Assunção de Nossa Senhora (Estudo Bíblico)

Lucas 1,39-56

Introdução

Celebramos, com alegria, uma das mais importantes festas da Santíssima Virgem Maria: sua glorificação em corpo e alma ao céu.

Neste dia constatamos uma vez como a profecia que saiu de seus lábios, “Todas as gerações me chamarão bem-aventurada” (Lc 1,48), tem se cumprido, sem interrupção até hoje.

Não desejamos outra coisa, em uma data como esta, que faz próprias as palavras do Padre da Igreja que dizia: “Que em cada um esteja a alma de Maria para engrandecer ao Senhor, que em cada um esteja o espírito de Maria para exultar em Deus!”(Santo Ambrosio)

No mistério de sua Assunção ao Céu cantamos a Glória de Maria, porém, em que consiste a Gloria de Maria?

A verdadeira glória de Maria é sua participação na própria luz de Deus. Assim como a mulher revestida de resplendor do sol do Apocalipse, ela foi envolta em sua própria glória, foi mergulhada em Deus.

Nesta glória Maria realiza a vocação para a qual toda criatura humana e a Igreja inteira foi criada: ser “louvor da glória” de Deus (Ef 1,14).

Por isso, nesta solenidade proclamamos, junto com a Igreja inteira, que Maria entrou na Glória de seu Filho Jesus, com tudo o que ela é, com a humildade de sua vida, de seu silencio, de sua entrega discreta, de seu caminho no seguimento até os pés da cruz.

Para dizer em poucas palavras: Maria – a Mãe e humilde discípula – participa agora da plenitude da vida ressuscitada de Jesus e vive em perfeita comunhão com Deus. Este é o motivo de nossa festa.

  1. Um maravilhoso ícone que dá vontade de ir ao Céu.

A Assunção de Maria nos obriga a levantar o olhar:

Um olhar para o alto

Sobretudo Maria nos leva a contemplar o Poderoso”,Santo eMisericordioso” Deus que nela realizou todas essas maravilhas (Lc 1,49). Ele é autor de toda esta obra que adoramos, louvamos e agradecemos.

O que importa, ao fim, é Aquele que a criou, a amou, a chamou e, finalmente, a acolheu, toda ela transformada, pela redenção e ressurreição do Filho, em seu ser.

Por isso, a festa de hoje é de louvor: deslumbramo-nos uma vez mais pelas maravilhas de Deus em Maria, as quais são um anúncio vivo do que também nos aguarda se andarmos por seu caminho.

O sentido e a plenitude de nossa vida, e a da humanidade inteira, se encontram nesta comunhão com Deus, na qual a vemos entrar, no máximo de sua felicidade, cantando seu Magníficat.

Um olhar para o futuro

Este mistério de Maria tem sua particularidade. Enquanto em todos os demais contemplamos Maria como modelo do que devemos ser no presente, na solenidade de hoje a contemplamos como sinal do que um dia, n o futuro, seremos.

A Virgem Maria motiva a nossa esperança. Ela é a demonstração da verdade da palavra na Sagrada Escritura: “se partilhamos seus sofrimentos, partilharemos também sua glória” (Rm 8,17). E sendo também verdade que ninguém tendo sofrido “com Cristo” mais que Maria, também é verdade que ninguém seja mais glorificado “com Cristo” que Maria.

Neste sentido, Maria assunta ao céu é imagem viva do futuro da Igreja. A passagem de Maria neste mundo nos ensina qual é a meta de nossa passagem na terra e qual é a direção de nossa peregrinação de regresso para o Pai até o dia em que mergulharmos no oceano imenso de seu mistério e de seu amor.

Um olhar para nós mesmos

Por todo o anterior, Maria é um ícone do que cada um de nós anseia ser e é assim que este mistério tem relação com nossa realidade mais profunda. Com Maria, compreendemos não só onde está a meta, mas qual é a rota: a cristificação.

É a essa identificação total para a qual nosso coração orante se sente sempre atraído, porque para isso fomos chamados. Por isso nós lemos no evangelho escrito na vida de Maria: ela é como um espelho do que nos espera e junto com ela, começamos desde agora a festa de nosso destino.

Maria chegou ao Céu através de uma longa passagem de alegria e dor pelos caminhos do Evangelho. Ela foi a discípula que caminhou mais próxima d’Ele porque foi a primeira a entrar no céu depois da ascensão de Jesus.

Porém, isto não era mais que o vértice de um caminho de cristificação pelas rotas do discipulado, o coroamento de seu processo de conformação com Jesus sofredor e glorioso. Seu caminhar nos indica, então, a finalidade e a forma de nosso viver, sofrer, esperar, amar, agir.

Um olhar para o que temos que fazer

Nesta solenidade aprofundemos no mistério por meio das leituras bíblicas e descobriremos, a partir dai, uma dupla realidade:

  • A realidade terrena – onde realizamos nossa passagem, onde combatemos pela fidelidade na fé, um terreno sempre conflitivo onde se confrontam as forças opostas do bem e do mal, tal como nos anuncia hoje a primeira leitura tomada do Apocalípse.
  • O grande horizonte de vida plena – na comunhão com Deus, participando na ressurreição de Cristo – que se abre para quem crer nas promessas da Palavra, como expressam Isabel e Maria em seus respectivos cânticos no evangelho de Lucas.

Observando estas duas realidades diante das quais nos coloca a Palavra, vamos agora tratar de retirar algumas lições que esta solenidade nos deixa.

  • Na arena da história: Maria nos ensina que venceremos (Apocalipse)

Vamos primeiro ao livro do Apocalipse (11,19;12,1-6.10) e contemplemos ali a imagem de uma mulher que o vidente descreve como revestida pela fulgurante luz de Deus.

O combate e a vitória

O texto parece enigmático a primeira vista. Porém começa a decifrar-se na medida em que nos detemos nas imagens que vão desfilando diante dos nossos olhos:

  • Vemos uma mulhervestida de sol (Ap 12,1): em quem, com a interpretação da Igreja, reconhecemos à que é a melhor representante do povo de Israel (por isso as doze estrelas) e que está a ponto de dar a luz ao Messias (12,2): Maria dando a luz ao Verbo feito carne, a Jesus.
  • Vemos também um enormedragãosanguinário (12,3-4),símbolo do mal que quer devorar o menino recém-nascido por ser Ele primogênito da nova humanidade, de uma vida nova, que se opõe a seus caprichos. 

A imagem mais importantedesta cenaé a luta dramática, agressiva e, aparentemente, desvantajosa, entre a mulher e o dragão, uma luta que tem no centro o filho recém-nascido da mulher. Esta luta prevê a vitória final de Deus na glorificação de Jesus: “Realizou-se a salvação, o poder e o reinado de nosso Deus e a autoridade de seu Cristo” (12,10). Por sua participação nesta glorificação, Maria já alcançou esta vitória.

Nossos combates e nossa vitória

Porém, lemos, também, nesta cena, nosso presente: a luta perene entre o bem e o mal, entre a vida e a morte; entre Deus Pai que ama o mundo até dar-nos seu Filho, e o inimigo do homem, que quer privar-nos da filiação divina, de dignidade de filhos de Deus, que quer fechar-nos a boca para que não gritemos “Abbá, Pai”, que trata, de todas as formas possíveis, de arrancar de nossos corações o respeito, a admiração, o amor pela vida.

O “dragão” representa todos os planos destrutivos da liberdade e dignidade humana, tudo que é desrespeito contra as pessoas, todas as forças que nos bloqueiam, interior e exteriormente, para que não optemos pelo plano de amor e de salvação do Pai. O “dragão” representa, então, a todos os ídolos que nos assediam, os ídolos do poder, da fama, do prazer, da ambição, que nos impedem de descobrir com maior esplendor no rosto de Jesus crucificado, o esplendor do Pai.

Ali no meio está Maria

Neste texto enigmático do Apocalipse, a mulher “revestida de sol”, representa também a humanidade salva, restituída a Deus, seu criador. O futuro do homem e do mundo, nosso verdadeiro destino é que sejamos revestidos da luz explêndida de Deus. E já que nenhuma criatura humana tem sido, nem é, nem será tão de Jesus como o foi, como o é e como será sempre Maria, ela é a primeira que toma parte na vitória final de seu Filho sobre a morte, antecipando a glória reservada a todos nós, a toda a humanidade.

Nossa peregrinação, sejamos realistas, está marcada pelo combate espiritual contra todas as forças adversas ao Reino de Deus. Porém, tenhamos hoje bem claro, Maria nos assegura que venceremos; Maria nos indica o caminho para seguir Jesus; Maria aguça nosso olhar de fé para descobrir, no tecido complexo de nossas jornadas, ainda que no sofrimento e nas provas, o germe vivo da salvação definitiva.

  • Um evangelho para cantar junto com Maria (Lucas)

O Evangelho de hoje nos coloca diante de um encontro e de dois cânticos inspirados que provêm, respectivamente, de duas mulheres, Isabel e Maria, e que põe em destaque a “gloria” de Maria.

Primeiro cântico: aprender a ser feliz (1,42-45)

Em suas palavras de felicitação, Isabel deixa entender que há uma glória de Maria que podemos ver com nossos olhos sobre a terra.

Ela é a “Bendita entre todas as mulheres” (Lc 1,42), é a “Mãe do Senhor” (1,43), é a mulher “feliz” (1,45a). E esta glória brotou da obra de Deus acolhida na boa terra de sua fé: “Feliz a que acreditou que se cumpririam às coisas que lhe foram ditas…” (1,45).

Maria alcança esta “bem-aventurança” pelo caminho doloroso da fé firmada pela Palavra. Assim chega à meta certa que Isabel chama de “felicidade”, a plenitude de vida no Senhor.

Porém, se é grande a glória de Maria sobre a terra, maior é sua glória no céu. Como se vê no texto, Maria não ficou com a felicitação, mas que, em seguida, a orientou para o louvor de Deus. Por isso elevemos o olhar, junto com Maria, para cantar seu Magníficat.

Segundo cântico (1,46-55)

Maria acolhe a benção e a bem aventurança que provém de Isabel, não em seu ego, mas no terreno fecundo de seu coração orante e improvisa um canto festivo, de louvor, de exultação Àquele que nela tem feito coisas verdadeiramente maravilhosas, coisas grandes.

 Na medida que se desenvolve sua oração vemos como vai se expressando a consciência que tem da “glória” que a habita e, ao interior de sua experiência pessoal, da glória de Deus que quer habitar em toda a humanidade. Maria faz de seu cântico uma escola de louvor (e de compromisso) na qual também nós redescobrimos nossa sublime vocação.

  •  Louvar e agradecer junto com Maria

“Minha alma engrandece o Senhor e meu espírito exulta em Deus…” (12,46-47)

Que faz? “Engrandece”

Estas palavras expressam emoções fortes e profundas. Maria ama a Deus com um amor grande e o “engrandece”, ou seja, gostaria que fosse reconhecida e proclamada, com a maior intensidade possível, sua grandeza,  porque Deus Ele a tem cumulado de sua graça e inclinado-se até sua humildade.

Como o faz? “Exulto”

Faz exultando de alegria, isto é, cantando, dançando, louvando a Deus com todas as suas forças como seu Senhor e Salvador.

Com quem faz? “Todas as gerações”

Ela canta em nome da humanidade com a voz de seus humildes que compreenderam que o “temor” faz vincular sempre a “misericórdia” divina pelos meandros do tecido social no qual Deus faz justiça.

O Magníficat é um cântico pessoal e ao mesmo tempo é universal, cósmico. É o cântico de todos os que foram salvos, que acreditaram no cumprimento das promessas de Deus, ou melhor, é o hino de todos que se reconhecem filhos do Pai.

Que quer impregnar em nós?

O fato de que a liturgia coloque hoje este texto no contexto festivo da plenitude da vida de Maria nos dá uma chave importante: toda a história de Maria Santíssima sobre a terra é relida desde o céu, com gratidão e louvor.

Por isso nos impregna de um vivíssimo sentido de gratidão em todas as nossas jornadas. É verdade que na vida não faltam problemas, provas, escuridão, dores, injustiças; mas não deve faltar, tampouco, nunca, a gratidão e o louvor em nossos lábios. É como Maria, que sabe olhar tudo – até as dolorosas desgraças da humanidade – com olhos límpidos e agradecidos, porque sabe que ali também intervém salvificamente a mão de seu Filho.

Um olhar de gratidão sobre nosso passado e presente, uma aceitação serena de nós mesmos e de nossas carências à luz do amor com o qual Deus nos mantém, muda nosso humor, nosso modo de ver as coisas e suscita em nós otimismo e confiança.

A Assunta ao Céu nos ensina assim que temos que dar em nossa vida uma grande primazia ao sermos agradecidos. Um discípulo do Senhor, como ela, deve caracterizar-se pelo primado da gratidão.

Oxalá habite em cada um de nós a alma orante de Maria, que louvemos e exaltemos, como ela, ao Senhor. Á luz da ação de graças podemos compreender nossa vida como um grande caminho para o alto, para Deus, para a glória, à qual Maria foi assunta. 

(2) Profetizar o mundo novo junto com Maria

Que fortes se sentem hoje as palavras: “Exaltou aos humildes” (1,51-55)

Como já vimos, a felicidade de Maria não é algo que se reserva para si mesma, é o prelúdio do gozo da humanidade inteira que se descobre transformada pela misericórdia de Deus. Maria ora à maneira dos grandes profetas, só que não o faz com verbos no futuro, mas no passado: é tão grande sua certeza na misericórdia de Deus que se expressa como se já tudo tivesse acontecido.

Como os grandes profetas ela infunde esperança, levando, em seu coração orante, o mundo novo que se inaugura na pessoa de Jesus. Surpreende ver que não ignora os sofrimentos da historia. De fato, a ela tocou viver alguns dos dias mais escuros e mais negros da historia humana.

Contudo, com sua finura espiritual tomou consciência que, ainda naqueles dias Deus estava muito próximo do sofrimento de seu povo; que o importavam nossas dores, que entrava bem dentro de nossas chagas para confortar-nos e para fazer de cada momento doloroso uma possibilidade para exercitar a solidariedade e o amor, para tirar do mau o bem, para fazer da cruz uma ressurreição. 

Por isso, é preciso ler a historia não só desde seu lado obscuro, mas também desde seu reverso, ali onde Deus está oculto, para que descubramos todos os gestos de amor de Deus, que não têm publicidade, nem na imprensa nem na televisão, todos os gestos de amor de Deus e de tantas pessoas maravilhosas que vivem neste mundo, que, diante dos desafios da vida, irradiam o melhor que levam por dentro: seu amor, sua bondade e seu desejo de construir a paz em todas as coisas.

Enfim…

Nesta solenidade da Assunção nos unimos à mulher feliz que canta e dança na festa eterna do céu, louvando ao Senhor da historia que sabe desfazer os projetos dos poderosos e inverte a escala de valores em que os senhores terrenos da historia se inspiram.

Com o olhar em Deus, porém com os pés na terra, Maria soube louvar, sem por isso diminuir seu compromisso com a história. Esta história na qual ela, com a santidade radical de sua vida, é as primícias do novo que vem. Maria, com o gozo de seu louvor nos ensina a construir esta historia com o coração aberto a Deus e como proclamadores dos valores evangélicos, de maneira que seja encaminhado o projeto de Deus na terra.

Que grande emoção sentimos hoje quando Maria nos contagia com sua alegria e nos convida à sua festa do Céu. Ela disse “Engrandece minha alma ao Senhor” (1,46b). Porém, também há um Salmo que bem poderia estar em seus lábios: “Engrandecei comigo a Yahweh, juntos exaltemos seu nome” (34,4). Não há alegria maior que se possa dar a nossa Mãe do Céu que a de entrar no coro de sua festa.

  1. Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração
  2. Esta festa nos convida a cantar a Glória de Maria: Em que consiste essa Glória?
  3. Que significa para nós a certeza que a Assunção de Maria é sinal do que seremos?
  4. Como vivo esta realidade?
  5. O Magnificat é o canto de Maria que agradece as maravilhas que Deus fez nela. Qual meu Magnificat?
  6. De que forma agradeço a Deus sua ação em minha vida e na historia?

Pe. Fidel Oñoro, cjm

ANEXO

Aprofundemos com os nossos pais na fé

“Maria pôs-se rapidamente a caminho em direção a uma cidade nas montanhas..”

Ei-lo que vem, saltando as montanhas» (Ct 2,8).

Primeiro que tudo, Cristo faz-se conhecer à Igreja pela sua voz.

Começou por lançar sua voz por intermédio dos profetas; fazia-se ouvir sem se deixar ver.

Sua voz erguia-se nas mensagens que dele davam notícia e, durante esse tempo, a Igreja Esposa, reunida desde o princípio do mundo, apenas o ouvia.

Mas um dia ela viu-o com os seus olhos e disse: «Ei-lo que vem, saltando as montanhas!».

E cada alma, se ao menos o amor do Verbo de Deus a impele, fica feliz e consolada quando sente a presença do Esposo, ela que até então se achava apenas ante as palavras difíceis da Lei e dos profetas.

À medida que ele se aproxima dos seus pensamentos para a esclarecer na sua fé, ela o

vê saltar por cima de montanhas e colinas…, e pode bem dizer: «Ei-lo que vem!»…

É certo que o Esposo prometeu à Esposa, quer dizer, aos seus discípulos: «Estarei convosco todos os dias, até ao fim do mundo» (Mt 28,20).

Mas isso não o impede de dizer também que se vai para tomar posse do Reino (Lc 19,12); então, de novo em plena noite, ergue-se o grito: «Eis o Esposo que vem»(Mt 25,6). Portanto, umas vezes o Esposo está presente e ensina; outras, dizem-no ausente e deseja-se que chegue… Assim, quando a alma procura entender e não consegue, para ela o Verbo de Deus está ausente. Mas quando acha quem procura, ele está presente sem dúvida nenhuma e ilumina-a com sua luz…

Portanto, se quisermos, também nós, ver o Verbo de Deus, o Esposo da alma, «saltando por cima das colinas», escutemos primeiro sua voz e, depois, poderemos também vê-lo.

Orígenes (cerca de 185–253)

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