Estudo Bíblico na 23ª Semana Comum ano A 2023

ESTUDO BÍBLICO NA 23ª SEMANA COMUM ANO A 2023

Comunidade Paz e Bem

SEGUNDA-FEIRA

Lucas 6,6-11

O PRIORITÁRIO É FAZER O BEM E SALVAR A VIDA DO IRMÃO:

“No sábado é lícito fazer o bem em vez de fazer o mal, salvar uma vida em vez de destruí-la?”          

Os primeiros discípulos compreenderam que seu chamado ao seguimento tem, em sua base, uma experiência da misericórdia do Senhor. A obra de Jesus em suas vidas trouxe tempos novos e vida nova que, quem os vê de fora, começa a perceber, através de seus comportamentos tão diferentes com relação às pessoas ao redor (ver as críticas que fazem a eles em 5,30.33 e 6,2).

Isto, não só viram os discípulos em si mesmos, mas, também, nas obras poderosas e de misericórdia que Jesus vinha operando com as pessoas marginadas e necessitadas de ajuda. Depois de ter visto de perto a misericórdia de Jesus com eles mesmos, na cena das espigas arrancadas em dia de sábado, a pequenina comunidade de Jesus passa a um segundo plano.

Encontramo-nos, agora, com um novo texto que destaca a incrível misericórdia de Jesus para com os enfermos. De novo Jesus faz uma obra proibida em dia de sábado e, mais ainda, na sinagoga, diante do povo reunido para celebrar o repouso sabático. Leiamos devagar o texto e observemos sete pontos chaves deste ensinamento:

  • As circunstâncias: Há uma de tempo e uma de lugar: (a) de tempo: de novo nos encontramos no sábado (6,1a). A mensagem está, assim, em estreita relação com o “tempo” da graça de Jesus, profeta libertador ungido pelo Espírito; e (b) de lugar: Jesus entra numa sinagoga. Sua intenção de “ensinar” é clara (6,1b;4,15.31.44). Mas não lê a Bíblia nem faz discurso: o ‘ensino’ é a cura de um homem de mão seca. Jesus não ensina só com palavras, mas com atos concretos (4,31-32.36).
  • A iniciativa provém de Jesus: O homem com a deficiência física não lhe pediu nenhum favor, simplesmente diz: Havia ali um homem que tinha a mão direita seca (6,6b).
  • A enfermidade do homem não é emergência: Não estamos ante um caso de vida ou morte. Deste modo, o fato de Jesus se interessar por curar a mão deste homem, mostra que, para Jesus, todas as situações nas quais as pessoas se vêem limitadas são importantes. É mais um daqueles casos que, habitualmente, passam despercebidos ante as pessoas (impressiona à primeira vista, mas logo acostumamos ver a pessoa assim). Deviam ser muitas as pessoas presentes naquele dia na sinagoga, mas Jesus se interessou, em particular, nesta.
  • Jesus conhece os pensamentos e intenções de seus adversários: Estes acham que Jesus tem comportamento herético e fazem uma investigação que o Evangelho chama de espionagem: Estavam espreitando, os escribas e fariseus, se curava no sábado, para encontrar motivo de acusá-lo (6,7). Em seguida se diz que Jesus perscruta os seus pensamentos (6,8a).
  • Jesus atua abertamente: Neste drama se acentua um contraste: de um lado seus adversários fazem tudo ocultamente: espreitavam (6,7a); entretanto, Jesus conhecia seus pensamentos (6,7), perscruta os pensamentos dos que o consideram herético. Do outro, Jesus tudo faz abertamente: Faz que o homem se ponha de pé (6,8b); O convida a colocar-se no meio de todos (6,8b); e Pede que estenda suas mãos (6,10b).
  • Jesus desafia seus adversários: O ponto central do ensinamento de Jesus se encontra na pergunta que os escribas e fariseus devem responder (6,9). Notemos a ênfase: (a) O espírito da Lei do sábado (o legal) é fazer o bem, o qual para Jesus é uma forma concreta de salvar uma vida; (b) Deixar de fazer o bem – a omissão – é uma má ação, não pode haver um verdadeiro culto a Deus quando falta o interesse pelo próximo; e (c) Jesus não dá aos seus adversários a chance de responder, porque a resposta é óbvia; logo confirma sua verdade curando a mão do homem diante de todos.
  • A tensão aumenta: Diante da evidência, os adversários se confundem. Com raiva cega começam a deliberar, entre si, de que maneira vão se desfazer do incômodo profeta Jesus (ver 6,11). Agora sabemos que Jesus tem inimigos. Estes, da crítica passam à deliberação do assassinato do profeta.

Assim nesta passagem se introduz o tema da recusa de Jesus (a decisão de matá-lo só aparecerá em 19,47); já em uma passagem anterior, pela boca de Jesus fomos informados que o noivo será arrebatado(5,35), como suspensão provisional da festa.

Portanto, a morte de Jesus será consequência de sua opção pela vida do homem, em consonância com o Plano de Deus. As exceções ao cumprimento estrito de algumas leis bíblicas já eram conhecidas pela tradição rabínica. Como exemplo, recordemos uma famosa passagem: “Sempre que haja dúvida sobre se uma vida está em verdadeiro perigo, não se aplicará o preceito do sábado (Rm 8,6).

Porém, Jesus vai muito além. Sua liberdade profética é maior, ao considerar excepcional qualquer situação de sofrimento, por pequena que pareça. Os discípulos de Jesus aprendem esta liberdade interior que os impulsiona a fazer o bem e a salvar uma vida, cada vez que se apresente a ocasião. Eles farão o bem sem impor limites. Trabalharão, a todo custo, pela vida. É a prioridade do Evangelho!

Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração

  1. Por que podemos dizer que Jesus atuou abertamente? Que nos ensina este atuar de Jesus?
  2. Em que momento de minha vida, eu tenho tomado a iniciativa, sem que me peçam, de “salvar uma vida”, quer dizer, de sair ao encontro das necessidades de alguém e dar uma ajuda efetiva?
  3. Que podemos fazer de concreto em nossa família ou comunidade para dar vida no ambiente?

TERÇA-FEIRA

Lucas 6,12-19                                                  

ESCOLHA DOS DOZE

“Foi ao monte para orar e passou a noite na oração de Deus”

Na serie de passagens compreendidas entre Lucas 5,1 e 6,11, temos visto como Jesus vem formando, progressivamente, uma comunidade em torno dEle. Temos visto, também, qual é a experiência de fundo que caracteriza esta nova comunidade e em que se baseia esta.

O evangelho de Lucas começa agora, em 6,12, com uma nova seção, onde vemos como, a partir de um grupo eleito de doze, o Mestre conduz um itinerário particular de formação que tem duas finalidades: a aprendizagem da “palavra” de Jesus e a aprendizagem da “missão” de Jesus. Esta seção concluirá no capítulo 9, quando, os doze, vão, em missão, e, ao regressar, recebem a lição sobre a Cruz. Esta se percebe a partir desta passagem, quando os discípulos começam a ser chamados também “apóstolos” (6,13).

Notemos como em toda esta seção do evangelho os discípulos aparecem em segundo plano na missão de Jesus. São mencionados somente em momentos chave, porque o centro é Jesus, que, com suas palavras e obras de poder, revela o núcleo do evangelho.

Por enquanto, a tarefa dos discípulos é “ouvir” e “ver”. O primeiro passo que Jesus dá é a diferenciação do grupo dos doze da multidão e do resto dos discípulos. Prestemos muita atenção a algumas particularidades do comportamento de Jesus nesta cena vocacional:

  1. Jesus começa com uma vigília de oração: (6,12)

“Foi ao monte para orar e passou a noite na oração de Deus”. Este passar a noite inteira em oração é significativo e devia atrair-nos para uma amorosa contemplação deste momento. Todo o ministério de Jesus, até seu último instante na Cruz, tem como constante a oração. Isto se ver nos momentos decisivos de seu ministério e a eleição dos doze é um deles. Sabemos que o tema da oração é importante no evangelho de Lucas e que Jesus é o modelo do orante (ver 3,21; 5,16; 9,18.28.29; 10,21;11,1;2 2,29-46; 23,34.46).

Na oração de Jesus neste texto fica claro que:

  • Deus Pai está na raiz de toda experiência vocacional: Ele está ali presente, com a mão na obra, guiando a historia da salvação, na qual se insere todo chamado particular;
  • Jesus invoca a benção de Deus sobre o ato que está a ponto de realizar.
  • A oração é um dos pontos mais importantes do discipulado; é o ponto de partida do itinerário dos doze, ao longo de sua vida, estes terão que voltar uma e outra vez a este primeiro momento.
  • Jesus distingue os ‘doze’ do amplo grupo de discípulos (6,13)

…“a quem chamou também apóstolos”. Aos doze também os chamou “Apóstolos” (que significa “enviados”). Cristo escolheu os doze apóstolos para resgatar o sentido das doze tribos de Israel que Deus deveria reunir no fim dos tempos, conforme o que está dito nas Escrituras.

De fato, o número evoca a comunidade da primeira Aliança: as doze tribos de Israel. Estas, que, no momento do ministério de Jesus, já, praticamente, não existem como tais (só restavam duas tribos e meia); dai que o formar uma comunidade, precisamente com este número, é uma provocação profética de Jesus, uma forma concreta de chamar a todo o povo de Deus.

Desde o Antigo Testamento se vê como Deus tinha em seu projeto a formação de um povo que fosse modelo e convocasse a todos da terra ao serviço do único Deus. O chamado dos ‘doze’ nos coloca ante um aspecto fundamental do ministério de Jesus: a Aliança e a vocação fundamental do povo de Deus.

Estão se realizando as antigas profecias (ver Ez 39,23-39). Por outra parte, o título “Apóstolo” se refere explicitamente à futura missão que aguarda os escolhidos: eles continuarão a obra de Jesus no mundo. Segundo uma antiga disposição jurídica de Israel, “o enviado é como o que envia”. Os doze, então, serão os representantes de Jesus.

  • Jesus escolhe seus apóstolos entre aqueles que já o haviam ouvido e visto em ação

Em passagem anterior, Lucas havia anotado que uma grande multidão afluía para ouvir e ser curados(5,15). Com esses mesmos termos se descreve a “grande multidão de discípulos seus… que haviam vindo para ouvir-lhe e ser curados junto com a multidão (6,17-18).

Do meio deles foram tomados os doze. É belo o encontro de Jesus e os doze apóstolos com a imensa multidão que aguarda na planície. Quando os doze apóstolos descem com Jesus da montanha, o primeiro que encontram é o duro cenário de uma humanidade ferida e necessitada. Porém chama a atenção que toda esta multidão de pessoas vindas inclusive das regiões pagãs da costa marítima (Tiro e Sidônia; 6,17b), se sentem atraídas, fascinadas pelo Mestre de Nazaré, por Ele, que andava em sua missão “pela força do Espírito” (4,14).

Ao observar Jesus e vendo que dele saía uma força que curava a todos (6,19), os doze começam a compreender o sentido de sua vocação e para o quê o Mestre os quer capacitar. Por isso eles devem abrir-se aos dons do Mestre e, como se verá, deverão ser os primeiros ouvintes do discurso que segue. 

Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração

  1. Por que o fato de que Jesus escolha “doce” discípulos é uma provocação profética?
  2. Ao tomar uma decisão importante, faço como Jesus dedicando tempo á oração ou me contento com minhas razões e com aquilo que algum amigo me possa sugerir? Por que Jesus orava antes de decidir algo?
  3. Sinto que meu grupo, família, comunidade é eleito e com uma missão específica a cumprir? Qual é essa missão? Alguma vez temos dialogado juntos? Não seria o momento de fazer?

QUARTA-FEIRA

Lucas 6,20-26

“BEM -AVENTURANÇAS E MAL–AVENTURANÇAS

“Bem – aventurados vós…”

Começa agora o primeiro discurso formativo de Jesus (ver discurso completo em Lc 20-49, conhecido como o “sermão da planície”). Jesus vai descrever o perfil de um discípulo seu em quatro lições.

Primeira lição:o giro profundo que ocorre na vida de um discípulo.  Os discípulos são diferentes, isso está claro. Porém, em que são diferentes? Que aconteceu neles desde que conheceram Jesus?

A proclamação das bem-aventuranças responde a estas perguntas. Retomemos o conjunto das bem-aventuranças e notemos:

  • A maneira como fala Jesus já é expressiva: pronuncia as bem-aventuranças olhando de frente para seus discípulos. É como se estivesse dizendo: “Vocês são isto e isto, tomem consciência disso!”;
  • As bem-aventuranças mostram como é que se vive na esfera da vontade de Deus;
  • A obra de Deus, no discípulo, tem um ponto de partida: o reconhecimento de sua necessidade pessoal. Por isso são os “pobres”, os “famintos”, os que estão “de luto” os “rejeitados”. Sua consciência da carência lhes abre o coração ao dom de Deus, enquanto que os auto-suficientes, os que crêem ter tudo (os ricos os fartos, os que riem, os famosos) perderão o que crêem ter;
  • Porém, o que importa é o ponto de chegada: o dom de Deus, o qual está caracterizado como: consolação, plenitude e festa;
  • Todos os dons se resumem em um só: o Reino de Deus, que é esse giro profundo na realidade do homem (como canta Maria no “Magnificat”, que é a obra criadora de Deus que transforma o estado de perdição em estado de salvação);
  • A vida do discipulado aponta ao projeto de vida de cada um na direção da “alegria” enquanto que uma opção equivocada na vida leva à ruína total que aqui se expressa no grito de lamentação “ai”;
  • A vida segundo as bem-aventuranças conduz à identidade de vida com Jesus: o discípulo será um profeta como Ele no mundo (Lc 24,19) e este é o sentido de seu apostolado. Porém compartilhar a glória junto com Jesus, na alegria perfeita, implicará também o mesmo caminho de sofrimento, de fracasso e de humilhação do Mestre. Não há glória sem cruz.

Poderíamos, hoje, retomar uma das bem-aventuranças e meditar seriamente nela. Poderia ser, por exemplo: “Bem aventurados os que agora choram porque rirão…” (“Ai dos que riem agora porque tereis aflição e pranto”; 6,21b.25b).

Proponho esta porque se trata de um tema que geralmente preferimos não abordar. Estar triste é uma situação que não deveria dar-se e da qual preferimos não falar ou ainda fingir que não existe. Porém muitos sofrem neste mundo, muitos mesmo.

Nosso texto fala, literalmente, de estar em “luto” que é essa profunda tristeza interior que destroça o coração ante a morte de uma pessoa querida e que se expressa habitualmente em lágrimas. Porém, são também todas essas situações que produzem pesar e amargura, por conter algo de incompreensível e de humanamente inaceitável.

São prantos que brotam de um dramático contraste interior entre a morte que nos rodeia e a visão interior do Reino que desejamos, com sua plenitude de vida e de paz. Trata-se de um contraste resultante entre o dom de Deus e as situações intolerantes de miséria e de morte que nascem da rejeição do amor de Deus.

Porém Jesus disse que um discípulo seu saberá fazer o caminho da consolação que o levará à paz e à festa como profetizou Jeremias: Mudarei sua dor em regozijo, e lhes consolarei e alegrarei de sua tristeza (31,13).

Portanto com seu olhar contemplativo, em comunhão com Jesus saberá descobrir a ressurreição que há atrás de toda cruz. A bem-aventurança é um caminho que abarca a visão do evangelho inteiro.

Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração

  1. Considero-me uma pessoa bem-aventurada, isto é, feliz?
  2. Que me aflige? Que me promete Jesus?
  3. Qual o caminho para chegar à perfeita alegria?

QUINTA-FEIRA

João 3,13-17 – Exaltação da Santa Cruz

A MORTE DE JESUS É FONTE DE VIDA

“Assim tem que ser levantado o Filho do homem, para que todo o que crer tenha n’Ele vida eterna”

Na conversa com Nicodemos, Jesus convida a olhar para o alto, ali onde emana a fonte de vida que nos faz nascer de novo. A fonte de vida é a gloriosa Cruz de Jesus (passagem de hoje: Jo 3,13-17).

Por outro lado, o Evangelho de João assinala, de modo particular, que do peito traspassado do Senhor crucificado por amor, brota o Espírito como água purificadora e geradora de vida (19,34; ver 7,37-39). Do dom da vida de Jesus nasce a nova humanidade.

Estas duas passagens se juntam nesta festa, na qual contemplamos o lenho da Cruz, agora florescido pela Ressurreição.

As palavras de Jesus a Nicodemos, depois que este último pergunta, pela segunda vez, como se nasce de novo (3,9), vão se remontando, vertiginosamente, até as alturas insondáveis.

Jesus se volta, assinalando a exaltação da Cruz, até o caminhar do povo de Israel pelo deserto (3,14) e finalmente até as profundidades mesmas do amor de Deus (3,16), de onde tudo provém.

Os verbos do texto evangélico selecionado para nós, hoje, descrevem um duplo movimento que vai até os extremos.

São estes:

  • “Subir” – “Descer”: os referentes são o “céu” e a “terra”. Jesus vem das altas profundidades do

                              céu e para ele remonta com sua ressurreição;

  • “Dar” – “Crer”: Deus se dá a si mesmo de maneira radical em seu próprio Filho, o homem neste

                       dom também sai de si mesmo no radical impulso da fé;

  • Perecer” – “Salvar”: o futuro da vida se vê ameaçado com a morte, porém por meio da pessoa de

                               Jesus se dá a possibilidade de viver eternamente.

Todos estes movimentos passam pela Cruz, entrelaçando-se em um único movimento que o recolhe todo:

“E como Moisés levantou a serpente no deserto, assim tem que ser levantado o Filho do homem, para que todo o que crer, tenha por Ele vida eterna” (3,14-15).

O mais profundo de Deus vem ao encontro do homem e a dor humana é assumida por Ele curando o veneno paralisante do absurdo. Na Cruz, Ele dá esta intimação salvadora ao homem: a Cruz reconcilia.

A contemplação da Cruz nos envolve nesta dinâmica de reconciliação. É preciso. Normalmente esquivamos o olhar e fugimos dela como se foge de uma serpente.  Do mesmo modo temos dificuldade em pôr o olhar em nossos sofrimentos, preferimos pensar em outra coisa, buscar atenuantes.

Hoje a enfermidade e a morte, esta última elevada à categoria de show pelos meios de comunicação, tendem a ser mascaradas e atenuadas em sua cruel realidade, para que não nos ponham em crise.

Porém, é preciso levantar o olhar e enfrentá-la. A Cruz de Jesus nos ensina a fazer isso. Não a olhamos para desesperar-nos, mas para ler nela a resposta ao enigma fundamental que assalta a mente humana: de dentro da Cruz provem a Ressurreição, emana a vida.

E se contemplamos o amor que há dentro da Cruz – a vida que há no absurdo da morte, a incrível entrega que há, ali, nessa mesquinha expressão do sofrimento humano – compreenderemos que, se “cremos” em Jesus, se acolhemos esse dom de amor (o mais profundo), todas as dores, associadas ao mistério da morte, são portas abertas à esperança.

Então, atrás de cada cruz que se encontra em nossos caminhos, descobriremos sinais de ressurreição.

Curiosamente na frase central do Evangelho de hoje se substitui o termo “olhar” (que seria o lógico em uma frase do tipo: “assim tem que ser levantado”) por “crer”, ficando: “para que todo o que crer, tenha por Ele vida eterna”. 

Portanto se trata do contemplar “crendo”, quer dizer, assumindo. Dai que a mensagem que brota da Cruz é clara e exigente: é preciso ver em profundidade a vida.

Quem penetra profundamente na morte de Jesus, mistério de amor, e não só de dor, mistério de entrega, e não só de rejeição, verá também como em suas cruzes deixa-se ver o casulo de uma vida que florescerá um dia, quando estiver exaltada com Jesus na Ressurreição.

Eis o ponto de partida de uma espiritualidade da esperança em meio dos absurdos humanos da guerra e todas as formas de negação do outro e da vida.

Cultivemos a semente da palavra no profundo do coração

  1. Percebo que na sociedade atual há “fugas” para evitar enfrentar o rosto dolorido do irmão?
  2. Que me convida a contemplar a Cruz exaltada? Para onde se remontaria em última instância meu olhar?
  3. Sei ler e orar os acontecimentos de minha vida desde a Cruz de Jesus? Como haveria que fazê-lo?

SEXTA-FEIRA   Nossa Senhora das Dores

Lucas 2,33-35 OU Jo 19,25-27 –

UMA GLORIOSA MANIFESTAÇÂO QUE RESPONDE À LONGA ESPERA

 “Meus olhos viram tua salvação”

Os relatos de infância de Jesus em Lucas não deixam de contagiar-nos sua graça.

Cada detalhe é significativo porque nos ajuda a compreender a Jesus que, pouco a pouco, vai se manifestando. Por exemplo, a primeira aparição em público de Jesus se realiza no Templo, assim se realiza a profecia de Malaquias: “Em seguida virá a seu Templo o Senhor a quem vós buscais” (3,1).

Podemos relacionar o relato de hoje com o de ontem. Se ontem víamos o passar de Jesus à idade adulta, hoje o vemos em um momento, ainda inicial, quando depende, completamente, de seus pais.

Maria, que trouxe Jesus ao mundo, o introduz, também, no mundo da fé israelita e em seu lugar mais significativo, que é o Templo. Simeão nos dá um novo horizonte para compreender melhor a Jesus e Maria.

Aqui neste relato, podemos distinguir três partes:

(1) Uma descrição das características de Simeão (2,25-28);

(2) Uma oração de louvor a Deus pela chegada do Messias (2,29-32);

(3) Uma profecia sobre o destino de Jesus, o qual envolve também o futuro de sua Mãe (2,33-35).

O Evangelho, hoje, nos apresenta esta terceira parte. Depois da oração de Simeão, o evangelista anota que os pais de Jesus participam com sua admiração.

Também seus olhos se abriram ante o mistério que se manifesta no menino Jesus. Então “Simeão os bendiz” e dirigindo-se a Maria anuncia, profeticamente, tanto o destino de Jesus como o dela.

Simeão vê e anuncia profeticamente o futuro de Jesus (v.34)

O cume da história da salvação é luz e glória, porém, agora, vem pela rota por meio da qual se chega, verdadeiramente, a ela, a rota que seguirá Jesus: a luz da glória passa pela sombra da dor, da rejeição do servidor de Deus. “Este está posto para queda e elevação de muitos em Israel” (v.34ª).

Em seu ministério, Jesus não será acolhido unanimemente: uns o acolherão, outros não. Ao longo do Evangelho será fácil perceber estes dois grupos.

Diante de Jesus se terá que fazer sempre uma opção e, qualquer que seja a decisão que se tome, sempre haverá uma consequência:

  • quem o aceite encontrará n’Ele a salvação (=elevação); e
  • quem o rejeite terá que ver-se, ao final, com Deus (=queda).

Por tudo isto Jesus é “sinal de contradição”. A trama do Evangelho se tece no conflito que acompanhará sua vida até o momento final na cruz.

Simeão vê e anuncia profeticamente o futuro de Maria unido ao de seu Filho(v.35)

E a ti mesma uma espada te atravessará a alma!” (v.35ª)

A Mãe do Messias seguirá unida a Ele, como sua discípula; como tal o acompanhará, com sua presença física e com seu coração, e compartilhará a dor da rejeição.

Esta união com Jesus em tudo e, sobretudo em seu destino, e que, ao final, conduz à glória (ver 24,26), será a exigência fundamental do discipulado.

Apresenta-se então Maria como a discípula perfeita que percorre o caminho completo de Jesus: ela soube acolhê-lo desde o primeiro momento, porém terá que aprender a percorrer seu caminho como servidora fiel até o final.

E, se seguimos lendo a obra de Lucas nos Atos dos Apóstolos, nós notaremos como, desde já, em Maria, Simeão está contemplando o futuro da Igreja missionária.

Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração:

  1. Que ideal de família nos apresenta o Evangelho de hoje? Esses dias de natal não são um bom espaço para que a construamos? Que haveria que fazer?
    1. Que diz Simeão em seu hino inspirado pelo Espírito? Estamos capacitados para dizer o mesmo?

A comunhão de destino de Jesus e Maria que lição nos dá para nosso caminho de discipulado?


SÁBADO

Lucas 6,43-49

TRÊS CRITÉRIOS EDUCATIVOS PARA UM VERDADEIRO DISCIPULADO

“Não há árvore boa que dê fruto mau nem árvore má que dê fruto bom”

Terminamos hoje a leitura do “Sermão da planície” (Lc 6,20-49), o primeiro grande discurso formativo de Jesus a seus discípulos, no Evangelho de Lucas.

As últimas palavras de Jesus em seu ensino, frente àquele monte onde passou a noite em oração e escolheu os doze, são para dar-nos os critérios conclusivos deste seu primeiro curso de discipulado. Isto é importante, pois, na medida que se caminha com Jesus, é preciso estar atento à autenticidade do processo que vai se realizando. Isto do “ser autêntico” é importante.

Como se pode notar, em uma primeira aproximação ao texto, Jesus insiste com seus discípulos que só as palavras não bastam. São três as imagens: (a) A da árvore que se conhece por seus frutos; (b) A do tesouro de cujo interior se extraem as pérolas; e, (c) A do edifício bem cimentado. As três imagens convidam-nos ao compromisso, à coerência entre as palavras e a ação, e a esforçar-nos por uma vida cristã sólida. Lendo lentamente a passagem, vemos como Jesus chama a nossa atenção sobre três pontos que devem estar presentes em toda revisão de vida:

  1. A sinceridade. Se não há sinceridade não há formação nos assuntos do Senhor. Este Evangelho entende por sinceridade o fazer com que as palavras correspondam ao que está no coração. Isto se entende melhor com uma comparação: o bom coração dá bons frutos, o coração mau, dá maus frutos (6,43). Logo se complementa com a frase: “o homem bom do tesouro do coração tira o bom…” (6,45a). Visto que o discípulo foi chamado, também, para ser “profeta” e que o profeta é um homem da Palavra (6,45b), a ele se aplica a regra do discernimento que desmascara os falsos profetas: Examinem seus frutos! A melhor prova são os atos, isso é o melhor indicador do que habita no coração de cada um.
  2. A obediência. Quando alguém fala, como um discípulo do Senhor, mas, sem ser, verdadeiramente, de coração, cabe esta pergunta de Jesus: “Por que me chamam: Senhor, e não fazem o que digo” (6.46). A obediência ao Mestre é equivalente à obediência à vontade de Deus (ver Mt 7,21). Obedecer é “fazer” o que diz a Palavra, encarná-la, integrá-la nos próprios hábitos da vida. O discípulo não pode perder de vista que isto é o essencial: assumir o ensinamento e viver guiado por ela.
  3. A firmeza. Desde o início do Evangelho, Lucas deixa claro que seu propósito é “que conheças a solidez dos ensinamentos que tens recebido” (1,14), como diz a Teófilo. A “solidez” é a consistência de vida que se expressa na perseverança e na fortaleza interior ante as provas. Com a parábola da casa sobre a rocha, Jesus ensina que é preciso ir fundo para construir alto. Só em Lucas vemos a frase: “cavou profundamente” (6,48). Com isso assinala que a Palavra tem que ir fundo na nossa realidade pessoal. Construir sobre a rocha é construir a vida sobre as ações que se derivam do ensinamento de Jesus. Esta é a chave da solidez de vida, ou seja, do discípulo bem formado que não se deixa arrastar pela violência da corrente quando chega a hora da crise.

A leitura contínua do Evangelho de Lucas, ao longo desta semana, nos permitiu ter uma visão clara da unidade da Palavra, neste Evangelho, e, dentro dela, captar a dinâmica de formação de Jesus. Pouco a pouco vamos aprendendo a pedagogia de Jesus, que deve ser modelo para nossos processos de formação, hoje, na família e na comunidade que fazemos parte.

Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração

  1. Que imagens usa Jesus no Evangelho de hoje para chamar-nos à coerência de vida? A que se refere cada uma delas? Minha vida se desenvolve em vários meios: família, trabalho, estudo, diversão, etc. Em qual delas sinto que atuo com mais sinceridade? Por quê?
  2. Quais são as bases sobre as quais tenho construído minha vida? Qual delas é mais sólida?
  3. Existem algumas que é como areia? Que farei?

Autor: Padre Fidel Oñoro, CJM

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