PALAVRA DE DEUS

33° Domingo do Tempo Comum (Estudo Bíblico ano C)

Lucas 21,5-19

Introdução

O ministério de Jesus em Jerusalém do qual vimos uma parte no domingo passado, culmina com o chamado “discurso escatológico”, quer dizer, o ensinamento sobre o fim.

Estamos de novo, é o Templo de Jerusalém. Lucas tem uma novidade: diferente do evangelho de Marcos, onde Jesus e os discípulos aparecem fora do Templo (vão descendo pelo Monte das Oliveiras e dali contemplam o Templo; ver Mc 13,3), segundo Lucas os ouvintes se encontram dentro e o tema da conversa é sua decoração interna. Esta ambientação dá maior solenidade à passagem: diante de Jesus está um amplo auditório que inclui os discípulos e à multidão.

De todo o discurso, que Jesus, ali, pronuncia hoje, leremos a primeira seção. Situemo-nos nele. Leiamos devagar e atentamente a passagem de Lucas 21,5-19.

Nesta passagem distinguimos três partes: (1) O anuncio da destruição do Templo (21,5-6); (2) Não deixar-se confundir sobre a chegada do fim (21,7-11); e (3) O tempo de perseguição como oportunidade de testemunho (21,12-19).

O discurso de Jesus parece, à primeira vista, obscuro e, talvez, algo negativo. Porém, se olhamos bem, notaremos como, pouco a pouco, vai colocando palavras positivas, como se fossem luzes discretas em meio da obscuridade, e isto é o que em última instancia importa. Notemos esta constante: caminhando através das crises amadurecemos para a plena vida.

  1. O anuncio da destruição do Templo (21,5-6).

Um comentário sobre o esplendor do Templo conduz ao anuncio, por parte de Jesus, de que este será completamente destruído em dias futuros.

  1. Os elogios da beleza do Templo de Jerusalém (21,5).

Em principio é uma questão de apreciação artística. A estética dos arquitetos e o bom gosto dos peregrinos que deixam ali suas oferendas votivas é motivo de admiração de residentes e visitantes. A magnificência do Templo obedece ao gosto de seu último reconstrutor: o rei Herodes, o Grande (40-4 a.C). Herodes, de origem iduméia (um povo de comerciantes ao sul da Palestina), quis ganhar o favor de seus suditos promovendo esta construção de dimensões quase colossais. Foi feito no mesmo lugar onde o rei Salomão havia construído o primeiro Templo e onde depois do retorno do exílio se havia feito a primeira reconstrução por parte do movimento de Esdras e Neemias. O rei das grandes edificações militares, de magníficos palácios e reconstrutor de uma cidade inteira (Cesaréia Marítima), fez uma grande inversão neste Templo. Nos dias do ministério de Jesus a construção estava bastante avançada, mas não terminada completamente. Os peregrinos não podiam senão ficar boquiabertos ante semelhante edificação, a qual tinha o melhor em materiais e decoração.

  1. A profecia de Jesus (21,6).

Jesus faz replica os comentários, anunciando uma mudança de situação: “dias virão” (a mesma linguagem utilizada em 5,35 e 17,22 para apontar mudanças radicais). O que o povo agora contempla será destruído: muros virão ao chão, “não restará pedra sobre pedra”. Em 19,44, precisamente antes de entrar na cidade santa e de frente a ela, vemos uma profecia similar da parte de Jesus. A mensagem de Jesus é que não se deve sentir-se absolutamente seguro com o fato de ter Templo (geralmente se espera que os belos e grandes edifícios durem muito) porque um dia será destruído. Mas, há um matiz na frase que é digno de ser notado: o “chegarão dias” se refere ao fato de que o panorama do Templo destruído durará longo tempo. Isto é importante para entender que o “fim” do que se vai falar em seguida não é o dia da destruição do Templo, mas nesse período. 

  • 1ª parte do ensinamentoo: não deixar-se confundir sobre a chegada do fim (21,7-11)

Visto que na mentalidade judia deste tempo se pensava que o fim do Templo seria um dos sinais do fim dos tempos, a pergunta sobre a chegada do fim da história passa agora a ocupar o centro de atenção: (1) As pessoas fizeram duas perguntas a Jesus (21,7) e (2) Jesus responde (21,8-11)

  • As perguntas (21,7).

Jesus é interpelado na qualidade de “Mestre”. A ele se lhe expõe a dupla pergunta: (1) quando acontecerá e (2) que sinal inequívoco dará o prognóstico. Na pergunta chama a atenção o plural: “estas coisas”. Isto se deve a que a destruição do Templo é um dos eventos distintivos dos últimos dias, porém não o único. Por isso o discurso vai mais além do assunto do Templo e se estende na enumeração de sinais apocalípticos que já estavam na mentalidade popular. Sobretudo aqueles que tinham que ver com desgraças. Isto não é novidade: sempre que há calamidades o primeiro que se tende a pensar é no fim do mundo. Porém, há um ponto importante que não podemos perder de vista se queremos entender o pensamento lucano: que a sorte de Jerusalém está ligada à do Templo, que é o sinal das relações de Aliança entre Deus e seu povo. Sua tragédia resulta das vicissitudes comuns da historia sendo, ao mesmo tempo, emblemática de todas as cinco crises da humanidade, nas quais está sempre indicado o comportamento do homem para com Deus.

  • A resposta (21,8-11).

Como se vê na resposta que segue, a Jesus a pergunta pelo “quando” lhe interessa pouco ou nada. O verdadeiro problema está em ver e compreender nesses acontecimentos (“estas coisas”) os “sinais” que remetem à relação com Deus e às decisões mais adequadas que há que tomar. Notemos a resposta se desenrola em duas partes: (1) Contra os charlatões: adverte sobre os falsos messias (21,8-9); e (2) Na realidade da violência: descreve em três círculos concêntricos, três níveis progressivos de conflitividade (21,10-11). No centro do ensinamento encontramos o aviso: “Ainda não terá chegado o fim” (21,9b). Este vale para ambos as partes.

  • Contra os charlatões: a advertência sobre os falsos messias(21,8-9).

Jesus fala forte, com imperativos. O ensinamento deve ficar inculcado nos ouvintes. A fragilidade de seus seguidores parece preocupar a Jesus. Quando se vive tempos difíceis é muito fácil ser “enganados” (literalmente “apartados”,desviados” (ver Ap 2,20; 12,9;13,14), cair em mãos de espertalhões que se aproveitam da situação. Estes charlatões aproveitarão as calamidades para anunciar o fim do mundo e se oferecerão como resgatadores dos que não queiram perecer nos eventos finais.

Com um novo plural, Jesus deixa entender que surgirão em todas as partes e todo tempo. Estes se apresentarão: (1) como “Messias”: Para ter credibilidade se apresentam no nome de Jesus, auto denominando-se “Messias”. Dizendo “Eu sou”; e (2) Como portadores de mensagens da parte de Deus. O conteúdo de sua pregação é “o tempo está próximo” (ver Dn 7,22 e eco em Ap 1,3;22,10), quer dizer, atrairão discípulos que aderirão a eles esperando a salvação. Os Atos dos Apóstolos nos conta que situações similares aconteceram naqueles tempos: At 5,37; 20,30. 

  • A realidade da violência: três níveis progressivos de conflito(21,10-11).

Se bem os discípulos não devem deixar-se “desviar” (ou enganar) por falsos profetas que aparecem em tempos de desgraça oferecendo uma salvação que não podem dar, tampouco devem escandalizar-se ante a realidade do mal no mundo. Em meio das guerras e dos desastres naturais se dá uma situação de morte à qual tem que pôr remédio, porém tem que tê-lo claro: não são vaticínio da parte de Deus do qual tem chegado o fim imediato do mundo. Seguindo a leitura da passagem notamos como vão evoluindo eventos trágicos de menor a maior escala planetária, inclusive cósmica. A mensagem é sempre a mesmo: “O fim não é imediato” (21,9b).

Notemos como, em ordem, vão se desenrolando três níveis de conflitos:

  • Conflitos locais na Palestina (21,8-9). Os discípulos escutarão falar de guerras e subversões (ver Tg 3,16). Aqui parece estar se falando de guerras civis. É possível que se esteja pensando na guerra judia (66-70 d.C) que culminou em 70 d.C. Também nessa época houve falsas profecias e má interpretação dois sinais dos tempos. As guerras que aparecem no discurso apocalíptico são típicas de sua linguagem (Is 19,2; Ez 13,31; Dn 11,44; Ap 6,8). Os distúrbios podem fazer pensar que chegou o fim e encher os corações de medo, pensando que não sobreviverão. Lucas, é claro, quando diz “primeiro”, quer dizer, “antes do fim”. Quer dizer que é apenas o começo de um longo tempo. Assim reafirma que: “o fim não é imediato” (21,9b).
  • Conflitos internacionais(21,10). Depois de uma breve quebra no discurso (“então lhe disse…”), Jesus retoma o realismo da descrição da situações de violência: “Então lhes disse: ‘Levantar-se-á nação contra nação e reino contra reino’” (21,10)Os discípulos não devem atemorizar-se. Estes eventos estão no plano de Deus: “devem acontecer e assim se realiza o plano de Deus” (Dn 2,28). A idéia de fundo segue a mesma: não significa que chegou o fim.
  • Conflitos naturais na terra e no céu: sinais cósmicos(21,11). Passamos agora aos desastres naturais e aos sinais cósmicos: “Haverá grandes terremotos, pestes e fome em diversos lugares, haverá coisas espantosas, e grandes sinais no céu’” (21,10-11). Também a literatura apocalíptica costumava falar de terremotos (ver Is 13,13; Ag 2,6; Zc 14,14; Ap 6,12;8,5) e eventos climáticos que matam as colheitas e provocam fome (ver Is 14,30; 8,21; Ap 18,8). Junto aos desastres na terra, se anuncia que verão sinais terríveis no céu. Parece fazer referência a fenômenos inusitados que os astrônomos não conseguem explicar. As convulsões cósmicas também pertencem aos típicos sinais apocalípticos (ver Jl 2,30-31; Am 8,9; Ap 6,12-14). Todos são sinais apocalípticos do fim, mas não é ainda o fim.  A mesma idéia segue martelando: “mas o fim não é imediato” (21,9b).
  • 2ª parte do ensinamento: tempo de perseguição como oportunidade de testemunho (21,12-19)

Dentro do cenário de conflito que se dá no tempo entre o ministério de Jesus e o retorno glorioso do Senhor ao fim da historia, agora se situam os discípulos: “Antes de tudo isto…”. Também por causa da fé se sofre violência. Jesus nos convida a ver sob esta nova perspectiva a era dos mártires. Do perigo de ser “enganados” ou confundidos pensando que estamos ante o “fim”, o discurso passa a um perigo maior ao que se expõe o discípulo: ou de sucumbir ante a tentação de ceder na fé.

Os cenários da perseguição que ameaçam a fé e o testemunho dos discípulos são dois: (1) A prisão e o julgamento nos tribunais(21,12-15); e (2) A traição na família e o ódio generalizado (21,16-19)

  • Fé e testemunho ante a prisão e o juízo nos tribunais (21,12-15).

Jesus primeiro descreve o cenário e logo ensina como reagir frente a ele.

  • O cenário da perseguição (21,12-13).

O primeiro que fica claro é que o anunciado ocorrerá “antes de tudo isto”. Ou seja, há uma ante sala: a violência entre os homens e os desastres do mundo começam, primeiro, na violência dos judeus e pagãos contra os discípulos, por causa da fé em Jesus. A perseguição (11,49), a captura e a entrega às autoridades, como é frequente nos Atos dos Apóstolos (8,3; 12,4; 21,11; 22,4; 27,1; 28,17), é uma ocasião propicia para dar o testemunho de Jesus: “Isto vos acontecerá para que deis testemunho” (21,13). 

O importante é que este é o tempo do testemunho. É preciso aprender dos mártires. Os lugares aonde serão levados os discípulos são as “sinagogas” – as quais tinham eventualmente, a função de corte judicial local, e os “cárceres”, um modo de castigo amplamente conhecido (At 8,3; 22,4).

  • O ensinamento de Jesus sobre como reagir (21,14-15).

Tendo dito que enfrentarão situações penosas ante os juízes, agora Jesus instrui os discípulos para que sigam um comportamento consequente com sua fé. Os que sofrem por seu nome, recebem coragem e sabedoria da pessoa de Jesus. Então não há que deixar-se dominar pela ansiedade, já que Jesus promete que ele mesmo (“eu”) dará tanto boca (capacidade de expressão; ver Ex 4,11.15; Ez 29,21) como sabedoria (conteúdo; ver At 6,10). Mas a eles corresponde “Decidir não preparar o discurso” (ver 12,11). É interessante notar nesta linha como o nome de Jesus está em lugar da conhecida menção ao Espírito Santo (ver 12,12). Em consequência, os adversários não serão capazes de resistir (ver o evangelho do domingo passado).

  • A fé e o testemunho ante a traição na família e o ódio generalizado (21,16-17).

Pela segunda vez, e com um grau de tensão maior, Jesus descreve um segundo cenário dos conflitos por causa da fé e educa aos discípulos para reagir adequadamente frente a eles.

  • O novo cenário da perseguição. O assunto se torna ainda mais cruel quando a perseguição vem dos seres queridos: “Sereis entregues por pais, irmãos, parentes e amigos, e matarão a alguns de vós” (21,16). Este novo cenário chega ao cúmulo na rejeição generalizada que recebem os discípulos de Jesus: “e seréis odiados de todos por causa de meu nome” (21,17). A violência é como uma espiral que inicia na família e vai contagiando os diversos elos da vida social. Aqui se fala expressamente de uma violência que se sofre por causa da fé: o motivo é a lealdade a Jesus. Esta revela outras falsas lealdades (6,22.27). Também ai, onde se descreve uma injustiça generalizada, Jesus alude à linguagem apocalíptico-profético (Mq 7,4b-6). Mas é importante ter em conta a conclusão desta profecia: “Mas eu olho para Iahweh, espero no Deus de minha salvação: meu Deus me escutará” (Mq 7,7).
    • O ensinamento de Jesus sobre como reagir (21,18-19) Por mais cruel que possa parecer e talvez até exagerado, Jesus descreve duras verdades. Daí passa à exortação final: um discípulo deve ser sólido na fé e em seu testemunho. Estes insucessos não podem realmente debilitá-los. É mostrando solidez como eles alcançarão a vida ressuscitada. Nas palavras finais vemos como o “dom” e o “esforço” se unem no caminho da fé. 
  • O dom de Deus: “Porém não perecerá nem um cabelo de vossa cabeça” (21,18). O discípulo, assim como seu Mestre, que se abandonou nas mãos do Pai (ver 23,46), se sente seguro de seu Pai. Precisamente falando de Deus Pai, em 12,7, Jesus havia prometido a seus discípulos leais que nenhum cabelo pereceria (ver Atos 27,34). Em um contexto de martírio estas são as palavras precisas que necessita ouvir o discípulo e apóstolo de Jesus. Os conflitos parecerão grandes, horrorosa inclusive a morte de alguns irmãos, porém a comunidade dos discípulos não deve perder por isto sua confiança em Jesus.
  • O esforço do discípulo:Com vossa perseverança salvareis vossas almas(21,19). Esta frase final também se poderia traduzir: “Sofrendo com integridade se salvarão” (P. Ortiz). No fundo está a virtude da paciência e a integridade de caráter como característica do discípulo. Em outras palavras: saber carregar a própria cruz. Jesus espera discípulos que perseverem na fidelidade assim como ele o fez e dessa forma alcançarão a plenitude da vida. A carta de apresentação de um discípulo de Jesus será então: “Vós sois os que haveis perseverado comigo em minhas provas” (22,28). Isto nos remite a outra passagem sobre o discipulado: o verdadeiro discípulo “ouvinte da Palavra” é o que chega a “dar fruto com perseverança” (8,15). Tal perseverança é o resultado do cultivo da semente da Palavra no coração (e para isto é a “Lectio Divina”).

Em conclusão… Que não se acabe a profecia!

Ante a pergunta pelo “quando” e “como” da chegada do “fim” e de cara ante a lista de acontecimentos trágicos enumerados, Jesus nos faz ver que nenhum deles é exclusivo de nenhum período histórico particular.

O mesmo vale para as perseguições aos discípulos. O que conta é que em meio delas deve brilhar a força da fé e do testemunho.  Um discípulo não é imune às crises da humanidade; mas, em meio delas não pode cair, nem em “stress”, gerando queixas, nem, tampouco, adormecer embalado em falsas seguranças de espiritualidades superficiais que ignoram a realidade da vida ou convidam à fuga dela, mas evangelizar com a força dos profetas.

Com os ensinamentos de hoje retomamos com maior consciência de suas implicações o evangelho das bem aventuranças que lemos no inicio deste ano (ver Lc 6,22-23). Em meio às dificuldades do mundo (violência, pobreza, marginalização, silenciamento das vozes críticas) os discípulos são “profetas”. Como dar a entender a passagem de hoje, vivendo as atitudes ensinadas por Jesus, eles encararão com realismo histórico e fé madura as violências presentes e futuras, e alcançarão a plena liberdade.

Haverá dificuldades, sim, muitas delas absurdas, porém assim como naquela ocasião que nos narra os Atos, os discípulos seguem adiante “contentes por terem sido considerados dignos de sofrer ultrajes pelo Nome” (5,41). Isto é viver as bem-aventuranças e ser ante o mundo sinal de esperança.

5. Cultivemos a semente da Palavra no coração

  1. Por que se estabelece uma relação entre a destruição do Templo e as vicissitudes históricas da humanidade, especialmente as relacionadas com situações de violência em todos os níveis?
  2. Uma vez que passamos o ano 2000, acabaram os anúncios milenaristas de um fim do mundo? Que leituras se fazem dos diversos acontecimentos que enlutam a humanidade hoje?
  3. Conheço casos de falsas mensagens messianismos, supostamente da parte de Deus? Que fazer?
  4. Por que se mencionam tantos acontecimentos cruéis no evangelho de hoje? Como viver o discipulado e a missão em meio deles?
  5. Repassando todas as palavras do evangelho de hoje: Que Jesus espera de mim? De que modo o Mestre me dá exemplo no evangelho do que me pede? Que palavras de Jesus retenho, especial do evangelho de hoje?

Autor: Pe. Fidel Oñoro, cjm

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