“Jesus tomou o homem pela mão, curou-o e despediu-o.” (EFC)

Lucas 14,1-6

Misericórdia: estar nas mãos do criador e senhor da vida

Segunda-feira passada lemos a cura de uma mulher, hoje a de um homem. O “mal” que sofria a mulher era um deficiência física permanente, o “mal” que sofre o homem desta passagem é uma das mais terríveis enfermidades conhecidas no mundo antigo: a “hidropsia”. As duas curas foram no sábado e em meio da espreita dos adversários de Jesus. Porém, ambos são curados e, no passar libertador de Jesus por suas vidas, aprendemos novas lições sobre a misericórdia.

  1. A enfermidade: (v.2) Havia ali, diante dele, um homem hidrópico”

Para um judeu a hidropesia é um duplo mal pior que a lepra. É uma inchação do ventre compromete gradualmente todos os órgãos internos até chegar ao coração e levar à morte repentina. É muito dolorosa, causa desespero e, sobretudo, num mundo em que a medicina ainda não conseguia descobrir as causas nem oferecer os remédios, submetia o enfermo a uma continua angustia na espera da morte.

Ademais, do ponto de vista religioso, esta enfermidade era vista como conseqüência de uma maldição. Era o pior castigo que se podia desejar a um inimigo: “Se vestiu de maldição como de um manto: que penetre em seu seio como água!” (Sl 109,18ª). É também a enfermidade que se atribui às pecadoras adúlteras, conseqüência de seu pecado (Nm 5,21-22; Pv 5,15-23). O hidrópico, então, era uma pessoa repudiada e amaldiçoada socialmente. Existiam alguns meios para atenuar a dor do enfermo, porém estes estavam proibidos em dia de sábado. Como seria o sábado para estes enfermos!

  • A cura: (v.3-4) Então lhe tomou, lhe curou e lhe despediu“.

A obra de Jesus frente ao enfermo se realiza à sombra da suspeita: “estavam observando-o”.  Entende-se que era para ver se quebrava as normas sagradas do sábado, se sua misericórdia ia além da Lei de Deus. O sábado hebreu celebra o “descanso de Deus” (Gn 2,2) e medita, amplamente, sobre a plenitude que Deus concedeu a sua criação.

Tudo o que se faz em sábado deve ser à imagem de Deus. Sobre este pressuposto Jesus confronta seus adversários: “É lícito (segundo o querer de Deus) curar no sábado ou não?” (v.3). O silêncio do auditório manifesta que não querem comprometer-se com uma resposta que pode vir contra (v.4ª). Jesus realiza três ações:

(a) o “tomou, que indica que estendeu a mão para ajudá-lo;

(b) o “curou”, obra criadoramente nele; e

(c) o “despediu”, que na realidade é “desatar” (dar a liberdade).

O homem fica libertado por Jesus em todos os sentidos; o “desatar” evoca a ação pascal de Deus com seu povo, libertação que é, precisamente, o centro da celebração do sábado, plenitude da criação. Jesus trata, ao final, este homem, não como inválido, mas como homem capaz, autônomo e criativo, capaz de conduzir sua vida em sintonia com Deus e assumir uma responsabilidade missionária frente aos demais.

3. O sentido: (v.5-6) “Se algum de vós tem um filho ou um boi que cai num poço, não o tira logo, mesmo em dia de sábado?”

Jesus mesmo responde a pergunta. Seu raciocínio é tão lógico que seus adversários “não puderam replicar ”(v.6). Jesus evoca duas imagens fortes de auxilio que não trás esperança: a de um pai desesperado; e a do dono que corre por o boi que ara seu terreno.

Em ambos os casos Jesus se refere à situação dramática do “cair em um poço”. Nas palavras de Jesus fica claro que se não corre para um animal que lhe dá o sustento, e assim salva o bem-estar econômico da família, quanto mais o fará por um filho. O pai não só dá a vida ao filho, mas que o protege e lhe ajuda a desenvolvê-la. Da mesmo modo é Deus, que não só criou o homem, mas que vela por sua vida.

A misericórdia de Jesus é a prontidão de Deus que não suporta o sofrimento de seus filhos e que vem a estender-lhe a mão para “tirá-lo” (êxodo) de sua situação. Porém, a misericórdia de Jesus deve ser compartilhada por aqueles que o rodeiam.

O Deus da criação e da páscoa pede uma comunidade que saiba viver, a fundo, o “sábado” criador e pascal. Nas mãos daquela comunidade reunida em um banquete festivo havia uma grande tarefa. O silencio dos fariseus foi bem significativo.

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