ENQUANTO FAÇO O CAFÉ: “Senhor, salva-me!”

Mateus 14,22-36

CAMINHADO EM MEIO DO MAR: QUE PROFUNDIDADE É MINHA FÉ?

“Homem de pouca fé, por que duvidaste?”

O relato da multiplicação dos pães que lemos ontem é o prelúdio de um novo quadro que João nos propõe em sua galeria de experiências de fé. Será que depois de um gesto tão claro como o da multiplicação dos pães, os discípulos estão em condições de expressar sua fé em Jesus como Messias?

Recordemos: o primeiro quadro havia sido a “falta de fé” de seus próprios conterrâneos de Nazaré (13,53-58); o segundo aparece nos lábios do rei Herodes Antipas que reage ante a fama de Jesus (14,1-2); e o terceiro são próprios discípulos: eles, que têm sido testemunhas da obra messiânica que Jesus realizou como pastor de seu povo, também eles têm que tomar uma posição frente ao Mestre.

Jesus manda seus discípulos ao lago da Galiléia, para que sigam adiante até a outra margem. Sobe para orar na montanha, enquanto os discípulos, no lago, enfrentam uma tempestade durante toda a noite. Já se aproxima do amanhecer, quando Jesus se aproxima deles caminhando sobre o mar. Os discípulos se perturbam.

Então Jesus revela sua identidade, e Pedro, desafiando o poder do nome de Jesus, pede para poder caminhar sobre a água. Porém andou poucos passos e começou a afundar. Grita e é salvo por Jesus. É repreendido e, logo, todos, na orla, se prostram ante Ele, para adorá-lo como o “Filho de Deus”, quer dizer, como quem vive em uma relação de caráter privilegiada com Deus.

Detenhamo-nos em algumas particularidades da passagem:

1. O marco de todo o texto é a oração.

  1. No início Jesus ora na montanha e na sua oração acompanha pacientemente a travessia de seus discípulos no lago (14,23):  Jesus está conosco em nossas “travessias” da vida, Ele nos mantém sempre (com sua oração e seu olhar, desde a montanha) particularmente nas situações difíceis.
  2. As duas intervenções de Pedro, em que grita “Senhor!” (14,28.30), tem força oracional.
  3. A reação final da comunidade, apoiada num gesto de prostração ante Jesus (=adoração) e expressa num claro reconhecimento da filiação divina de Jesus, é o cume deste caminho oracional que serve de eixo ao texto e de modelo a nosso caminho de oração. A fé se expressa na oração.

2. O relato aponta a uma confissão de fé

Os discípulos terminam prostrados adorando o Filho de Deus. Esta reação é a primeira confissão de fé comunitária (14,33) e responde ao que se esperava que acontecesse depois da multiplicação dos pães, como se fosse seu “amém”.

3. O itinerário de Pedro é um modelo de tal caminho de fé

No centro do relato está o episódio do diálogo de Pedro e Jesus. No texto se capta o seguinte processo:

  • Começa com um jogo de palavras: Jesus disse “Sou Eu”, Pedro disse “se És Tu” (14,27-28).
  • O “Sou Eu” na boca de Jesus é um eco da revelação de Yahweh a Moisés (Ex 3,14-15), o mesmo que abriu caminhos impossíveis (no deserto); Pedro desafia Jesus para que prove o que diz ser.
  • Jesus atende ao pedido de Pedro e faz que Pedro vá caminhando sobre as águas (14,29).
  • Quando Pedro sente medo começa a afundar e grita “Senhor, salva-me!”; Jesus por sua parte lhe estende a mão ao mesmo tempo que lhe declara sua pouca fé.
  • Uma vez na barca junto com todos se prostra e confessa a fé (14,33).

Em meio do perigo e com um grande sentimento de impotência, Pedro clama ao Senhor com uma das orações mais breves e mais belas do Evangelho: “Senhor, salva-me!”. A fé pura de Pedro deixa entrever sua realidade interior, que é também a realidade de todo crente: crer e ama a seu Jesus, porém, de repente, duvida d’Ele. Jesus reconhece sua fé, porém a qualifica de “pouca”. 

O Mestre parece querer pedir-lhe que faça sua, a oração de confiança do orante do Sl 62,2-3: “Em Deus descansa minha alma, d’Ele vem minha salvação; só Ele é minha rocha, minha salvação, minha cidadela, não vacilarei”.

Retenhamos o momento cume em que Jesus se faz Salvador e Pastor misericordioso de Pedro: estende-lhe a mão e o agarra (com força; 14,31). O gesto é, ao mesmo tempo, sinal da vida e da salvação que Jesus oferece ao discípulo. Está indicando ainda que fé não se alcança sem a ajuda do Senhor (16,17).

Estamos hoje ante uma bela catequese sobre a confiança no Senhor em meio às dificuldades e as provas: Pedro pede o impossível, porém, agora, ele e todos nós temos de saber que o impossível nós podemos alcançar, se confiamos na Palavra do Senhor. 

De outro lado, hoje, uma vez mais, aclamamos, com força, o valor da vida. Tomando Pedro pela mão e tirando-o do caos das águas, Jesus, neste gesto nos repete: “Quanto vale um homem!” (Mt 12,12).

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