LECTIO DIVIANA na 3ª semana da Páscoa ano 2020

 

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Domingo dia 26 de Abril de 2020

Lucas 24,13-35 (Os dois discípulos de Emaús) – Nesta aparição do Ressuscitado, Lucas põe de re­levo um traço fundamental: a importância que tem a Sagrada Escritura para encontrar, de verdade, a Cristo ressuscitado. Para intuir seu mistério é preciso recordar e crer na Palavra (vv. 25-27. 32; cf. vv. 6b. 44s), visto que nela foi revelado o desígnio divino, que Cristo devia cumprir, através do sofrimento e da morte, para entrar na glória (v. 26). Desta maneira, realiza, além de toda mesura, a esperança de redenção, alimentada por toda a humanidade (v. 21). Jesus, o desconhecido companheiro de caminho, explica as Escrituras a quem se põe à escuta com um vivo interesse (v. 29a). Ao longo do caminho se produz, assim, a passagem, da tristeza desalentada (v. 17b), para a alegria que torna ardente o coração (v. 32), até que chegam ao reconhecimento do Ressuscitado, através de um gesto tão cotidiano quanto significativo: a fração do pão (vv. 30.35). O modo de realizar certos gestos revela, com efeito, a identidade de quem os faz. Por isso, desaparece o pere­grino. Sem dúvida, agora deixou de ser um desconhecido: é o Senhor, o Mestre, o Pão vivo sempre presente em meio dos seus; estes, por sua vez, de simples viajantes, se tornam testemunhas, missionários, adoradores, em espírito e em verdade. Não será inútil sublinhar, que toda celebração eucarís­tica torna a propor o mesmo caminho dos discípulos de Emaús: desde os ritos iniciais, passando pela escuta da Palavra e a liturgia eucarística, até a, despedida final, se leva por obra da graça, um encontro, cada vez mais profundo e real, com Jesus crucificado e ressuscitado.

 

 

Atos 2,14a.22-33 (Discurso de Pedro à multidão) – A descida do Espírito Santo em Pentecostes transforma os apóstolos em homens novos, em testemunhos ardentes e entusiasmados do Ressuscitado, conscientes de que, agora, se realiza a promessa escatológica de Deus (cf. At 2,16-21), mediante a qual entramos «nos últimos tempos». A mudança acontecida no grupo dos discípulos está bem atestada no primeiro discurso de Pedro, referido nos Atos dos Apóstolos. Se bem que o autor do texto sagrado tenha retocado a forma e a estrutura, o conteúdo originário emerge de modo inconfundível. Os vv.22-24, protótipo do kerigma apostólico, contêm expressões próprias da cristologia mais antiga: fala-se, nela, de Jesus, como do «homem a quem Deus creditou»; mostra-se que a cruz, que escandalizou a todos os apóstolos, fazia parte de um sábio designo de Deus, o qual entregou seu Filho único aos homens por amor. Todos são responsáveis do acontecido “Vós o matastes. Deus, sem dúvida, o ressuscitou…” (vv.23s). Ao kerigma segue o testemunho das Escrituras que, só à luz do mistério pascal, são plenamente compreensíveis. Por isso, explica Pedro o Salmo 15 (vv.25-31), que encontrou em Cristo sua plena realização: ele é o Messias, e sua alma não foi deixada no abismo nem conheceu a corrupção, mas foi cumulado de gozo na presença do Pai. Os apóstolos, em virtude do Espírito Santo derramado sobre eles, são testemunhas da ressurreição de Cristo e a anunciam, com claridade, a todo Israel e até os confins da terra.

 

1 Pe 1,17-21 (Requisitos da vida nova. Santidade do neófito) – Em sua exortação, a primeira carta de Pedro conduz os fieis à contemplar a graça da regeneração, le­vada pelo Pai, através de Cristo, no Espí­rito Santo (vv.3-5.10-12). Por isso se detém a considerar de forma concreta que significa viver da fé, oferecendo uma cha­ve de interpretação cristã do mistério do sofri­mento, o qual é considerado como prova purificadora e como participação nos sofrimentos de Cristo (vv.6-9). So­bre este sólido fundamento pode mostrar o apóstolo, portanto, as exigências da vida cristã, uma vida que é um caminho de santificação e configuração com Cristo (vv.13-16; cf. Lv 19,2). Estas não se reduzem a práticas exteriores, mas é uma atitude interior que determina toda a orientação da existência. Por meio do batismo nos convertemos em filhos de Deus e recebemos o privilégio de chamar «Pai» ao justo Juiz de todos os seres vivos. A consciência de semelhante dignidade enche os cristãos de «santo temor», ter­mo que não significa, na Bíblia, «medo», mas amor cheio de veneração e impregnado do sentido da própria pequenez e indignidade. Com efeito, a graça recebida custou um preço muito elevado ao próprio Cristo, o verdadeiro Cordeiro, cujo sangue livrou a humanidade da escravidão do pecado e da mor­te eterna (cf. Ex 12,23). A nova relação de parentes­co com o Senhor faz, certamente, com que a vida sobre a terra seja tomada como peregrinação, enquanto que a verdadeira pátria é o céu (v.17). Neste sulco se levou em plenitude, o desígnio de Deus. Jesus, com sua ressurreição, inaugurou os «últimos tem­pos», caracterizados pela tensão entre o cotidiano e o alto. Esta tensão deve ser sustentada, constantemente, por uma vida de fé e de esperança (v.21) e pela memória viva de tudo o que o Senhor realizou para nossa salvação.

 

Sl 15/16 (Iahweh, minha parte na herança) – Ninguém pode ficar sem senhor. Ou seguimos o Deus vivo e verdadeiro de Abraão, Isaac, Jacó, Jesus, Maria, dos apóstolos e também de todos nós, ou continuaremos a inventar “ídolos” fugazes que nada sabem: espiritismo, fitinhas, Nova Era, duendes… Não devemos vender nossa alma à idolatria, mas ser cada vez mais fiéis ao Deus vivo e verdadeiro. Idolatria e fé não combinam.

Senhor, liberta o meu coração da sedução dos ídolos. Que eu seja um adorador em espírito e verdade e que o meu coração seja o teu verdadeiro templo santo, onde possa te adorar em todos os dias da minha vida. Que eu nunca oferte nada aos ídolos, mas somente a ti, Deus vivo e amado. Amém.

 

MEDITATIO: O reconhecimento de Jesus ressuscitado tem lugar em um instante, mediante uma intuição resplandecente; a seguir, tudo volta à normalidade. Assim foi, também, com os discípulos de Emaús. Após aquele instante intuitivo e aquele olhar que penetrou além do véu da carne, desaparece Jesus, e tudo volta a ser, aparentemente, como antes: a pousada, a mesa, o pão, os companheiros. Tudo igual, mas, sem dúvida, tudo agora é diferente. Trata-se de uma experiência indizível. Também, hoje, todas as pessoas e todas as coisas, nos reservam surpresas, porque, em todas elas, podemos encontrar Jesus. Ser cristão significa viver em meio de um estupor sempre renovado, em um estado de contínua espera de surpresas. Cada momento pode ser o da revelação do mistério, porque nossa vida está, agora, ligada, indissoluvelmente, a Jesus, invisível aos olhos, porém, realmente presente entre nós. Toda realidade é epifania de sua presença como «Emanuel». A nós, corresponde purificar, continuamente, nosso olhar, na adoração, para poder vislumbrá-lo na trama dos acontecimentos mais pobres e cotidianos. É Ele, sempre Ele, o que vem a nós através de tudo aquilo que acolhemos com fé.

ORATIO: Fica conosco Senhor, porque sem ti nosso caminho ficaria mergulhado na noite. Fica conosco, Senhor Jesus, para levar-nos pelos caminhos da esperança que não morre, para alimentar-nos com o pão dos fortes que é tua Palavra. Fica conosco, até a última noite, quando fechados nossos olhos, voltaremos a abri-los ante teu ros­to transfigurado pela glória, e nos encontremos entre os braços do Pai no Reino do divino esplendor.

 

CONTEMPLATIO: Dois discípulos de Jesus se dirigem caminhando para o povoado de Emaús. Ó alma pecadora, detém-te um momento a considerar, com atenção, os distintos aspectos da bondade e da benevolência de teu Senhor. Em pri­meiro lugar, o fato de que seu ardente amor não lhe permita deixar seus discípulos vagar em meio da desorientação e da tristeza. O Senhor é, em verdade, um amigo fiel e um amoroso companheiro de caminho. E olha a humildade com que acompanha a estes dois: vai com seus discípulos como se fosse um deles, quando, na realidade, é o Senhor de todos. Não te dá, acaso, a im­pressão de ter voltado à substância mesma da hu­mildade? Serve-nos de modelo para que nós façamos outros tantos. Observa, ó alma cristã, como teu Senhor realiza o gesto de prosseguir mais além, com o objetivo de fazer-se desejar mais, de fazer-se convidar e de ficar como hóspede deles; e, depois, aceita, efetivamente, entrar na casa, toma o pão, o bendiz, parte-o com suas santas mãos e o dá, fazendo-se, assim, reconhecer. Mas, por que se comportou desse modo? O fez para fazer-nos compreender que devemos praticar as obras de misericórdia e a hospitali­dade, isto é, para dizer-nos que não devemos ler e escutar a Palavra de Deus se depois não a levamos a pratica (anônimo franciscano do séc XIII, Meditazione sulla vila di Cristo).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Fica conosco, Senhor» (Lc 24,29)

 

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Enquanto os dois viajantes se encontram a caminho de sua casa chorando o que perderam, Jesus se acerca e caminha com eles, mas seus olhos são incapazes de reconhecê-lo. Então, já não são dois, mas três que caminham e tudo fica diferente. O desconhecido começa a falar, e suas palavras desperta grande atenção. O que confundira até um momento atrás começava a apresentar horizontes novos; o que parecera tão deprimente, começava a fazer-se sentir como libertador; o que supunha tão triste, começava a tomar o aspecto da alegria. Aos poucos compreenderam que sua pequena vida não era, depois do tudo, tão pequena como pensavam, mas parte de um grande mistério que não só abarcava várias gerações, mas que se estendia pela eternidade. O desconhecido não disse que não havia motivo de tristeza, mas que sua tristeza fazia parte de uma tristeza mais ampla, na qual estava escondida a alegria. O desconhecido não disse que a morte que estavam chorando não era real, mas que se tratava duma morte que inaugurava uma vida verdadeira. O desconhecido não disse que não haviam perdido um amigo que os havia dado novo valor e nova esperança, mas que esta perda havia criado um caminho para uma relação que haveria ido muito além que qualquer amizade. O desconhecido não tinha o menor medo de derrubar suas defesas e de levá-los mais além de sua estreiteza de mente e de coração. Teve que chamá-los tontos para fazê-los ver. Em que consiste o desafio? Em ter confiança. Alguém tem que abrir-nos os olhos e os ouvidos para ajudar-nos a descobrir que há mais além de nossa percepção. Alguém deve fazer arder nossos corações (H.J.M. Ñouwen).

 

 

 

SEGUNDA-FEIRA, 27 de abril de 2020 – 3ª SEMANA DA PÁSCOA – ANO A

João 6,22-29 (A Páscoa do Pão da Vida; o Discurso na sinagoga de Cafarnaum) Após a multiplicação dos pães, João alude à busca de Jesus por parte da multidão. O encontram em Cafarnaum e dirigem ao Mestre uma pergunta para satisfazer sua própria curiosidade: “Mestre, quando chegastes aqui?” (v.25). Jesus não responde a pergunta, mas revela à multidão as reais intenções que os impulsionam a buscá-lo e, com isso, desmascara a mentalidade materialista das pessoas (v.26). Na realidade, toda essa gente segue Jesus pelo pão, sem compreender o sinal realizado pelo Profeta. Buscam mais as vantagens materiais e passageiras que as ocasiões de responder e amar. Ante esta cegueira espiritual, Jesus proclama a diferença entre o pão material e corruptível e «o permanente, o que dá a vida eterna» (v.27). Jesus convida a multidão a superar o estreito horizonte em que vive e passar ao da fé e do Espírito, ao qual só sua pessoa (Jesus) lhes pode introduzir. Ele possui o selo de Deus, que é o Espírito e o dinamismo divino do amor. Os interlocutores de Jesus lhe perguntam agora: “Que devemos fazer para agir como Deus quer?” (v.28). Um novo equívoco. A multidão pensa que Deus exige a observação de novos preceitos e de outras obras. Mas o que Jesus exige deles é uma só coisa: a adesão ao plano de Deus: «Que creiais naquele que Ele enviou» (v.29). Tem que cumprir uma só coisa: deixar-se implicar por Deus e aderir, com fé, à pessoa de Jesus. É a abertura à fé, que oferece um pão inesgotável, o qual dá a vida, para sempre, ao ‘homem que aceita ser libertado das trevas.

 

 

 

At 6,8-15 (Prisão de Estevão) – Entra Estevão em cena. É apresentado com as mesmas características que os apóstolos: «Cheio de graça e de poder, fazia grandes sinais e prodígios». As palavras de Estevão estão unidas à «sabedoria» e ao “Espírito»: Estevão, como os apóstolos, está completamente imerso no plano de Deus, o conhece, recebe a força do Espírito Santo para testemunhá-lo e anunciá-lo. Possui uma personalidade humana de grande relevo e uma consistência «espiritual». Sua pregação provoca, de imediato, um conflito e, paradoxalmente, com os judeus mais abertos. Lucas se refere à sinagoga chamada «dos li­bertos», quer dizer, os descendentes daqueles que, le­vados a Roma como escravos por Pompeu (63 a.C.), haviam sido libertados e haviam se instalado em um bairro da cidade. Em torno deles se reuniam, provavelmente, judeus de diferentes procedências. Pois bem, também para eles a pregação de Estevão era muito radical: Estevão ataca o templo e as tradições mo­saicas. Em consequência, as acusações dirigidas a ele não carecem de fundamento por completo. Os olhos que se fixam nele, com hostilidade, estão obrigados a vislumbrar, nos dele, entretanto, um esplendor particular, o de um anjo que expressa a presença de Deus, algo semelhante ao rosto de Moisés quando desceu, resplandecente, do Sinai, após ter se encontrado com Deus. Lucas apresenta outro traço de Estevão: é um testemunho escolhido, por Deus, para dar a conhecer sua vontade.

 

Salmo 118/119 (Elogio da lei divina)Esta é uma oração sem fim. Provavelmente é obra não só de uma pessoa, mas de várias, que elogiam por meio de muitos artifícios literários a Palavra de Deus, a lei do Senhor, como fundamento de todo o agir humano. É um Salmo belíssimo que deve ser “saboreado” lentamente, um versículo por dia. Assim, teremos por mais de meio ano assegurado a nossa meditação. Deus se comunica conosco não para nos oprimir ou dominar, mas para ensinar-nos os caminhos mais fáceis da felicidade. Felizes os que vivem a Palavra de Deus e a ensina aos outros. Medite dia a dia este Salmo e sua vida, sem dúvida, será diferente, sendo fortalecida não por palavras humanas, mas pela Palavra de Deus.

Senhor, não quero fugir de tua Palavra nem desprezá-la. Quero amá-la como Lâmpada para os meus pés e luz no meu caminho. “Lâmpada para meus passos é tua palavra e luz no meu caminho. Jurei, e o confirmo guardar tuas justas normas. Meu sofrimento passa dos limites, Senhor, dá-me vida segundo tua palavra. Senhor, aceita as ofertas dos meus lábios, ensina-me tuas normas. Minha vida está sempre em perigo, mas não esqueço a tua lei. Os ímpios me armaram laços, mas não me desviei de teus preceitos. Minha herança para sempre são teus testemunhos, são esses a alegria do meu coração. Inclinei meu coração a cumprir teus estatutos, desde agora e para sempre” (Sl 119, 105-112). Amém.

 

 

 

MEDITATIO: Estevão é o primeiro apóstolo dos helenistas. Foi à primeira tentativa de aculturação, constituído por um decidido distanciamento a respeito do judaísmo tradicional. Mas não conseguiu seu objetivo. Também há conservadores entre os proceden­tes da diáspora, talvez, inclusive, mais que entre os próprios judeus palestinenses. Provavelmente se deve­sse à necessidade de defender sua própria identidade. A primeira aproximação ao mundo judeu de língua e cultura grega é rejeitada também pelos notáveis. Estevão segue, assim, o destino de Jesus: é rejeitado. Parece que o preço que há que pagar para abrir novos caminhos é ser incompreendido, mal entendido, rejeitado, caluniado e condenado. Sem dúvida, também, é verdade que, do martírio de Estevão resultam frutos copiosos, a partir dos gregos: e não só dos judeus de língua grega, mas de toda a cultura grega. Estevão é um provocador, e, por isso, se mete no caminho do martírio, como acontece em toda sociedade intolerante. Mas, sua provocação procede de uma sabedoria superior, é fruto de uma peculiar com­preensão do plano de Deus. Este plano previa que o Evangelho fosse anunciado, não só em Jerusalém, mas «até os confins da terra». O Espírito se serve do caráter entusiasta e «belicoso» de Estevão para agitar o ambiente: Estevão morre, porém a causa do Evangelho percorrerá o mundo.

 

ORATIO: Ó Senhor, temos necessidade de testemunhos como Estevão. De anunciadores «imprudentes» como ele, que agitam os adversários e os amigos, dentro e fora de nossos círculos. Temos necessidade de profetas «incômodos», como se dizia há alguns anos, para difundir a Boa Nova. De homens e mulheres que não tenham medo de fazer frente às incompreensões e mal-entendi­dos por causa de teu nome. Temos necessidade de pesso­as que sejam capazes de percorrer novos caminhos e não tenham medo de não ser compreendidos. Ó Senhor, dai-nos estes testemunhos fortes e animosos. Não permitais que cheguemos até o ponto de não compreendê-los e, inclusive, afastá-los, caluniá-los, contribuindo, com nossa incompreensão, para marginalizá-los e, não permitas, para condená-los.

 

CONTEMPLATIO: … é mandamento do Salva­dor que não pensemos só em nós mesmos, mas também no próximo. Considera a dignidade, à qual se eleva o que toma, seriamente, a peito a salvação de seu irmão. Este homem, na medida em que isso é possível ao homem, imita ao próprio Deus. De fato, escuta o que nos disse pela boca de seu profeta: «Quem disser de um injusto, um justo será como minha boca». A saber: quem se aplica a salvar a seu irmão caído na negligência e tenta arrancá-lo do laço do diabo, enquanto é possível ao homem, imita a Deus. (Existe, acaso, alguma ação que possa comparar-se a esta?) Esta é a maior entre todas as obras boas. É o cume de toda virtude. E é natural que assim seja. Porque, se Cristo derramou seu sangue por nossa sal­vação, (não é justo que cada um de nós ofereça, pelo menos, o alento de sua palavra e estenda uma mão a quem, por negligência, tem caído nos laços do diabo?) (João Crisóstomo, Catequesis batismal, VI, 18-20).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Teus mandatos são minha delícia» (cf. Sl 118,14)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Devemos dar um tom de valentia à nossa vida cristã, tanto à privada como à pública, para não nos converter-nos em seres insignificantes no plano espiritual e, inclusive, em cúmplices do afundamento geral. Acaso não buscamos de maneira ilegítima, em nossa liberdade pessoal, um pretexto para deixar-nos impor pelos outros o jugo de opiniões inaceitáveis? Só são livres os seres que se movem por si mesmos, nos disse São Tomás. O único que nos ata interiormente de maneira legítima é a verdade. Esta fará de nós homens livres (cf.Jo 8,32). A atual tendência a suprimir todo esforço moral e pessoal não leva, portanto, a um autêntico progresso verdadeiramente humano. A cruz se ergue sempre ante nós. E nos chama ao vigor moral, à força do espírito, ao sacrifício (cf. Jo 12,25) que nos faz semelhantes a Cristo e pode salvar-nos, tanto a nós como ao mundo (Paulo VI, Audiência geral de 21 de março de 1975).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

TERÇA-FEIRA, 28 de abril de 2020 – 3ª SEMANA DA PÁSCOA – ANO A

João 6,30-35 (Páscoa do Pão da Vida; Discurso na sinagoga de Cafarnaum)A multidão, apesar das variadas provas dadas por Jesus no texto anterior, não se mostra satisfeita ainda, nem com seus sinais, nem com suas palavras; e pede-lhe mais garantias para poder crer (v.30). O milagre dos pães não é suficiente; querem um sinal particu­lar e mais ruidoso que todos que já tem feito. A multidão tem uma concepção de «sinal» diferente de Jesus. O Mestre exige uma fé sem condições em sua obra; as multidões, ao contrário, fundamentam sua fé em milagres extraordinários, que verão com seus próprios olhos. Encontramo-nos, aqui, frente a um texto que manifes­ta uma viva controvérsia surgida nos tempos do evange­lista entre a Sinagoga e a Igreja em torno da missão de Jesus. Este não se deixou levar por sonhos humanos, nem se fez forte nos milagres, mas buscou só a vontade do Pai. A multidão quer o novo milagre do maná (cf. Sl 78,24) para reconhecer o verdadeiro pro­feta escatológico dos tempos messiânicos. Porém, Jesus, na realidade, lhes dá o verdadeiro maná, porque seu alimen­to é muito superior ao que os pais comeram no de­serto: ele dá, a todos, a vida eterna. Mas só quem tem fé pode recebê-la como dom. O verdadeiro alimen­to não está no dom de Moisés nem na Lei, como pensavam os interlocutores de Jesus, mas no dom do Filho que o Pai oferta aos homens, pois Ele é o verdadeiro «pão de Deus que vem do céu» (v.33). Em um determinado momento, a multidão dá a impressão de ter compreendido: «Senhor, dai-nos sempre desse Pão» (v.34). Mas, na verdade, a multidão não compreende o valor do que pedem e anda longe da verdadeira fé. Então Jesus, excluindo qualquer equívoco, afirma: «Eu sou o pão da vida; o que vem a mim não voltará a ter fome» (v.35). Ele é o dom do amor, feito, pelo Pai, a cada homem. Ele é a Palavra que devemos crer. Quem adere a Ele, dá sentido a sua própria vida e alcança sua própria felicidade.­

 

 

At 7,51–8,1a (Apedrejamento de Estevão. Saulo perseguidor)Primeiro quadro: recolhe a parte conclusiva do dis­curso de Estevão, um discurso duríssimo. Nele, lê a his­tória de Israel como a história de um povo de dura cerviz, de coração e de ouvidos incircuncisos, sempre opostos ao Espírito Santo. Enquanto Pedro, em seus discursos tenta desculpar, de algum modo, a seus interlocuto­res quase se maravilhando do erro fatal da condenação de Jesus à morte, Estevão afirma, por sua vez, que não podiam deixar de condenar Jesus, já que sempre perseguiram os profetas enviados por Deus. Trata-se de uma leitura, extremadamente negativa, de toda a história de Israel. Uma leitura que não podia deixar de suscitar uma reação violenta. Segundo quadro: o martírio de Estevão. Este, frente ao furor da assembleia, que está fora de si, aparece, agora, situado muito além e muito acima de tudo e de todos, em um lugar onde contempla a glória de Deus e Jesus ressuscitado, de pé, à direita do Pai. O primeiro mártir se dirige sereno ao encontro da morte, gozando do fruto da morte solitária de Jesus. Este agora, Senhor glorioso, anima seus testemunhos, mostrando-lhes “os céus abertos», que se oferecem como meta glorio­sa, agora próxima. Morre, sereno e tranquilo confiando seu espírito ao Senhor Jesus, do mesmo modo que este o havia confiado ao Pai. A lapidação, que acontecia fora da cidade, era a sorte reservada aos blasfemos: Estevão não tem medo de proclamar a divindade de Jesus e, neste clima inflamado, deve morrer. Saulo, o que haveria de prosseguir a obra inovadora de Estevão, estendendo-a aos pagãos, está ali, e de acordo com este assassinato.

 

Sl 30/31 (Súplica na provação) Jesus conheceu esse Salmo e o rezou no alto da cruz, quando estava prestes a morrer. Não devemos nunca nos esquecer disso, pois hoje são as mesmas palavras que elevamos ao Senhor. Trata-se de um Salmo bastante longo e ponto referencial de toda a nossa história. Nele aparecem muitas referências a várias etapas da vida: momentos de alegria, tristeza, abandono de todos e solidão… Mas mesmo enfrentando todas essas situações, sabemos que Deus virá em nossa ajuda e socorro.

Senhor, não somente no momento da morte quero entregar a minha vida nas tuas mãos, mas em cada instante quero ser nas tuas mãos como o barro dócil nas mãos do oleiro. Forma-me, Senhor, ajuda-me e mostra o caminho que devo seguir. Que em cada circunstância da vida eu seja dócil e nunca me rebele contra a tua vontade, mesmo quando ela me parecer dura e incompreensível.

 

MEDITATIO: Estevão traz o encanto do testemunho valente e intrépido, um testemunho que desafia os adversários, que não lhes adula, que não tenta defender-se, mas que proclama com uma lucidez impressionante sua própria fé. Tampouco, usa de diplomacia, e o faz de propósito. É possível que queira despertar e agitar à própria comunidade cristã, que, atemorizada pelas primeiras perseguições, corria o risco de converter-se em uma seita judia, por amor à vida tranquila ou pela necessidade de sobreviver. Estevão vê, também, o perigo que ronda uma jovem comunidade cristã de olhar mais o passado que o futuro, o perigo que ronda uma Igreja mais por continuar a tradição que pela novidade cristã. O diácono aparece como alguém que preocupado compreendeu a fundo o alcance da novidade cristã; a ruptura que implicava a fé em Cristo com respeito à tradição caduca; a necessidade de não deixar-se aprisionar pelos condicionamentos de nenhum tipo. Será Saulo seu continuador na afirmação da «diversidade» cristã, na acentuação das peculiaridades da nova fé, no correr os riscos que trazia consigo a ruptura com o passado. Estevão não está disposto a transigir nem a ficar só em compromissos… Sua sacudida foi benéfica, inclusive acima do esperado. Não se vive só de mediações, mas, especialmente, em determinados momentos decisivos, são necessárias às posições claras. Estevão é o protótipo da parresia cristã, sempre necessária, inclusive para evitar os riscos do conformismo.

 

ORATIO: Senhor meu, quanto me perturba hoje Estevão. Como é que hoje me parece excessivo, exagerado, indelicado? Não será que sou eu moderado, delicado, equilibrado demais? Devo confessá-lo: já não estou tão acostumado a ver tamanha segurança e capacidade de desafio. Por isso devo pedir-te, hoje, que me concedas um suplemento de teu Espírito, para que compreenda a figura de Estevão, para que, também eu, possa ter, ao menos um pouco, de sua valentia, para proclamar-te como meu Senhor; para não ter medo de dizer, em voz alta, que minhas opções estão apoiadas nos «céus abertos» porque te contemplo como Ressuscitado, glorioso à direita do Pai; para ter o atrevimento de desafiar aos que queiram apagar as pegadas de tua presença; para ter a luz que necessito para fazer uma leitura da história e dos acontecimentos humanos de um modo não convencional. Senhor, quão tímida é minha fé, quando a comparo com a de Estevão. Quão frágil é meu caminhar. Quantas vezes eu sinto a tentação de acusar de intransigência qualquer atitude de firmeza. Ajuda-me a não ficar prisioneiro de meu viver tranquilo. Ajuda-me a discernir. Ajuda-me a não desertar da tarefa de ser teu testemunho.

 

CONTEMPLATIO – São os céus abertos os que iluminam meu caminho. Contemplando estes céus luminosos é como tenho coragem para atravessar as trevas, para não deixar-me atemori­zar pelas vozes, para não deixar-me intimidar pela al­tíssima gritaria do mundo; para não deixar cair os braços frente a quem «tapa os ouvidos» para não escutar-me; para não desistir quando todos se precipitam contra mim. Esses céus abertos são minha meta e meu gozo. Sei que devo atravessar a aspereza e a obscuridade para che­gar a esses. Devo mantê-los de maneira constante ante meus olhos: céus abertos; céus acolhedores; céus habitados; céus, pátria do Ressuscitado e dos ressuscitados, meus céus.

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Vejo os céus abertos» (Atos 7,56)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Edith Stein, enviada ao campo de concentração, escrevia em agosto do ano de 1942: “Sou feliz por tudo. Só podemos dar nossa aquiescência à ciência da cruz experimentando-a até o final. Repito em meu coração: ‘Ave crux, spes unica’ (Salve, ó cruz, única esperança)”. E lemos em seu testamento: “Desde agora aceito a morte que Deus predispôs para mim, em aceitação perfeita de sua santíssima vontade, com alegria. Peço ao Senhor que aceite minha vida e minha morte para sua glória e louvor, por todas as necessidades da Igreja, para que o Senhor seja aceito pelos seus e para que venha seu Reino com glória, para a salvação da Alemanha e pela paz do mundo. E por último, também por meus parentes, vivos e defuntos e por todos aqueles que Deus me tem dado: que nenhum se perca”. Edith estava preparada: “Deus fazia pesar de novo sua mão sobre seu povo: o destino de meu povo era o meu”.

 

 

 

QUARTA-FEIRA, 29 de abril de 2020 – 3ª SEMANA DA PÁSCOA – ANO A

João 6,35-40 (Páscoa do Pão da Vida; Discurso na sinagoga de Cafarnaum)A multidão tem visto e escutado a palavra de Jesus no texto precedente, mas não reconhece nele o Filho de Deus descido do céu, como o maná do deserto. Então denuncia Jesus, com amargura, esta difundida incredulidade dos judeus (v.36), apesar de que a iniciativa amorosa do Pai se sirva da obra do Filho para dar-lhes a salvação e a Vida (cf.Jo 3,14s;4,14.50;5,21.25s). A Igreja primitiva era consciente deste conflito com a Sinagoga e, através do evangelista, expressa seu profundo vínculo com o Mestre, sublinhando que o desígnio de Deus se realiza mediante a acolhida que todo crente reserva a Jesus. Ele tomou a carne humana não para fazer sua própria vontade, mas a vontade daquele que lhe enviou. O plano de Deus é um plano de salvação, e o Pai, confiando-o ao Filho, proclama que os homens se salvam em Jesus, sem que se perda nenhum. Mais ainda, aqueles que foram confiados, pelo Pai, ao Filho, quer que os «ressuscite no último dia» (v.39). A expressão «último dia» tem um significado preciso em João: é o dia em que termina a criação do homem e tem lugar a morte de Jesus, é o dia do triunfo final do Filho sobre a morte; nele, todos poderão provar «a água do Espírito» que será entregue à humanidade. Nesse dia, Jesus dará cumprimento à sua missão, me­diante a ressurreição, e dará a vida definitiva. Esta úl­tima tem seu começo aqui, na fé, e sua plena realização na ressurreição ao final dos tempos. Os que creem em Jesus não experimentarão a morte, mas desfrutarão uma vida imortal.

 

 

 

 

Atos 8,1b-8 (Apedrejamento de Estevão. Saulo perseguidor) – Encontramo-nos aqui em presença de outro giro decisivo na história da frágil comunidade cristã: sua difusão fora dos muros de Jerusalém. Passa-se da perseguição à dispersão e da dispersão à difusão da Palavra. São os helenistas, os seguidores de Estevão, quem recebem os golpes. Têm que fugir e dispersar-se pelas regiões da Judeia e Samaria. Com isso inicia a carreira da Palavra pelo mundo, «até os confins da terra». Está também presente o contraste entre a «grande dor» pela morte de Estevão e a «grande alegria» pela ação de Felipe, outro dos Sete. Saulo «se enfurecia contra a Igreja», mas esta se expande exatamente entre os que estão à margem do judaísmo: a saída de Jerusalém é um fato não só geográfico, mas também cultural. Cristo é pregado também aos samaritanos. O frag­mento dá a impressão de que ocorreu um novo Pentecostes, uma nova primavera da Igreja, depois da que teve lugar em Jerusalém, se produz entre os pagãos. O conjunto vai acompanhado de poderosos gestos de libertação: é um mundo que se renova ao contato com a difusão da Palavra.

 

 

Salmo 65/66 (Ação de graças pública)O cântico une de maneira harmoniosa o louvor solene com a ação de graças oferecida por todas as bênçãos recebidas de Deus. É possível perceber que o orante é chefe de uma comunidade e convoca a todos para deixar de lado qualquer forma de egocentrismo, abandonando os próprios e pequenos problemas, e para dirigir toda a atenção ao louvor de Deus. A comunidade, livre de sofrimento e dificuldades graças à intercessão de Deus, agradece a Ele por todas às bênçãos. A alma humana foi criada para agradar e louvar; o olhar atento de Deus contempla com prazer as ofertas a Ele concedidas. Jesus, que se sacrificou por nós, levou consigo os nossos pecados. Somos livres para adorá-lo!

Senhor, quero me colocar diante de ti com humildade e confiança e agradecer pela tua presença na minha vida, na minha família, no meu trabalho. Quero ser sempre para todas as pessoas um sinal vivo e verdadeiro do teu amor. Quero que outros consigam ver a fé em minha vida e o amor com que te amo. Senhor, como é bom ver em todas as obras a tua presença de Pai, que cuida de cada um que avança no deserto da vida. Não estamos sozinhos nem com medo, pois sabemos que tu caminhas conosco e nos protege durante o dia com a nuvem do calor do deserto e durante a noite com a chama viva do teu amor, indicando-nos o caminho a seguir. A chuva da graça é derramada sobre nós e o nosso coração abre-se ao teu amor e se faz generoso e solícito em tudo. Tu estás sempre do lado dos pobres e os ama e cuida deles. Sou o teu pobre. Senhor, estou carente de teu amor. Cuida de mim. Amém.

 

 

MEDITATIO: O texto dos Atos dos Apóstolos mostra claramente que uma das causas da difusão do Evangelho através do mundo é a perseguição. São objeto da mesma, os irredutíveis, os «extremistas» companheiros de Estevão, os quais não acei­tavam acordo com o judaísmo. Os apóstolos se livram agora, possivelmente porque, ainda confiam em encontrar uma solução para os delicados problemas expostos com a tradição judia. A perseguição tem ajudado à Igreja a não dormir e a encontrar ou reen­contrar suas próprias raízes missionárias. Esta foi, depois, o segredo de sua perene juventude. A Revolução Francesa, por exemplo, criou uma forte prova para a Igreja, porém lhe fez sair da tormenta, mais fortalecida e mais disposta a empreender seu itinerá­rio missionário pelo mundo. Quando existe o perigo de nos instalar-nos comodamen­te em um lugar, quando existe a tentação de considerar-­nos integrados em um contexto social, quando estamos muito tranquilos, então é quando intervêm o Espírito Santo para dar o alerta através de diversas provas, a mais terrível das quais – ainda que, talvez, também, a mais eficaz – é a perseguição. Esta última dá frutos quando a Igreja está viva, como no caso da comu­nidade de Jerusalém. A Palavra se difunde para que os que estão dispersos fiquem impregnados da novidade cristã, da surpreendente realidade da salvação na qual se sentiam implicados e corresponsáveis. Por isso pode proceder da dor à alegria, da diáspora ao crescimento, da morte de Estevão a multiplicação dos apóstolos.

 

ORATIO: Esta Palavra, Senhor, me perturba uma vez mais, porque me parece que tu preferes mais os meios rápidos para alcançar teus fins. Querias fazer sair a alegre mensagem de Jerusalém, e surge uma violenta perseguição. Sinto-me perturbado, confesso. É que me agrada evitar as desgraças e viver em paz. Em minha paz, que não é exa­tamente a tua. Com minha paz não cresce a alegria no mundo; com teu dinamismo, produzido de uma maneira, frequentemente desagradável para mim, cresce, ao contrário, a alegria nos que estão fora de meus interesses. Senhor eu estou perturbado, sobretudo, porque esta tua Palavra me disse que eu deveria estar alegre nas persegu­ições, que deveria pedir-te quando me encontro muito bem e quando me sinto satisfeito do que faço e do que me rodeia. Porém, te confesso que me fal­ta coragem. Contudo, tem algo que devo pedir-te para não morrer de vergonha: que, frente às possíveis perseguições, possam ver meus olhos, pelo menos que estas têm um sentido para ti e para tua Igreja. E, portanto, também para mim, como viu Saulo o martírio de Estevão.

 

CONTEMPLATIO: Jesus convidava [com suas palavras] aos judeus para que tivessem fé, enquanto eles buscavam sinais para crer. Sabiam que haviam sido saciados com cinco pães, porém, preferiam o maná do céu e não outro alimento. Sem dúvida, o Senhor dizia que era muito superior a Moisés: este não havia se atrevido nunca a prometer o alimento «permanente, o que dá a vida eterna» (cf. Jo 6,27).  Jesus prometia algo mais que Moisés, o qual prometia encher o estômago aqui na terra, de um alimento que perece; Jesus prometia o «alimento permanente». O verdadeiro pão é o que dá a vida ao mundo. O maná era símbolo deste alimento, e todas essas coisas – disse o Senhor aos judeus – eram sinais que faziam referência a mim. Vós vos haveis apegado aos sinais que se refe­riam a mim, e rejeitais a mim, que sou aquele a quem se referiam os sinais. Não foi, portanto, Moisés o que deu o pão do céu: é Deus quem o dá (cf. Jo 6,32). Mas, que pão? Acaso o maná? Não, não o maná, mas o pão do qual era sinal o maná, ou seja, o Senhor Jesus. Porque «o pão de Deus vem do céu e dá a vida ao mundo» (Jo 6,33). (Santo Agostinho)

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Grandes são as obras do Senhor” (Sl 110,2)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Existe uma compenetração entre o sofrimento (chamemo-lo cruz, uma palavra que o resume e transfigura) e o compromisso apostólico, isto é, a construção da Igreja. Não é possível ser apóstolo sem carregar-se com a cruz. E se hoje se oferece o dever e a honra do apostolado a todos os cristãos de maneira indistinta, para que a vida cristã se revele hoje tal qual é, e deve ser, é sinal de que soou a hora para todo o povo de Deus: todos nós devemos ser apóstolos, todos nós devemos carregar-nos com a cruz. Para construir a Igreja é preciso esforçar-se, é preciso sofrer. Esta conclusão desconcerta certas concepções errôneas da vida cristã apresentada sob o aspecto da facilidade, da comodidade, do interesse temporal e pessoal, quando seu rosto tem que estar sempre marcado pelo sinal da cruz, pelo sinal do sacrifício suportado e realizado por amor: amor a Cristo e a Deus, amor ao próximo, perto ou afastado. E não é esta uma visão pessimista do cristianismo, mas uma visão realista. A Igreja deve ser um povo de fortes, um povo de testemunhos animados, um povo que sabe sofrer por sua fé e por sua difusão no mundo, em silêncio, de modo gratuito e com amor (Pablo VI, Audiencia general del 1 de septiembre de 1976).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

QUINTA-FEIRA, 30 de abril de 2020 – 3ª SEMANA DA PÁSCOA – ANO A

João 6,44-51 (A Páscoa do Pão da Vida; O Discurso na sinagoga de Cafarnaum)As anteriores revelações de Jesus sobre sua origem divina («Eu sou o pão da vida», v.35; «Eu desci­ do céu», v.38) haviam provocado desentendimento e protesto entre a multidão, que murmura e se torna hostil. É duro superar o obstáculo da origem humana de Cristo e reconhecê-lo como Deus (v.42). Jesus evita, então, uma inútil discussão com os judeus e lhes ajuda a refletir sobre a dureza de seu coração, anunciando as condições necessárias para crer nele. A primeira é ser atraídos pelo Pai (v.44), dom e manifestação do amor de Deus pela humanidade. Ninguém pode ir a Jesus se não é atraído pelo Pai. A segunda condição é a docilidade a Deus (v.45a). Os homens devem dar-se conta da ação salvífica de Deus com respeito ao mundo. A terceira condição é escutar ao Pai (v.45b). Do ensinamento interior do Pai e da vida de Jesus é de onde brota a fé obediente do crente na Palavra do Pai e do Filho. Escutar a Jesus significa ser ensinado pelo próprio Pai. Com a vinda de Jesus fica aberta a salvação a todo o mundo; mas a condição essencial que se requer é deixar-se atrair por Ele, escutando, com docilidade, a Palavra de vida. Aqui é onde o evangelista define a relação entre a fé e a vida eterna, princípio que resume toda regra para ascender a Jesus. Só o homem que vive em comunhão com Jesus se realiza e se abre a uma vida duradoura e feliz. Só quem come de Jesus-pão não morre. Jesus, pão da vida, dará a imortalidade a quem se alimenta dele; a quem, na fé, interioriza sua Palavra e assimila sua vida.

 

 

At 8,26-40 (Felipe batiza um eunuco) – Lucas prossegue sua esmerada apresentação da di­fusão do Evangelho a grupos cada vez mais afastados do judaísmo oficial. Após os samaritanos nos encontramos, agora, com um representante da diáspora, provavelmente, alguém que não era judeu, do ponto de vista étnico e que, sem dúvida, fazia parte da comunidade judia, na qualidade de «prosélito». Trata-se de um etíope; portanto, vem de longe e levará longe o Evangelho. É um eunuco, alguém que, para o Deuteronômio, não pode ser admitido na comunidade do Senhor, ainda que, para Isaías, já não será excluído. É um personagem influente e rico, visto que dispõe de meios para realizar uma longa viagem com todo seu equipamento e conta com a possibilidade de dispor de um custoso rolo manuscrito da Bíblia. A este personagem Deus lhe envia Filipe, através de seu anjo e, por meio do Espírito, lhe guia para a obra que deve realizar. Na ocasião se destaca a Sagrada Escritura, enquanto que a mediação é apostólica. A partir da profecia de Isaías sobre o Servo de Yahweh, Filipe leva sua missão salvífica de pregador do Evangelho, abrindo-lhe os olhos à inteligência plena da Escritura. O eunuco expõe, com claridade, a grande pergunta de sempre, desde as origens: “Rogo-te que me digas de quem disse isto o profeta, de si mesmo ou de algum outro?” Com a mediação eclesial e com a graça de Deus é possível dissipar a dúvida de quem, since­ramente, vai buscando a verdade. Ao dom da fé lhe segue o batismo e, de ambos, brota a salvação.

 

Sl 65/66 (Ação de graças pública) O cântico une de maneira harmoniosa o louvor solene com a ação de graças oferecida por todas as bênçãos recebidas de Deus. É possível perceber que o orante é chefe de uma comunidade e convoca a todos para deixar de lado qualquer forma de egocentrismo, abandonando os próprios e pequenos problemas, e para dirigir toda a atenção ao louvor de Deus. A comunidade, livre de sofrimento e dificuldades graças à intercessão de Deus, agradece a Ele por todas às bênçãos. A alma humana foi criada para agradar e louvar; o olhar atento de Deus contempla com prazer as ofertas a Ele concedidas. Jesus, que se sacrificou por nós, levou consigo os nossos pecados. Somos livres para adorá-lo!

Senhor, quero me colocar diante de ti com humildade e confiança e agradecer pela tua presença na minha vida, na minha família, no meu trabalho. Quero ser sempre para todas as pessoas um sinal vivo e verdadeiro do teu amor. Quero que outros consigam ver a fé em minha vida e o amor com que te amo. Senhor, como é bom ver em todas as obras a tua presença de Pai, que cuida de cada um que avança no deserto da vida. Não estamos sozinhos nem com medo, pois sabemos que tu caminhas conosco e nos protege durante o dia com a nuvem do calor do deserto e durante a noite com a chama viva do teu amor, indicando-nos o caminho a seguir. A chuva da graça é derramada sobre nós e o nosso coração abre-se ao teu amor e se faz generoso e solícito em tudo. Tu estás sempre do lado dos pobres e os ama e cuida deles. Sou o teu pobre. Senhor, estou carente de teu amor. Cuida de mim. Amém.

 

 

MEDITATIO: A evangelização é, sobretudo, obra divina, misteriosa, prodigiosa, por seus inícios e seus êxitos imprevisíveis. No texto dos Atos que lemos, por exemplo, nos encontramos muito longe de uma ação humana. É Deus que tem seu plano, um plano que temos de acolher. Filipe recebe a ordem de ir por um caminho que cruza pelo deserto, a pleno sol, exatamente para o sul. Para dizer a verdade, não parece uma boa premissa para a evangelização. Mas, é ai onde Deus planejou um encontro importante. Dele fez partir a tradição para a evangelização da África. O que parece­ decisivo aqui é a disponibilidade de Filipe, seu impulso evangelizador, que não perde nenhuma ocasião; sua capacidade para interpretar a Escritura. Em outras pala­vras: sua convencida entrega à causa do Evangelho e a sua «preparação». O resto fez o Espírito, que tornou possível o encontro e favoreceu a aproximação missionária. Talvez nos perguntemos hoje, com excessiva frequência, pelo futuro da missão, quando, na realidade, deveríamos perguntar-nos por nossa qualidade de evangelizadores, por nossa disponibilidade para ir a algum dos muitos «desertos» da cidade secular, a lugares onde parece inútil ir, porque são áridos, possivelmente, desesperadores. Sem dúvida, é possível que seja em algum destes lugares desertos que possam acontecer encontros decisivos. Depen­de do coração ardente do evangelizador, depende de sua capacidade para intuir a pergunta religiosa, uma pergunta que assume, às vezes, uma forma estranha. Em qual­quer lugar, inclusive no mais improvável, é possível encontrar uma pergunta e uma inquietude, às quais dá uma resposta, às vezes, rejeitada e, em alguma ocasião, acolhida como libertadora.

 

ORATIO: Peço-te, Senhor, ter mais confiança em teu Evangelho. Recordo ter sido vaiado, ridicularizado ou feito calar, muitas vezes, quando falava de ti, como resposta aos problemas de nosso tempo: talvez, por isso, tenha me tornado tímido, quase tenho me retirado e já não me atrevo a falar de um modo tão aberto de ti, a não ser nos lugares onde penso que serei escutado. Certamente, tenho procurado ótimos motivos para agir assim: é necessário «respeitar» os tempos de “amadurecimento e as opções dos outros, não devemos ser «fanáticos», não devemos «forçar» as coisas e os tem­pos; porém, o fato certo é que cada vez falo menos de ti”. Quantas ocasiões eu tenho perdido para iluminar corações inquietos, quantas situações potencialmente abertas a tua Palavra me escaparam! É possível que tu, Senhor, me tenhas levado, da excessiva segurança à desconcertante incerteza, para trazer-me a este momento, no qual me sinto um humilde servidor da Palavra; consciente de que não sou eu quem decide as conversões, mas que és tu o dono da messe, e que eu deveria estar, como Filipe, só disposto a introduzir na compreensão de teus caminhos. Obrigado, Senhor, por ter-me indicado este caminho.

 

CONTEMPLATIO: A vida dos pregadores ressoa e arde. Ressoa a Palavra e arde o desejo. Do bronze incan­descente se desprendem faíscas, porque de suas exorta­ções saem palavras acesas que chegam aos ouvidos de quem as escutam. As palavras dos pregadores recebem justamente o nome de «faíscas» porque acendem o coração daqueles com quem esbarram. Temos de assinalar que as faíscas são muito sutis e delicadas. De fato, quando os pregadores falam da pátria celestial, mas que abrir os corações com as pa­lavras, os faz arder de desejo. De suas línguas chegam, a nós, algo, assim como faíscas, visto que a partir de sua voz apenas se pode conhecer levemente algo da pátria celestial, ainda que eles não a amem exatamente de uma maneira leve. Sem dúvida, a divina vontade faz, certamente, que estas minúsculas faíscas acendam uma chama no coração de quem escuta. E é que há alguns que, só com o escutar umas poucas palavras se enchem de um grande desejo e lhes bastam as faíscas muito tênues de algumas palavras para fazê-los arder com um puríssimo amor a Deus (Gregório Magno).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Senhor, dá-me, um coração de evangelizador»

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Se o século XXI se converte, será através de um olhar novo, por meio do olhar místico, que tem a propriedade de ver as coisas, pela primeira vez, de uma maneira inédita. Quando o ser humano se der conta de que está ameaçado em sua essência pelo artefato infernal dos aprendizes de bruxos, em sua vida, pelo perigo mortal da poluição; sem falar da poluição moral que acabará por dar-lhe medo, talvez experimente, então, a necessidade de ser salvo. E este instinto de salvação é possível que lhe leve a buscar em outra parte, muito longe dos discursos inoperantes da política ou do ruído de uma cultura morta, a razão primeira do que é ele. Mas, não a encontrará senão através do rejuvenescimento integral de sua inteligência por meio da contemplação, do silêncio, da atenção mais extrema e, para dizê-lo com uma só palavra, da mística, que não é outra coisa senão que o conhecimento experimental de Deus (A. Frossard).

 

 

 

 

SEXTA-FEIRA, 01 de Maio de 2020 –  S. José Operário

Reflexões de Orani João, Cardeal Tempesta. O.Cist., Arcebispo Metropolitano do Rio de Janeiro

A memória de São José Operário vem-se celebrando liturgicamente desde1955. AIgreja recorda assim – seguindo o exemplo de São José e sob o seu patrocínio –, a valorização do ser humano e a questão sobrenatural do trabalho. Todo o trabalho humano é colaboração com a obra de Deus Criador, e, por Jesus Cristo, converte-se na medida do amor a Deus e da caridade com os outros em verdadeira oração e em apostolado.

Quanto ao título: São José Operário: ele trabalhou a vida toda para sustentar a Sagrada Família e depois ver Nosso Senhor Jesus Cristo dar a vida pela humanidade. É uma inspiração para este dia primeiro de maio, que recorda a luta dos trabalhadores do mundo todo pleiteando respeito a seus direitos. Foi uma das motivações que levou o Papa Pio XII a instituir a festa de “São José Trabalhador”, em 1955, na mesma data em que se comemora o Dia do Trabalho em quase todo o planeta.

Foi no primeiro de maio de 1886, em Chicago, maior parque industrial dos Estados Unidos à época, que os operários de uma fábrica se revoltaram com a situação desumana a que eram submetidos e pelo total desrespeito à pessoa que patrões demonstravam. Eram trezentos e quarenta em greve e a polícia massacrou-os sem piedade. Mais de cinquenta ficaram gravemente feridos e seis deles foram assassinados num confronto desigual.

São José é o modelo ideal de operário e de homem que viveu a caridade. Ele sustentou sua família durante toda a vida com o trabalho de suas próprias mãos, cumpriu sempre seus deveres para com a comunidade, ensinou ao Filho de Deus a profissão de carpinteiro e, dessa maneira suada e laboriosa, permitiu que as profecias se cumprissem e seu povo fosse salvo, assim como toda a Humanidade.

A Igreja, ao apresentar-nos São José como modelo, não se limita a louvar uma forma de trabalho, mas a dignidade e o valor de todo o trabalho humano honrado. Na primeira Leitura da Missa, lemos a narração do Gênesis em que o homem surge como participante da Criação. A Sagrada Escritura também nos diz que Deus colocou o homem no jardim do Éden para que o cultivasse e guardasse.

O trabalho foi desde o princípio um preceito para o homem, uma exigência da sua condição de criatura e expressão da sua dignidade. E a forma como colabora com a Providência Divina sobre o mundo. “Enchei a terra e submetei-a! Dominai sobre os peixes do mar, as aves do céu e todos os animais que se movem pelo chão” (Gn 1, 28).

Porém, com o pecado original, a forma dessa colaboração sofreu uma alteração como consequência do pecado: “com fadiga te alimentarás dela todos os dias da tua vida… Comerás o pão com o suor de teu rosto” (Gn 3, 17-19).

É frequente observar que a sociedade materialista dos nossos dias valoriza o que produz e aprecia os homens “pelo que ganham”, pela sua capacidade de obter um maior nível de bem-estar econômico. É hora de todos nós, cristãos, anunciarmos bem alto que o trabalho é um dom de Deus, e que não faz nenhum sentido dividir os homens em diferentes categorias, conforme os tipos de trabalho, considerando umas ocupações mais nobres do que outras. O trabalho, todo o trabalho, é testemunho da dignidade do homem, do seu domínio sobre a criação; é o meio de desenvolvimento da personalidade; é vinculado de união com os outros seres; fonte de recursos para o sustento da família; meio de contribuir para o progresso da sociedade em que se vive e para o progresso de toda a humanidade.

Proclamando São José como protetor dos trabalhadores, a Igreja quis demonstrar que está ao lado deles, os mais oprimidos, dando-lhes como patrono o mais exemplar dos homens, aquele que aceitou ser pai adotivo de Deus feito homem, mesmo sabendo o que poderia acontecer à sua família. José lutou pelos direitos da vida do ser humano ao proteger Jesus, e, agora, coloca-se ombro a ombro na luta pelos direitos humanos dos trabalhadores do mundo, por meio dos membros da Igreja que aumentam as fileiras dos que defendem os operários e seu direito a uma vida digna.

São José ensina-nos a realizar bem o ofício que nos ocupa tantas horas: as tarefas domésticas, o laboratório, o arado ou o computador, o trabalho de carregar pacotes ou de cuidar da portaria de um edifício… A categoria de um trabalho reside na sua capacidade de nos aperfeiçoar humana e sobrenaturalmente, nas possibilidades que nos oferece de levar adiante a família e de colaborar nas obras em favor dos homens, na ajuda que através dele prestamos à sociedade…

Contudo, São José, enquanto trabalhava, tinha Jesus diante de si. Jesus deve ter-lhe ajudado em seu trabalho. Quando se sentia cansado, olhava para o seu filho, que era o Filho de Deus, e aquela tarefa adquiria aos seus olhos um novo vigor, porque sabia que com o seu trabalho colaborava com os planos misteriosos, mas reais, da salvação. Peçamos-lhe, hoje, que ele nos ensine a ter a presença de Deus e a exercer a caridade que ele teve enquanto exercia o seu ofício. E não nos esqueçamos da Virgem Maria, a quem vamos dedicar com muito amor este mês de maio que hoje começa. Não nos esqueçamos de oferecer em sua honra, nestes dias, alguma hora de trabalho ou de estudo, e, principalmente o Santo Rosário, oração contemplativa que nos faz entrar na história da salvação.

(30 de Abril de 2014) © Innovative Media Inc.   http://www.zenit.org/pt/articles/sao-jose-operario

 

 

SÁBADO, 02 de Maio de 2020 – 3ª SEMANA DA PÁSCOA – ANO A

João 6,60-69 (A incredulidade dos discípulos; A confissão de Pedro)Após a extensa revelação de Jesus sobre o pão da vida na sinagoga de Cafarnaum, seus discípulos lhe co­municam seu mal-estar pelas afirmações «irracionais» de seu Mestre, afirmações difí­ceis de aceitar do ponto de vista humano. Frente ao escândalo e a murmuração dos discípulos, Jesus afirma que não se deve crer nele só depois da visão de sua subida ao céu, como aconteceu a Elias e a Henoc, porque isso significaria a não aceitação de sua origem divina. É algo que não teria sentido, visto que Ele, o «Preexistente», vem do céu (cf. Jo 3,13-15). A incredulidade dos discípulos a respeito de Je­sus, sem dúvida, se põe de manifesto pelo fato de que “o Espírito é quem dá a vida; a carne não ser­ve para nada. As palavras que vos tenho dito são espírito e vida” (v.63). João afirma que tão real como a carne de Jesus é a verdade eucarística. Ambas, são dons com o mesmo efeito: dar a vida ao homem. Contudo, muitos discípulos não quiseram crer e não deram um passo adiante, para uma confiança no Espírito, com o qual não conseguiriam libertar-se da escravidão da carne. Jesus não fica surpreso com esta atitude de aban­dono da parte dos que lhe seguem. Conhece a cada homem e suas opções secretas. Aderir à sua pessoa e à sua mensagem na fé é um dom que ninguém pode dar-se a si mesmo. Só o Pai o dá. O homem, que tem em suas mãos seu próprio destino, é sempre livre de rejeitar o dom de Deus e a comunhão de vida com Jesus. Só quem nasceu e tem sido vivificado pelo Espírito, e não age segundo a carne, compreende a revelação de Jesus e é introduzido na vida de Deus. Através da fé, é como o discípulo deve acolher o Espírito e o próprio Jesus, Pão Eucarístico, Sacramento que comunica o Es­pírito e transforma a carne.

 

 

 

At 9,31-42 (Período de tranquilidade) O texto inicia com uma consideração sintética da situação interna da Igreja. A comuni­dade «gozava de paz», se mantinha no santo temor de Deus e se estendia com o impulso do Espírito Santo. Saulo foi levado a Tarso, provavelmente porque sua presença – discutida – criava problemas por causa de seu temperamento combativo, semelhante ao de Estevão. Em seguida, se apresenta a Pedro, não tanto como evangelizador, mas como chefe religioso que durante suas visitas pastorais sustenta, ajuda e anima aos discípulos: visita algumas comunidades já evangelizadas (provavelmente por Filipe) e, por sua vez, se reproduz o clima primaveril, surpreendente, milagroso, da passagem de Jesus. Pedro contribui com dois prodígios para a difusão do Evangelho. O apóstolo converteu-se agora no pastor maior que representa na jovem Igreja não só a Palavra, mas o poder de cura de Jesus. Lu­cas não perde a ocasião de recordar que Jesus vive e continua agindo na Igreja apostólica como quando estava vivo em meio aos seus.

 

Sl 115/116 (Ação de graças) É uma dádiva de Deus caminhar com os salmistas, que milhares de anos antes de nós se constrangiam pelas dificuldades, sofreram perseguições por serem fiéis ao Senhor, foram caluniados, alguns mortos, mas não voltaram atrás e não traíram a própria fé. Ante a vontade do Senhor, pronunciaram “amém”. O verbo hebraico aman significa construir sobre uma rocha, pedra angular sobre a qual construímos e que nem o vento nem a tempestade derrubarão. Cantar a misericórdia de Deus é sentir-se sofrido, mas não derrotado, perseguidos, mas não vencidos. Porque Ele, o pastor, nos acompanha sempre. Passado muito tempo, morreu o rei do Egito. Os israelitas continuaram gemendo e clamando sob dura escravidão e seu grito de socorro subiu até Deus. Deus ouviu os seus lamentos e lembrou-se da aliança com Abraão, Isaac e Jacó. Deus olhou para os israelitas e tomou conhecimento (Ex 2,23-25). Jesus conhecia este Salmo e o cantou na instituição da Eucaristia (cf. Mt 26,26-30). É preciso passar por muitas dificuldades para entrar no Reino dos Céus, pois só seremos vitoriosos se carregarmos a nossa cruz.

Senhor, eu sou pobre, desgraçado, infeliz, mas tenho fé. Quero construir sobre a pedra, que é Cristo, todo o meu futuro; e não sobre as areias movediças que, à primeira enxurrada, cai tudo. Mas, às vezes, Senhor, vejo ao meu lado muitos sofrimentos e injustiças que tentam me afastar do teu caminho e do teu amor. Sei que a vida do cristão é marcada pela cruz, e esta nos fortalece quando amada e carregada por amor. Sei também que quando sofremos por amor, somos bem-aventurados: “Felizes sois vós, quando vos injuriarem e perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque é grande a vossa recompensa nos céus. Pois foi deste modo que perseguiram os profetas que vieram antes de vós” (Mt,511-12).Senhor, na minha desgraça e pobreza que eu conserve a fé no teu amor. Amém.

 

 

MEDITATIO: A passagem dos Atos apresenta outro pequeno quadro da jovem Igreja. A comunidade cristã, estendida agora em diver­sas comunidades, enfrenta os problemas de cada dia: a enfermidade prolongada, a morte inespe­rada de pessoas comprometidas, etc. A vida cotidia­na se caracteriza pelo santo temor de Deus e pela assistência reconfortante do Espírito. Os discí­pulos vivem sob o olhar de Deus, no sentido de sua grandeza e soberania. Medem sua vida a partir dele e de sua santa vontade. Interessam-se pelos po­bres e se preocupam pelos enfermos. Assim vai se construindo a Igreja interiormente e se torna dócil à ação do Espírito, que a estende também fora. A construção interna e a difusão externa vão es­treitamente unidas. O anúncio mais discreto e eficaz da Boa Nova procede da vida da Igreja, da alegria que anima seu sofrimento, de seu espírito de serviço sem cálculos mesquinhos nem reservas. A Pa­lavra e os milagres não caem no vazio, mas en­contram um terreno bem disposto e produzem frutos abundantes. O livro dos Atos, dedicado totalmente à difusão do Evangelho, não se esquece da vida cotidiana em sua simplicidade e exigências, uma vida que vai se humanizando em con­tato com o Evangelho e que se converte, graças a ele, na base de todo anúncio posterior.

 

ORATIO: Confesso Senhor, que gostaria de ver, ao menos al­guma vez, um bom milagre. Tampouco te oculto que, em alguns momentos de debilidade, gostaria inclusive fazer algum, ainda que não fosse só para mostrar que não estou dizendo tonteiras quando falo de tuas coisas. Porém tu, ainda que não me deixes privado de sinais do céu, preferes o milagre da vida serena, trabalhadora, de uma vida que confia em ti, que te deixa tomar as grandes decisões, que recebe tudo de tuas mãos, que se preocupa em agradar mais a ti que aos homens, que expressa à alegria de po­der servir e sentir-se amado por ti. Perdoai minha debilidade que sonha com algum milagre, ainda que seja muito pequeno, e reforça minha convicção de que o que tu queres é a transformação de minha vida. O passar do temor ao amor, do apego ao desprendi­mento, da angústia a confiança, do pesar à ale­gria, do escrúpulo à confiança ilimitada em ti, da inclinação sobre minhas coisas à abertura à dor do outro. Dá-me teu Espírito para que me seja possível e agradável, amável e tranquilizador, um programa tão comprometido como este.

 

CONTEMPLATIO: Tem-se dito com acerto de Jó: «Era um homem temeroso de Deus e apartado do mal» (Jo 1,1). A santa Igreja dos eleitos inicia agora seu caminho pela via da simplicidade e da retidão com temor, porém, o leva a sua consumação só com o amor. Afasta-se, verdadeiramente, do mal aquele que começa, a partir de agora, a não querer pecar nunca mais, por amor a Deus. Se alguém ainda realiza o bem por temor, dá a entender que não se tem afastado por completo do mal: se está disposto a pecar, em caso de poder fazê-lo com impunidade, por isso mesmo peca. Após ter dito que Jó temia a Deus, acrescenta o texto que também estava apartado do mal: quando o temor é substituído pelo amor, então a culpa que havia ficado na alma fica eliminada pelo firme propósito da vontade. Assim como o temor mantém preso o vício, o amor faz germinar as virtudes (Gregório Magno).

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

Senhor, eu sou teu servo» (Sl 115,16a)

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – O exemplo de Tomás Moro demonstra que é possível a um cristão viver no mundo segundo o Evangelho e atuar nele a imitação de Cristo; e isso em meio de sua própria família, de suas posses e da vida política: é possível levar uma vida santa no meio destas distintas situações, com sobriedade, simplicidade e honestidade, sem cair em fanatismos, nem “beatices”, de modo sério e alegre, ao mesmo tempo. Que é mais importante para um cristão que vive no mundo? Realizar, na fé, uma opção radical por Deus, pelo Senhor e por seu Reino, apesar de todas as inclinações pecaminosas e conservá-la intacta através dos acontecimentos ordinários de cada dia. Conservar, vivendo no mundo, a liberdade fundamental com respeito ao mundo, no meio da família, das posições e da vida política, ao serviço de Deus e dos irmãos. Possuir a alegre prontidão que permite exercer esta liberdade, em qualquer momento, através da renúncia total. Só nesta liberdade com respeito ao mundo, buscada por amor a Deus, é onde o cristão, que vive no mundo, recebe a liberdade como dom da graça de Deus, encontra a fortaleza, o consolo, o poder e a alegria que são sua vitória (H. Kung, Libertà nel mndo. Sir Thomas More, Brescia 1966).

 

 

-AUTORES(Giorgio Zevini y Pier Giordano Cabra)

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