ESTUDO BÍBLICO NA 18ª SEMANA COMUM ANO B 2024

ESTUDO BÍBLICO NA 18ª SEMANA COMUM ANO B 2024

Comunidade Paz e Bem

SEGUNDA-FEIRA

Mateus 14,13-21

MISERICÓRDIA EM AÇÃO: UM PASTOR QUE CURA E QUE ALIMENTA SUAS OVELHAS

E partindo os pães deu aos discípulos, e os discípulos ao povo”

No belíssimo texto de Mateus 9,36, o evangelista nos havia apresentado Jesus como “Pastor” que vem ao encontro das necessidades do povo. Ali o vemos profundamente comovido frente à multidão “cansada e abatida como ovelhas que não tem pastor.

Hoje o Evangelho nos coloca frente a um caso concreto de todo este panorama: frente ao problema da fome, das enfermidades, da desorientação na vida, e, sobretudo, ante o desejo de todo este povo, de superar suas limitações, brilha a misericórdia e o serviço de Jesus.

Nosso texto se desenvolve em três pequenas cenas, todas elas tecidas entre si e ao mesmo tempo com sua própria mensagem. Vejamos, porém – por razões pedagógicas – entre a segunda e a terceira vamos inverter a ordem:

1. Jesus cura à multidão (14,13-14)

Chama a atenção à sequência das ações de Jesus:

  • Viu” (=com atitude analítica),
  • Compadeceu-se” (=com atitude de misericórdia, de apropriação) e
  • Curou” (=ação efetiva). 

São três passos que somos chamados a exercitar em nós para fazer nossa vida semelhante à de Jesus.  E notemos que Jesus salva a vida de seu povo renunciando a sua própria comodidade (estava buscando “um lugar solitário”, 14,13) e arriscando sua própria vida ao realizar uma atividade pública e massiva quando acaba de morrer João Batista e a situação se pôs perigosa também para Ele (Jo, 14,12).

2. Jesus alimenta a multidão (14,19-21)

Jesus não só cura, mas que também sacia a fome do povo.  “Ao entardecer” (14,15ª). Segundo o costume israelita esta é a hora em que toma a comida principal do dia.

Têm razão os discípulos quando advertem que “a hora já é passada” (14,15b; se entende que para atividades públicas), todos já deveriam estar em suas casas compartilhando a ceia com suas respectivas famílias ou ao menos na procura desta nos povoados mais próximos (14,15c).

Notemos algumas particularidades:

  • A comida que Jesus lhes oferece nesse entardecer concorda com a que era habitual para gente simples camponesa: pão e pescado com sal.
  • A novidade é que Jesus vai oferecer o alimento com seu próprio poder. O fato de que estejam em “lugar desabitado” (14,15b; ou “deserto”) sublinha a grandeza da ação de Jesus.
  • É tal a abundância que todos ficam saciados e até se recolhe doze cestas cheias de sobras.

Jesus se comporta como um pai que forma sua comunidade familiar reunindo-a, atendendo suas necessidades e ensinando-a a compartilhar solidariamente. Os gestos principais de Jesus, que evocam os da Eucaristia (agradecer, partir, dar), nos mostram como é que Jesus forma sua comunidade.

3. Jesus desafia seus discípulos (14,15-18)

Justo em meio das duas cenas em que Jesus cura e alimenta, o evangelista Mateus insere um diálogo de Jesus com seus discípulos; ali: Pede-lhes um impossível; interpela o seu ceticismo, que se sente quando nos sentimos incapazes de mudar uma realidade; ensina-lhes a confiar em seu poder. 

Os discípulos então aprendendo que Jesus tem poder e por esta via seguem descobrindo pouco a pouco a identidade de seu Mestre. Novamente nos encontramos com o caminho da fé do discípulo e desta vez o Evangelho coloca seu fundamento: a ação messiânica (e Eucarística) de Jesus.

Jesus não só sacia a um povo, mas surpreende seus discípulos tomando o pouco que tem a comunidade para fazer o dom (multiplicado em suas mãos) para os demais. Jesus é o solidário por excelência com a humanidade carente, Ele é o Messias de Deus que há que descobrir.

O discipulado supõe um compromisso concreto de fé e de comunhão com as ações de Jesus para que todos vivam em plenitude e para que tenha pão em todas as mesas. O primeiro passo da fé e do compromisso é dar com alegria e solidariamente do pouco que se tem.

Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração:

  1. Como vejo a realidade de meu povo e de minha comunidade hoje? Quais suas necessidades?
  2. Que relação há entre a multiplicação dos pães e o exercício do pastoreio numa família/comunidade?
  3. Que me ensina o relato para que meu compromisso como discípulo de Jesus seja real e efetivo?

Que valor tem o compromisso solidário – desde uma vida de fé – com o irmão em nosso país? 


TERÇA-FEIRA – TRANSFIGURAÇÃO DO SENHOR

Marcos 9,2-10

CONTEMPLAR A GLÓRIA DE JESUS.

E se transfigurou diante deles”

O relato começa apresentando-nos as coordenadas de tempo e lugar, os personagens e a circunstância. Não é comum que Marcos nos dê sequência temporal, como de fato faz aqui: “Seis dias depois”.

Esta referência liga o episódio com o narrado anteriormente, nas imediações de Cesaréia de Filipo onde, depois da confissão de fé de Pedro, Jesus anunciou sua própria cruz e as consequências para seus discípulos (ver 8,27–9,1). O relato se entende, em relação de contraste, à luz do anúncio da Cruz.

A pausa dos seis dias poderia entender-se como um espaço de silêncio para acolher e assimilar o anterior. Pedro ali havia manifestado uma primeira resistência ao anúncio de Jesus. Contudo Jesus não o havia deixado pra trás, mas ampliado seu ensinamento (ver 8,34–9,1). Prepara-se, assim, o cenário para a forte experiência que os discípulos farão de Jesus:

Uma eleição

Apesar da reação negativa que Pedro teve ante o anuncio da Cruz (cf. 8,32) e da dura resposta de Jesus (8,33: “Arreda-se de mim, Satanás”), o Senhor “toma consigo a Pedro”, junto com “Tiago e João”, para levá-los a uma montanha alta. Esta é uma das três vezes que Jesus separa e leva consigo estes mesmos três discípulos (ver 5,37: a ressurreição da filha de Jairo;14,33: a oração no Getsemani), todos eles chamados na primeira hora. O fato que sejam três alude ao futuro testemunho que deveriam dar do acontecimento.

O texto de Deuteronômio parece estar de fundo: “Uma única testemunha não é suficiente… A causa será estabelecida pelo depoimento de dois ou três testemunhas” (19, 15). Porém, tem que ter presente que, por este fato, a experiência se dirige somente a eles, não se tem em conta outras pessoas. Isto está reafirmado na expressão “sozinhos” (v.2): Jesus cria um espaço de intimidade com os três discípulos que separa do resto.

Uma montanha

Não sabemos de que montanha se está falando dentro da geografia da Palestina. A tradição assinala o monte Tabor, relativamente próximo de Nazaré. Outros, recentemente, hão proposto o monte Hermon, já que Jesus, na cena anterior, estava muito próximo dali. Em todo caso, a menção da montanha cria uma atmosfera espiritual que nos remete ao que havia sucedido no monte Sinai, o monte no qual o contato de Moisés com Yahveh o levou a refletir em seu rosto a Glória do Senhor (ver Ex 34,35).

E não só isso. Em uma cena prévia, quando Moisés subiu a montanha (Ex 24,12), se diz: “A glória de Yahveh pousou sobre o monte Sinai, e a nuvem o cobriu durante seis dias. No sétimo dia, Yahveh chamou Moisés do meio da nuvem” (24,16). Há aqui dois pontos de contato claros com o relato da Transfiguração. Pode-se intuir, na lógica de nosso relato, que “seis dias depois” do anuncio da Paixão, se escutará uma palavra de Deus Pai em pessoa.

Primeira parte da revelação: Jesus é transfigurado (vv.2b-6)

O centro do relato é uma teofania: a glória de Deus se manifesta neste mundo na pessoa de Jesus; e na obra que faz e Palavra que pronuncia, o Pai, a favor dele. A primeira parte da revelação está caracterizada pela “visão”: “Vê-se” Jesus com novo aspecto; “Vê-se” dois personagens celestiais. Frente a isso se apresenta uma primeira reação de Pedro e os outros discípulos que mostram não ter captado o sentido da visão. Vejamos a entrada sucessiva dos personagens e suas ações:

Jesus (v.2b)

O acontecimento está descrito com poucas palavras. O essencial é que é uma obra de Deus na pessoa de Jesus (literalmente, em grego: “E seu aspecto foi transformado”). Jesus não se transfigurou a si mesmo, Ele “foi” transfigurado: foi Deus quem o realizou isto nele. O efeito desta transformação do aspecto de Jesus se descreve em seguida: “Suas vestes tornaram-se resplandecentes, extremamente brancas, de uma alvura tal que nenhum lavadeiro na terra poderia alvejar” (v.3). O branco alude uma realidade celestial; é o distintivo de quem pertence ao mundo de Deus (ver, por exemplo: Ap 3,5).

O evangelista acentua mais que os outros a brancura das vestes de Jesus. O que ocorre é em função dos discípulos: “diante deles”. Pode-se entender isto: graças ao poder de Deus, Jesus se faz visível ante os três discípulos com a mesma figura que terá em sua ressurreição, quando em sua entronização messiânica, participe plenamente na vida divina (ver Mc 16,5).

Moisés e Elias (v.4)

A entrada em cena destes dois personagens que já não pertencem ao mundo terreno está assinalada pela expressão: “E lhes apareceram” (v.4).  Isto indica duas coisas: (a) Assim como a transfiguração do Mestre, o objetivo de tal “aparição” são os discípulos; e (b) Trata-se de uma manifestação da parte dos personagens celestiais (“foi visto” ou “se fez ver”), não o resultado do esforço humano.

Porém, não só apareceram aos discípulos, mas “conversavam com Jesus” (v.4). Os três aparecem, então, no mesmo plano: o divino. Qual foi o conteúdo da conversa? Não se disse. O que importa é que conversam na presença dos discípulos.

Moisés e Elias são figuras proeminentes na Bíblia. Porém, o que indica sua presença nesta cena? O fundo do Antigo Testamento aqui recebe vida:

  • Moisés, mencionado primeiro, foi o intermediário de Deus na entrega da Lei a seu povo. Isto já havia sido recordado por Jesus no evangelho de Marcos (ver 1,44; 7,10; 10,3; 12,26).
  • Elias, profeta de fogo, não só é importante por ser um dos fundadores da profecia bíblica, mas porque, nos tempos de Jesus, se relacionava a vinda do Messias com um “retorno” seu (ver a profecia de Ml 3,22-24; por certo, neste texto se mencionam juntos a Moisés e Elias).

Ademais, Moisés e Elias são os únicos personagens do Antigo Testamento que sobem o monte Horeb-Sinai (na tradição se crer que é o mesmo monte). Ali Moisés recebeu a Lei e selou a Aliança (ver Êx 19-40). Ali Elias se refugiou quando foi perseguido pela malvada rainha Jezabel, recebendo uma nova manifestação de Deus que alentou seu ministério profético para que o povo vivesse a fidelidade à Aliança (ver 1Re 19,1-18).

O tema da Aliança parece, então, passar aqui a um primeiro plano. A missão de Jesus, com sua cruz incluída, deverá ser compreendida dentro deste amplo e magnífico horizonte.

Pedro e os outros dois discípulos (v.5)

A frase explicativa do v.6 justifica a reação de Pedro e seus companheiros: o “medo”. O acontecimento os supera, eles não são capazes de lê-lo corretamente. É uma maneira de dizer que ainda não está a altura da grandiosa revelação, assim como, tampouco estiveram nas cenas da barca, e como não estarão as mulheres na cena do túmulo vazio (ver 4,41; 6,49.50 e 16,8).

Pedro, tal como acontece na cena anterior da confissão de fé e da reação ante o anuncio da Cruz, é quem toma a iniciativa em nome de todos. Dentro de seu “temor”, as suas palavras parecem inapropriadas, não estando à altura do acontecimento: ante um evento celestial não cabe à proposta de fazer tendas terrenas. Uma vez mais Pedro não entendeu nada. A única resposta adequada que Pedro poderá dar será aquela que lhe seja indicada do alto, como, efetivamente, ocorre a seguir.

Segunda parte da revelação: Deus revela Jesus como seu Filho (vv.7-8)

Ainda que o que acaba de acontecer seja grandioso, o que vem agora será ainda mais. Desta vez uma nova “visão” se complementa com a “audição” da voz de Deus Pai. É preciso notar que também nesta parte se acentua que tudo está referido aos discípulos: (a)  Ao princípio a nuvem: “cobrindo-lhes…”; (b)  Logo a voz está dirigida a eles: “ouvi-o”; e (c) Finalmente fica “Jesus estava sozinho com eles”.

A nuvem (v.7ª)

Como narra o livro do Êxodo, no Sinai, a “nuvem” foi imagem do próprio Deus que faz visível sua glória, foi o sinal da presença escondida e poderosa de Deus: (ver 19,9; 20,21; 24,18 e 34,5). Esta é a manifestação da “Shekinnáh”, isto é, da “glória de Deus” que “habita” a terra (ver Ex 40,34). Não são os homens que fazem habitação para Deus, mas Deus é que neles habita. Como, efetivamente, comenta a respeito Santo Agostinho: “Vede como a nuvem forma uma única tenda!”.

A voz do Pai (v.7b)

É Deus mesmo quem fala da nuvem (no texto grego notamos um jogo de palavras entre “nefelē” (nuvem) e “fōnē” (voz). É o mesmo que havia ocorrido em Êxodo 24,16, quando Deus se revelou ao sétimo dia a Moisés.

As palavras reveladoras do Pai têm duas partes:

  • Uma declaração: “Este é meu Filho amado”. Uma afirmação da identidade de Jesus, na mesma linha que propôs o título da obra (ver 1,1) e como já havia dito o próprio Pai, a Jesus, no Batismo (ver 1,11): Entre Jesus e o Pai tem um vínculo inédito e profundo de amor!
  • Um mandato: “Ouvi-o!”. Indica-se qual é a resposta adequada frente à pessoa de Jesus, qual é a maneira de exercer o discipulado: a escuta pronta, continua e incondicionada.

Por fim temos a resposta à pergunta feita pelos discípulos no lago: “Quem é este…?” (4,41). Porém quem revela Jesus é o próprio Deus Pai. Ele mesmo é quem indica a atitude fundamental do discipulado: a escuta do Mestre.  Aqui, também, nos é dito com que autoridade Jesus tem pronunciado seu ensinamento anterior sobre sua Cruz e a do discípulo (ver 8,31-9,1). Em poucas palavras, nos ensinamentos de Jesus quem fala é o Filho de Deus. E tudo isto acontece em presença de Moisés e Elias.

Diferente de Moisés e do profeta Elias, Jesus não é o que recebe a revelação, mas aquele que é revelado, nele repousa a vontade de Deus que todo homem está chamado a viver. O “Filho de Deus” os supera notavelmente. O que diz o Antigo Testamento – a Lei (Moisés) e os profetas (Elias) – já não vale em si mesmo, senão na medida em que se escuta o “Filho de Deus”.

Jesus e os discípulos de novo “sós” (v.8)

Nesta segunda revelação não há reação dos discípulos, nem boa (de compreensão) nem má (de temor). Só temos um novo dado: eles “viram”. E que veem a Jesus e a ninguém mais. O momento conclusivo da revelação aos discípulos é idêntico ao começo: “Jesus sozinho com eles” (ver 9,2ª).

Agora vêem o Jesus de sempre, aquele com o qual “estão” cotidianamente (ver 3,14), porém, isso sim, com um novo dado que complementa o conhecimento que tinham de seu messianismo: o Cristo é o Filho de Deus. Os discípulos estão sendo convidados a ver a Jesus sob uma nova luz, a captá-lo de um modo novo.

Conclusão: A descida da montanha (v.9)

À “subida” (9,2) corresponde, agora, a “descida”, a qual implica um retorno à vida cotidiana. Uma vez mais vemos Jesus tomando a iniciativa sobre seus discípulos e conduzindo-os: ordena-lhes silenciar o acontecimento. Porém, a ordem não é definitiva, tem um “até que”. Com a ressurreição de Jesus se suspenderá a proibição.

O silêncio faz parte da pedagogia de Jesus: frente à revelação da “filiação” seus discípulos necessitam de tempo para compreender, necessitam percorrer ainda o caminho que conduz até a Cruz, onde outro silêncio, ou aparente silêncio de Deus, levá-los-á ao escândalo que levará o discipulado a um profundo aniquilamento.

Esta é a segunda vez que Jesus Cristo manda os discípulos se calarem. A primeira vez, em 8,30, após a confissão de que Ele era “o Cristo”, e a segunda, agora, depois da revelação de sua identidade como “Filho de Deus”.  Este é, então, e digamo-lo, agora, desde uma perspectiva positiva, o silêncio contemplativo que dispõe ao discípulo para a acolhida plena desta revelação no doloroso caminho da Cruz. Só o discípulo que escuta e compreende este mistério, poderá ser missionário da vida no dia pascoal.

Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração

  1. Em que circunstâncias Jesus oferece estas revelações a seus discípulos? A quem nos remete a menção dos ‘seis dias’ e da ‘montanha’? Por que a compreensão da Cruz (de Jesus e do discípulo) requer um tempo a sós com o Mestre?
  2. Que significa a presença de Moisés e Elias na cena da transfiguração de Jesus? Como é a relação de Jesus com Deus e que implicação tem para o discipulado?
  3. Mais ainda, Como é que podemos captar na Cruz a revelação definitiva de Jesus como “Filho de Deus” e reconhecer suas consequências para nossas vidas? No caminho para a Páscoa, que lição me dá o relato da transfiguração?

QUARTA-FEIRA

Mateus 15,21-28

ANTE A HUMILDADE DA MULHER CANANEIA: QUE TAMANHO É MINHA FÉ?

“Mulher, grande é tua fé; que te aconteça como desejas”

Com o relato do itinerário de fé da mulher cananeia entramos no quarto quadro da  galeria apresentada pelo evangelista Mateus. O quadro anterior havia sido o do processo lento e doloroso vivido por Pedro no meio do lago, a ele Jesus havia falado de sua “pouca fé”, de sua “dúvida”.

O quadro de hoje, pelo contrário, é radiante: a fé valente de uma mulher que foi felicitada por Jesus e a quem conhecemos como “a cananeia”. Mateus prefere chamá-la “cananeia” e não “siro-fenícia”, como faz o evangelista Marcos, talvez para fazer-nos sentir mais a grandeza de sua confissão de fé: de um cananeu não se esperaria tanto.

De fato, o povo cananeu é recordado, continuamente, no mundo do Antigo Testamento, como um povo estranho e idólatra; inclusive, desde os tempos de ocupação da terra, que Israel considerava estes antigos povoadores de Canaã como gente grosseira e hostil.

Esta mulher emerge, repentinamente, de dentro dessa penumbra. Não só frente à fé de Pedro, ainda em germe, mas também frente à falta de fé dos fariseus e saduceus, aos quais, Jesus recordou a profecia de Isaías (“Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim”; 29,13, citado em Mt 15,8), a mulher, mãe, cananeia, mas também sofrida, emerge como modelo de fé: “Mulher, grande é tua fé!” (v.28).

O grito de fé da cananeia nos põe em contato com uma realidade profundamente humana: Que não faria uma mãe de família para conseguir que sua filha seja curada e salva? Esta mãe de família, apresentada como uma das mulheres fortes do Evangelho nos ensina seu próprio caminho de fé através da rota da oração que passa por diversos tropeços. Notemos:

A mulher ora de longe

A mulher vai gritando atrás do grupo que acompanha Jesus. Em seu grito podemos captar sua agitação interna, sua confusão, seu sofrimento. O conteúdo de seu grito tem uma grande força que se percebe em cada termo que utiliza:

  1. Invoca “piedade”. Como se faz, frequentemente, nos Salmos (6,2; 9,13; 24,16, 51,3 e outros).  Foi dito que é uma pagã, dai que surpreenda que ponha em seus lábios o melhor da oração de Israel.
  2. Dar dois títulos a Jesus, “Senhor” e “Filho de Davi”. Títulos que evocam o mistério de Jesus que os discípulos vão conhecendo gradualmente. Sua oração se insere em uma experiência de Jesus, ou seja, não é, simplesmente, um favor que é pedido, sem penetrar em seu mistério.
  3. Expressa-lhe a realidade de sua filha: “está endemoninhada” (15,22). Não pede que a cure, simplesmente disse o que se passa.  A mulher apela a um Jesus “pastor”, para quem é suficiente “ver” para “compadecer-se” e “agir”.

Os discípulos querem desfazer-se dela

Os discípulos intervêm e fazem com que se rompa o silêncio que, até o momento, Jesus tem guardado. As palavras dos discípulos soam mais como um pedido para “retirá-la” que a um verdadeiro gesto de misericórdia. Eles estão cansados dos gritos desta senhora, eles não parecem realmente interessados nela.

A resposta de Jesus nos recorda seu falar sobre os destinatários da missão em Mateus 10,6, onde limitou sua missão ao mundo de Israel (10,40 e 21,37). Porém, quando olhamos o todo do Evangelho de Mateus, compreendemos que esta aparente limitação se refere a uma etapa da missão e não definitivo, visto que, ao final do Evangelho, o destinatário da missão é o mundo inteiro (Mt 20,19-20).

Daí que as palavras de Jesus se compreendem melhor como uma advertência ao povo de Israel (o povo da oração sálmica), que foi o primeiro destinatário de sua obra salvífica, porém, que vem progressivamente fechando-se a seu anúncio. Portanto, a fé da mulher cananeia, será um juízo para o povo de Israel, e a cura de sua filha, o prelúdio de sua nova etapa missionária.

A mulher ora perto

Agora a mulher aparece frente a Jesus, a quem já pode abordar diretamente. A impressão que se tem é que ela não escutou o diálogo anterior de Jesus com os discípulos, pois irrompe, de repente, com sua súplica, que, desta vez, aparece mais rica e profunda:

  • “Prostra-se” em adoração (recorda-nos o gesto das mulheres na manhã da páscoa (28,9.17).
  • Chama Jesus, novamente, de “Senhor” (recordemos o grito de Pedro sobre o lago).
  • Expressa seu pedido: “Socorre-me” (recorda-nos os Salmos 43,26; 69,5; 78,9;108,26 e outros).

No diálogo com Jesus, o dom do “pão” ocupa um lugar central. Significa a plenitude do bem e que é o dom próprio de um pai para seus filhos. Sabiamente a mulher retoma as palavras de Jesus e as põe a seu favor: aos pequenos cabem as migalhas que caem da mesa dos patrões. Ela faz uma profunda reflexão: vê os filhos como seus patrões, compreendendo a obra de Jesus com ela como a extensão de sua missão ao povo judeu, seu rebanho (Is 53,6; Mq 2,12). A mulher sabe se colocar no lugar dos pequenos que entram no Reino (18,4).

Então Jesus lhe concede o pedido. Como esta mulher vê Jesus? A mulher suspeita que este Filho de Israel tenha um coração grande e que, no banquete que Ele dá, o pão é de uma abundância tão grande, tão extraordinária, que é para todos, não importa os comensais. Esta mulher intui que, onde está a salvação, todos podem se beneficiar.

Este itinerário de fé e de oração da mulher é importante para nós, nos permite ver o fundo espiritual, os gestos, as palavras e, sobretudo, a atitude fundamental de uma oração de intercessão.

E um dado importante: trata-se de uma oração auto-incluente, o seja, ao pedir por sua filha esta mulher pede também por si mesma (“Tem piedade de mim”, “Socorre-me”), mostrando, assim, que leva em seu coração orante, a dor de sua filha e que, portanto, também a mãe necessita de cura. Esta identificação de fundo, fazendo própria a dor daquele pelo qual se suplica é característica de uma autêntica oração. “Mulher, grande é tua fé!” (15,28).

Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração

  1. (mulheres) Que me ensina a cananeia para minha identidade e missão de mulher na Igreja e na sociedade?
  2.  (Para os homens:) Reconheço e valorizo a identidade e a espiritualidade da mulher no agir, em minha comunidade, na sociedade?
  3. Minha experiência de fé se traduz em atitudes de confiança filial na misericórdia divina? Em que se percebe?

QUINTA-FEIRA

Mateus 16,13-23

A CONFISSÃO PÚBLICA DA IDENTIDADE DO MESTRE: QUAL A PROFUNDIDADE DA MINHA FÉ?

“Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo”

Seguindo o ritmo do Evangelho de Mateus nos colocamos, hoje, diante da experiência de fé mais alta e mais clara, depois

  • do quadro negativo dos compatriotas de Nazaré;
  • das interpretações erradas do rei Herodes; da fé em progresso do próprio Pedro; e
  • do grito de ajuda, visto como autêntica expressão de fé da mulher cananeia.

Hoje nos colocamos ante a confissão de fé de Pedro. O contexto imediatamente anterior é importante.

Esta quinta cena se apresenta em contraste com dois relatos prévios, nos quais os fariseus e saduceus:

  1. São repreendidos por Jesus por pedir um sinal para crer (Mt 16,1-4) e, de fato, Ele não lhes dá um sinal diferente do de sua missão (explorar os sinais dos tempos);
  2. São postos como exemplo da atitude e da doutrina que não devem seguir (Mt 16,5-12).

O Evangelista também está supondo que conhecemos todo o itinerário de Jesus, que vem sendo narrado e que entendemos que este é o ponto de chegada da sua atividade anterior.

Curiosamente Jesus nunca pediu a seus discípulos que lhe dessem uma opinião sobre seus discursos ou sobre as obras de poder que realizava, mas apenas sobre sua própria pessoa. Para Jesus isso é importante: o que estão compreendendo acerca de sua identidade? É desta maneira que os quer conduzir até um conhecimento claro e profundo, do qual brota uma confissão de fé sem equívocos.

Portanto, no centro do Evangelho não está tanto seu anúncio, mas a própria pessoa de Jesus. Quando Jesus pergunta o que dizem as pessoas sobre Ele, o respondem: “Uns que é João Batista; outros, que é Elias, outros, que é Jeremias ou um dos profetas” (16,14). As pessoas têm Jesus em uma alta conta, mas não passando de uma figura profética semelhante à dos grandes profetas.

Nesse caso, seria um dos muitos que já vieram antes, e de outros que virão depois. Com esta classificação se deixa claro que já há uma grande valorização de Jesus, mas que há o perigo de não ir além das rotulações já conhecidas; portanto, a opinião pública não atingiu ainda o que realmente importa: a descoberta da relação inédita, única e particular, que Jesus tem com Deus.

Quando Jesus pede aos discípulos sua própria opinião, Simão Pedro responde: “Tu és o Cristo, o filho do Deus vivo” (16,16). O Apóstolo reconhece o duplo relacionamento que caracteriza, de modo inequívoco, a Jesus:

  1. Para o povo é o “Cristo” (Messias): o único, o último e definitivo rei e pastor do povo de Israel, enviado por Deus para dar a este povo e a toda a humanidade a plenitude da vida (como já se viu na multiplicação dos pães e em outros milagres);
  2. Para Deus é seu “Filho”: vive em um relacionamento único e singular com Deus, caracterizado pelo conhecimento mútuo, pela igualdade e a comunhão de amor entre o Pai e Ele (consulte 11. 27).

Aqui não se trata de um Deus abstrato nem genérico, trata-se do Deus vivo, o único verdadeiro e real, que é a vida em si mesmo, que criou tudo o que é vida e com seu imenso poder vence a morte. Jesus é rei-pastor, o que, enquanto Filho do Senhor da Vida, compromete-se com a vida do seu povo.

É o Messias que está profundamente ligado ao próprio poder vital do Deus vivente. O dom da vida será comunicado através da doação de sua própria no caminho da Cruz, conforme o texto de hoje (16,21).

A reação negativa de Pedro o leva a merecer a repreensão e ser chamada “Satanás”, porque pensa a nível humano e não aceita o caminho de sofrimento de Jesus (16, 22-23). Quanta ironia! Ao modelo de discípulo Jesus diz, na frente de toda a comunidade: “Tu és escândalo”! (16,23).

O cume do caminho de fé não é a confissão de boca, mas a confissão com a vida. No caminho da Cruz vai tomar corpo este tipo de confissão de fé que precisava, em primeiro lugar, passar pelos lábios.

Terá então que começar a andar nesta segunda etapa, com uma abertura de coração de mente total ante o projeto de Deus: a plenitude de vida que brota do mistério da dor vivido em comunhão íntima com o crucificado, onde faz sentido toda a vida, todo projeto, toda realização.

Cultivemos a semente da palavra na profundidade do coração

  1. Que opinião de Jesus têm as pessoas com as quais trato cotidianamente em ambientes distintos aos de minha comunidade de fé?

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É parecida com a opinião das pessoas do tempo de Jesus? 

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  • Como expresso minha fé em Jesus, com que termos?

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Pedro expressa o que eu, pessoalmente, estou vivendo de Jesus?

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  • Que poderia fazer para a pessoa de Jesus esteja sempre no centro de minha vida?

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SEXTA-FEIRA

Mateus 16,24-28

SEGUIR FIELMENTE AO MESTRE

“Se alguém quer me seguir…”

Qual o modo de “pensamento de Deus”, que Pedro e os discípulos devem aprender? O verdadeiro discipulado não se alcança fácil porque é um “seguir fielmente” (16,24c) o exemplo do Mestre Jesus e isto tem seu preço.

É assim como começa uma instrução de Jesus, “a seus discípulos”, sobre a natureza do discipulado.

O ensinamento tem três partes:

  • O “Que”: (uma sentença + um “porque”): Se o Mestre Jesus suporta um caminho de sofrimento e morte (16,21-23), igualmente os discípulos estão chamados a dar suas vidas e carregar a cruz (16,24). Dá-se a motivação fundamental para fazer (16,25: um paralelo que contrapõe “salvar a vida” / “perder a vida”).
  • O “Argumento”: (uma sentença + um “porque”): Com duas perguntas retóricas (que trazem implícita a resposta), uma positiva e uma negativa, Jesus ensina que há que “transcender”, que vida plena não se ganha neste mundo (16,26), mas no vindouro (16,27). Aqui se dá uma contraposição de valores: “ganhar o mundo inteiro” / “ganhar a vida”.
  • A “Verificação”: (um segundo aspecto do “porque” anterior): Na confrontação final com Jesus, que virá em sua glória de “Filho do homem”, se verá quem foi verdadeiro discípulo, a partir de um critério fundamental: “Sua conduta” (16,27). Temos uma série de frases que se desprendem da proposta fundamental do “negar-se a si mesmo, tomar a cruz e seguir” a Jesus.

É difícil pensar que se possa pedir algo mais alto, mais duro, a um ser humano. Porém, o que se tem em vista é a “Vida”: notemos como nos vv.25-26 se repete quatro vezes o termo “Vida”. Até parece que se está falando em termos negativos, ao propor “tomar a cruz”, mas, sem dúvida, toda a ênfase do ensino é de um insondável valor positivo: a vitória da Vida.

Seguir ao Mestre carregando a Cruz (16,24-25)

“Se alguém quer me seguir…”. Depois da imprudente, porém honesta, reação de Pedro, Jesus ensina que ser discípulo significa segui-lo no caminho para Jerusalém, onde lhe espera a Cruz. Entrar nesta rota supõe uma escolha livre: “Se alguém quer”.

No horizonte está a Cruz de Jesus, a qual foi Ele o primeiro a tomar.  Ante ela, e imitando ao Mestre o discípulo faz três coisas:

  • Se “nega a si mesmo”: significa não antepor nada ao seguimento. O valor de Jesus é tão grande que se é capaz de deixar de lado o que possa ir em contradição com Ele e seus ensinamentos.
  • “Toma sua (própria) cruz”: Estar pronto a seguir levando a cruz implica estar pronto a dar a vida. Pode entender-se como: a radicalidade de quem está disposto a ir até o martírio para manter sua opção por Jesus; fortaleza e perseverança frente aos sacrifícios e dissabores que a vida cotidiana do discípulo comporta; capacidade de “amar” e transformar a adversidade em fonte de vida.
  • “Segue” a Jesus: Em fidelidade ao Mestre, como alguma vez propôs São Francisco, o discípulo põe cada passo na rota do Mestre.  A motivação fundamental é esta contraposição: Pois quem quer salvar sua vida, a perderá, porém quem perder sua vida por mim, a encontrará (16,25). Estas duas possibilidades, postas agora em consideração, iluminam o sentido do seguir a Jesus com a cruz partindo da ideia da vida. Em poucas palavras: a meta do discipulado é encontrar a vida, o qual corresponde ao desejo mais profundo de todo ser humano.

Agora, esta meta pode ser alcançada, ou não, somente de maneira radical, não há soluções intermediárias. A vida, aqui, e mais além da morte, se consegue mediante um gesto supremo de doação da própria vida.

Há falsas ofertas de felicidade (ou “realização da vida”) que conduzem a perca da vida; a vida é sempre um dom que não podemos dar a nós mesmos, ao contrário, pensamos que sempre estamos em capacidade de dar. Nesta lógica, quem perde a própria vida por Deus e pelos demais, “a achará”. O discipulado, sob a perspectiva da cruz, não é um caminho de infelicidade, ao contrário: O sentido último do seguimento é alcançar a vida!

Uma sábia decisão que tem que tomar com base em argumentos sólidos (16,26)

Em seguida Jesus expõe duas perguntas que levam a conclusões irrefutáveis. Estas estão formuladas de tal maneira que só podem ter uma resposta negativa: “De que servirá ao homem ganhar o mundo inteiro, se arruinar sua vida?”; resposta óbvia: “De nada”. “Que pode dar o homem em troca de sua vida?”; resposta obvia: “Nada”.

Para captar o específico do que disse Jesus há que considerar a característica própria da ideia da vida. Não se fala aqui da vida como de um valor biológico, de uma vida longa e Oxalá com boa saúde. Trata-se do sentido da vida. A verdadeira vida, a qual, segundo a Bíblia Sagrada, se alcança na comunhão com Deus, se conquista, em última instância, mediante o seguimento de Jesus. O seguimento de Jesus é, então, um caminho completamente orientado à vida, à existência plena e realizada.

Esta, se põe em risco quando se vive de modo equivocado, quando se constrói sobre falsas seguranças. Ao referir-se ao que quer “ganhar (=conquistar) o mundo inteiro”, Jesus denuncia a falsa confiança posta em propriedades, conquistas e ideais terrenos e riquezas.

A isto já tinha se referido, o evangelista, no relato das tentações de Jesus: a busca e o apego ao poder, ao prestígio, ao que é terreno, como caminhos de felicidade ou como metas de vida. Ninguém pode dar-se a si mesmo a vida e seu sentido. Assim havia expressado já o Salmo 49,6-8: “Por que temer em dias de desgraça / quando me cerca a malícia dos que me hostilizam,/ o que põe sua confiança em sua fortuna/ e se gloria de sua grande riqueza? / Se ninguém pode redimir-se (a si mesmo) / nem pagar a Deus seu resgate!”.

Porém, é verdade que se o Salmo 49 é uma advertência sobre a morte, o Evangelho prefere enfatizar a verdadeira vida. Portanto, um sério perigo ameaça a quem quer, desaforadamente, “ganhar” o mundo inteiro apoiando-se em imagens de felicidade que parecem converter-se em fins em si mesmos, entre eles a carreira profissional, o prestígio ou o orgulho pelas próprias conquistas.

O verbo em futuro, na expressão “de que servirá ao homem?”, convida a por o olhar no tempo final, no qual cada um verificará em si mesmo se tem conquistado ou não o objetivo de sua vida.

A responsabilidade do discípulo no tempo final: dar conta da “práxis” (16,27)

Porque o Filho do homem há de vir na glória de seu Pai, com seus anjos, e então pagará a cada um segundo sua conduta”. Finalmente, e estendendo, mais ainda, o olhar para o futuro, Jesus faz referência ao tempo final da vinda do Filho do Homem: onde se valoriza a vida como um todo. A valorização está nas mãos do Filho do homem; os anjos aparecem formando sua corte.

A expressão “na glória de seu Pai” indica Jesus como Filho de Deus. O “Filho do homem” que, havendo passado pela humilhação e a rejeição, culmina seu caminho triunfante, é, em última instância, o “Filho de Deus”; o mesmo a quem Pedro, sem captar todas as implicações, havia confessado como tal, um pouco antes. Diante do “Filho” por excelência se manifesta a verdade de todo homem.

Neste momento de revelação final, cada homem deve responder por sua vida. Este é um pensamento bíblico bem afirmado (Sl 62,13; Pr 24,12; Rm 14,12; 1 Cor 4,5; 2 Cor 5,10). Particularmente para o “discípulo” de Jesus é a hora da verdade de seu discipulado. A síntese do critério de juízo sobre o agir humano não é o que este tem dito ou prometido fazer (Mt 7,21-23) mas seu “fazer” real: “Pagará a cada um segundo sua conduta” (em grego disse “práxis”).

No Sermão da montanha, Jesus havia dito: “que fazer a vontade de meu Pai celestial” (7,21) e também “por seus frutos os conhecereis” (7,16ª); também na parábola do rei: “quanto fizestes… quanto deixastes de fazer” (25,40.45). Esta práxis não está referida só a ações particulares, como pensavam os rabinos, mas ao estilo de vida, a vida entendida como unidade.  Enfim, não é suficiente fazer belas confissões de fé de boca, como vimos semana passada. O discipulado é modelar a vida inteira na dinâmica do seguimento do caminho à Cruz para receber ali, do Pai, a vida ressuscitada.

A Cruz não é só para ser contemplada, mas para fazê-la realidade em todas as circunstâncias da nossa vida. Deste modo, o discípulo reconhece e assume o destino de seu Mestre no seu próprio destino. O discipulado é um caminho de vida, uma verdadeira vida que vale a pena descobrir. E é para todos, não só para os apóstolos.

5. Cultivemos a semente da Palavra no coração

  1. Que é discipulado? Quais os requisitos? Como aparece o caminho de Jesus para Jerusalém? Que caminho está chamado a percorrer o discípulo de Jesus? Por que fazê-lo?
  2. Por que Pedro reagiu negativamente ante o anuncio da cruz? Como reajo frente meus sofrimentos, dificuldades e adversidades? Que digo? Que “visão” se esperaria que tivesse um discípulo de Jesus?
  3. Não caminhamos sós, mas em Igreja. Em que me implica, este evangelho, com respeito à minha família, à minha comunidade? Que deve diferenciar-nos ante outros modelos de felicidade que traça a sociedade?

Autor: Padre Fidel Oñoro, CJM


SÁBADO – SÃO LOURENÇO

JOÃO 12,24-26

Ao refletirmos hoje sobre a vida de S. Lourenço, diácono e mártir da Igreja de Roma, reconhecemos com toda a clareza uma das notas características da santidade: o poder realizar, com o auxílio do Espírito Santo, atos de virtude que estão acima de capacidades meramente humanas. De fato, conta-nos a tradição que, ao ser assado em uma grelha, S. Lourenço disse a seus algozes, talvez com fina ironia: “Podeis virar-me do outro lado, porque este já está bem assado”. Esse episódio, contado às vezes como uma anedota fantasiosa ou sem maior transcendência, revela-nos, na verdade, até que ponto a graça divina realmente transformara a alma de Lourenço: já não era ele quem agia e amava, mas o Cristo ressuscitado que nele habitava (cf. Gl 2, 20), na perfeição de sua estatura completa (cf. Ef 4, 13). Seja esse acontecimento real ou simples invenção lendária — o que, no fundo, aqui pouco importa —, o fato é que somente Deus pode levar um santo a praticar atos de virtude heróica, com um heroísmo superior às nossas forças naturais. Um santo, com efeito, sem deixar de ser humano, é um homem profundamente divinizado, porque nele vive Cristo e atuam os dons de entendimento e de conselho, de gozo e de paz. Que hoje, recordando com piedosa admiração o exemplo de fortaleza sobrenatural de S. Lourenço, possamos reafirmar nossa fé na santidade cristã, impossível a quem se fia de si mesmo, desprezando a ação de Deus, mas possível Àquele que, se fez os céus e a terra, pode muito bem fazer-nos homens à imagem de seu Filho encarnado: Ele, com diviníssima fortaleza e paciência, suportou as piores dores possíveis, a fim de merecer-nos a força de seu Espírito. — S. Lourenço, rogai por nós!

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