LECTIO DIVINA 18 SEMANA COMUM

COMUNIDADE PAZ E BEM- LECTIO DIVINA 18ª SEMANA DO TEMPO COMUM

 

 

SEGUNDA-FEIRA– 18ª SEMANA DO TEMPO COMUM  ANO PAR

Mateus 14,13-21 (Primeira multiplicação dos pães) Jesus, informado da morte de João Batista, sente necessidade de afastar-se (v.13). Jesus está de luto, se poderia pen­sar. A humanidade, representada pela multidão, «aquela grande multidão», acorre ao lugar desértico em que Jesus se encontra e entra em sua solidão. O Deus feito homem se faz solidário com a dor humana e acolhe, espontaneamente, ao homem, nesta “via crucis” da existência, em uma história onde dá a im­pressão que prevalece o sofrimento e a tribulação. Três verbos graduam a intervenção do Salvador: «viu», «sentiu compaixão» e «curou». O coração de Deus se estremece ante aquela indigência humana, que, por si só, clama ao Altíssimo. Dois detalhes completam a ausência de qualquer esperança possível: «o anoitecer» e «o lugar desértico». É a hora do «nada é impossível para Deus». Ante a fé do homem, a humildade de Deus se con­verte em gloria. Aos atônitos discípulos Jesus lhes disse: «Dai-lhes vós mesmo de comer» (v.16). Causa surpresa, aqui, este «vós». Jesus traslada sua iniciativa à atuação dos apóstolos: Ele poderia ter intervindo pessoalmente. Porém, é desde a liberdade da fé que pode atuar. Os discípulos cooperam e todos recebem comida, abun­dantemente.

 

 

Jr 28,1-17 (A altercação com o profeta Hananias) O episódio que se narra neste texto tomado de Jeremias que, provavelmente, tenhamos que situar no ano 594-593 aC, expõe a questão do dis­cernimento entre a falsa e a verdadeira profecia. O rei Na­bucodonosor havia exilado um grupo de judeus, juntamente com seu rei Jeconias-Joaquim, na Babilônia e havia sa­queado o templo (cf. 2 Rs 24,10ss): o profeta Ananias prediz a libertação dos deportados e também a restituição dos utensílios do templo. Para apoiar sua profecia realiza uma ação simbólica: rompe o jugo que Jeremias havia posto no seu pescoço como sinal da pesada dominação que a Babilônia havia submetido Judá (vv.10ss; cf. Jr 27). O profeta Jeremias recorda a Ananias e a todos os presentes, que uma profecia só é autêntica quando se cumpre (vv.7-9; cf. Dt 18,21ss; Jr 23,16-18). De sua parte, espera que Deus lhe fale. Apesar de, também ele, desejar um futuro de liberdade e paz (v.6), não pode deixar de ser fiel àquela palavra que lhe seduziu, que lhe faz arder por dentro com uma força irresistível e que anuncia desventuras e cas­tigos (cf. Jr 20,7-9). Jeremias, dócil instrumento nas mãos de Yahweh, pro­clama a Palavra verdadeira, ainda que indesejada: Babilônia fará ainda mais pesado seu próprio domínio, sem que Judá tenha a possibilidade de subtrair-se do mesmo (vv.12-14). O castigo que espera o falso profeta será inexorável e iminente (vv.15ss; cf. Dt 18,20): sua morte atestará a autenticidade da profecia de Jeremias (v.17).

Salmo 118/119 (Elogio da lei divina) Esta é uma oração sem fim. Provavelmente é obra não só de uma pessoa, mas de várias, que elogiam por meio de muitos artifícios literários a Palavra de Deus, a lei do Senhor, como fundamento de todo o agir humano. É um Salmo belíssimo que deve ser “saboreado” lentamente, um versículo por dia. Assim, teremos por mais de meio ano assegurado nossa meditação. Deus se comunica conosco não para nos oprimir ou dominar, mas para ensinar-nos os caminhos mais fáceis da felicidade. Felizes os que vivem a Palavra e a ensina aos outros. Medite dia a dia este Salmo e sua vida, sem dúvida, será diferente, sendo fortalecida não por palavras humanas, mas pela Palavra de Deus.

Senhor, não quero fugir de tua Palavra nem desprezá-la. Quero amá-la como Lâmpada para os meus pés e luz no meu caminho. “Lâmpada para meus passos é tua palavra e luz no meu caminho. Jurei, e o confirmo guardar tuas justas normas. Meu sofrimento passa dos limites, Senhor, dá-me vida segundo tua palavra. Senhor, aceita as ofertas dos meus lábios, ensina-me tuas normas. Minha vida está sempre em perigo, mas não esqueço a tua lei. Os ímpios me armaram laços, mas não me desviei de teus preceitos. Minha herança para sempre são teus testemunhos, são esses a alegria do meu coração. Inclinei meu coração a cumprir teus estatutos, desde agora e para sempre” (Sl 119, 105-112).

MEDITATIO: A primeira leitura fala de verdadeiros e falsos profetas. Dado que todos devemos ser profetas verdadeiros, pois todos pertencemos a um povo profético, como temos de proceder para chegar a ser verdadeiros profetas? Não é fácil, de fato, ser profetas verdadeiros, entre outras coisas porque é preciso dizer, não palavras que agra­dam, mas, sim, palavras que salvam. E palavras que salvam podem incomodar, ser consideradas como antiquadas ou apocalípticas, inoportunas ou exageradas, de modo que, em geral, são desqualificadas, em virtude de um mecanismo instintivo de defesa. O verdadeiro profeta é uma pessoa livre, interior­mente livre. É uma pessoa, à qual não lhe preocupam as audiências, mas a fidelidade a Deus. É uma pessoa que se constrói, diariamente, sobre Deus, que se compara, de modo prioritário, com sua Palavra e está preocupada em não traía-la. O profeta (e todo cristão o é), vai se construindo lentamente, porque deve passar dos condi­cionamentos deste mundo à fidelidade a Deus. Deve realizar em si mesmo esse trabalhoso caminho que lhe leva a ver as coisas com os olhos de Deus. Sempre «com grande te­mor e tremor», porque sabe que seu modo de pensar pode sobrepor-se ou fazer de véus ao modo de pen­sar de Deus. Contudo, Deus necessita de um povo profético para fazer ouvir sua Palavra na historia, sempre complicada, deste mundo atarefado em perder-se por caminhos que não leva a nenhuma parte.

ORATIO: Quantas palavras, Deus meu! Fico transtornado em meio de tanto rebate de vozes que me alcançam e ten­tam impor-se. Às vezes, nem sequer consigo distinguir as palavras cheias de significado das que estão vazias, amostras aparentes do nada. Como reconhecer as palavras que geram vida e como distingui-las, com clari­dade, daquelas que a extinguem? Dentro de mim mesmo, Senhor, tua Palavra se apresenta como uma entre tantas, e a confundo, e não capto seu som e seu eco profundo… Que palavras digo então, Deus meu? Chavões de «coisas já ouvidas». E chego a sentir-me só um repetidor de coisas que se dão por descontado, de frases feitas que estejam em moda. Detenho-me um momento, Senhor: Tu me falas para que eu fale de ti. Tu te fizeste Palavra por nós e eu estou chamado a fazer-me palavra pelos outros: não apenas sons, mas uma palavra-vida, uma palavra-pessoa, uma ‘palavra-entrega-de-si-mesmo’. Que eu obtenha de ti a coragem de ser, para meus irmãos, essa palavra que alimenta, que sacia seu desejo de verdade e de sentido.

 

CONTEMPLATIO: Ó Deus meu, doçura inefável! Converte em amargura todo consolo carnal que me aparta do amor das coisas eternas, lisonjeando-me torpemente com vista a bens temporais que deleitam. Não me vença, Deus meu, não me vença a carne e o sangue; não me engane o mundo e sua breve gloria; não me derrube o demônio e sua astucia. Dai-me fortaleza para resistir; paciência para sofrer, constância para perseverar. Dai-me, em lugar de todas as consolações do mundo, a suavíssima unção de teu Espírito, e, em lugar do amor carnal, infunde-me o amor de teu nome. Filho, convém que te dês todo pelo tudo, e não ser nada de ti mesmo. Saber que o amor a ti mesmo te prejudica mais que nenhuma coisa do mundo. Conforme for o amor e a afeição que tens às coisas, estarás mais ou menos ligado a elas. Se teu amor for puro, simples e bem ordenado, não serás escravo de nenhuma. Não cobices o que não te convém ter. Não queiras ter o que te pode impedir e tirar a liberdade interior (Tomás de Kempis, lmitación de Cristo).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

Fala Senhor: anunciarei a tua Palavra (Jr 28,12)

 

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL O caminho da experiência gradual de Deus foi também, para a Igreja das origens, o caminho de uma liberdade cada vez maior. Para mim, a via da mística é o autêntico caminho para a liberdade. Pelo ele deparamos, primeiro, com nossa verdade pessoal. E só a verdade nos fará livres. Aqui descobrimos os modelos de vida dos quais somos prisioneiros, nossos modos de ver ilusórios que distorcem a realidade e a causa das quais nos fazemos mal. Quanto mais nos acercamos de Deus, com maior clareza reconhecemos nossa verdade. Quanto mais unidos estamos a Deus, mais livres nós nos tornamos. Todos nós ansiamos a liberdade, mas a verdadeira liberdade não consiste na libertação a respeito duma soberania externa a nós mesmos, mas que consiste na liberdade interior, na liberdade com respeito ao domínio do mundo, na liberdade com respeito ao poder dos outros, e com respeito a liberdade das constrições interiores e exteriores. Deve ficar claro que a liberdade constitui um aspecto essencial da mensagem cristã e que todo caminho espiritual autêntico conduz ao fiM à liberdade interior. E isto é assim porque a experiência de Deus e a da liberdade estão intrinsecamente conectadas (Anselm Grün, Portarse bien con uno mismo).

 

 

 

TERÇA-FEIRA, – 18ª SEMANA DO TEMPO COMUM ANO PAR

Lucas 9,28b-36 (A transfiguração) O evangelista São Lucas, ao referir-se ao episódio da transfiguração, assinalava que Jesus se retira à solidão para orar, como sucederá em outro momento fundamental de sua missão (no Getsemani), A transfiguração, de fato, representa um pré anúncio da paixão, mas supõe também o primeiro resplendor da glória divina do Filho, chamado a ser o Servo de Yahweh para a salvação dos homens. É em meio da oração que Jesus se transfigura e deixa aparecer sua identidade sobrenatural: e a glória que habita nele se torna espaço aberto para a comunicação com as figuras gloriosas da história sagrada de Israel (vv. 30ss). Moisés e Elias são os protagonistas de um êxodo muito diferente nas circunstâncias, ainda que idêntico em sua motivação: a fidelidade absoluta a Deus. Eles são os interlocutores mais autorizados para falar com Jesus “de seu êxodo” (v. 31 ao pé da letra) que se haveria de produzir em Jerusalém. A luz que irradia da transfiguração (v. 29) representa, portanto, para Jesus uma claridade interior sobre seu caminho terreno. Esta luz cobre também finalmente aos apóstolos, espectadores atônitos do acontecimento. Enquanto Moisés e Elias se separam de Jesus, e Pedro parece querer deter o tempo (v. 33), a presença do sobrenatural “cobriu” aos três discípulos em forma de nuvem. Trata-se da nuvem translúcida da presença de Deus, que oculta e se mostra ao mesmo tempo. É o mistério que se revela permanecendo incognoscível. Desde sua inapreensível obscuridade Pedro, Tiago e João recebem a luz mais fúlgida: a voz divina proclama a identidade de Jesus, Filho e Servo de Yahweh (o eleito, cf Is 42,1). Com o convite a escutá-lo cessa a voz, desaparecem os extraordinários interlocutores: Jesus fica só, Palavra saída do seio do silêncio. E em absorto silêncio, os apóstolos reempreendem com Ele o caminho (v. 36).

 

 

 

Daniel 7,9-10.13-14 (Visão do ancião e do Filho do Homem) Em uma visão noturna é revelado o profeta Daniel o desígnio de Deus sobre a história da humanidade. Vê a sucessão dos grandes impérios e seus violentos dominadores (7,2-8), mas esta altivez humana se interrompe: a Daniel foi concedido contemplar os acontecimentos do ponto de vista do Senhor da história. Ele é Juiz onipotente (cf.v.10), que conhece e, definitivamente, valorizará a obra dos homens, mas, é também alguém que intervêm no tem­po para resgatá-lo: de fato, aos reinos terrenos se contrapõe o Reino que o «Ancião» confia a um misterioso «Filho de homem» que vem sobre as nuvens (vv.13ss). O autor sagrado indica, assim, que este personagem é um homem, ainda que de origem divina. Já não se trata do Messias davídico, esperado para restaurar o Reino de Israel, mas de sua transfiguração sobrenatural: o Filho do homem inau­gurará um Reino que, mesmo inserido no tempo, “não é deste mundo» (Jo 18,36). Este triunfará sobre os impérios mun­danos, levando a história a seu cumprimento escatoló­gico. E «os santos do Altíssimo» participarão plenamente na soberania do Filho do homem e cons­tituirão uma só coisa com Ele e nele (Dn 7,18.22.27). Com esta figura bíblica, frequentemente, se identificará Jesus em sua pregação e, em particular, na hora decisiva do processo ante o Sinédrio que lhe condenará a morrer na cruz.

 

2 Pedro 1,16-19 (O testemunho apostólico) Pedro e seus companheiros contemplaram a gran­deza de Jesus, ouviram a voz celestial que o procla­mava Filho predileto, por isso se reconhecem portadores de uma graça maior que a dos profetas. De fato, podem confirmar, por experiência pessoal, a veracidade das profecias, às quais Jesus dá cumprimento. A pa­lavra do Antigo Testamento, sem dúvida, não esgo­tou sua tarefa de «lâmpada que ilumina na escuridão» (v.19): deverá seguir sempre iluminando os passos dos crentes que avançam em meio às trevas da história até o dia, sem ocaso, da vinda de Cristo, na glória (cf.v.19). Neste caminho, a visão radiante de Jesus transfigurado, que os apóstolos nos testemunham, sustenta nossa fé e acende de desejo nossa espe­rança: o «luzeiro da manhã» já se levanta no coração de quem vela expectante.

 

Salmo 96/97 (Yahweh triunfante) O salmista nos fala do Deus que é forte, corajoso e poderoso, e põe à prova todos os homens que dele se afastam por medo ou para buscar outros ídolos. O Deus vivo e verdadeiro é o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó que, perpassando pela História, chega até Jesus e os apóstolos. É este mesmo Deus que nos convida ao amor e nos impele a oferecer-lhe um culto de adoração. Devemos adorá-lo porque é grande, forte como nenhum outro ídolo e é o verdadeiro Senhor. Não restam dúvidas de que vivemos em um mundo idólatra. Muitos se refugiam nos falsos ídolos em busca da resolução de um problema ou carência. Devemos batalhar constantemente pelo fim da idolatria em nossas vidas, pois tudo isso é vão. Só há um caminho para a verdadeira alegria, que está no Nosso Senhor. Libertar-se dos ídolos é o grande esforço de toda pessoa que ama de verdade ao Deus vivo.

Senhor, não tenho medo nem vergonha de reconhecer que não raramente me sinto idólatra; amo os ídolos, procuro-os e deixo de lado a ti, verdadeiro Deus da vida e do amor. Perdoa-me, Senhor, por este meu pecado. Às vezes, pressionado pela dor, pela necessidade, consulto horóscopo, cartomante, videntes e assim me distraio e me afasto do Senhor. Quero voltar a ti com todo o meu amor e me doar totalmente. Não permitas que me refugie nos ídolos, sejas tu o meu único refúgio e amor. Amém.

 

 

MEDITATIO: Há uma chama interior que arde nas criaturas e canta sua pertença a Deus e geme de desejo dele. Há um fio de ouro sutil que une os acontecimentos da história na mão do Senhor, que os unirá, no fim, em um bordado maravilhoso. O rosto de Cristo está impresso no coração de cada homem e lhe faz um amado de Deus. E está, entretanto, nosso pobre olhar, ofuscado, acostumado a disper­sar-se na curiosidade epidérmica e insaciável, disformes por múltiplas impressões; já não sabemos orientar o olhar à sua fonte. Tornamo-nos incapazes de assumir o olhar de Deus sobre as coisas, pois nossa lógica e nossa prática se orientam em direção oposta à sua, no esforço por não perder nossa vida, por não tomar nossa cruz. Só quando Jesus nos deixa entrever algo de seu fulgurante mistério, é que nos damos conta de nossa habitual cegueira. A luz da transfiguração vem dissipar, hoje, se o queremos, nossas trevas. Mas, devemos acolher o convite a retirar-nos a um lugar separado com Jesus, subindo o monte elevado, ou seja, aceitar a fa­tiga que supõe dar passos concretos que nos afastam de um ritmo de vida agitado e nos obrigam a prescindir dos fardos inúteis. Se fossemos capazes de perma­necer um pouco no silêncio, perceberíamos sua radiante Presença. A luz de Jesus no Tabor nos faz intuir que a dor não tem a última palavra. A última e úni­ca Palavra é este Filho predileto, feito Servo de Yahweh por amor. Escutemo-lo, pois nos indica o caminho: vida ressuscitada enquanto dada. Es­cutemo-lo enquanto nos indica, com claridade abso­luta, os passos diários. Escutemo-lo, pois nos convida a descer com Ele, aos irmãos. Então o luzeiro da manhã se levantará em nossos corações e, iluminando nosso olhar interior, nos fará vislumbrar a Deus «tudo em todos», eterna meta de nossa peregrinação no tempo, na opa­cidade das coisas, na obscuridade dos acontecimen­tos, no rosto de cada homem.

 

ORATIO: Jesus, és Deus de Deus, luz de luz. Cremos, mas nossos olhos são incapazes de reconhecer tua beleza nas humildes aparências que te revestes. Purifica, Senhor, nossos corações, pois só a estes prometeste a visão de Deus. Dá-nos a pobreza interior que nos faz atentos à sua Presença na vida diária, capazes de ver um raio de tua luz até nos lugares onde tudo parece obscuro. Faz-nos silenciosos e orantes, porque és a Palavra saída do silêncio que o Pa­i nos pede que escutemos. Ajuda-nos a sermos teus ver­dadeiros discípulos, dispostos a perder a vida, cada dia, por ti, pelo Evangelho; faz crescer teu amor em nós, para ser, contigo, servos dos irmãos, e ver, em cada homem, a luz de teu rosto.

 

CONTEMPLATIO: Antes de tua cruz preciosa e de tua paixão, toman­do, contigo, os que havias eleito entre teus sagrados discípulos, subiste ao monte Tabor, ó Soberano, que­rendo mostrar-lhes tua glória. E eles, ao ver-te transfigu­rado e mais resplandecente que o sol, caído rosto em terra, ficaram atônitos frente à soberania, e acla­mavam: «Tu és, ó Cristo, a luz sem tempo e a irra­diação do Pai, ainda que, voluntariamente, te faças ver na carne, permanecendo imutável». Tu, Deus Verbo, que existes antes dos séculos, tu que te revestes de luz como de um manto, transfigurando-te diante de teus discípulos, ó Verbo, refulgiste mais que o sol. Estavam junto a ti, Moisés e Elias, para indicar que és o Senhor de vivos e de mortos e para dar gló­ria a tua economia inefável, a tua misericórdia e a tua grande condescendência, pela qual salvaste o mundo que se perdia pelo pecado. Nascido de nuvem virginal e feito carne, transfigurado no monte Tabor, Senhor, e envolto pela nuvem lumi­nosa, enquanto estavam contigo teus discípulos, a voz do Pai te manifestou, distintamente, como Filho ama­do, consubstancial e reinante com Ele. Dai que Pedro, cheio de estupor, exclamara: “Que bom estarmos aqui!”, sem saber o que dizia, ó misericordiosíssimo Benefactor (Anthologhion di tutto l’anno, Roma 2000).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“A tua luz vemos a luz» (Sl 35,10)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Se soubéssemos reconhecer o dom de Deus e experimentar estupor, como o pastor Moisés, ante todas as sarças que ardem às margens de nossos caminhos; compreenderíamos, então, que a transfiguração do Senhor – a nossa – inicia com certa mudança de nosso olhar. Foi o olhar dos apóstolos que foi transfigurado; o Senhor permanece o mesmo. A cotidianidade de nossa vida, trivial e extraordinária, deveria revelar, então, sua deslumbrante profundidade. O mundo inteiro é sarça ardente, todo ser humano, seja qual for à impressão que suscita em nós, é esta profundidade de Deus. Todo acontecimento leva, nele, um raio de sua luz. Nós, que temos aprendido a olhar, hoje, tantas coisas, temos aprendido os dados elementares de nosso ofício de homens? Vive-se, com efeito, à medida do amor, porém, se ama, à medida do que se vê. Agora, na transfiguração, nossa visão participa no mistério, dai que o amor esteja em condições de brotar de nossos corações como fogo que arde sem consumir, e assim pode ensinar-nos a viver. Devemos passar da sonolência, da qual fala o Evan­gelho, à autêntica vigilância, à vigilância do coração. Quando despertemos, se nos dará a alegria inesgotável da cruz. Ao ver, por fim, na fé, ao homem em Deus e a Deus no homem – Cristo – nos tornaremos capazes de amar e o amor sairá vitorioso sobre toda morte. O Senhor se transfigurou orando; também nós seremos transfigurados unicamente na oração. Sem uma oração con­tínua, nossa vida fica desfigurada. Ser transfigurados é aprender a ver a realidade, quer dizer, nosso Deus, Cristo, com os olhos abertos, de par em par. Certamente, neste mundo de loucos, sempre teremos necessidade de fechar os olhos, e os ouvi­dos, para recuperar certo silêncio. É necessário, é como uma espécie de exercício para a vida espiritual. Sem dúvida, a vida, a que brota, a vida do Deus vivo é contemplá-lo com os olhos abertos. Ele está no homem, nós estamos nele. Toda a criação é a sarça ardente de sua parusía. Se nós «esperássemos com amor sua vinda» (2 Tm 4,8), daríamos um im­pulso muito diferente ao nosso serviço neste mundo (J. Corbon, La gioia del Padre, Magnano 1997).

 

 

 

 

QUARTA-FEIRA, – 18ª SEMANA DO TEMPO COMUM ANO PAR

Mateus 15,21-28 (Cura da filha duma mulher cananeia) Jesus havia levado a seus contemporâneos um ensinamento religioso que parecia revolucionário. Afirmava que a origem de toda impureza se encontra no coração do homem e é consequência do uso equivo­cado da liberdade (cf. Mt 15,10-20). Isto esfacelava a estrutura legalista do judaísmo fariseu, introduzindo, como critério de religiosidade autêntica, a atitude inte­rior do homem; uma atitude que se condensa na fé, isto é, na confiança em Deus e em seu amor providente. Isso é o que a mulher estrangeira e pagã vive (v.28) invocando com perseverança a Jesus, ao qual reconhece como Messias e Salvador (vv.22.23b.25). O encontro entre Jesus e a mulher cananeia anuncia e realiza, já, o encontro entre a salvação e o paganis­mo. Sem negar a eleição preferencial de Israel, «filho pri­mogênito» (v.24; cf.Os 11,1; Mt 10,5ss), a missão salvífi­ca de Jesus se dirige a todo o mundo. Essa será, então, a característica da ação da Igreja, por mandato específico de seu Senhor (cf.Mt 28,18-20).

 

 

Jr 31,1-7 (A restauração prometida a Israel) – O oráculo que constitui o fragmento litúrgico de hoje descreve o retorno dos exilados à pátria. Trata-se de um anúncio dirigido a todo Israel, que, sem estar mais dividido em dois reinos, viverá da única soberania de Yahweh (v.1). A iniciativa do retorno é puro amor gratuito e fiel de Deus, que sai ao encontro de seu povo, manifestando-lhe a superabundância de sua ternura (vv.2ss). Como no tempo do Êxodo do Egito, ainda que agora, de um modo ainda mais glorioso, Yahweh redime a identidade de seu povo, dá-lhe de volta a cidade onde habitar, a te­rra para cultivar e conseguir seu próprio sustento (vv.4a.5; cf. Js 24,13; Sl 107,35-37). O efeito que produz um dom tão grande é a alegria, expressada, aqui, com o som dos instrumentos e as danças (v.4bc). A alegria transbordante de Israel contagiará as nações vizinhas, as quais, convergindo para Jerusalém, restabelecida como centro do culto javista, glorificarão a Deus por ter levado, de modo admirável, a sal­vação inesperada do pequeno grupo de sobreviventes da deportação (vv.6ss;cf.Sl 105,12-15.43-45;Is 52,7-10).

 

(Sl) Jr 31,10-13 (A restauração prometida a Israel) – O Senhor se dirige aos “sobreviventes de Israel” com uma mensagem de esperança: haverá um novo êxodo, com uma peregrinação a Sião, inaugurando uma era de alegria e bem-estar. Ao escutar mensagem tão feliz, os interpelados desconfiam: pela situação do desterro, pela morte de homens, pelos próprios pecados. O povo aparece na figura da matriarca Raquel, ou com o nome do antepassado Efraim, ou como uma anônima “donzela esquiva”. A mensagem se amplia e coloca o evento ante um público universal: a todos, revela-se o amor especial do Senhor. “Ilhas longínquas” é expressão típica do Segundo Isaias. A “mão mais forte” poderia ser o poder imperial da Assíria, fortemente enfraquecido ou já destruído (depende da datação do oráculo). É possível que nesta época de decadência alguns israelitas se repatriaram. “Resgatar” é também termo favorito do Segundo Isaias. O Senhor convida todos com os “bens” do seu templo (Sl 65,5): produtos de lavradores e pastores, que sintetizam a economia dos repatriados. (Bíblia de Jerusalém)

 

 

MEDITATIO: A relação do crente com Deus não é uma relação econômica, uma relação que possa medir-se em termos de dar e receber. É mais que isso. É uma resposta a uma surpresa: Deus me ama, e o faz com um amor «excessivo», um amor que se situa fora das medidas do espaço e do tempo. Eterno, por todas as partes, para todos, por livre iniciativa, não condicionado por minha resposta. Deus se revela incansavelmente oferente. Em algumas ocasiões, certa linguagem parece suben­tender que sou eu que agrado a Deus prestando atenção a suas palavras. Porém, não é assim: Deus me prece­de sempre e de maneira superabundante; ao mesmo tempo, deixa-me a alegria de pedir, prelúdio do estupor que produz o receber. Posso entrar neste dinamismo vi­tal do amor se me confio a Ele, que me fala da história que quer escrever comigo. Quem quer que eu seja, posso suscitar em meu coração o desejo de que mostre seu amor em mim. Não existe o menor impedimento para ninguém: a via da relação vital e fecunda com Deus está aberta de par em par para todos.

 

ORATIO: Estava distante e Tu me buscaste. Estava em perigo de morte e Tu vieste me salvar. Estava sem esperança e Tu vieste pacificar minha vida. Estava cansado de tanto gritar e Tu me respondeste e escutaste-me. Agora sei que me amas. Desde sempre e para sempre, Deus meu, cantarei teu amor.

 

CONTEMPLATIO: Jesus é médico das almas e dos corpos: se tens uma ferida, te levarei a Ele e lhe suplicarei que te cure, se tu queres também; visto que é Ele quem dá todos os dons, te concederá Ele, não só o que lhe peças, mas, infinitamente, mais do que peças. Aproximar-me-ei d’Ele com muita audácia, em teu favor, porém, se não te aproximas também, será uma grande vergonha. Jesus não rejeita a ninguém. Nosso Deus, e salvador, quer que nos salve­mos, porém corresponde a nós gritar incessante­mente: «Salva-me, Senhor!». E Ele te salva (Barsanufio e Juan de Gaza, Epistolário).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Com amor eterno te amo» (Jr 31,3b)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Toda a natureza é caridade, porém só o místico vive este amor de uma maneira experimental. O amor de Deus nos rodeia por todas as partes. Seu amor é a água que bebemos, o ar que respiramos e a luz que vemos. Todos os fenômenos naturais não são mais que formas materiais diferentes do amor de Deus. Movemo-nos dentro de seu amor como o peixe na água. E estamos tão próximos d’Ele, tão embevecidos de seu amor e de seus dons (nós mesmos somos dom seu), que não nos damos conta disso por falta de perspectiva. Seu amor nos rodeia por todas as partes e não o sentimos como tampouco sentimos a pressão atmosférica. Deus proveu à terra durante quatro mil milhões de anos e se preocupou com os pássaros e os insetos durante centenas de milhões de anos; porém tu te sentes só e abandonado no universo e caminhas preocupado por teus assuntos como se ninguém se preocupasse contigo. Esqueces que alguém se preocupa a cada instante de todos teus trabalhos, regula o movimento de teu sangue e o funcionamento de todas tuas glândulas. E crês que os pequenos problemas de tua vida prática, só tu, em todo o universo, podes resolvê-los. Ele escuta o grito do cervo no arroio que lhe pede uma companheira e lhe dá. Preocupa-se do cuco que pede sua comida. Guia às cegonhas em sua imigração. Vela sobre a doninha e o furão quando dormem em suas tocas. A rã, o escaravelho e o corvo encontram o alimento cada dia à hora devida. “Todos, Senhor são pedintes de ti, e esperam que lhes dês a comida a seu tempo. Tu as dás e eles a tomam, abres tua mão e ficam saciados” (Sl 103) (E. Cardenal, Canto all’amore, Asís)..

 

QUINTA-FEIRA, – 18ª SEMANA DO TEMPO COMUM  ANO PAR

Mateus 16,13-23 (Profissão de fé; primado de Pedro) O Evangelho de Mateus dá um giro decisivo a partir do episódio narrado no texto da liturgia de hoje, em que Jesus prova a compreensão que tem os discípulos de sua identidade (v.15). Se as obras e as palavras de Jesus de Nazaré haviam manifestado sua missão messiânica de um modo compreensível à multidão, que reage crendo n’Ele (vv.13ss), com exceção dos habitantes de Nazaré (cf.13,53-58), os discípulos, pela boca de Pedro, reconhecem, do mesmo modo, sua natureza divina (v.16). Nesta cena tem um grande destaque a pessoa de Pedro. Este, da profissão de fé no Filho de Deus, passa-se logo em seguida, a censura ao Servo de Yahweh (vv.21ss). Primeiro recebe de Jesus uma autoridade plena com respeito à comunidade dos discípulos (vv.18ss; cf. os símbolos das chaves e das ações de atar e desatar) e, pouco depois é chamado de «Satanás», visto que seu modo de ver é contrário ao de Deus e representa um obstáculo, para Jesus, no cumpri­mento da vontade do Pai (v.23). As contradições que marcam o discipulado de Pedro (cf. Mc 14,26-31.66-72) outorgam um destaque particu­lar à obra da graça divina na fragilidade huma­na: nisso consiste o mistério da Igreja, cujo «chefe» é tal, não por méritos pessoais, mas porque Deus lhe confia o serviço que o constitui em ponto de referên­cia para os irmãos. É Deus quem garante a fir­meza da comunidade na luta que desenvolvem o mal e a morte contra o amor e a vida (v.18). A con­fiança com respeito a Pedro é plena: suas decisões, Deus as fará suas (v.19). Mas, o messianismo sofredor, encar­nado por Jesus, foi acolhido livremente e é impossível detê-lo: a salvação e a glória passam inequivocamente pela cruz.

 

 

Jr 31,31-34 (A nova aliança) – O retorno de todo Israel ao seu território e o restabelecimento de uma vida livre e harmoniosa alcança seu ápice na estipulação da «nova aliança» (v.31). Este anúncio, ponto culminante da profecia de Jeremias e, talvez, de toda a literatura profética, declara que a in­tervenção de Iahweh marca uma mudança no curso da história. Ele é o Senhor, que, inclinando-se sobre Israel, o tem levado sobre suas asas (cf. Dt 32,11; Os 11,4) e, com a Aliança do Sinai o constituiu como sua propriedade (cf.Dt 32,9). Sem dúvida, a infidelidade foi constante ao longo da vida do povo (v.32): Israel se mostrou incapaz de observar os mandamentos – leis de vida -, faltando ao compromisso assumido (cf. Ex 24,3; Js 24,24). Eis aqui, pois, a novidade da intervenção de Iahweh: a Lei não voltará a ser exterior ao homem, não voltará a estar escrita em tábuas de pedra, mas que será interior, estará escrita «em seu coração» (v.33). A fidelidade a essa Lei se realiza, não tanto através de observâncias rituais formais, mas através da interiorização de valores, como a obediência e o amor, e sua atuação. Isso é algo que será possível para todo mundo, sem distinção: Iahweh cria a condição necessária, para isso, perdoando o pecado. Trata-se de uma renovação radical da pessoa, de sorte que cada um se encontre em condições de conhecer a vontade de Deus impressa no mais íntimo de si mesmo e de pô-la em prática (v.34a): deste modo, se realiza a recíproca pertença entre Deus e o homem (v.33c), dom da infinita misericórdia divina.

 

Sl 50/51 (Miserere) – Este Salmo é um capítulo do livro de nossa história. Todos nós, assim como aconteceu com Davi, passamos por três fases distintas em nossa vida, dominados por sentimentos contrários: bondade, pecado e conversão. A história de Davi é belíssima: quando jovem era puro e bom. Deus, então, pousou sobre ele o seu olhar, escolhendo-o como rei e profeta. Mas o pecado e o poder o depravaram e ele, seduzido pelo amor de Betsabeia, mandou matar Urias, o hitita, a fim de roubar-lhe a mulher. Deus suscitou o profeta Natã para abrir os olhos de Davi, mostrando o pecado que cometera. Arrependido, Davi se converte e escreve esse belo Salmo, cheio de emoção, esperança e confiança. Quando nos arrependemos de nossos erros, Deus nos lava, purifica e dá um coração novo e puro. Ele nos convida a cantar cantos de festa e de alegria. Este Salmo deve ser lido muitas vezes e considerado como um projeto de vida para todos nós. Ele ajudará a abrir o nosso coração à conversão, conscientizando-nos de nosso pecado, não por intermédio do desespero ou do medo, mas pela confiança de que nosso Deus é misericordioso. Em nosso coração, teremos a certeza de que Ele não quer sacrifícios inúteis, vazios, mas sim aqueles carregados de amor. Quando os laços do pecado nos agridem e tentam nos afastar da misericórdia do Senhor, devemos novamente meditar este Salmo. Assim, venceremos o medo e nos lançaremos na misericórdia do amor. Por que temer o amor de Deus? Por que temer confessar o nosso pecado? Por que a vergonha dos erros cometidos, se não podemos voltar atrás? A pedagogia do pecado é que nos ensina a pecar mais.

Senhor, confesso e reconheço que sou pecador. Minha natureza é maldosa e pecaminosa, por isso necessito de tua graça e do teu amor para superar o mal que está em mim. Sinto na minha carne as mesmas tentações que Davi sentia e as quais nem sempre resistiu. A tentação de querer ser maior que os outros, de buscar o poder como forma de autoafirmação e fazer do poder um meio nem sempre lícito para dominar e espezinhar os outros. O poder me corrompe e me permite acreditar que tenho regalias e que me é lícito fazer o que quero. A tentação da carne, da sensualidade e da sexualidade, nem sempre orientada, é forte e não é canalizada para fazer o bem, mas sim instrumento de prazer e de condescendência aos instintos que tentam dominar e me levar para longe do projeto de amor. A tentação me faz querer tudo: coisas e pessoas. No entanto, Senhor, percebo que dentro de mim há algo de bom, um desejo de infinito, uma luta para vencer o mal e a vontade para fazer o bem. Quero entrar no meu coração para escutar a tua Palavra, para me colocar aos teus pés na atitude de discípulo. Envia-me profetas corajosos como Natã, que me jogue na cara o meu pecado para que eu possa me converter. Todos nós necessitamos de conversão, do mais santo ao mais pecador, do grande ao menor. Senhor, é o que te peço, não afasta de mim o meu pecado para que, tendo-o na minha frente, evite outros pecados. E faz que ensine, com a minha experiência e as quedas, o caminho certo, e que outros não cometam os mesmos erros meus. Amém.

 

 

MEDITATIO: A aliança entre Deus e o homem não se baseia nas qualidades e nas atitudes vencedoras do homem, mas no dom gratuito de Deus. Nem tampouco a debilidade humana representa um obstáculo; mais ainda, Deus faz compreen­der, ao apóstolo Paulo, que seu poder divino se manifesta precisamente na debilidade. Nem mesmo o pecado é obstáculo: Deus é sempre o Pai misericordioso que perdoa ao pecador, que até lhe sai ao encontro e can­cela toda sua culpa. O obstáculo é a presunção de pôr-se no lugar de Deus, erguer-se em seu competidor e rival: é a antiga culpa do Gênesis que levou o homem a fazer-se como Deus. Não nos é pedido mais que acolher o dom da comunhão que Deus nos oferece: é esta uma verdade que deveria nos encher de alegria. Que árduo acaba sendo, ao contrário, estar a dominar o que recebemos, apoderando-nos e administrando-o co­mo se fosse nossa propriedade… A altivez satânica re­lega à solidão, à miséria interior, à separação desesperante. A humildade, rica de gratidão pelo dom i­menso recebido, edifica a comunidade. E nós, onde nos reconhecemos? Deixar aflorar a Palavra que o Espírito Santo pro­nuncia em nós e nos revela a verdade de Deus e de nós mesmos… Aprender a iluminar a consciência, a escutá-la e a seguir o sopro de Deus em nosso cora­ção… Sintonizar nosso modo de sentir e de pensar com os de Deus… Simplesmente, ser cristãos.

 

ORATIO: Tu és aquele que tem me rodeado e tem se interessado por mim. Tu és aquele que me quer junto a si a oferecer sua amizade. Tu és aquele que sabe distinguir entre o que tem valor eterno e o que é fruto da contingência. Tu és aquele que nem se esconde nem se camufla, que se declara abertamente e não se põe por detrás. Tu és aquele que ama para sempre e que, para não renegar o amor, aceita sofrer e morrer. «Ó Deus, tu és meu Deus»: que eu permaneça em teu amor.

 

CONTEMPLATIO: Quando, por dom de tua graça, Senhor, te busco de todo coração e me alegro de ter aprendido a ver teu rosto, o único que deseja o meu, te suplico, que fato há que volte a estar, de repente, apartado? Acaso não me tenho convertido a ti, ou estás ainda fora de mim? Se não estou convertido, converte-me.. Tu, que tens me dado o querer, dai-me o poder, e que se cumpra, em mim e por mim, qualquer coisa que queiras. Quero, ó Deus, fazer tua vontade, e nos mandamentos abraço tua Lei, no centro de meu coração. Existe, não obs­tante, outra lei tua, imaculada, que converte às al­mas, mas não a conheço; esta permanece escondida em teu coração, onde eu não mereço entrar. Se uma só vez me deixasse entrar ali para vê-la, teu Espírito, como a pluma do «escriba que escreve veloz», a transcreveria em meu coração duas ou três vezes, para ter aonde recorrer, e, cumprindo minhas obras, caminharia na simplicidade e confiança (Guillermo de Saint).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Eu serei seu Deus e eles serão meu povo» (cf.Jr 31,33)

                                                                          

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL– “Que dizem as pessoas que eu sou?”. Pergunta dirigida a um grupo, o que obriga a uma resposta coletiva também. A profissão de fé será, e igualmente a eventual dúvida ou perplexidade. A interpelação apresenta uma certa cadência. Ela se faz em dois passos, na verdade a pergunta é dupla. A primeira questão é “que dizem as pessoas que eu sou?”. A missão de Jesus foi pública, no ambiente se pode ter (e seguramente se tem) uma opinião dele. A pergunta é então como os discípulos recebem e processam essa opinião, como repercute neles o que diz a multidão. Isto já é uma pergunta sobre a fé dos discípulos, porque um aspecto de nossa própria fé é o que os outros descobrem dela. A opinião sobre Jesus, então como agora, não descansa só no que as pessoas veem n’Ele, mas ainda no que percebem nos que se proclamam seguidores. E, anteriormente, Marcos narra o envio dos discípulos para cumprir uma tarefa evangelizadora (6,6-13). A questão é também, por isso, um modo de dizer: que testemunho vocês tem dado de mim? Esta primeira interrogação não é uma preparação para chegar à segunda. Trata-se de uma autêntica pergunta sobre a fé de seus interlocutores diretos, porque se referindo ao que pomos sempre de nós, nos identificamos com essa opinião, tomamos distância frente a ela ou a rejeitamos. Além do mais, isto pode nos recordar que a resposta à questão sobre Jesus não é algo que nos pertença de forma privada. Tampouco corresponde só à igreja. Cristo está além de suas fronteiras e interpela a toda a humanidade; o Vaticano II nos recordou com clareza. “Que diz a multidão que eu sou?” é uma pergunta que, precisamente porque escapa a esses limites, segue vigente para a comunidade de discípulos de ontem e de hoje. De fato, é importante para a fé eclesial saber o que os demais pensam de Jesus e de nosso próprio testemunho como discípulos. Saber escutar nos levará a uma melhor e eficaz proclamação de nossa fé no Senhor ante a face do mundo. A forma concreta de proclamar o amor gratuito de Deus e seu Reino tem inevitáveis consequências para a ordem religiosa, social e econômica imperante na época de Jesus. Assim o perceberam quem buscou e ordenou sua execução (cf.Mc 3,1-6). As dificuldades e conflitos que teme Pedro (e nós com ele!) são provocadas, fundamentalmente, pela própria missão. Esta hostilidade não vem de que a mensagem do Messias seja política (o qual claramente não é, sobretudo, no sentido estrito do termo), mas justamente porque é um anúncio religioso que abarca a existência humana inteira. O que provoca a rejeição de Pedro é sua resistência a aceitar as consequências do reconhecimento de Jesus como Cristo. Os vv.34-35 precisam as condições do seguimento de Jesus. Isso é o que Pedro recusa. Não basta reconhecer Cristo em Jesus; é necessário aceitar o que isso implica. Crer em Cristo é também assumir sua prática, pois uma profissão de fé sem seguimento é incompleta; tal como em Mateus “nem todo o que diz Senhor, entrará no Reino dos Céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai” (7,21). A ortodoxia, a reta opinião exige uma ortopráxis, ou seja, um comportamento de acordo com a opinião expressada. A prática do seguimento mostrará o que está por trás do reconhecimento do Messias (G. Gutiérrez, Beber en su próprio pozo).

 

 

SEXTA-FEIRA, – 18ª SEMANA DO TEMPO COMUM ANO PAR

Mateus 16,24-28 (Condições para seguir a Jesus) Jesus confirmou sua própria identidade de Messias e de Filho de Deus e indicou também o caráter sofredor de seu messianismo (cf. Mt 16,16-17.21): agora fala daqueles que desejam segui-lo. A sorte do discípulo não será diferente da do Mestre (cf. 10,24ss); mais ainda, toda atitude e toda decisão do discípulo terão significado para sua relação com a vida do Mestre. A escala de valores e de prioridades está determinada, em consequência, pela referência à pessoa de Jesus, cujo caminho histórico de sofrimento vivido no amor haverá de apropriar-se dele o discípulo (v.24). Este experimentará o paradoxo do «perder para conservar», do «morrer para viver» (v.25). Com suas obras manifestará a decisão fundamental de por a Jesus, e não a si mesmo, no centro de sua vida; sua recompensa a receberá no momento do juízo (v 27; cf. 25,31-40). O Servo de Yhaweh, sem dúvida, é também o Juiz escatológico; o Messias humilhado é também o Rei glorioso. Poderão compreender bem alguns que o estão escutando (v.28), dado que durante sua vida terrena terão lugar os acontecimentos anunciados (cf. 16,21).

 

 

Na 2,1.3;3,1-3.6-7 (Sentenças proféticas contra Judá e contra Nínive, a prostituta) Naum, no texto de hoje, atuou no Reino de Judá, provavelmente durante a segunda metade do século VII a.C. Seus oráculos anunciam o final do poder assírio, que dominava por então com uma grande ferocidade toda a região do Oriente Médio. A crueldade de Nínive, capital de Assíria, está descrita com realismo e intensidade (3,1-3): a fraude e a rapina constituem sua política; o estrondo dos carros de guerra se eleva ao alto; seus soldados, animados por una fúria homicida, semeiam aonde passam violência e morte. O profeta contempla o final de tanto horror: o anúncio que proclama é a notícia da libertação. O povo pode celebrar com alegria a salvação e a paz recuperadas (2,1), que Yhaweh o concede humilhando o opressor (3,6). Naum tem, pois, uma mensagem de consolação para Judá, enquanto Nínive, símbolo do caos e das forças do mal que ameaçam a harmonia da ordem querida pelo Criador, não tem quem a console (3,7).

 

Dt 32,25cd-26ab (Cântico de Moisés) (…) trata de um texto antigo mas posterir a Moisés, sobre cujos lábios foi posto, para lhe conferir um caráter de solenidade. Este cântico litúrgico situa-se na própria origem da história do povo de Israel. Não faltam nessa página orante notas ou ligações com alguns Salmos e com a mensagem dos profetas: desta forma, ela tornou-se uma sugestiva e intensa expressão da fé de Israel. A imagem de Deus presente na Bíblia não se mostra absolutamente como a de um ser obscuro, uma energia anônima e feia, um acontecimento incompreensível. Ao contrário, é uma pessoa que tem sentimentos, age e reage, ama e condena, participa na vida das suas criaturas e não é indiferente às suas obras. Assim, o Senhor convoca uma espécie de assembleia judicial, na presença de testemunhas, denuncia os delitos do povo acusado, exige uma pena, mas deixa impregnar sua sentença por uma misericórdia infinita. Vem de imediato a menção dos espectadores-testemunhas cósmicos: “Escutai, ó céus… ouça toda terra” (Dt 32,1). (…) A voz de Moisés, profeta e intérprete da palavra divina, anuncia a iminente entrada em cena do grande juiz, o Senhor, do qual ele pronuncia o nome santíssimo, exaltando uma de suas inúmeras características. De fato, o Senhor é chamado a Rocha (cf. v.4), um título que aparece em todo o cântico (cf. vv.15.18.30.31.37), uma imagem que exalta a fidelidade estável e indiscutível de Deus, que é bem diferente da do povo. O tema é desenvolvido com uma série de afirmações sobre a justiça divina (…) (São João Paulo II, papa).

Dá-me, Senhor, um coração vigilante, que nenhum pensamento arraste-o para longe de ti; um coração nobre, que nenhuma afeição indigna o debilite; um coração reto, que nenhuma intenção equívoca o desvie; um coração firme, que nenhuma adversidade o abale; um coração livre, que nenhuma paixão o subjugue. Concede-me, Senhor, uma inteligência que te conheça, uma vontade que te busque, uma sabedoria que te encontre, uma vida que te agrade, uma perseverança que te espere com confiança, e uma confiança que te possua inteiramente. Amém.

 

 

MEDITATIO: Os atropelos e as violências de todo tipo parecem garantir a segurança e a prosperidade dos fortes, ao preço da aniquilação dos débeis. Sem dúvida, não é esta a verdade da vida, e a história nos mostra a precariedade do poder humano, registrando o desmoronamento de impérios políticos, econômicos, ideológicos, que se apresentavam (e se apresentam) como indestrutíveis. A lógica que vence é outra: perder a própria vida, quer dizer, consumi-la no serviço aos outros, sem recusar o sofrimento que disso possa derivar-se, e seguir amando de todos os modos. Como fez Jesus. Quando vivo assim, me converto em anúncio silencioso –ainda que eficaz – da autêntica libertação.

 

ORATIO: Senhor Jesus, quisera seguir-te pelo caminho que Tu percorres. Sinto que não me obrigas a ir contigo, só me convidas. E entendi que só teu caminho é o da vida; mais ainda, que Tu és o Caminho e a Vida. Sei que, caminhando contigo e como Tu, amar se conjuga com sofrer, e sinto medo: gostaria de um amor mais barato. Desde meu ponto de vista, absorvido por completo no presente, dar equivale a perder e é um péssimo negócio. Sem dúvida, o amor que não se entrega por completo não é, senão, uma cópia camuflada do egoísmo. Que eu possa aprender, caminhando atrás de teus passos, a força da entrega sem condições. Infunde-me a força dos pequenos e a desconfiança com respeito a tudo aquilo que tem o odor azedo da violência, que obtém porque usurpa, que vence porque aniquila. Ponde meus passos nos teus, Jesus, que eu aprenda a sabedoria de teu amor crucificado.

 

CONTEMPLATIO: Sê fiel, queridíssima irmã, àquele a quem fizeste tuas promessas. Por Ele mesmo, de fato, serás coroada com o louro da vida. Breve é nossa fadiga aqui, mas a recompensa é eterna; que não te confundam os estrépitos do mundo que foge como sombra; suporta firme os males adversos, e que os bens prósperos não te exaltem. Estes, de fato, dispensam a fé, e aqueles a exigem. Queridísima, olha para o céu ao qual nos convida, toma a cruz e segue Cristo, que nos precede; de fato, após as diferentes e abundantes tribulações, graças a Ele, entraremos em sua glória (Santa Clara de Assis).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Envia, Senhor, teu mensageiro de paz» (cf. Na 2,1)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL O sofrimento não está abaixo da dignidade humana. Ou seja, se pode sofrer de modo digno ou indigno do homem. Isto é o que quero dizer: a maior parte dos ocidentais não compreende a arte da dor, e assim vivem obsecados por mil medos. A vida que vive as pessoas agora já não é uma verdadeira vida, cheia como está de medos, resignação, amargura, ódio, desespero. Deus meu, tudo isto se pode compreender muito bem, porém, se uma vida assim fica suprimida, se suprime muito depois? Devemos aceitar a morte, inclusive a mais atroz, como parte da vida. Se não vivemos cada dia uma vida inteira, tem muita importância que vivamos alguns dias mais ou menos? Estou diariamente na Polônia, onde o que muito bem podemos chamar campos de batalha; em ocasiões me oprime uma visão destes campos que se tornaram verdes de veneno; estou diariamente ao lado de famintos, de maltratados e de moribundos, mas também estou junto ao jardim, este pedaço de céu que há além de minha janela: numa vida há lugar para tudo. Para a fé em Deus e para um final miserável. Devemos ter também a força necessária para sofrer a sós e não ser uma carga para os outros com nossos próprios medos nossos próprios fardos. Deveríamos nos educar reciprocamente para isto, se possível com doçura e, se não, com severidade. Quando digo: de um modo ou outro, já tenho feito minhas contas com a vida, não o digo por resignação. Que quero dizer? Talvez que já não pode suceder-me nada novo? Não, trata-se de um viver a vida minuto a minuto, e deixar também um espaço à dor, um espaço que, hoje, não pode ser pequeno. Supõe, pois, uma grande diferença que em um século seja a Inquisição que faz sofrer aos homens e a guerra e os massacres em outro? A dor tem exigido sempre seu lugar e seus direitos de um modo ou de outro. O que conta é o modo como o suportamos e se estamos em condições de integrá-lo em nossa própria vida e, ao mesmo tempo, de aceitar também a vida. Às vezes devo inclinar a cabeça sob o grande peso que tenho sobre a nuca, e então sinto a necessidade de unir as mãos, quase com um gesto automático, e poderia permanecer sentada assim durante horas. Estou em condições de suportar tudo e, por sua vez, estou segura de que a vida é belíssima, digna de ser vivida e está repleta de significado, apesar de tudo. O que não quer dizer que alguém nem sempre se encontre em um estado de ânimo mais elevado nem pleno de fé. Podemos estar cansados como burros depois de haver realizado uma longa caminhada ou haver tido que ficar numa longa fila, porém isso também faz parte da vida, e dentro de ti há algo que não te abandonará jamais: o amor que vem dEle. (E. Hillesum, Diario)

 

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