EXALTAÇÃO DA SANTA CRUZ (Lectio Divina)
EXALTAÇÃO DA SANTA CRUZ
Origens
Esta festa de Exaltação da Santa Cruz nasceu em Jerusalém, em 13 de setembro de 335, no aniversário da dedicação das duas igrejas construídas por Constantino, uma sobre o Gólgota (ad Martyrium) e a outra perto do Santo Sepulcro (Ressurreição), após a descoberta das relíquias da cruz por Helena, a mãe do imperador. A cruz, instrumento da mais terrível das torturas, em 320, Constantino a proibiu de ser utilizada.
Restituição da Cruz
Em 614, Cosroes II, rei dos Persas, travou uma guerra contra os Romanos. Depois de derrotar Jerusalém, levou consigo, entre os diversos tesouros, também a Cruz de Jesus. Heráclio, imperador romano de Bizâncio, propôs um pacto de paz com Cosroes, que não aceitou. Diante da sua negação, entrou em guerra com ele e venceu, perto de Nínive, e pediu a restituição da Cruz, que a levou de volta a Jerusalém. Neste dia da Exaltação da Santa Cruz, não se glorifica a crueldade da Cruz, mas o Amor que Deus manifestou aos homens ao aceitar morrer na Cruz.
Cruz: o amor de Deus para conosco
O Evangelho, que a liturgia nos propõe na festa da Exaltação da Santa Cruz, diz que Deus pretende construir uma relação de amor com cada um de nós; Ele se oferece na pessoa do seu Filho Jesus, pregado na Cruz.
O fato de levantarmos o olhar para Deus nos propõe uma verdade importante: somos convidados a voltar a nos relacionarmos de novo com Ele.
A Misericórdia
O fato de elevar o nosso olhar não nos deve causar medo, mas gratidão, porque tal elevação é a medida do amor com a qual Deus ama os seus filhos no Filho. Com efeito, a misericórdia de Deus ilumina as noites da nossa vida e nos permite continuar o nosso caminho.
Não há espaço para indiferença
Não podemos permanecer indiferentes diante da Cruz de Jesus: nem com Ele nem contra Ele. Trata-se de uma escolha, que deve ser feita antes de qualquer ação. A vida do cristão é o testemunho de quanto “Deus nos amou a ponto de dar seu Filho Jesus”.
Festa
A festa da Exaltação da Santa Cruz, em 14 de setembro, conservou-se nos documentos. Contudo, na litúrgica, andou muito lentamente, sobretudo porque o dia 14 estava já ocupado pelos santos mártires Cipriano e Cornélio. A reforma litúrgica pós-conciliar restabeleceu a importância do dia de hoje, que é festa.
Significado da Cruz
Para o cristão, a cruz significa a árvore da vida, o trono, o altar da Nova Aliança: de Cristo, o novo Adão adormecido na cruz, brotou o admirável sacramento de toda a Igreja. A cruz é o sinal de Cristo sobre aqueles que no Batismo são configurados a Ele em morte e glória.
Lectio Divina
João 3,13-17 (O encontro com Nicodemos) – Os versículos 13 a 17, do capítulo três, do Evangelho de São João, fazem parte do extenso discurso que responde à pergunta de Nicodemos e no qual se manifesta a necessidade da fé para ter a vida eterna e escapar do julgamento de condenação. Jesus Cristo, o Filho do homem (v.13), procede do seio do Pai; é o que «veio dali», o único que viu a Deus e pode comunicar o seu projeto de amor, cuja realização se encontra no dom do Filho unigênito. Jesus se compara à serpente de bronze do Antigo Testamento (cf. Nm 21,4-9), afirmando que o pleno cumprimento de tudo quanto aconteceu no deserto terá lugar quando Ele for levantado, quer dizer, na cruz (v.14), para a salvação do mundo (v.17). Todo o que o olhe com fé, quer dizer, todo o que crê que o Cristo crucificado é o Filho de Deus, o Salvador, terá a vida eterna. O homem, ao acolher, nele, o dom do amor do Pai, passa da morte do pecado à vida eterna. Sobre o fundo deste texto aparece o quarto canto do «Servo de YAHWEH» (cf. Is 52,13ss), onde voltamos encontrar, unidos, os verbos «levantar» e «glorificar». Entende-se, portanto, que o evangelista São João quer apresentar a cruz, ponto extremo da ignomínia, como cume da glória.
Nm 21,4b-9 (A serpente de bronze) – O autor deste livro narra nos capítulos 20 e 21 as últimas peripécias dos judeus no deserto, antes da entrada na terra prometida. O povo murmura porque não tem o que deseja; se rebela, não suporta o cansaço do caminho (v.2) por causa da fome e da sede (v.5). Cego por tais moléstias, não consegue reconhecer o poder de Deus, já não tem fé no Senhor; mais ainda, consideram-lhe como alguém que causa danos à vida. Deus manifesta seu juízo de castigo com respeito ao povo, enviando serpentes venenosas (v.6). Frente à experiência da morte, os judeus reconhecem o pecado cometido, afastando-se de Deus, e pedem perdão. E como a serpente, com sua mordedura, resultava letal, assim, agora, sua imagem de bronze posta em cima de uma haste se torna motivo de salvação física para todo o que tivesse sido mordido. O Evangelho de João reconhecerá na serpente de bronze levantada por Moisés no deserto a prefiguração profética do levantamento do Filho do homem crucificado.
Fl 2,6-11 (Manter a unidade na humildade) – Trata-se de um magnífico hino cristológico pré-paulino. Complexo em cada uma das expressões que o constituem, pode entender-se a partir da expressãoem grego harpagmós (v.6), que literalmente significa “objeto de rapina”. Que significado pode ter a afirmação: Cristo, que é de condição (morphé) divina, não considera sua igualdade a Deus um objeto de rapina? Subtende-se, aqui, a comparação com Adão, que, não sendo de tal condição, quis roubá-la. Paulo propõe à comunidade de Filipos o exemplo do novo Adão, Cristo. Este aceitou reparar, mediante a humildade e a obediência até a morte mais ignominiosa, a soberba desobediência do primeiro Adão, que precipitou a todo o gênero humano no pecado e na morte (cf. Rm 5,18s). Cristo se esvaziou de si mesmo e tomou a condição de escravo, que é a nossa (v.7), até as últimas consequências. Ao seu livre aniquilamento responde a ação de Deus (vv.9-11), que não só o “exaltou”, mas “superexaltou”. Agora todo o universo é chamado a aclamar que Jesus é Kyrios, Senhor, quer dizer, Deus, e, esta confissão é para a glória do Pai.
Sl 77/78 (As lições da história de Israel)– Pela extensão deste Salmo, é preciso lê-lo com calma e dividi-lo em pequenas partes. Trata-se dum cântico histórico e profético, longa ladainha em que o salmista, com sua sabedoria, nos conduz através dos séculos, contando-nos as maravilhas do Senhor. O amor de Deus por nós vem desde antes de nosso nascimento, por isso é importante observar a história da humanidade, desde Abraã. É preciso que o passado seja relembrado e faça uma ponte entre o ontem, o hoje e o amanhã para percebermos que, apesar do tempo, o amor de Deus por nós continua intocável e irrevogável. Este Salmo é rico em louvor e ação de graças. O salmista nos faz uma belíssima homilia apologética e didática por meio da qual visualizamos um “filme” repleto de memórias agradáveis, mas também de momentos de desolação, quando a infidelidade ao amor de Deus ocorre. No Novo Testamento esta fidelidade ao amor de Deus será selada conosco através da aliança nova com o sangue de Jesus.
Senhor, hoje quero só prometer-te ler lentamente todo este Salmo e meditá-lo, aplicando-o na minha vida. Quero fazer a memória do teu amor a minha vida. Quantas coisas belas aconteceram e eu não soube apreciá-las nem agradecer-te por isso. Vivemos, Senhor, num mundo do momento presente, estamos quase totalmente desligados do nosso ontem e não nos preocuparmos com o amanhã. É triste ver pessoas que não se lembram da tua presença e do amor passado. Dá-me uma memória viva para te louvar e agradecer, a memória da minha família, a memória da minha comunidade e, especialmente, a memória do meu ser cristão. Senhor, vou ler e rezar atentamente este Salmo e a cada versículo quero me perguntar: o que a Palavra diz? O que a Palavra de Deus me diz? E como posso colocar em prática esta Palavra de Deus? Amém.
MEDITATIO: Cada vez que lemos a Palavra de Deus, cresce a certeza de que Jesus dá pleno cumprimento a história do povo hebreu e à nossa história. Jesus é aquele que desceu do céu, o que conhece o Pai, o que está em íntima união com Ele («O Pai e eu somos um»: Jo 10,30), e foi enviado pelo Pai para revelar o mistério salvífico, o mistério de amor que se realizará com sua morte na cruz. Jesus crucificado é a manifestação máxima da glória de Deus. Por isso, a cruz se converte em símbolo de vitória, dom, salvação, amor. Tudo que possamos entender com a palavra «cruz» (dor, injustiça, perseguição, morte) é insondável ao olho humano. Sem dúvida, aos olhos da fé aparece como meio de configuração com o que nos amou primeiro. Assim, já não vemos o sofrimento como um fim em si mesmo, mas que se converte em participação no mistério de Deus, caminho que nos conduz à salvação. Só crendo em Cristo crucificado, quer dizer, se nos abrimos à acolhida do mistério de Deus que se encarna e dá a vida por toda criatura; só se nos situamos frente à existência, com humildade, livres no deixar-nos amar para ser, por sua vez, dom para os irmãos, seremos capazes de receber a salvação: participaremos na vida divina de amor. Celebrar a festa da Exaltação da Santa Cruz significa tomar consciência do amor de Deus Pai, que não duvidou em enviar-nos Cristo Jesus: o Filho que, despojado de seu esplendor divino e feito semelhante a nós, deu sua vida na cruz por todo homem, crente ou incrédulo (cf. Fl 2,6-11). A cruz se torna espelho, onde, refletindo nossa imagem, poderemos encontrar o real significado da vida, as portas da esperança, o lugar da comunhão renovada com Deus.
ORATIO: Ó cruz, inefável amor de Deus e glória do céu. Cruz, salvação eterna; cruz, medo dos ímpios. Ó cruz, apoio dos justos, luz dos cristãos, por ti Deus encarnado se fez escravo na terra; por meio de ti foi feito, em Deus, rei no céu; por ti saiu à verdadeira luz, a noite maldita foi vencida. Tu fizeste fundir-se para os crentes o jazigo das nações; és tu a alma da paz que une os homens em Cristo mediador. És escada pela qual o homem sobe ao céu. Sê sempre para nós, teus fiéis, coluna e âncora; rege nossa morada. Que na cruz se consolide nossa fé, que nela seja preparada nossa coroa. (Paulino de Nola.)
CONTEMPLATIO: Elevando, pois, a Deus, impulsos do ardor seráfico de seus desejos e transformado, por sua terna compaixão, naquele que, por causa de sua extremada caridade, quis ser crucificado: certa manhã de um dia próximo à festa da Exaltação da Santa Cruz, enquanto orava em um dos flancos do monte, via descer do mais alto do céu um serafim que tinha seis asas tão brancas como resplandecentes. Em voo rapidíssimo avançou para o lugar onde se encontrava o varão de Deus, detendo-se no ar. Apareceu, então, entre as asas, a imagem de um homem crucificado, cujas mãos e pés estavam estendidos a modo de cruz e elevados a ela. Duas asas alçavam sobre a cabeça, duas se estendiam para voar e as outras duas restantes cobriam todo seu corpo. Ante tal aparição, ficou cheio de estupor, o santo, e experimentou, em seu coração, um gozo mesclado de dor. Alegrava-se, de fato, com aquele gracioso olhar com que se via contemplado por Cristo sob a imagem de um serafim; mas, ao mesmo tempo, o vê-lo cravado à cruz era como uma espada de dor compassiva que atravessava sua alma. Estava sumamente admirado ante uma visão tão misteriosa, sabendo que a dor da paixão de nenhum modo podia harmonizar-se com a felicidade imortal de um serafim. Por fim, o Senhor lhe deu a entender que aquela visão lhe havia sido apresentada assim, pela divina Providência, para que o amigo de Cristo soubesse, de antemão, que havia de ser transformado totalmente na imagem de Cristo crucificado, não pelo martírio da carne, mas pelo incêndio de seu espírito. Assim aconteceu, porque, ao desaparecer a visão, deixou, em seu coração, um ardor maravilhoso e não foi menos maravilhosa a imagem dos sinais que imprimiu em sua carne (“Legenda maior», em Fontes franciscanas).
AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:
«O Filho do homem tem que ser levantado na cruz, para que
todo o que nele crer tenha vida eterna» (cf. Jo 3,14-15)
PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Jesus conquista aos homens pela cruz, que se converte no centro de atração, de salvação para toda a humanidade. Quem não se rende a Cristo crucificado e não crê nele não pode obter a salvação. O homem é redimido no sinal bendito da cruz de Cristo: nesse sinal é batizado, confirmado, absolvido. O primeiro sinal que a Igreja traça sobre o recém-nascido e o último com o qual conforta e abençoa ao moribundo é sempre o santo sinal da cruz. Não se trata de um gesto simbólico, mas de uma grande realidade. A vida cristã nasce da cruz de seu Senhor, o cristão é gerado pelo Crucificado, e só aderindo-se à cruz de seu Senhor, confiando nos méritos de sua paixão, pode salvar-se. Agora bem, a fé em Cristo crucificado deve fazer-nos dar outro passo. O cristão, redimido pela cruz, deve convencer-se de que sua própria vida deve estar marcada – e não só de uma maneira simbólica, pela cruz do Senhor, ou seja, que deve levar sua marca viva. Se Jesus levou a cruz e nela se imolou, quem queira ser seu discípulo não pode eleger outro caminho: é o único que conduz à salvação porque é o único que nos configura com Cristo morto e ressuscitado. A consideração da cruz nunca deve ser separada da consideração da ressurreição, que é sua consequência e seu epílogo supremo. O cristão não foi redimido por um morto, mas por um Ressuscitado da morte na cruz; por isso, o fato de que Jesus levara a cruz deve ser confortado sempre com o pensamento do Cristo crucificado e pelo do Cristo ressuscitado (G. di S. M. Madalena, Infimità divina, Roma).