ENQUANTO FAÇO O CAFÉ: “Eu vim lançar fogo sobre a terra”
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Lucas 12,49-53
DISCIPULADO (V): O DESTINO DO DISCÍPULO ESTÁ ASSOCIADO AO DO MESTRE
“Sereis odiados por causa de meu nome”
Chegamos ao final de um dos cursos internos de discipulado que o evangelista Lucas quis inserir catequeticamente na seção da subida de Jesus a Jerusalém.
Os discípulos estão sendo ensinados a como superar “a cobiça” que suscita comportamentos hipócritas, os quais Jesus chamou de “fermento dos fariseus” (12,1). Falta, todavia a última lição, que não pode ser outra que a da Paixão de Jesus e suas consequências (49-53).
Jesus fala a seus discípulos de sua própria vocação. Porém, sua experiência pessoal se projeta, imediatamente, sobre seus seguidores, porque o destino do discípulo está, profundamente, unido ao do Mestre (já o havia dito abertamente em Lc 6,40). E mais: o sentido da vida de Jesus determina o sentido da vida de seus discípulos.
Poderá haver algo maior que isto?
Para começar, Jesus diz como percebe sua missão e seu destino a partir de duas imagens contrapostas:
• O “Fogo” (v.49): o resultado da vinda de Jesus ao mundo.
Jesus compara sua vinda a terra como um fogo que se expande a toda velocidade por um campo semi-árido.
Provavelmente está se referindo a um fogo purificador da humanidade e que é símbolo do juízo de Deus, como aquele fogo que o profeta Elias fez cair sobre o monte Carmelo que devia levar o povo a escolher entre Baal e Yahweh (1 Rs 18,21).
Por isso este fogo divide: “Pensais que vim para trazer paz a terra? Não, os asseguro, mas divisão” (12,51; para esta “divisão” de juízo ver Is 66,15-16; Ez 39,6; Ml 3,19). Jesus o expressa como um “zelo ardente”, que nos recorda o Salmo 68,9: “o zelo de tua casa me devora”.
• A “Água” (v.50): os efeitos sobre a mesma pessoa de Jesus.
Sua missão tem consequências sobre sua própria pessoa. Jesus será submergido nas águas profundas -um batismo – de morte (como dizem os Salmos 69,2-3.14-15; 88,8.18).
Desta forma, se refere à sua paixão. Quando Ele disse “E angustiado estou até que se cumpra!”, não está dizendo que quer morrer rápido, mas que seu maior desejo é realizar o que o Pai designou.
As duas imagens concluem no anúncio que Jesus faz sobre a vida dos discípulos: no v.50, “Pensais que vim para dar paz a terra? Não, vos asseguro, mas divisão”, o discípulo, que é um mensageiro da paz (já lemos nas instruções da missão, em 10,5-6), sabe que sua situação pessoal será muito mais de conflito.
O conflito de incompreensão entre aqueles que já vivem a vida nova e os que ainda não deram o passo da conversão (12,52-53; ver Mq 7,6). Como seu Mestre, eles são “sinal de contradição” (2,34).
O que aqui se anuncia será ainda mais claro em 21,17: “Sereis odiados por causa de meu nome”.
O Evangelho nunca oculta que este seja o destino do discípulo: sua vida amadurecerá e chegará à plenitude pelo mesmo caminho de seu Senhor, sempre à sombra da Cruz.
Aprofundemos com os nossos pais na fé
Dionísio o Cartuxo (1402-1471), monge.
“Pensais que vim trazer a paz ao mundo?”
É como se Cristo dissesse: “Não penseis que vim dar aos homens a paz segundo
a carne e segundo este mundo, uma paz sem regras, que lhes permitisse viver
em harmonia no mal, e lhes garantisse a prosperidade neste mundo.
Não, digo-vos, não vim trazer uma paz deste gênero, mas a divisão, uma boa
e salutar separação entre os espíritos e mesmo entre os corpos.
Assim, porque amam a Deus e procuram a paz interior, aqueles que acreditam
em Mim estarão naturalmente em desacordo com os maus; separar-se-ão
daqueles que tentam desviá-los do progresso espiritual e da pureza do amor
divino, ou que se esforçam por lhes criar dificuldades.»
Assim, pois, a paz espiritual, a paz interior, a paz boa é a tranquilidade da alma
em Deus, e a boa harmonia segundo a justiça.
Foi esta paz que Cristo veio trazer. […]
A paz interior, que tem origem no amor, consiste numa alegria inalterável da
alma que se encontra em Deus. Chamamos-lhe paz do coração.
É ela o começo e um certo antegosto da paz dos santos que se encontram na
pátria, da paz da eternidade.