LECTIO DIVINA 4ª SEMANA DA QUARESMA ANO 2020

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DOMINGO, 22 DE MARÇO DE 2020                                                         

João 9,1-41 (Cura de um cego de nascença) – O texto do milagre do cego de nascença exige todo seu alcance teológico (kerigmático, pascal e batismal, por sua vez) no contexto em que aparece: a festa das Tendas (Jo 7-10), durante a qual Jesus se revela como “luz do mundo” (8,12), suscitando a con­sequente polêmica com os judeus. O milagre acontece nas imediações do templo, por obra do próprio Je­sus. O enfermo não pede nada. É Jesus quem o olha. Só vagamente os discípulos tomam a pa­lavra, enquanto o cego não diz nada ainda. E o texto aborda um tema fundamental: o significado do sofrimento, que, segundo a mentalidade daquele tempo, estava vinculado ao pecado. Jesus afirma clara­mente: “Não foi nem um pecado seu nem de seus pais”. A cegueira (sofrimento) indica mais a situação natural do homem. Todos somos cegos de nascimento. Todos estamos “enfermos”, e enfermos de uma doença tão grave que não nos restam forças para ir ao único que pode curar. É o Médico quem toma a iniciativa. Suas ações estão calcadas nas da primeira criação (o barro aplicado aos olhos: v.6). Para que o homem possa ver a luz, precisa uma nova criação. Logo Jesus dá uma ordem ao cego, que, diferente do primeiro Adão, ­obedece. Ele não conhece Jesus, porém sua obediência é o ato de uma grande fé, do total abandono. Dele brota uma sabedoria que vem do alto: sabe dar verdadeira glória a Deus com as palavras e com a adoração.

 

 

1 Sm 16,1b.6-7.10-13a (Unção de Davi) – Com Davi a realeza passa à tribo de Judá: cumpre-se, assim, a profecia de Jacó em sua morte, vendo o futuro das diversas tribos (Gn 49,8-12). Também o ancião Samuel deve aprender a ver com o olhar de Deus. Pois o Senhor “viu” (literalmente, o v.1 b) entre os filhos de Jessé um rei segundo sua vontade e manda o profeta consa­grá-lo. Como “ver”, entre os jovens que desfilam ante ele, o eleito? Samuel “vê” as qualidades do primogênito parecidas às de Saul, porém o Senhor indica outro critério de discernimento: o “ver” de Deus é distinto do “ver” humano (v.7 no original), porque Deus olha o coração, não o exterior. De acordo com este olhar divino, Samuel descarta os filhos maiores de Jessé (vv. 8-10) e procede logo sem duvidar a consagrar rei ao menor (v.12). Sobre este “pequeno” pou­sou de modo estável (v.13b) o Espírito do Senhor, esse Espírito que só de modo ocasional havia irrumpido nos juízes e que abandonou definitivamente a Saul (v.14), repudiado por Deus por causa de sua orgulhosa desobediência.

 

Ef 5,8-14 (A vida nova em Cristo) – O termo chave deste texto é a palavra “luz”, em uma clara alusão ao batismo, sacramento da iluminação, pois nos converte em “filhos da luz”, quer dizer, em membros de Cristo, “luz do mundo”. Por esta real transformação se consegue, correspondendo à graça, uma vida diferente, de modo que as obras dos cristãos sejam fruto da unção recebida, a fragrância de Cris­to, o perfume de seu nome, que se difunde para encher toda a terra (vv.8b-10). Da luz deriva tudo que é justo, verdadeiro e bom. Estes são os três fru­tos principais que menciona o apóstolo, por sua refe­rência particular à vida comunitária: o amor de benevolência, o respeito ao direito do outro, a sinceridade nas palavras e nas ações. Uma conduta autenticamente cristã é um raio de luz que não só julga as trevas, mas que as pe­netra, para transformá-las. O discípulo de Cristo é missionário com sua vida: desperto do sono da mor­te, assim é a vida batismal, desperta, ao mesmo tempo, as cons­ciências, para que sua esterilidade se converta em fecundidade de bem.

 

Salmo 22/23 (O bom Pastor) – Esse Salmo, tão conhecido por todos, deve ser meditado silenciosamente diversas vezes. Este Salmo é um dos preferidos do saltério, pela tradição de Davi pastor e pela culminação na imagem do Bom Pastor. Também por sua simplicidade e riqueza: em duas imagens ou cenas de conjunto, comprime um número inesperado de símbolos elementares. As imagens são duas: o pastor em 1-4, o anfitrião em 5-6. O versículo central, 4b, une-se ao que precede pela imagem, ao que segue pelo surgimento da segunda pessoa. A imagem do pastor é desenvolvida com realismo e concretude, por meio de traços breves que evocam a cena. Deixemo-nos conduzir pela imaginação, sem espiritualizar: a relva verde com uma fonte, para deitar-se, repousar e recuperar forças; as trilhas do caminho, o vale ao anoitecer, o cajado que bate no chão rítmica e sonoramente. A imagem unem dois planos de significado num ângulo comum; dele, numa visão de conjunto, se veem as duas vertentes. O que se diz das ovelhas vale para o homem; o aspecto pessoal avança para o primeiro plano: “tu vais comigo”. A imagem libera vários símbolos, arquetípicos ou culturais. A imagem do pastoreio se inscreve nas relações do homem com os animais dominados e domésticos. O verde aplaca os olhos, revela a terra materna e acolhedora. A água mata a sede e suscita energia vital. O caminhar é energia radical. A escuridão evoca medos infantis e temores não esclarecidos; nela se sente com mais força a presença amiga. A potência simbólica desses traços não se esgota na primeira leitura. A imagem do hóspede. Na cultura nômade a hospitalidade é fundamental. Podemos imaginar um fugitivo de seu clã que pede asilo. O xeque o acolhe na sua tenda, oferece-lhe proteção, comida e bebida, unguentos aromáticos. Ao observar a cena, os inimigos perseguidores se detêm na porta ou cortina: o xeque o protege. Quando termina, o xeque lhe oferece uma escolta que o acompanhe pelo caminho até sua casa, que é a casa do Senhor. Essa parte acrescenta os símbolos de comer e beber. As tradições do êxodo nos dão uma chave para compreender a unidade das duas imagens: o Senhor guia seu povo como rebanho, pelo deserto, proporcionando-lhe água, comida e repouso. Quando chegam à terra prometida, O senhor no seu território os recebe como anfitrião: Ex 15,13; Sl 68,11; 77,21. Duas vezes o poeta interrompe o descanso com o caminho, não ao contrário. Toda a vida a caminho ou a morada final no templo? O poema termina com uma tensão não resolvida, como se numa e noutra vez voltasse a começar.

Senhor, deixa que eu me entregue nas tuas mãos e que me deixe guiar para onde o Senhor quer. Que eu seja humilde e dócil, em todos os momentos de minha vida. Mesmo que a noite seja escura, eu confio e confiarei sempre em Ti. Amém.

 

 

MEDITATIO: No caminho da quaresma hoje brilha uma luz parti­cular que nos convida a encontrar-nos com maior profun­didade com o Senhor Jesus. O cego seguiu um proce­sso que vai das trevas à luz da fé em Jesus, que lhe fala, que se põe diante dele. Crer que alguém lhe deu a vista não é tão difícil. Encontrar-se em uma situação determinada de um fato e reconhecê-lo é, já, ter certa fé. Porém, encontrar-se cara a cara, com o que mudou nossa situação, com o que nos tirou da noite da cegueira e nos fez passar à claridade de seu dia é a fé madura, à qual devemos chegar. Devemos ir mais além do crer sermos cristãos para mani­festar, com toda nossa vida, este encontro que, indissoluvelmente, nos vincula ao Senhor Jesus, como sua fonte. Jesus não nos pede crer em uma doutrina abstrata, mas quer uma adesão plena e incondicional a sua pessoa. Pergunta: “Queres encontrar-te comigo para viver para mim?” Todos os dias e todas as horas, o Senhor é o que está ante nós e nos fala. Se Ele é minha luz, vejo em sua luz e me converto em uma manifestação transparente das obras de Deus para sua glória.

 

ORATIO: Aqui estamos, Senhor, luz radiante da glória do Pai, a teus pés, como cegos ignorantes de sua enfermidade. Olha-nos, filho de Davi, como olhaste teus discípulos carregados de sono, na luz do Tabor. Des­perta-nos, Senhor, verdadeiro sol sem ocaso; ilumina-nos e ficaremos radiantes. Cura-nos, Senhor, com o leve roçar do dedo de Deus e com a Palavra que abre os olhos e corações à luz. Envia-nos, Senhor, à perene piscina do batismo de vida nova. Dai-nos a tua Mãe, Senhor, cântaro de ouro para tirar água viva da fonte perene de teu coração tras­passado, por nós, na cruz. Guarda-nos, amoroso Je­sus, na prova da fé, pela qual todos passamos, como tu passaste. Manifesta-te, Senhor, luz gozosa do dia eterno, pondo sobre nossos lá­bios o grito do cego curado: “Creio, Senhor”.

 

CONTEMPLATIO: É preciso indicar o modo e o caminho para alcançar a verdadeira luz. Trata-se da verdadeira renuncia do homem a si mesmo e uma pura, profunda e exclusiva in­tenção de amar a Deus e não nossas coisas: desejar uni­camente a honra e a glória de Deus e, atribuir tudo imediatamente a Deus provenha seja de onde for, e dá-las a ele sem escapatórias, nem mediações: este é verdadeiro caminho reto. Ele é a verdadeira luz que ilumina a todo homem que vem a este mundo. Esta luz resplandece nas trevas, e as trevas não a rece­beram. Ninguém recebe esta luz, exceto os pobres de espírito e de vontade própria. Filhos caríssimos, ponde em obra o que possais, tanto espiritual como naturalmente, para que esta luz verdadeira resplandeça em vós e possais ser luz. Pedi aos amigos de Deus que os ajudem; juntai-vos com os que se aderem a Deus para que os atraiam a Deus. Que todos nós possamos cumpri-lo. Ajude-nos Deus amável. Amém (J. Taulero)

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Em ti está a fonte viva, e tua luz nos faz ver a luz” (Sl 35,10)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Cegos e surdos, devemos começar por escutar o que nos é dito, por uma escuta paciente; chegar a crer, a ver a luz do dia, a esperar. Esperar tudo de ti significa viver de graça. Estou convencido de que a Bíblia é um livro de esperança. Em questão de esperança, cada manhã tu és nossa esperança. Aqui estamos juntos, nós, que esperamos conhecer-te um dia, ver-te cara a cara. E seremos iluminados com teu olhar: conviventes. Tu és nossa esperança: em nosso coração se abre um caminho, uma calçada de felicidade. Neste tema, enquanto posso entendê-lo, descubro uma coisa: o que entrevemos de ti entre todos, eleito, olhado, amado, sou eu. Sim, quero. Sim, esperar é como reconhecer ante ti o surpreendente que sou. Quando dizia: “Que as trevas me encubram” a noite se fez luz em torno a mim (cf. Sl 138). A humanidade está chamada a converter-se em rosto: “Verão teu rosto… não haverá mais noite… porque o Senhor Deus os alumiará, e reinarão” (Ap 22). Cada um ouvirá dizer: “Levanta-te, reveste-te de luz, porque chega tua luz, e a glória do Senhor brilha sobre ti” (Is 60). Sim, nos espera um futuro de luz, e já nos é concedido vivê-lo: já somos filhos da luz (cf. Cl 1,23). Eu… E os outros? A esperança é a porta que se abre à novidade e me dá um mandamento novo, o mandamento da novidade da qual queres fazer-nos cúmplices, enamorados. Esperar é corrosivo. Sim, este servo humilde desprezado, desfigurado, verá a luz e será cumulado (Frére Ch. Lebreton, en Piú forti dell’odio).

 

 

 

 

SEGUNDA-FEIRA, 23 DE MARÇO DE 2020                                                         

João 4,43-54 (Jesus na Galileia; Segundo sinal em Caná: Cura do filho do funcionário real) A presente narração de uma cura a distância quer revelar-nos Jesus como Palavra de vida. O Mestre volta a Galileia onde é bem recebido porque se difundiu a fama do que havia feito em Jerusalém. Porém, ele foge da popularidade baseada no prodi­gioso. Aproxima-se a Caná, onde havia operado seu primeiro milagre (“sinal” segundo a linguagem própria de João). E agora vem o segundo: um funcionário de Herodes An­tipas suplica a Jesus que lhe siga a Cafanaum, onde seu filho estava nas últimas. A localização de Caná com res­peito a Jerusalém explica o uso do verbo “descer”, porém não esgota seu significado, cuja importância aparece na insistência com a qual o funcionário suplica a Jesus que “desça”. Ele, de fato, é o que “por nós, os homens, e por nossa salvação desceu do céu”. Jesus repreende uma fé imperfeita demais, porém o funcionário não desiste. Como resposta à invocação desesperada de uma humanidade que esmorece e está morrendo, Je­sus oferece uma palavra de vida, porém, exige a fé. O prodígio de Jesus está na Palavra: se crê e se obedece, experimentará o milagre final (v.50). Ma­ravilhoso e eficaz o efeito do eco: o funcionário se põe a caminho deixando ressoar no coração o que lhe disse Jesus: “Volte, teu filho já está bem”. Esta palavra, úni­ca esperança, acompanha e sustenta cada um de seus passos para casa. E da sua casa lhe saem ao encontro os criados com a grata certeza e com as mesmas palavras: “Teu filho já está bem”. A fé que tinha caminhado na escuridão (v.52ss) encontra a luz e se converte em pleno assentimento: repetiu-se o crescimento da palavra de Jesus (v.53) e imediatamente se confirma: “e acreditou”.

 

 

 

Is 65, 17- 21 (O julgamento futuro) – O povo que voltou do desterro cede, uma vez mais, à tentação dos cultos idolátricos. Resiste à voz do Senhor, esquecendo de invocar seu nome (vv.1-7) e provocando-o deste modo. É quando intervém o profeta: recorda que Deus é um juiz justo que designa uma sorte muito distinta a seus servos fieis e aos rebeldes (vv.8-16a). Neste contexto o fragmento proposto abre uma espiral de luz sobre o futuro, revelando as di­mensões do plano de Deus, que não se limita ao destino dos indivíduos, mas abarca todo o cosmo: logo se esqueceram das fadigas passadas, porque o Senhor se dispõe a executar uma “nova” criação inunda­da de alegria. Nestes versículos parecem entrelaçar-se o canto do coração de Deus e o da humanidade: ao gozo de Deus por sua cidade santa, por seu povo reno­vado interiormente, responde a alegria do povo pelas maravilhas desta recriação. O profeta utiliza as mais belas imagens tiradas da vida humana para ex­pressar o inefável, para indicar a vida de comunhão com Deus: na nova Jerusalém se dissipará qualquer soma de tristeza, cessará a difundida mortalidade infantil, a longevidade será admirável, a liberdade e a estabilidade po­lítica garantirá vida próspera e serena. A obra salvífica do Senhor transformará o mundo: é uma promessa, cujo cumprimento é Jesus, e chegará à plenitude ao final dos tempos.

 

Sl 29/30 (Ação de graças após um perigo mortal) – Sem Deus, nada tem sentido. A vida só encontra o seu verdadeiro significado no Senhor, que é a fonte de todo o amor. O salmista lê a sua história à luz da Palavra e da experiência, portanto sabe que a “ira” de Deus dura menos que um momento e que se o Senhor deixa pesar a sua mão sobre nós, é para nos resgatar e nos salvar dos nossos pecados. O pano de fundo de toda a vida humana é a alegria; gritos de alegria de felicidade e festa são comuns na linguagem da Bíblia. Saber transformar a tristeza em alegria deve ser o nosso esforço de cada dia.

Senhor, que a tristeza, as desilusões e os fracassos da vida não pesem sobre mim, mas que eu saiba transformar tudo em festa, em alegria, que é a certeza do seu amor e de tua presença. Mesmo na dor, quero me vestir de festa e sair pelas ruas afora, cantando as tuas maravilhas e o teu amor. Amém.

 

 

MEDITATIO: Crer na Palavra é como abrir-se ante nós uma porta que nos introduz em uma realidade nova. Per­manecer na Palavra, guardando-a no coração, sig­nifica participar na obra divina da recriação, san­tificação e transfiguração do cosmo. Jesus é a Palavra viva de Deus: só ele pode dirigir-­nos esta Palavra eficaz. E o faz de modo sereno, co­mum, pedindo uma fé autêntica, total. Assentir e caminhar confiando-se a ele pode ser questão de vida ou morte: foi assim com aquele pai cansado do Evange­lho que, em resposta a seu rogo, não recebeu, de Jesus, um prodígio, mas uma palavra de vida, e a ela confiou com total abandono. Nada havia mudado em sua existência, porém em seu coração brotou a esperança. Na noite do so­frimento e da prova, a Palavra é lâmpada para nossos passos. A Palavra se converte também em oração repetida sem cessar até que encontre a confir­mação luminosa e potente: o Senhor escutou, o Senhor fez maravilhas de graça. Cristo Jesus é o Senhor da vida agora e por toda a eternidade. A fé se converte em canto de gozo que se difunde até formar um coro de louvor: “Proclamai comigo a grandeza do Senhor; exaltemos juntos seu nome. Eu con­sultei ao Senhor e me respondeu, me livrou de todas minhas ânsias; contemplai-o e ficareis radiantes” (Sl 33,4-6).

 

ORATIO: Jesus, filho de Deus, tu que és a plena expressão do Pai, sua Palavra viva, ajuda-me a encontrar-te cada vez que leio e escuto o Evangelho. Ensina-me a guardar no coração tuas santas palavras, a confiar-me a elas com uma fé simples, a buscar nelas uma resposta no mo­mento da prova. Não queres propor-me prodígios extraordinários, mas uma fé, um abandono total. Este é o prodígio que pedes ao homem: a fé. Com fé poderás exe­cutar em nós esses “sinais” de vida que te suplica­mos. Não só, nem sempre, no tempo presente, porém na eternidade: tua palavra é vida imortal, é semente que, acolhida na terra do coração, germina, floresce e dá fruto no Reino dos Céus.

 

CONTEMPLATIO: O Senhor não faz distinção de pessoas à condição é que lhe amemos como filhos, pois é nosso Pai celestial. O Senhor atende a condição de que se lhe ame do fundo do coração e de que se tenha uma fé autêntica, uma fé “grande como uma semente de mostarda.” Assim é o amigo de Deus. Qualquer coisa que peça a Deus a obterás se a pedes para a glória de Deus ou o bem de teu próximo. Pois Deus não separa o bem do próximo de sua glória. Portanto, tem por seguro que o Senhor escutará tuas preces, sempre que as faças para a edificação e o bem de teu próximo. Porém inclusive se pedisses algo por necessidade, utilidade ou beneficio pessoal, não temas, que Deus te concederá se realmente necessitas, porque Ele ama aos que lhe amam. É bom com todos e sua misericórdia se esten­de, também, aos que não invocam seu nome; com maior razão, pois, cumprirá os desejos dos que lhe temem. Ele escutará todas tuas preces e não as rejeitará por tua reta fé em Cristo Salvador. Porém, também poderá dizer-te por que lhe ofendeu sem motivo e como pedes coisas das que podes pres­cindir facilmente (Serafín de Sarov, Coloquio con Moti­lov).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Deus meu, vem em meu auxilio; Senhor, apressa-te em soco­rrer-me” (Sl 69,2)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Que vossa fé seja sensível, confiada, incansavelmente perseverante, animada na obscuridade e ancorada em Jesus. Nele, a quem deve chegar nossa fé pelo Evangelho, na realidade de sua presença junto a vocês. Praticai vossa fé nas palavras de Cristo… Releia o Evangelho propondo-se compreender o que Jesus nos diz. Há falado quase unicamente disto, e se há insistido tanto é porque sabia que não lê escutaríamos; sabia que era o essencial, que nos desanimaríamos, que nos faltaria perseverança. Nada pode substituir a força das palavras de Jesus: leia-as, releia-as e, sobretudo, viva-as: “Por que me diz: Senhor, Senhor, e não fazeis o que vos digo?” (Lc 6,46). Não vos percais em fantasias, em buscas retorcidas. Jesus está ao vosso alcance, se tens fé. Nada há mais concreto e certo que a fé, porque é uma realidade presente; é sólida, forte e indestrutível. Jesus está aqui, e vos também, a condição de que os façais presentes quando passa. Vossos gozos e tristezas, vosso cansaço do trabalho e dos homens, vosso sofrimento, vossas rebeliões e vossos desgostos não são óleo de superfície, e não impede que Jesus esteja ali, que os ame e os queira através destas coisas pelas que sofreis, mas perto em oferenda ao Pai e em sacrifício por vossos irmãos. Esta é a realidade, a pura realidade; se o compararmos, é só aparência. O sei: é mais fácil dizê-lo que fazê-lo. Mas o Espírito de luz, o Espírito de amor atua em vós. É necessário, sem cansar-se, abrir-lhe o caminho mediante a prática de vossa fé em Jesus (R. Voillaume, Come loro, Roma).

 

 

 

 

 

 

 

 

TERÇA-FEIRA, 24 DE MARÇO DE 2020                                                         

João 5,1-16 (Cura de enfermo na piscina de Betesda) O Senhor Jesus Cristo, salvação de Deus, decide atravessar os ­portais das misérias humanas que se reúnem junto à piscina de Betesda, em Jerusalém. Ali se encontra com um pobre homem paralítico, em particular. A sua palavra se dirige a esse pobre paralítico que vive enfermo há trinta e oito anos, quase toda sua existência. Depois de tão longa espera, que pode pedir de bom à vida? A pergunta aparentemente óbvia de Jesus (v.6) desperta a vontade deste homem e, por um simples mandato (v.8), recobra a força: toma sua cama, companheira de tantos anos de enfermidade, e caminha a levando consigo como testemunho de sua cura. Jesus renova a vida, coisa que não poderiam fazer os ritos supersticiosos, nem sequer a Lei: quem fica preso à sua interpretação literal, na rigorosa ob­servância do sábado, é um paralítico do espírito, um ce­go de coração. Diferente daquele enfermo, não quer curar-se e sua rigidez se converte em hostilidade. No templo, Jesus se encontra com o homem cura­do e lhe dirige a palavra clara e exigente (v.14), da qual se desprende que há algo pior que 38 anos de paralisia: o pecado com suas consequências. Jesus não quer reno­var a vida pela metade: se não nos liberta das ataduras do pecado, de nada nos serve que se nos curem os membros. É uma liberdade pela qual devemos optar cada dia: “Queres ficar curado? Não peques mais”.

 

 

Ez 47,1-9.12 (A fonte do Templo) Devido ao clima árido da Palestina, as fontes são consideradas, com frequência, símbolos do poder vivifica­dor de Deus. Por isso, às vezes, nas imediações de uma fonte se erigia um santuário. Na visão de Eze­quiel, este poder de vida nova emana do saguão do próprio templo e flui para o oriente, por onde voltou a Glória do Senhor a morar no meio do povo que voltou do desterro. A princípio é um pequeno arro­io insignificante, comparado com os grandes rios mesopotâmicos, porém vai crescendo cada vez mais e mais, até converter-se em um rio navegável. É sugestivo o contraste entre a medida exata e calculada sempre igual pelo anjo e o crescer sem medida da água, cujo poder deve experimentar o profeta em seu corpo (vv.3b.4b). A ele se revela a ex­traordinária fecundidade e eficácia da fonte: cheia de vegetação o território, cura o mar Morto, faz que abundem os peixes e que prosperem os povos (vv.7-10); as árvores frutíferas dão colheitas extraordinárias: a água que vem de Deus cura e fecunda a terra que per­corre. O Novo Testamento recolherá e levará à plenitude a simbologia: Jesus é o verdadeiro templo do qual bro­ta a água viva do Espírito (Jo 7,38;19,34) por meio da regeneração desta água vivificante e medicinal (Jo 3,5).

 

Sl 45/46 (Confiança na adversidade) Para o coração do salmista, não há nada mais amável que a cidade santa, Jerusalém, onde todos se reúnem para adorar a majestade de Deus. Mas há uma nova Jerusalém, que é a Igreja, e uma nova cidade santa, que é o nosso coração. Santa Teresa contemplou numa visão uma pedra preciosa que tinha a forma de um castelo. Esta, dirá Teresa, é a alma humana onde mora o Rei, sua Majestade. Se não encontramos Deus dentro de nós, também não o encontraremos nos santuários de pedras. Este é o caminho que nos é oferecido: ser a cidade santa e a nova Jerusalém, morada santa de Deus.

Senhor, ensina-me a reconstruir a tua cidade santa dentro de mim e nos outros. Que eu possa defender em cada momento a vida e estar sempre do lado do ser humano. Que eu possa ser capaz de te amar no coração do irmão, especialmente naqueles que têm os templos destruídos pelo pecado, pela droga, pelo mal. Senhor, quero te amar e te enxergar lá nos “ex-seres humanos”, aqueles que foram destruídos de sua dignidade. Neles quero te amar e te adorar. Amém.

 

 

 

MEDITATIO: Sentado nos limites da esperança, sem poder comprometer-se com a vida, desiludido dos demais e, com frequência, também da religião: assim é o homem de hoje, de sempre, ao qual Cristo vem buscar, ali onde se encontra paralisado pelo sofrimento, pelo pecado ou por distintas circunstâncias. Jesus simplesmen­te pergunta: “Queres curar-te?” Pergunta óbvia, talvez, porém exige uma resposta pessoal que renova interior­mente e faz sentir a grande dignidade do homem: sua liberdade e responsabilidade. Logo, simplesmente, disse: “Levanta-te: põe-te a andar…”. Não por meio de ritos vazios, mas pelo poder da Palavra de Deus que recria, rompe as ataduras que aprisionam. Não é nada a paralisia do corpo: há ata­duras muito piores que atam o coração ao pecado. Por esta razão, Cristo deixou na Igreja a eficácia de sua Palavra e a graça que brota como um rio de seu lado aberto: água viva do banho batismal, que regenera e renova o pecador; água viva das lágrimas do arrependimento que suscita o Espírito, para absorver de todo vínculo de culpa ao penitente; sangue derramado por aquele que foi perseguido de morte por ter trazido ao mundo a salvação de Deus.

 

 

ORATIO: Vem, Senhor, vem a todo o que jaz com ânimo abatido, na enfermidade e na desesperança do pecado. Vem a mim tam­bém. Acerca-te a nós, ó Cristo, volve-te a nós, um por um, para que ressoe a pergunta: “Queres curar-te?”. Fala também a mim. Vem mergulhar-nos no profundo abismo de teu amor que brota de teu coração aberto como um rio que co­rre inesgotável e potente, atravessando e renovando tem­pos e espaços, para desembocar no Eterno. Já me pu­rificaste na fonte batismal: faz que eu viva fielmente, em conformidade aos dons recebidos. Que possa eu, cada dia, cancelar as culpas cometidas com a água de minhas lá­grimas: que me abram à graça do perdão nunca me­recido, sempre humildemente implorado. Livre do pe­cado que me imobiliza em uma existência carente de sentido, que possa eu caminhar anunciando que em ti todos podem voltar a encontrar a vida e sentirem-se irmãos.

 

 

CONTEMPLATIO: A piscina ou a água simbolizam a amável pessoa de Jesus Cristo. Sob os pórticos da pis­cina jaziam muitos enfermos, e o que descia a água após ser agitada ficava completamente curado. Esta agitação e este contato é o Espírito Santo, que vem do alto sobre o homem, toca seu interior, e pro­duz tal movimento em seu ser, que, literalmente, se abala e se transforma totalmente; até o ponto que enjoa as coisas que antes lhe agradavam e, ardentemente, deseja o que antes lhe horrorizava, como o des­prezo, a miséria, a renúncia, a interioridade, a humildade, a abjeção, o distanciamento das criaturas. Agora constitui sua maior delícia. Quando se produz esta agitação, o enfermo, isto é, o homem exterior, com todas suas faculdades, desce interiormente ao fundo da piscina e lava a consciência em Cristo, em seu sangue precioso. Graças a este contato se cura com toda certeza como está escrito: “Todos que o tocavam se curavam” (J. Taulero).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

                              “Devolve-me a alegria de tua salvação(Sl 50,14a)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Voltando a um homem totalmente curado, Jesus lhe confere a vida em plenitude; exorta-se, certamente, ao homem a não pecar mais, mas, ele não faz mais que uma coisa: “andar”. Diferente do cego de nascimento, depois de sua cura, não se põe a proclamar que Jesus é um profeta, nem a confessar sua fé, mas é, simplesmente, um sinal da vida transmitida pelo Filho, e neste sentido expressa o Pai. Não há nenhuma instrução de que não “renegue”, mas o dever de existir, de “caminhar” simplesmente. O crente é um homem que caminha, se permanece em relação com o Filho e, por Ele, com o Pai. Como Jesus transmite a verdade que habita n’Ele? Ele sabe que a Palavra é geradora de vida e sabe também que a Palavra traduzida em palavras corre o perigo de ver-se confundida com a dúvida, a incerteza da linguagem humana. Por isso inicia dando saúde a um homem que estava há anos enfermo; e só a seguir ilumina sua ação. Ao realizar esta ação em dia de sábado, suscita uma questão sobre a autoridade de sua própria pessoa, e logo explica seu sentido. Desta maneira, todo discípulo pode aprender também a forma de comunicar sua experiência de fé. Frente aos que não a compartilham, me sinto tentado a combater com palavras que expressem a verdade. Porém, desta maneira me esqueceria de que as palavras não são somente um meio de comunicação, mas também um obstáculo para o encontro com outro. Pelo contrário, se ponho o outro na presença de um ato que incite a refletir sobre esse ser estranho que sou eu (cf. Jo 3,8), então se começa um diálogo, não com palavras que se cruzam, mas entre seres vivos, discípulos, para comunicar-se através de uns gestos que oferecem sentido (Léon-Dufour, Lectura Del evangelio de Juan).

 

 

QUARTA-FEIRA, 25 DE MARÇO DE 2020

Lucas 1,26-38 (A anunciação) – A autobiografia constitui uma chave de leitura do texto: Lucas, cronista esmerado e atento ouvinte dos protagonistas, recebeu, provavelmente, confid­ências de Maria e as pôs na mensagem evangé­lica. No diálogo entre Deus, por meio do anjo e Maria, o evangelista Lucas ressalta um traço essencial: a relação viva entre o divino e o humano. Semelhante relação se desenrola como um ocorrido no qual a proposta do alto vai se elucidando aos poucos, pois o mensageiro respeita, em uma pessoa humana, como Maria, o caráter gradual da compreensão de um projeto inesperado, como foi à maternidade messiânica, transversal ao seu projeto ou situação pessoal do momento, que era a virgindade. A pessoa humana, Maria, a virgem prometida como esposa a José, se assoma a este ocorrido e entra, progressivamente, nele, na consciência da mensagem que pretende acolher, fazendo-se disponível e adequando a ele seu próprio projeto pessoal. A firma do acordo relacional entre a Virgem Maria e Deus é a disponibilidade «aqui está à escrava do Senhor» (v.38).

 

 

Is 7, 10-14 (Segunda intervenção) – Acaz, jovem rei de Jerusalém, débil, mundano e sem filhos, vê vacilar seu trono por causa da presença de exércitos inimigos que fazem pressão nos confins de seu reino. Que pode fazer? Estabelecer alianças humanas. Isaías, sem dúvida, lhe propõe resolver o angustioso problema confiando-se por completo a Deus. Mais ainda, o profeta convida ao rei a pedir um «sinal» (v.11), como con­firmação concreta da assistência divina nesta deli­cada situação. Acaz, sem dúvida, rejeita a proposta com motivações de falsa religiosidade: “Não a peço, pois não quero pôr a prova ao Senhor» (v.12). Isaías denuncia a hipocrisia do rei, porém acrescenta que, apesar da rejeição, Deus dará esse sinal: “A jovem está grávida e dará a luz um filho, a quem põe o nome de Emanuel» (v.14). De imediato, as palavras do profeta se referem à Ezequias, o filho de Acaz, que a rainha vai dar a luz e cujo nascimento foi considerado, naquele particular momento histórico, como presença salvífica de Deus em favor do povo angustiado. Sem dúvida, vendo mais a fundo, as palavras de Isaías são o anúncio de um rei Salvador. Neste oráculo de uma «virgem que dá a luz» a tradição cristã, desde sempre, o anúncio profético do nascimento de Jesus, filho de Maria.

 

Hb 10, 4-10 (Ineficácia dos sacrifícios antigos) – O texto está separado de seu contexto. Este tenta demonstrar que o sacrifício de Cristo é superior aos sacrifícios do Antigo Testamento e convencer disso. O autor da carta relê o Sl 39, empregado pela liturgia de hoje, como se fosse uma declaração de intenções do próprio Cristo, ao entrar no mundo, ou seja, quando tomou a nossa carne e veio a habitar no meio de nós (cf. Jo 1,14), quer dizer, no acontecimento da en­carnação. E essa é a atitude de obediência peculiar ao povo da antiga aliança, e a todo piedoso cantor do salmo, a saber: a de um total “aqui venho para fazer tua vontade». Com a encarnação, como atitude de obediência, se leva a cabo o dia da anunciação do Senhor a Maria. No dia do anúncio começa a peregrinação messiânica, finali­zada com a doação do corpo de Cristo, como sacrifí­cio salvífíco, novo e inovador, único e indispensável, que se completa no «sacrifício da cruz».

 

Salmo 39/40 (Ação de graças; Pedido de socorro) – A oração que mais admiro é a de ação de graças e louvor. No entanto, é difícil agradecer e perceber a beleza ao nosso redor, e ter consciência de todas as graças que Deus nos tem dado ao longo de toda a nossa vida. Diante de Deus não temos nenhum direito, a não ser o de sermos amados. Ele tudo nos dá de graça, por isso é nosso dever cantar as suas maravilhas. O salmista, por ser pobre, faz a experiência do cuidado de Deus. Em meio a tanta pobreza material, só o Senhor vem em nossa ajuda, com pleno amor e gratuidade. Devemos dizer a todos, e de todas as formas, os benefícios recebidos por intermédio dele. Senhor, desculpa-me se sou cego e insensível à tua graça e ao teu amor. Dá-me um coração de pobre para acolher tudo como dom, desde a luz do sol até a saudade, os amigos e a família, o amor e o sofrimento. Que possa repetir com Santa Teresinha do Menino Jesus: “Tudo é graça… Não posso confiar em mim mesmo, mas devo pedir a todo o momento uma só coisa: o amor, Senhor, para que te possa amar e fazer-te amado”. Amém.

 

 

MEDITATIO: A passagem lucana ressoa na imensa maioria das liturgias marianas. Seu melhor posto é precisamente a liturgia da anunciação. Esta palavra parece um tanto sem uso, e a liturgia a conserva, talvez, para acentuar a auréola de solenidade e mistério de um acontecimento, certamente, único, irrepetível em sua substância, insólito. Concentremos nossa atenção nas duas últimas leituras, que se aproximam em um estupendo paralelismo. Em Hebreus, o autor interpreta o anúncio de Cristo; em Lucas, narra o anúncio a Maria. Cristo toma a iniciativa de declarar sua própria intenção; Maria recebe uma palavra que vem de fora e está repleta das petições de Outro. O paralelismo se torna coincidência; na explicitação da disponibilidade de ambos para cumprir a vontade divina; disponibilidade separada pela qualidade e a quantidade de consciência, porém convergente na finalidade da obediência total ao projeto de Deus­. A atitude de obediência aproxima ulteriormente à mãe e ao filho, Maria «anunciada» e Jesus Cristo “anunciado”: ambos pronunciam um «aqui estou» ambos se expressam com quase idênticas palavras: «Faça-se segundo tua palavra», «venho para fazer tua vontade»; ambos en­tram na fisionomia de «serva» e de «servo» do Senhor. Esta sintonia anima a todo discípulo à disponibilidade no servir à Palavra de Deus, porque o Filho mesmo de Deus é servo e porque a Mãe de Deus é serva, e ambos o são de uma Palavra que salva a quem a serve e que produz salvação.

 

ORATIO: Salve, Maria, humilde serva do Senhor, gloriosa mãe de Cristo! Virgem fiel, seio sagrado do Verbo, ensina-nos a ser dóceis à voz do Espírito; a viver à escuta da Palavra, atentos a seus chamados no secreto do coração, vigiando suas manifestações na vida dos irmãos, nos acontecimentos da história, no gemido e no júbilo da criação. Virgem da escuta acolhe a oração de teus servos.

 

CONTEMPLATIO: A página evangélica do anúncio a Maria atesta o estilo com o qual Deus adianta para propor e pedir disponibilidade à pessoa humana, ou seja, ao diálogo. O diálogo evangélico se desenrola na forma do dom. O dom da alegria (“Alegra-te, Maria”): a Palavra de Deus oferece alegria. O dom da graça (“cheia de graça”; «achaste graça»). O dom do alento (“não temas”): a delicadeza de Deus dissolve o medo e revela um rosto misericordioso, o medo da sua compro­metedora palavra. O dom da vitalidade (“conceberás e darás à luz um filho”): o filho é sinal de vida e de futu­ro, exigência de custodia e de serviço, responsabilidade com a vida. O dom do Espírito (“o Espírito Santo des­cenderá sobre ti»): é o primeiro pentecostes de Maria, e o Espírito lhe indica a intenção de posse e custódia da parte de Deus, a demanda de colaboração. O dom da fé (“porque nada é impossível para Deus”): palavra final, chave que abre a disponibilidade consciente.

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“O Senhor esteja contigo” (cf. Lc 1,28)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Ao anuncio de que Deus salva, nós também podemos responder, como Maria, com o Fiat, “faça-se”. Porém faça-se o que? Cumpra-se em mim, porém que coisa? Cumpra-se em mim a fé: que eu possa crer. Crer que desde faz miles anos Deus está em busca do homem […]. Fé em que Cristo é carne desta nossa carne, destino de nosso destino; que ele é aqui, agradável e poderosa energia; que ele está mais além, horizonte e destino e flauta que nos chama a outro lugar, e que com esta fé também nós podemos ser, ao menos por um momento, casa de Deus, cheios de graça ao menos por um momento; que também nós possamos ouvir-te dizer: eu estarei contigo por onde vás. O anjo nos repetirá então a cada um as três palavras essenciais: alegra-te, não temas, também em ti vai a nascer uma vida (E. M. Ronchi, Dietro).

                                            

QUINTA-FEIRA, 26 DE MARÇO DE 2020                                                         

João 5,31-47 (Discurso sobre a obra do Filho) – Continua o discurso apologético de Jesus como resposta às acusações dos judeus. À medida que avança o discurso, vai se inflamando mais e mais. Cada vez aparece mais clara a distinção entre o “eu” de Jesus e o “vós” dos ouvintes hostis. A passagem chega ao ponto culminante do processo do Senhor Deus contra seu povo amado com predileção, porém, obstina­damente rebelde, cego e surdo. Quatro são os testemunhos aduzidos por Jesus que deveriam levar os ouvintes a reconhecê-lo como Messias, o enviado do Pai, o Filho de Deus: as palavras de João Batista, homem enviado por Deus; as obras de vida que ele mesmo realizou por mandato de Deus; a voz do Pai, e, finalmente, as Escrituras. Estes teste­munhos tão diversos têm duas características comu­ns: de uma parte, como resposta à acusação de blasfêmia pelos judeus contra Jesus, remetem ao atuar salvífico de Deus Pai; por outra, não dizem nada verda­deiramente novo. Os judeus se encontram assim submetidos a um processo. Sua cegueira procede de um desvio radical, interior: os acusadores não buscam a “glória que procede só de Deus”, revela o risco e lhes põe em guarda: creem obter vida eterna perscrutando os escritos de Moisés, porém estes escritos são os que lhes acusam. O intercessor por excelência terá que converter-se em seu acusador? O texto conclui com uma pergunta que pede a cada um examinar a autenticidade e sinceridade da própria fé.

 

 

 

Êx 32,7-14 (Iahweh adverte Moisés) – Deus acaba de estabelecer sua aliança com Israel, confirmando-a com uma solene promessa (cf. Ex 24,3). Moisés, todavia, está no monte Sinaí na presença do Se­nhor, onde recebe as tábuas da Lei, documento base da aliança. Porém, o povo já havia cedido à tentação da idolatria: constrói um bezerro de ouro, obra de mãos humanas, e se atreve a adorá-lo como o Deus que os livrou da escravidão do Egito (v.8). Deus inflamou-se em cólera (as características antropomórficas com as quais se descreve a Deus neste episódio atestam a antiguidade do fragmento). Sem dúvida, in­formou a Moisés do acontecido (v.7): está desfeita a aliança. É um momento trágico: Deus está a ponto de repu­diar Israel, surpreendido em flagrante adultério. Ainda que Moisés, chefe do povo, haja permanecido fiel. Será ele rejeitado também pelo Senhor? Não, porém se porá a prova sua fidelidade. Como? Enquanto o Senhor ameaça destruir o povo, propõe a Moisés começar com ele uma nova história e lhe promete um futuro rico de espe­rança (v.10). Moisés não cede à “tentação”. Recebeu a missão de guiar Israel para a terra prometida e não abandona o povo. Como em outro tempo, Abraão (cf. Gn 18), intercede pondo-se como um escudo entre Deus e o povo pecador. Com sua súplica, trata de “adoçar a boca do Senhor” (v.11). Sua angus­tiosa oração, na qual recorda ao Senhor as promessas feitas aos patriarcas, é tão ardente que chega ao co­ração de Deus.

 

Salmo 105/106 (Confissão nacional) – Fidelidade de Deus e infidelidade do homem acompanham a história da humanidade. A fidelidade do Senhor é para sempre e se renova com cada aliança, cada sacrifício e holocausto. A grande aliança, o grande holocausto foi Cristo, que, por seu sangue derramado, nos consagrou e marcou para sempre com o seu amor. A nossa infidelidade, por sua vez, se renova com o pecado, mas Deus não se cansa de chamar-nos a Ele, mesmo que sejamos duros ou nos rebelemos. A paciência de Deus é eterna. A oração atenta deste Salmo nos leva ao critério do pecado e da não conversão do coração humano, que cria uma barreira ao amor. Paralelamente a isso, o Salmo aborda o mistério do amor de Deus, que vem ao nosso encontro e no recorda constantemente sua aliança com Abraão. Ao longo da história encontramos grandes intercessores que suplicam a Deus por nós, pecadores: Moisés, Jesus, Maria, os santos, a Igreja… As tentações do êxodo, de voltar atrás, retornar à escravidão do Egito, são tão comuns hoje como eram no tempo de Moisés. Mas enquanto o horizonte é obscuro, a luz de Cristo Salvador sempre brilhará.

Senhor, sei que o caminho da felicidade não é só prazeres, nem dar vazão aos instintos que se escondem no meu coração: ganância, sensualidade, prazer, raiva, ódio, inimizade, busca de projeção, poder, dinheiro, fama… tudo isso é como palha que o vento leva. Sei que não posso e não devo escutar a voz do pecado que sussurra aos meus ouvidos doces palavras e que promete alegria e paz. Já bebi muitas vezes as nascentes falsas e sei a amargura que fica no coração depois do “doce pecado”. Sei, Senhor, que sou rebelde e não escuto a tua voz, que tenho o coração e as mãos manchadas de injustiça e de desamor, mas quero converter-me, não com as minhas forças, porém com a tua  graça e o teu amor. Sei, Senhor, que não posso entrar no Paraíso sem chegar ao cume do Calvário, morrer com Cristo e deixar-me lavar pelo seu sangue. Lava-me, purifica-me e introduz-me no teu reino para sempre. Peço-te a graça de reconhecer os meus pecados e a força de converter-me. Amém.

 

 

MEDITATIO: Levar uma vida autenticamente religiosa significa, antes de tudo, sentir-se dependente de Deus, unidos a Ele com um vínculo indissolúvel. O mais é secundário. Dai brotam as atitudes espirituais e práticas que carac­terizam o crente e os diferenciam dos não crentes. O crente é o que, em uma situação de prova, não aban­dona a Deus como se fosse à causa de seu mal, mas se volta para Ele com uma insistência invencível, como fez Moisés. Além do mais, o crente adulto na fé sente como prova pessoal as provas de seus irmãos próximos ou distantes: em todos vê o seu próximo. Ora por todos e é um intercessor universal, disposto a carregar as debilidades dos demais, a sofrer para que os outros possam ser aliviados em sua dor, como fizeram Moisés e, sobretudo, Jesus, o inocente morto como pecador por nós­, injustos. Nesta humilde, fiel e contínua doação de si está o verdadeiro testemunho. Frente a uma vida entregue ao serviço dos mais débeis, frente a pessoas que não acusam, mas que suplicam e perdoam, antes, ou depois, surgirá à pergunta: “Por que atua assim?” A existência de um Deus que é amor não se “demonstra”, mas deixa-se transparecer que vive nos corações dos que lhe acolhem.

 

ORATIO: Senhor, esplendor da glória do Pai, tem piedade de nós. Temos buscado a glória humana de forma vã: o único que conseguimos é fazer-nos mais duros de coração, sem saber dar um sentido às coisas, aos aconteci­mentos. Queremos ir a ti para ter vida; a ti, que és transparência do rosto do Deus-humildade. Jesus, testemunho fiel e veraz do Pai, tem piedade de nós. Temos rejeitado as exigências de tua Palavra e temos preferido seguir os ídolos do mundo, vi­vendo uma “espiritualidade de compromisso”: ilusões falazes que apagam o amor interior. Queremos ir a ti para ter vida; a ti, que nos permite ouvir a voz do Deus-verdade. Cristo, Filho obediente enviado pelo Pai, tem pie­dade de nós. Temos esquecido as Escrituras, que nos contam à paixão que sofreste por nós; temos apartado o olhar de quem, ainda vive a paixão no corpo ou no coração; intercede por nós, pecado­res, tu, inocente Cordeiro de Deus. Queremos ir a ti para ter vida; a ti, que és presença encarnada do Deus-misericórdia.

 

CONTEMPLATIO: Ó, quão bela, doce e carinhosa é a Sabedoria encarnada: Jesus! Quão bela é a eternidade, pois é o esplendor de seu Pai, o espelho sem mancha e a imagem de sua bondade, mais radiante que o sol e mais resplandecente que a luz! Quão bela no tempo, pois foi formada, pelo Espírito Santo, pura, livre de pecado e formosa, sem a menor mácula e, durante sua vida, enamorou o olhar e o coração dos homens e é, atualmente, a glória dos anjos! Quão terna e doce é para os homens, especialmente para os pobres e pecadores, aos que veio buscar visivelmente no mundo e aos que segue ainda buscando invisivelmente! Que ninguém imagine que, por achar-se agora triun­fante e glorioso, é Jesus menos doce e condescendente; ao contrário, sua glória aperfeiçoa em certo modo sua doçura; mais que brilhar, deseja perdoar; mais que ostentar as riquezas de sua glória, deseja mostrar a abundância de sua misericórdia (Luiz Mª. Grignion de Montfort, El amor da Sabiduría eterna).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Aquele que crer tem a vida eterna” (Jo 6,47)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – A tradição cristã sustenta que o livro que vale a pena ler é nosso Senhor Jesus Cristo. A palavra Bíblia significa “livro”, e todas as páginas deste livro falam dele e querem levar a Ele. É necessário que aconteça um encontro entre Cristo e a pessoa humana, entre esse Livro que é Cristo e o coração humano, no qual está escrito Cristo não com tintas, mas com o Espírito Santo. Por que ler? Porque Jesus mesmo leu. Foi livro e leitor, e continua sendo ambas as coisas em nós. Como ler? Como leu Jesus. Sabemos que Jesus leu e explicou a Isaias na Sinagoga de Nazaré. Sabemos também como compreendeu as Escrituras e como através delas se compreendeu a si mesmo e sua missão. Como leitor do livro e Ele mesmo como Livro, depois de sua glorificação concedeu este carisma de leitura a seus discípulos, à Igreja e também a nós. Desde então, graças ao Espírito, que atua na Igreja, toda leitura do livro sagrado é participação deste dom de Cristo. Somos movidos a ler a Escritura porque Ele mesmo o fez e porque nela encontramos a Ele. Lemos a Escritura n’Ele e com sua graça. E devemos concluir que a leitura cristã das Escrituras não é principalmente um exercício intelectual, mas, essencialmente, é uma experiência de Cristo, no Espírito, em presença do Pai, como o mesmo Cristo está unido a Ele, cara a cara, orientado a Ele, penetrando n’Ele e penetrado por Ele. A experiência de Cristo foi essencialmente a consciência de ser amado pelo Pai e de responder a este amor com o seu. É um intercâmbio de amor. Através de nossa experiência pessoal, seremos capazes de ler a Cristo-Livro e n’Ele, a Deus Pai (J. Leclercq, Ossa humiliata, Seregno).

 

 

 

SEXTA-FEIRA, 27 DE MARÇO DE 2020                                                         

João 7,1-2.10.25-30 (Jesus sobe a Jerusalém para a festa e ensina) – A pessoa de Jesus suscitou perguntas e inquietações entre seus contemporâneos, enquanto a aversão dos chefes judeus chega ao paroxismo (v.1b). Jesus não é um provocador nem um covarde: espera a hora do Pai sem fugir nem adiantar os acontecimentos. Por isso evita a Judeia hostil e quando por fim sobe a Jerusalém à festa mais popular, a das Tendas, o faz “de maneira incógnita”, contrariamente ao desejo de seus parentes, porém desejo­sos de desfrutar sua fama (vv. 3-5). Na cidade santa, sem dúvida, é reconhecido em seguida. E como sem­pre se dividem os ânimos: agora se trata de seu messia­nismo. Os círculos apocalípticos da época sustentavam a origem misteriosa do Messias: e se Jesus provém de Nazaré, é só um impostor (vv.26s). Jesus não ignora as vozes que vão se difundindo, e sobre elas eleva sua própria voz, forte e clara, no templo (v.28: lite­ralmente “grito”; trata-se de uma proclamação solene e com autoridade). Com sutil ironia, se mostra que sua origem é efetivamente desconhecida aos que pen­sam saber muitas coisas dele: de fato, não querem re­conhecê-lo como o enviado de Deus e por isso não conhe­cem ao Deus veraz e fiel que cumpre nele suas promessas. As palavras de Jesus soam aos ouvidos de seus adver­sários como uma ironia, um insulto e uma blasfêmia. Tratam de pegá-lo, porém em vão: Ele é o Senhor do tempo e as circunstâncias, porque se há submetido totalmente ao desígnio do Pai, e ainda não há che­gado sua “hora” (v. 30).

 

 

Sb 2,1a.12-22 (A vida segundo os ímpios) – Após uma exortação para viver de acordo com a justiça (Sb 1,1-15), o hagiógrafo deixa a palavra aos “ímpios”. Estes, em um discurso articulado, expõem sua “filosofia”: vivem a vida como busca desenfrea­da do prazer, eliminando – inclusive com violência – qual­quer obstáculo que se lhes ponha a frente. Os dois ver­sículos que marcam a exposição manifestam um claro juízo condenatório: pensam equivocadamente (v.1), se enganam (v.21). Os “ímpios” dos quais se fala são provavelmente os hebreus apóstatas da comunidade de Jerusalém, que, aliados com os pagãos, perseguem a seus irmãos fieis ao Deus da aliança. Com sua conduta estes “Justos” constituem uma presença insuportável. Qua­tro imperativos mostram um crescente rancor oculto que se converte em ódio aberto: do tender vigilância se passa ao insulto, para chegar finalmente ao projeto de condenação à morte, em um desafio blasfemo contra Deus (v.18; cf. v.20). O “resto” de Israel vive sua paixão profetizando a do Messias. Jesus é o único Justo verdadeiro, o Filho ama­do, o humilde posto a prova, escarnecido (v.19) e condenado a uma morte infame (v.20). Porém, sobretudo, é Ele quem, tendo posto toda sua confiança no Pai, surge do abismo na luz da páscoa como primogênito dos mortos. A esperança do Antigo Testamento adquire uma dimensão inesperada, que supera qualquer “profecia” possível: pelos méritos de um só, todos são constituídos ”justos”, se, se abre o coração para acolher o dom de sua graça.

 

Salmo 33/34 (Louvor à justiça divina) – Deus é vida e amor, mas precisamos estar atentos, pois estamos cercados de situações que nos levam à morte: o mal, a violência, o ódio, as guerras. Além disso, vivemos um momento em que a vida está sendo destruída já no seu nascer, por meio do aborto. Há também uma morte que engana, pois não parece morte, mas igualmente pode matar: a injúria, o ódio, o rancor, a inimizade, a calúnia. Quem se decide a seguir o Senhor deve viver de acordo com a Palavra.

Senhor, que eu seja coerente no meu dia a dia, defenda a vida e participe de todos os atos e realizações que busquem resplandecer o amor e a justiça. A pedagogia do seu amor nunca se altera: os ricos que não partilham passarão fome e os pobres que te amam sempre serão saciados do teu amor e da tua paz. Amém.

 

 

MEDITATIO: João situa o drama messiânico no interior da história do povo de Deus; em particular, une a vida de Jesus com as celebrações das grandes festas he­breias, que tinham como objetivo manter viva a me­mória das grandes obras de Deus. Como sempre, no quarto Evangelho, os pequenos detalhes adquirem um valor simbólico. Por que aparece o complô con­tra Jesus poucos dias antes da celebração da fes­ta das Tendas? Nesta festa se agradecia a Deus as colheitas e se recordavam os quarenta anos passados no deserto. Construíam-se palhoças com ramas, também em Jerusalém, onde se ia meditar: retiro em um deserto simbólico. A controvérsia que relata João se situa, precisamen­te, às vésperas deste tempo propício à reflexão. É como se Jesus fizesse um último esforço para convidar os adversários a refletir sobre sua pessoa e sobre suas “obras”. Sabemos que o resultado foi negativo. Não poderíamos, acolhendo a sugestão da liturgia de hoje, fazer este ato em nosso caminho para a páscoa, tomarmos um tempo para dedicá-lo a reler e meditar este texto tão denso e inesgotável, para interrogar-nos mais profundo sobre o mistério da pessoa de Jesus e aderirmos a Ele com maior amor?

 

ORATIO: Vem, Espírito Santo! Temos endurecido nossos corações como uma pe­dra por causa de nosso pertinaz orgulho, a violência fi­nalmente perpetrada, as grandes ou pequenas ambições que perseguimos a todo custo. Cada dia nós condenamos o Inocente a uma morte infame, quando nos move um princípio diferente do amor. O mal que fazemos, talvez sem dar-nos conta, esmaga hoje os inocentes. Vem, Espírito Santo, cria em nós um coração novo! Tu, luz santíssima, aclara a consciência, ilumina a inteligência: pretendemos conhecer a Deus e temos desprezado seu Cristo na multidão de pobres hu­milhados pela vida que, sem aparência nem brilho, passaram junto a nós. Doce hóspede da alma ajuda-nos a descobrir a origem do Humilde que suportou em silêncio a iniqui­dade de todos nós sem envergonhar-se de chamar-nos “irmãos”. Conforma-nos a Ele para que compreenda­mos a graça de viver como filhos do único Pai, en­viados por Ele com Cristo a levar o amor a todo ser hu­mano.

 

CONTEMPLATIO: Tu és o Cristo Filho do Deus vivo. Tu és o revelador do Deus invisível, o primogênito de toda criatura, o fundamento de tudo. Tu és o Mestre da humani­dade. Tu és o Redentor: nasceste, morreste e ressuscitaste por nós. Tu és o centro da história e do mun­do. Tu és quem nos conhece e nos ama. Tu és o com­panheiro e amigo de nossa vida. Tu és o homem da dor e da esperança. Tu és aquele que deve vir e que um dia será nosso juiz e, assim esperamos, nossa felicidade. Nunca acabaria de falar de ti. Tu és luz e verdade; mais ainda: tu és “o caminho, a verdade e a vida”. Tu és o princípio e o fim: o alfa e o Omega. Tu és o rei do novo mundo. Tu és o secreto da história. Tu és a chave de nosso destino. Tu és o mediador, a ponte entre a terra e o céu. Tu és por antono­másia o Filho do homem, porque és o Filho de Deus, eterno, infinito. Tu és nosso Salvador. Tu és nosso maior benfeitor. Tu és nosso libertador. Tu és necessá­rio para que sejamos dignos e autênticos na ordem temporal e homens salvos e elevados à ordem so­brenatural. Amém (Pablo VI, 29 novembro 1970).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Ainda que o justo sofra muitos males, mas de todos o Senhor o livra” (Sl 33,20)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Na vida de Jesus, em seu viver mediante o Pai, se faz presente o sentido intrínseco do mundo, que nos é ofertado como amor – de um amor que ama individualmente a cada um de nós – e, pelo dom incompreensível deste amor, sem caducidade, sem ofuscamento egoísta, faz a vida digna de viver. A fé é encontrar um tu que me sustenta e que na impossibilidade de realizar um movimento humano da promessa de um amor indestrutível que não só aspira à eternidade, mas que a outorga. A fé cristã obtém sua linfa vital do fato de que só existe, objetivamente, um sentido da realidade; mas que este sentido está personalizado em Alguém que me conhece e me ama, de sorte que posso confiar n’Ele com a segurança de uma criança que vê resolvido todos seus problemas no “tu” de sua mãe. Tudo isto não elimina a reflexão. O crente viverá sempre nessa obscuridade, rodeado da contradição da incredulidade encadeado como em uma prisão da qual não é possível fugir. E a indiferença do mundo, que continua indiferente como se nada tivesse acontecido, parece ser só uma burla de suas esperanças. O és realmente? Ao fazer-nos esta pergunta nos obriga a honradez do pensamento e a responsabilidade da razão, e também a lei interna do amor, que quisera conhecer mais e mais a quem deu seu “sim”, para amar-lhe mais e mais. O és realmente? Eu creio em ti, Jesus de Nazaré, como sentido do mundo e de minha vida (J. Ratzinger, Introducción al cristianismo).

 

 

SÁBADO, 28 DE MARÇO DE 2020                                                         

João 7,40-53 (Novas discussões sobre a origem do Messias) – “E surgiu entre o povo uma discórdia por sua causa” (v.43); cena tomada ao vivo. O evangelista nos mos­tra como o povo discute sobre um homem do qual todos falam, perguntando-se se não será o Messias. Sua palavra de autoridade, que fascina inclusive os guardas enviados para prendê-lo (v.46), não poderia deixar lugar a dúvidas. Porém, sem dúvida, se esgrimiam dois fortes ar­gumentos contra. Em primeiro lugar, Jesus vem da Galileia, e a Escritura diz que nasceria em Belém. Porém, sobretudo, o fato de que os chefes do povo e os fariseus não creram nele: pode talvez o povo simples ter outro parecer a respeito deste homem com pre­tensões inauditas? Frente à agitação geral, os que exercem o poder e a ciência respondem com sarcasmo e desprezo, sintomas inequívocos de uma reação desmesurada ditada pelo medo de perder prestígio. Só se distingue a valente voz de Nicodemos – o que veio ver Jesus de noite (cf. Jo 3,1) -, que indica que a mesma Lei não julga a ninguém antes de tê-lo escuta­do. Também se tacha de ignorância. E bruscamente conclui João: “Cada um voltou a sua casa” (v.53), alguns levando no coração o desejo de conhecer mais a Jesus; outros, com uma rejeição mais inflamada. Porém a Palavra não cala: ainda não havia chegado à sua hora.

 

 

Jr 11,18-20 (Jeremias perseguido em Anatol) – O presente texto constitui a primeira das cha­madas “confissões de Jeremias”. São rajadas de luz que nos permitem adentrar no mundo interior do profeta através das repercussões pessoais de sua missão: é um testemunho precioso, único na Bíblia. Por vontade do Senhor, Jeremias descobre a conspiração que seus contemporâneos de Anatol urdiram contra ele para eliminá-lo (v.19). É difícil precisar as cau­sas históricas, porém isto não impede de captar a mensagem fundamental. Na história da salvação, as vicissitu­des da vida do profeta são de capital importância, pelo modo com que teve que ser vividas. Jeremias, vítima inocente, pensando no perigo que acaba de passar, se compara com um cordeiro manso levado ao matadouro. Esta imagem, presente também no quarto canto do Servo sofredor de YAHWEH (ls 53,7), se utilizará amplamente para descrever o Messias Sofredor que expia em silêncio o pecado do mundo (Jo 1,29; 1Pe 1,19; Ap 5,6ss). Atormentado no cora­ção e na mente, o profeta sofre, e se atreve -ele, tão hu­milde – a elevar uma oração de vingança: é a lei de ta­lião. Jeremias vive sua paixão como homem do Antigo Testamento; será Jesus, realidade do que o profeta figu­rava quem morrerá inocente, pondo-se nas mãos do Pai e pondo também a seus adversários, que lhe crucificaram, para que lhes perdoe.

 

Sl 7 (Prece do justo perseguido) – Neste Salmo, a figura de Deus se mostra como o juiz que vela sobre os justos e cobra explicações a todos os que são injustos. Mal e bem sempre duelarão, assim como a vida e a morte, a alegria e a tristeza, paz e guerra. Mas podemos ter a certeza de que o bem triunfará, pois esta é a vontade do Senhor.Mesmo sendo pecadores, Deus nos ama e sempre nos perdoa quando nos aproximamos dele com sinceridade e amor.

Senhor, dá-me a força e a coragem para reconhecer as minhas faltas. E que eu nunca pague o mal, mas sempre o mal com o bem. Purifica-me, Senhor, e que minha vida seja para todos um sinal vivo da tua presença de Pai de misericórdia. Amém.

 

MEDITATIO: A Palavra de Deus sempre é viva, porém, certamen­te, hoje nos apresenta temas particularmente impactan­tes. A confissão dolorosa do profeta Jeremias nos diz até que ponto nós temos que estar dispostos a padecer, por sermos fieis a Deus, servindo-lhe com coração reto. Porém, não menos chocantes são as perguntas sobre a identidade do Messias que aparecem no Evangelho. Hoje, também, nos pergunta, às vezes, angustiosamente, quem é Jesus. O povo se divide no modo de pensar e buscar a verdade. Muitos “vão para sua casa”, encerrados na dúvida ou na indiferença porque rejeitam o único que é capaz de unificar o coração dos homens. E que dizer das ameaças, perseguições e condenações de inocentes? Um quadro obscuro aparece ante nossos olhos… Sem dúvida, sempre existem figuras heroicas que, como Nicodemos, desafiam a opinião dos “poderosos” com sua indômita paixão pela verdade. Por certo, não foi nada fácil para os contemporâneos de Cristo crer n’Ele. Deve brotar em nós um imen­so agradecimento pelos que lhe reconheceram e segui­ram, pois abriram com sua fé o caminho da salvação. Onde está hoje Jesus Cristo? Onde poderemos reco­nhecê-lo e seguir-lhe? Talvez seja esta a única pergunta que nos interesse, e ninguém pode responder por nós. Ler estes textos, confrontando-os com a história atual, sig­nifica adentrar na Palavra de Deus, viver Cristo.

 

ORATIO: Ó Deus, Pai onipotente, noite e dia te dirigimos a pergunta angustiosa: até quando durarão na terra tantos males? Até quando triunfarão os pre­potentes e prosperarão os malvados? Até quando caluniarão ao inocente sem que o defendas, perecerá o justo sem que lhe socorras? Abre-nos os olhos da fé para poder reconhecer que tu dás sentido a tudo, desde o momento em que estás sempre presente ao lado de todo ser humano em teu Filho amado, o Santo, o Inocen­te, o Cordeiro manso levado, por nós, ao matadouro. Faz que, vivamos para Ele e aderirmos à sua Palavra, na qual cremos e na qual queremos crer com todas as nossas forças. Aumenta nossa fé, que nos mantenhamos firmes e perseverantes na hora em que o mistério estende sua sombra sobre nosso coração amedrontado, até que se revele em plenitude teu sábio desígnio de amor.

 

CONTEMPLATIO: Alma cristã, pensa em tua redenção e libertação. Saboreia a bondade de teu Redentor; incendeia-te no amor de teu Salvador. Onde está à força de Cristo? “Suas mãos escondem seu poder, ali está oculta sua força” (cf. Hb 3,4). Agora, o poder está em suas mãos porque foram cravadas nos braços da cruz. Porém, onde está a força em tal debilidade, onde a grandeza em tal humilhação, onde o respeito em tal abjeção? Há, certamente, algo desconhecido, “oculto”, nesta debilidade, nesta humilhação, nesta abjeção. Ó força oculta! Um homem suspenso na cruz sus­pende a morte eterna a todo o gênero humano; um homem cravado ao madeiro desencrava o mundo, condenado a morte perene. Foi Ele quem compreendeu o que agradava ao Pai e podia favorecer aos homens, livremente, o fez. Assim o Filho manifestou ao Pai uma obediência livre, quando quis realizar, espontaneamente, o que sabia que agra­daria a seu Pai. Com este preço, não somente o homem fica exonerado de suas faltas pela primeira vez, mas também é acolhido por Deus, cada vez que volte a Ele arrependido. Nossa dívida foi paga pela cruz; pela cruz, Cristo nos res­gatou. Os que querem percorrer esta graça com au­têntico amor se salvam (Anselmo de Aosta, Oraciones y meditaciones).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

                       “Tanto amou Deus ao mundo que entregou seu Filho único” (Jo 3,16)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – A condição do cristão, na medida em que ser cristão é resignar-se a estar a mercê de alguém, é algo singularmente inconfortável. E você o sabe muito bem. No fundo, o que teme é como disse muito bem, uma vez metido o dedo na engrenagem não se sabe onde poderá parar. Certamente não se nos oculta que, o que impede ter fé aos que não a têm é isso. Como é também o que impede a ter mais fé aos que já a têm. Sempre é grave introduzir a outro na própria vida, inclusive desde o ponto de vista humano; se sabe que já não será possível dispor inteiramente de um. Deixar Jesus entrar na própria vida encerra um risco terrível. Não se sabe até onde nos levará. E a fé é precisamente isso. Jamais me fará crer que é confortável. Tomar a sério a Cristo é aceitar na própria vida a irrupção do Absoluto, do Amor, aceitar o ser arrastado para não se sabe onde. E esse risco é ao mesmo tempo a libertação, porque depois de tudo, sabemos bem que só desejamos uma coisa: esse Amor Absoluto; e que, em última instância, nos despoja de nós mesmos. Isto quer dizer, e me parece o essencial, que a fé não aparece como uma maneira de acabar com as aventuras da inteligência, como uma tranquilidade que um se concederia quando fica ainda muito por buscar. A fé não é uma meta, mas ponto de partida. Introduz nossa inteligência na mais maravilhosa das aventuras, que é contemplar, um dia, à Trindade (J. Daniélou, Escándalo de La verdad, Madrid).

 

 

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