más ações de diante de meus olhos.
Cessai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem.
Respeitai o direito, protegei o oprimido; fazei justiça ao órfão, defendei a viúva.” (Is 1,10-17).
E agora, conclui exaltando o autêntico valor religioso no gesto da pobre viúva que passa através de seu coração pobre, quer dizer, totalmente disponível e aberto a Deus. Sacrifício silencioso, completo e singelo, no qual o homem deixa de modo muito concreto toda segurança para entregar-se inteiramente à misericórdia divina.
Assim conclui, Jesus, de maneira surpreendente, as disputas no Templo. Faz exegese, não de uma passagem da Escritura, mas de um gesto claro e inequívoco realizado por umas mãos sofridas e descuidadas. Enfim, somando e diminuindo todos os doutos debates ocorridos no Templo parece que o saldo desta conta está justamente no gesto desta pobre viúva e desconhecida.
Seguramente a viúva evangélica entendia vitalmente este versículo do salmo 22:“O Senhor é meu pastor, nada me faltará” e creu firmemente quando deu todo seu pão, o pequeno pedaço que se poderia comprar com seu insignificante dinheiro. Não foi um gesto de alienação ou de insanidade, mas, sim, pôs-se sem medida nas mãos de Deus.
A fé-confiança, a abnegação e a entrega que manifesta nos leva a perguntar-nos que pode mover a um homem a dar sua vida a Deus? Somente parece existir uma resposta: sentir-se profundamente querido por Ele. A viúva não podia dar graças a Deus por bens materiais, porém, apesar disso, algo em seu interior o fazia sentir-se querida ao extremo.
Ela pertence ao grupo de gente anônima que guardam nelas a essência da humanidade criada à imagem e semelhança de Deus e a irradiam, ainda que muitos as julguem como pessoas inúteis e desnecessárias.
- Conclusão
Quanto ao procedimento dos letrados do templo, Jesus, para sua própria comunidade, tem ensinado o comportamento oposto:
- Fazer-se os últimos e servos de todos, em vez de reivindicar honras e privilégios e reconhecimentos por parte dos homens;
- ter fé e perdoar, em vez de comprazer-se em grandes orações a fim de «fazer-se notar»;
- acolher aos pequenos e indefesos, em vez de oprimi-los e explorá-los.
O discípulo é um «pequeno» que busca a Deus e aos próprios irmãos. Não pode parar, porque está sempre em caminho, sempre ocupado com Deus e com o irmão que encontra preso aos espinheiros da vida.
Quanto ao óbolo da viúva, Jesus convoca a seus discípulos para mostrar-lhes o valor oculto do gesto desta. O episódio é um capítulo importante do método pedagógico de Jesus, que convida os discípulos a observar em profundidade, sem superficialidade. Devem, como ele, saber perscrutar o coração.
Com efeito, a pobre viúva pode até estar longe de, a primeira vista, dar uma definição plena de fé, um exemplo de abnegação ou consagração, mas ao discípulo de Jesus sabemos que se o propõe a lógica de «ir além». Além das aparências.
Na especial contabilidade de Jesus, as cifras são importantes não por sua consistência, mas por sua proveniência. Em outras palavras, não pela que entra no cofre, mas pelo que fica no bolso. E indo mais além, pelo que se passa no coração, aonde só Deus pode ver. Por isso a diferença só é notada por Jesus.
Para dar do que se tem, todos são capazes. Porém, dar do que não se tem é uma características dos «pequenos», aos que Jesus amou com predileção.
- Aprofundemos com os nossos pais na fé
Santa Teresa do Menino Jesus (1873-1897), carmelita, doutora da Igreja
«Ela, da sua penúria, deitou tudo quanto possuía»
«Quero fazer-te ler no livro da vida, onde está contida a ciência do Amor».
Oh, sim, a ciência do amor! Esta palavra soa-me docemente ao ouvido da alma, e eu não desejo outra coisa; por essa sabedoria, e mesmo tendo dado todas as minhas riquezas, parece-me, como a esposa [do Cântico] dos Cânticos, nada ter (Ct 8,7), afinal.
Compreendo tão bem que só o amor nos pode tornar agradáveis ao Bom Deus, que este amor é o único bem que ambiciono. Jesus compraz-se em mostrar-me o único caminho que conduz a esta fornalha divina; esse caminho é o abandono da criança que adormece sem receio nos braços do seu Pai.
«Quem for simples venha a mim», disse o Espírito Santo pela boca de Salomão (Pr 9,4) e o mesmo Espírito de amor disse ainda que «o pequeno encontrará misericórdia» (Sb 6,6).
Em seu nome, o profeta Isaías revelou-nos que no último dia O Senhor «é como um pastor que apascenta o rebanho, reúne-o com o cajado na mão, leva os cordeiros ao colo e faz repousar as ovelhas que têm crias» (Is 40,11) […]. Ah, se todas as almas fracas e imperfeitas sentissem o que sente a mais pequenas de todas, a alma da vossa Teresinha, nem uma desesperaria por chegar ao cimo da montanha do amor, pois Jesus não pede grandes ações, pede só abandono e reconhecimento.
Ele disse no salmo 49: «Não reivindico os novilhos da tua casa, nem os cabritos dos teus currais; pois são meus todos os animais dos bosques, e os que se encontram nos altos montes […]
Honra-Me quem oferece o sacrifício do louvor». Eis portanto tudo o que Jesus nos exige: Ele não precisa das nossas obras, apenas do nosso amor. Porque este mesmo Deus que declara não precisar já de nos dizer se tem fome (Sl 49) não temeu em mendigar um pouco de água à Samaritana (Jo 4,7).
Ele tinha sede […] Tinha sede de amor. Ah, sinto-o como nunca, Jesus está sedento, só encontra ingratos e indiferentes entre os discípulos do mundo. E entre os seus próprios discípulos, são poucos,
ai!, os corações que encontra capazes de a Si se entregarem sem reserva, capazes de compreenderem toda a ternura do seu amor infinito.
- Santa Teresa de Calcutá (1910-1997), fundadora das Irmãs Missionárias da Caridade
“Todos deitaram do que lhes sobrava, mas ela, da sua penúria…”
É preciso dar alguma coisa que vos custe.
Não chega dar apenas aquilo que não precisais, mas também aquilo de que não podeis nem quereis privar-vos, coisas às quais estais apegados.
O nosso dom tornar-se-à, então, um sacrifício que terá valor aos olhos de Deus…
É aquilo a que chamo o amor em ação. Todos os dias, vejo crescer este amor, tanto nas crianças, como nos homens e nas mulheres.
Um dia, descia a rua; um mendigo veio ter comigo e disse-me: «Madre Teresa, toda
a gente te dá presentes; também eu quero dar-te qualquer coisa.
Hoje, só recebi vinte e nove cêntimos em todo o dia e quero dar-te».
Refleti um momento: se aceito estes vinte e nove cêntimos (que nada valem, praticamente), ele corre o risco de nada ter para comer, esta noite, e se não os aceito, faço-o sofrer. Então, estendi as mãos e aceitei o dinheiro.
Nunca vi tanta alegria num rosto como no deste homem, tão feliz por ter podido dar alguma coisa a Madre Teresa! Era um sacrifício enorme para ele, que tinha mendigado todo o dia, ao sol, esta soma irrisória que para nada servia. Mas, ao mesmo tempo, era maravilhoso, pois estas moeditas a que ele renunciava tornavam-se numa fortuna, uma vez que eram dadas com tanto amor.
Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração
- Por que o amor a Deus e ao próximo vale mais que todos os holocaustos e sacrifícios?
- De que forma o amor a Deus move e anima minha vontade, minhas forças vitais
e minha inteligência?
- Que expressões de amor são as que mais necessitam nossos povos hoje, nossos jovens, crianças, esposos, os necessitados, e nossos irmãos de comunidade?
- Qual foi o último gesto de amor que fiz a alguém?
- Que me moveu a fazê-lo?