O profeta desprezado (EFC)

Marcos 6,1-6

“Só em sua terra, entre seus parentes e em sua própria casa fica sem honras um profeta”        

Normalmente, na própria terra, é onde se espera que faça mais, um personagem importante. No caso de Jesus acontece o contrário: enquanto os de mais longe crêem n’Ele, os mais próximos não. Nossa caminhada pelo Evangelho de Marcos nos põe hoje ante uma cena de fracasso missionário. É preciso não perder de vista o fato de que, como já dissemos anteriormente, os discípulos estavam ali com Jesus, portanto, no nosso texto de hoje, há uma lição orientada também ao discipulado.

Surge espontaneamente a pergunta: Que fazemos quando nos rejeitam, sobretudo, ali onde mais nos conhecem desde crianças? Como manejamos os fracassos pastorais? Mas, uma pergunta, com certeza, para nós nos dias de hoje é: quem é Jesus para mim? Especialmente, para mim que o aceitei e tento segui-lo e servi-lo desde um certo tempo, para mim que praticamente tenho crescido com Ele?

  1. Uma nova iniciativa de Jesus: a missão na sinagoga de Nazaré (6,1-2ª)

Marcos começa ambientando-nos, descrevendo-nos o lugar, o dia, os personagens e a circunstância: Lugar: Nazaré, a sinagoga; Dia: Sábado; Personagens: Jesus, os discípulos e os participantes no culto na sinagoga; Circunstância: um culto sinagogal. Além destes dados, há algo notável: que Jesus toma a iniciativa de ir evangelizar a quem o conhece desde menino.  Antes era a multidão que vinha a ele a buscá-lo, escutá-lo e pedir-lhe ajuda. Jesus tem vontade de falar a sua gente.

Sublinhamos algumas iniciativas desta ação missionária:

  • Saiu dali…” (6,1ª): Termina a grande atividade de Jesus realizada entre as duas orlas do lago, a pregação em parábolas e os quatro milagres (4,1-5,43). Agora Jesus volta “a sua pátria”;
  •  “Veio a sua pátria…” (6,1b): Não se menciona, expressamente, Nazaré. Este regresso se liga com a cena anterior e à cena em que seus parentes vieram buscá-lo para levá-lo para casa e Ele não os atendera, os havia deixado na porta (3,21.31-35);
  • E seus discípulos lhe seguem” (6,1c): Jesus não é levado, Ele vai espontaneamente para a sua pátria, e vai com seus discípulos: “seus discípulos lhe seguem” (6,1c);
  • “Se pôs a ensinar na sinagoga” (6,2ª): Jesus não volta para a atividade em Nazaré (carpintaria), mas vem como um Mestre rodeado de seguidores e que ensina na sinagoga. Por realizar o que havia feito, é que o consideraram louco e tiveram que preocupar-se com Ele;

Tenhamos presente que esta é a última visita de Jesus a uma sinagoga em dia sábado, segundo o evangelista Marcos. A partir daqui mudará a estratégia missionária.

  • A reação dos conterrâneos de Jesus (6,2b-3)

Podemos ver nesta secção, por parte das pessoas:

  • A admiração inicial.

A reação do povo ante a pregação de Jesus é “maravilhar-se”. Isto coincide com o ocorrido na primeira pregação na sinagoga de Cafarnaum (1,21-28). Sem dúvida, se dá, aqui, notável diferença: enquanto em Cafarnaum o povo reconheceu a novidade e a autoridade de seu ensinamento (1,22), demonstrada na vitória sobre os demônios (1,27b), aqui seus próprios conterrâneos são incapazes de ver nele alguém mais que o carpinteiro que sempre viam; escandalizam-se de Jesus.

  • A atitude de indiferença.

Jesus é recebido sem nenhum apreço. A maneira de referir-se a ele deixa isso muito claro: sem mencionar seu nome, mas com um simples “este”.

  • Os questionamentos

Na cidade de Nazaré não há fé, só perguntas. Concretamente, são cinco os questionamentos lançados sobre a pessoa de Jesus. Os primeiros três são perguntas verdadeiras sobre a origem e a natureza dos ensinamentos e obras de Jesus (6,2c): de onde provêm; de que tipo é seu ensinamentoe milagres.

As duas bases do ministério de Jesus são, precisamente, o ensinamento e os milagres. O problema é a origem de seus conhecimentos e de seu poder (tal como acontece em 11,28): É um enviado de Deus? Ou é só obra humana, ou, inclusive, do diabo?

As demais são perguntas retóricas, que expressam alguns dados relevantes, para eles, da pessoa de Jesus (6,3): se é o carpinteiro; o filho de Maria; seus irmãos são conhecidos. Isto é tudo o que conhecem de Jesus. Só sabem um aspecto de Jesus. Isto explica por que são incapazes de responder a primeira série de perguntas.  Em suma, Jesus pode haver impressionado com seu ensinamento, porém não conseguem captar nele a realização de uma missão divina.

  • O escândalo

O bloqueio ante a pessoa de Jesus resume Marcos nesta frase: E se escandalizavam por causa dele” (6,3b). O certo é que se negam a crer em seus ensinamentos e obras, não o reconhecem como o enviado de Deus.

Esta reação é curiosa, não se dá o passo de fé, mas o que não se espera é que se desate um comportamento agressivo contra Jesus (como ocorre em Lc 4,22-31). É certo que não o ameaçam de morte (como em 3,6), mas, tampouco levam a sério sua missão.

3. A consequência da rejeição em Nazaré: nova estratégia missionária de Jesus (4-6)

O sujeito das ações da última parte desta passagem é Jesus: fala-lhes; não pode fazer milagres; se admira; e continua sua missão nos arredores de Nazaré.

  • Jesus se mantém em sua reivindicação de ser enviado de Deus (v.4)

Contrapõe-se a seus conterrâneos afirmando que é, verdadeiramente, o enviado de Deus: se autodenomina “Profeta”. O dito que cita é uma maneira de confirmar o que sustenta.

O dito citado faz referência ao ato de que os mais próximos humanamente (notar a tríade: “pátria–parentes–casa”) são os que menos se interessam no valor de uma pessoa.

É o que ocorre nesta parte do Evangelho, exatamente, depois das belas cenas de ensino e milagres dos dois capítulos anteriores, os habitantes de Nazaré, parentes e conhecidos de Jesus deveriam estar orgulhosos da grandeza de uma pessoa de sua terra.

Porém não acontece assim, não há aplausos nem reconhecimentos, pelo contrário, o fato de que creem conhecê-lo tanto é o que provoca a rejeição.

Jesus se coloca na lista dos profetas rejeitados pelos de seu mesmo povo, assim como se passou a Jeremias com seus compatriotas de Anatot: “De fato, assim disse Yahweh no tocante aos de Anatot, que buscam minha morte dizendo: não profetizes em nome de Yahweh, senão morrerás por nossas mãos”(11,21).

Também ele, Jeremias, se encontrou com a dureza de sua própria família: “Porque, inclusive teus irmãos e a casa de teu pai, esses também te traíram e a tuas costas gritaram. Não te fies deles quando te digam formosas palavras” (12,6).

  • Jesus é bloqueado, porém nem por isso deixa de servir (v.5-6a)

A missão de Jesus se encontra com a rejeição. Derivam-se duas consequências imediatas: não pode realizar sua missão;Jesus se surpreende da atitude: a expectativa de Jesus é a da resposta positiva, por isso “surpreendeu-se de sua falta de fé”.

Porém, Marcos faz notar que o bloqueio em forma de incredulidade não é total: se limita ao “ali”. A Jesus fica um espaço bem maior para sua missão. O fracasso é localizado, não é geral. Isto confirma o fato de que efetivamente “curou a alguns poucos enfermos.

Jesus não obriga a crer a quem não quer, porém sua mão permanece estendida para quem deseja acolher seu poder (como em 1,45; 8,4; 9,22;15,31).

Desta forma segue sendo esperança dos enfermos e necessitados. Ainda nos lugares onde Jesus é duramente rejeitado, não deixa de oferecer nunca o que tem para dar.

  • Jesus abre um novo espaço missionário (6,6b)

Como se notou, as portas se fecham para Jesus, porém não todas. A rejeição de Nazaré é ocasião para realizar sua missão entre os povos próximos.Neste momento se pressupõe que, como leitores, nós recordamos tudo o que acontece em uma missão de Jesus.

Esta missão do Mestre vai se converter, no próximo episódio, como se põe como uma força centrífuga, no ponto de partida da missão dos apóstolos, os mesmos que nesta ocasião foram testemunhas diretas de rejeição do Mestre.

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