Poema de Deus
Somos obra sua, criados em Jesus Cristo para as boas ações, que Deus de antemão preparou para que nós as praticássemos. (EF 2,10)
A palavra “poema” deriva do verbo grego “poein” que significa “fazer, criar, compor”. A literatura grega teve grande importância nas composições literárias de várias épocas e culturas e influenciou também alguns autores sagrados. E é exatamente esta palavra que o Apóstolo São Paulo usa neste texto aos efésios. O que equivaleria a dizer que nós somos poema de Deus!
Mas o que é um poema? É uma obra literária que pertence ao gênero da poesia que pode se apresentar em forma de versos ou prosa. Ela tem uma forte relação com a música, com a arte e sempre carregada de beleza, fruto da sensibilidade e emoção de seu autor. Então partindo do pressuposto de que somos poema de Deus, Ele nos criou com o coração explodindo de emoção. Um poema ante de mais nada nasce do sonho de seu autor que antes mesmo de redigir uma só letra já o tem escrito em seu coração. O ato de redigir no papel, apenas torna legível sua emoção. Em um mundo carregado de tecnologias e redes sociais que se multiplicam a todo momento, fica cada vez mais difícil os manuscritos. Constitui hoje um grande ato de amor ver uma carta ou bilhete escrito de próprio punho para uma amiga ou namorada ou quem quer que seja.
Quando o artista começa sua obra de arte, ele se imagina nela, aquilo não é somente uma peça, um objeto ou meros rabiscos, aquilo é um pouco dele, e não raras vezes o autor está todo retratado na obra. Suas experiências, anseios, desejos e sonhos. Tem pressa pra concluir, mas por muito se demora em detalhes que aos olhos distraídos poderia passar desapercebido. Ele quer ser explícito no seu sentimento, mas em muitos momentos coloca um fino véu sobre a ideia, na esperança que o admirador se demore também, mergulhado no mistério. A medida que eu fui me descobrindo, compreendendo a maravilha que sou, fui entendendo Deus como um grande poeta, o maior deles. Se nós tivéssemos a coragem de descobrir tudo que somos, saberíamos de quem somos. Deve ser por isso que o autoconhecimento é um desafio cada vez maior, neste mundo barulhento, distraidor e destruidor.
O homem é capaz de se aventurar nos picos mais altos do mundo, mas incapaz de se aventurar em si mesmo. Muitas das vezes nos assustamos com o que descobrimos por que quase sempre são os mesmos defeitos que detestamos nos outros. Mas será que isso faz parte do poema original? Será que o poema foi escrito com erros graves? Na verdade o Autor Divino permitiu que o texto ganhasse liberdade. A bela redação, desenvolveu seu jeito próprio de reinventar, acrescentando novas frases e até cobrindo linhas inteiras com outros versos. Essa liberdade que põe a Palavra além da escrita, foi mal usada a ponto de alterar completamente seu sentido. Assim nos tornamos como um palimpsesto. Esse termo pouco usual em nossos tempos, foi o nome dado a papiros e pergaminhos que eram raspados ou descolorados para apagar o que estava escrito e ganhar um texto diferente.
Na idade média principalmente, devido a escassez e ao preço elevado dos pergaminhos utilizou-se muito essa técnica. Por conta disso se perderam muitas obras importantes. Mas a ciência moderna descobriu uma forma de recuperar a escrita original utilizando entre os recursos raios ultravioleta. Isto é simplesmente impressionante! Os raios ultravioleta, do latim ultra, que significa “mais alta” ou “além do”, e violeta, que designa a cor visível do comprimento de onda, é um tipo de radiação emitida pelo Sol. Conhecida, também, pela sigla UV, essa radiação é responsável por garantir quase toda forma de vida na Terra. É justamente por isso que muitos têm se reencontrado na vida durante a adoração ao Santíssimo Sacramento. Zacarias no cântico diz: “graças à ternura e misericórdia de nosso Deus, que nos vai trazer do alto a visita do sol nascente” (Lc 1,78). Essa era justamente uma das imagens dos profetas ao se referirem ao messias salvador como sol vindo do alto, a luz do mundo.
O próprio Jesus diz: “Eu sou a luz do mundo. Quem me segue nunca andará em trevas, mas terá a luz da vida” (João 8,12:). Sendo assim, o ostensório que é o suporte para a hóstia consagrada ficar exposta, tem o formato de sol com raios. Alí, diante de Jesus vivo na eucaristia, uma graça especial vai nos revelando quem somos, mesmo que não se diga ou se escute uma só palavra o sol da nossa vida vai aquecendo e iluminando nossa alma fria e perdida na escuridão existencial. Assim, voltamos a experimentar a obra de arte que somos, escrita pelas mãos do criador com a beleza e perfeição que só Ele sabe fazer. E é só diante do Senhor que nos reconhecemos poema de Deus!
Gerardo Magela.