ENQUANTO FAÇO O CAFÉ: Viva São João

solenidade da natividade de S. João Batista

Lucas 1,57-66.80

“Digo-vos que dentre os nascidos de mulher

não há ninguém maior do que João” (7,28).

Ante o menino recém nascido, a expressão dos pais de família não deveria ser outra que a do Salmo 139,14:   “Te dou graças por tantas maravilhas!”.

Se olharmos, atentamente, o texto de hoje, que narra as circunstancias do nascimento de João Batista, notaremos que na boca de todos os personagens há expressões de alegria e de louvor.

O nascimento de João nos convida a descobrir as atitudes com que deveríamos receber a vinda ao mundo das novas criaturas. É verdade que a vinda de João é, em primeiro lugar, um acontecimento próprio dele.

João, nos evangelhos acumula muitos títulos, o suficiente para merecer nossa atenção em um festejo de seu nascimento. O próprio Jesus teceu sobre ele elogios tais como: “ele era a lâmpada que ardia e iluminava” (Jo 5,35); “não surgiu entre os nascidos de mulher um maior que João” (Mt 11,11).

Porém, já desde seu nascimento o menino era rodeado de elogios. Estes elogios partiram:

  • da felicitação à mãe (se subtende o pai) pois “o Senhor lhe havia feito grande misericórdia” (Lc 1,58);
  • do cântico gozoso do pai; e dos comentários positivos da vizinhança.

Todos eles nos convidam a pôr-nos ante ao mistério do menino que nasce.

Por isso, vale a pena reler o evangelho de hoje, observando as relações familiares, particularmente do ponto de vista dos pais e, também, os outros adultos que rodeiam a família, para que vejamos as atitudes evangélicas com que se recebe um filho.

Sugerimos começar lendo o texto por conta própria anotando o que faz cada um dos personagens:

  • a mãe;
  • o pai;
  • os familiares;
  • os vizinhos;
  • e o grande protagonista: Deus.

Logo veremos como tudo converge para as “boas vindas” que se dá ao filho. Nas linhas que seguem vamos nos deter neste último enfoque.

Um filho desejado e esperado com amor

Para os pais de João, a vinda do menino foi uma surpresa total. Mesmo que o tenham desejado, ardentemente durante toda sua vida, o filho chegou no momento menos esperado: quando já eram anciãos: “Eu sou velho e minha mulher de idade avançada” disse Zacarias em Lucas 1,18.

Com razão, a primeira reação do pai foi não dar crédito às palavras do anjo, naquele dia, no Templo (1,20). Ainda que fosse claro que o queria, o estupor vivido naquela cena da anunciação nos mostra que naquele dia Zacarias compreendeu que seu filho era desejado, em primeiro lugar, por Deus.

Porém, o maravilhoso é isto: ainda que inesperado, o menino que havia sido toda uma vida desejado, provêm de onde saem os desejos mais profundos: a oração.

O dom da vida de João foi acolhido num ambiente de oração:

  • O pai recebe a noticia em oração: “teu pedido foi escutado” (1,13);
  • Ao longo da gravidez, a mãe não fez outra coisa senão orar bendizendo a Deus pelo amor que lhe teve: “Isto é o que tem feito por mim o Senhor…” (1,25); e

A festa passa do coração da mãe à toda a família e vizinhos tão logo nasce o menino. Nesta festa familiar todos reconhecem no menino um sinal da presença de Deus(“enchem- se de temor”,1,5) e reconhecem que: “a mão do Senhor estava com ele” (1,66; 1,58). 

Na realidade, a festa já havia começado há três meses. Durante sua gravidez, tanto a mãe como o menino, ainda no ventre, tiveram a graça de viver uma forte experiência de Deus.

Novos sinais confirmaram a decisão de receber o menino: o encontro com Maria atraiu a efusão do Espírito sobre mãe e filho, em sua entranhável comunhão. Então o menino dançou de alegria e a mãe cantou as bênçãos da obra de Deus na maternidade e na fé da “Mãe de meu Senhor” (1,41-45).

Nesse momento, Maria – a primeira a festejar – havia ido ver o sinal que lhe havia dado o anjo (ver 1,36). Maria comprovou no nascimento de João que “nenhuma coisa é impossível para Deus” (1,37). No caso da vida de Zacarias e Isabel, acontece como a Abraão e Sara, que também eram anciãos e com uma vida de casal triste, pela incapacidade de gerar.

Como conta o livro do Gênesis, a concepção, gestação e nascimento do filho, lhes abriu os olhos ante a grandeza de Deus, quando as circunstancias pareciam adversas: “Acaso existe algo de tão maravilhoso para Yahweh?” (Gn 18,14). 

O riso de Sara se repete em todas as mães e pais: não um riso irônico, de desconfiança pelas palavras “impossíveis” de Deus, mas porque, no filho, Deus entra na família para trazer uma imensa felicidade.

O filho é sinal da presença do Deus da vida. A paternidade-maternidade é uma profunda experiência de Deus. Uma mãe e um pai deveriam dizer de seus filhos: “Deus me tem dado uma grande alegria”.

Um filho que renova sua família

A noticia de uma gravidez sempre causa alguma surpresa. A vida do casal começa a mudar. Mas o que não se pode perder de vista, desde o começo, é que, seja esperado ou indesejado, todo filho é uma maravilha de Deus e é querido por Deus, se bem que dependa, também, da decisão livre de seus pais.

A vinda de João introduz mudanças na vida da anciã e do solitário casal. Para Isabel foi a plenitude de sua feminilidade: a fecundidade. Não seria mais tida como estéril, mas como uma mulher profundamente amada e considerada por Deus: “O Senhor lhe tinha feito grande misericórdia” (1,58).

A vida do sacerdote do Templo, Zacarias, chegou, também, à plenitude de sua vocação quando, invadido pelo Espírito Santo, começou a profetizar, contemplando, com grande alcance, o horizonte do evangelho que estava por vir (1,67). Mas, isto foi provocado pelo nascimento de seu filho João: ”E a boca imediatamente se lhe abriu, a língua desatou-se e falava, bendizendo a Deus” (1,64). 

A verdadeira palavra vem do silêncio, como foi com Zacarias: a vinda inesperada do filho “desejado” o fez passar por todas as fases da comunicação profunda e autêntica: palavra-silêncio-palavra.

Enquanto o filho estava em gestação, também Zacarias acolhia e fazia crescer dentro de si, durante nove meses de mudez, a nova obra que Deus estava realizando nele, até que chegou, também, a ele, o parto de uma palavra amadurecida no coração, a saber: cumprimento (1,63); e profecia (1,67-79).

Zacarias aprende de novo a falar; suas palavras, daí em diante, serão as de Deus. Não é assim que deveria gestar-se uma fluida e transparente comunicação em cada comunidade, em cada família?

Todos estes detalhes de valorização do casal, de reconhecimento e plenitude da feminilidade, de realização pessoal do pai, de novos níveis de comunicação autêntica e profunda, são o resultado da acolhida amorosa do filho e expressão patente da obra da Palavra de Deus na família.

Um filho é grande luz para a família e fonte de esperança para a humanidade

O que ocorre a João é apenas prelúdio do que está para ocorrer com a vinda de Jesus. O mistério deste menino está iluminado e, de seu lado, também iluminará, pelo mistério do menino divino. Por isso, no texto se destacam dois movimentos:

  • um dentro da casa (familiares e vizinhos); e
  • outro fora, na região, “em toda a montanha da Judéia” (1,65).

O movimento dentro da casa se dá em torno ao nome do menino, sempre motivo de discernimento e acordo em todo casal; trata-se de uma decisão que afetará, para sempre, a vida do menino.

Segundo os costumes orientais, o nome identifica a missão ou origem do recém-nascido. Do ponto de vista do evangelho, o nome identifica a toda nova ovelha do rebanho e constitui um projeto ao qual corresponde a vocação do que o leva (ver Jo 10,3).  Pergunta-se a Zacarias o nome e este escreve na tabuinha: “João é seu nome” (1,63).

Vale a pena destacar:

  • Que a mãe e o pai estão em completo acordo a respeito. A mãe corrige os familiares: “Não; tem de chamar-se João” (1,60). Sinal de comunhão do casal;
    • Que este nome significa “Deus fez misericórdia”, o qual é a síntese da historia de seus pais, mas também o maravilhoso programa de vida de João: a grande dignidade que lhe concedeu Jesus;
    • Que o nome vem do mesmo Deus (1,13). No nome há uma missão: Deus tem um sonho para cada um dos seus, e para isso, concede os dons, talentos e graças para cumprir o melhor possível sua tarefa, por menor que seja, de colaborar com seu serviço, seu “grão de areia”, à humanidade.

Finalmente, em toda a região, onde o nascimento de João se torna evangelho, a pergunta sempre é a mesma: “Que será deste menino?

O menino se converteu em lugar da experiência de Deus, porque o povo não via somente um menino, mas que “a mão do Senhor estava com ele” (1,66). De fato, desde seu nascimento “o Profeta do Altíssimo” vai adiante do Senhor para preparar seus caminhos (1,76).

Se com ele é suscitada tanta admiração, como será quando nascer o salvador? O nascimento do menino aplaina os difíceis caminhos do conhecimento do salvador.

O povo contempla no recém-nascido uma missão e uma mensagem: “Que será deste menino?. Não haverá que fazer-se a mesma pergunta cada vez que nasce um menino e se toma a frágil e maravilhosa criatura nos braços?

Então teremos que saber olhar longe e comprometer-nos e fazer tudo o que esteja ao nosso alcance para que seu crescimento, amadurecimento, situação no mundo e realização plena sejam possíveis (ver 1,80)

Zacarias, diante de seu filho recém nascido e junto a sua mãe emocionada e tão amplamente felicitada, contempla horizontes novos de esperança, no gozo do Espírito Santo. No menino se contempla um futuro repleto de promessas. Na vida de cada menino se deve descobrir um anúncio daquele menino que nos traz a vida plena.

Nenhuma outra palavra pode exaltar tanto um nascimento como esta: “Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e redimido seu povo, suscitando-nos uma força de salvação… E a ti, menino, te chamarão Profeta do Altíssimo, porque irás adiante do Senhor a preparar seus caminhos, anunciando a seu povo a salvação, o perdão de seus pecados… Pela entranhável misericórdia de nosso Deus, nos visitará o sol que nasce do alto, para iluminar os que vivem na treva e na sombra da morte, para guiar nossos passos, pelo caminho da paz” (1,68-69.76-79)

O menino “surpresa” de Isabel e Zacarias, o menino “surpresa” de Sara e Abraão, e por que não, todos os meninos que vêm – esperados ou de improviso – a este mundo, são fonte de alegria e esperança. A grandeza de sua pequenez é um anuncio da passagem e da vinda de Deus entre nós.

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