LECTIO DIVINA DA 4ª SEMANA DA QUARESMA

COMUNIDADE PAZ E BEM

LECTIO DIVINA DE 31 DE MARÇO A 06 DE ABRIL DE 2019

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DOMINGO, 31 DE MARÇO DE 20194ª SEMANA DA QUARESMA                                                                                     

Lucas 15,1-3.11-32 (O filho perdido e o filho fiel: “o filho pródigo”) O Evangelho de Lucas é conhecido como o “Evangelho da misericórdia”. O capítulo 15 está exatamente no centro: compreende três parábolas da misericórdia que são semelhantes na estrutura, porém estão dispostas em ordem crescente: a dracma perdida, a ovelha desgarrada, o filho pródigo que pede sua parte da herança e se vai. A maior distância corresponde maior amor: pela moeda e a ovelha encontradas se celebra uma festa; pelo filho reco­brado se mata o bezerro cevado e lhe põe o anel e o traje real. Trata-se de uma página evangélica que não necessita exegese. Só colocar algumas coisas. Em primeiro lugar, o contexto das três parábolas: Jesus está rodeado de “pe­cadores” e “come” com eles (para a mentalidade hebréia, esta ação de sentar à mesa denotava uma profunda comunhão). Por sua vez, os pecadores – todos – “se aproximam” dele; quer dizer, o consi­deram amigo. Os escribas e fariseus “murmuram” se escandalizam e censuram o modo de agir de Jesus, que é contrário às normas. O protagonista das parábolas é sempre Deus, o qual Jesus veio revelar. Na na­rração do Filho pródigo aparece a situação da hu­manidade, muito bem representada nos dois irmãos. Por causa do pecado, o homem se sente escravo de um amo, viva como viva sua escravidão: com rebelião ou com submissão sem amor. Tudo se converte em pretexto ou cál­culo para que a volta, após a rebelião, do filho menor revele o que há no coração do irmão maior e no rosto autêntico do “amo”: na realidade, o amo é o Pai transbordante de amor. Sua misericórdia cura as profundas feridas causadas pela rebelião. Sua ternu­ra se manifesta como um convite à festa e à comunhão, que não podem ser totais até que parti­cipem todos. Esta plenitude tem como preço a paixão e morte de Cristo. “Um homem tinha dois filhos…” assim começa a parábola: é a humanidade desgarrada.

 

 

Js 5, 9a.10-12 (A circuncisão e Guilgal; Celebração da Páscoa) Após o longo e fatigoso caminhar pelo deserto, o povo eleito, ao qual Deus não duvida em chamar, reitera­damente, “filho”, chega da dura escravidão do Egi­to ao umbral da Terra prometida. Acabava de efe­tuar o rito da circuncisão (vv.3-5) como sinal de purificação e renovação da aliança. Celebra-se a páscoa “ao entardecer”. É uma noite solene como a do começo do Êxodo, vigília carregada de esperança. Ao “dia seguinte” (v.11) Israel experimenta a podero­sa intervenção do Senhor; Deus declara solenemente a Josué: “Hoje tirei de vos o opróbrio do Egito” (v.9). E o “sinal” é: o povo que por 40 anos havia se alimentado com o maná, pão de lágrimas, puro dom do Senhor, agora pela primeira vez degusta dos frutos da região. Israel circuncidado, quer dizer, san­tificado, tem a experiência filial de chegar a casa.

 

2 Cor 5, 17-21 (O exercício do ministério apostólico) O texto inicia com a afirmação essencial do cristianismo: se a humanidade morreu e ressuscitou com Cristo, todo o velho (que está sob a lei do pecado) desapareceu. Agora é a criatura nova. O homem velho foi sepultado no Batismo. Surge da água o homem novo. Esta transformação é pura graça. O homem, imerso no pecado, não podia voltar a Deus com seus próprios meios. Em seu amor superabundante (cf. Ef 2,4; Rm 5,8), Deus enviou seu Unigênito para realizar a reconciliação com sua imolação. Estamos salvos “por Cristo” e “em Cristo”. As duas expressões não são uma repetição, mas um aprofundamento; equivale a dizer que, uma vez reconciliados pelos méritos de Cristo, temos sidos enxertados n’Ele e temos nos convertido com Ele em cooperadores de sua obra de salvação. De fato, no v.20 uma missão específica nos é confiada: somos ­embaixadores de Cristo; através de nós Deus quer exortar, a todos, a deixar-se reconciliar. A missão exige adesão plena e livre a sua vontade. Paulo propõe um motivo altíssimo para suscitar o assentimento: o Justo se fez pecado para que os pecadores chegassem a ser justiça. Ele quis fazer-se solidário conosco, e não nos faremos nós solidários com Ele?

 

Sl 33/34 (Louvor à justiça divina) Deus é vida e amor, mas precisamos estar atentos, pois estamos cercados de situações que nos levam à morte: o mal, a violência, o ódio, as guerras. Além disso, vivemos um momento em que a vida está sendo destruída já no seu nascer, por meio do aborto. Há também uma morte que engana, pois não parece morte, mas igualmente pode matar: a injúria, o ódio, o rancor, a inimizade, a calúnia. Quem se decide a seguir o Senhor deve viver de acordo com a Palavra.

Senhor, que eu seja coerente no meu dia a dia, defenda a vida e participe de todos os atos e realizações que busquem resplandecer o amor e a justiça. A pedagogia do seu amor nunca se altera: os ricos que não partilham passarão fome e os pobres que te amam sempre serão saciados do teu amor e da tua paz. Amém.

 

 

MEDITATIO: Dirijamos nosso coração e nossos desejos a Cristo, morto e ressuscitado por nós. Todas as lei­turas falam de retorno. Trata-se de uma palavra impor­tante para um cristão, estreitamente unida a outra: conversão. Todo retorno, para ser autêntico, exige uma purificação, uma mudança, a renovação do coração. Na parábola do filho pródigo se descreve a viagem de cada um de nós, vindos de um lugar distante, cansados pelo pecado. Este regresso se realiza percorrendo o caminho que o próprio Pai abriu aos homens: Jesus, o mediador, o sacerdote eterno. Jesus se revela como “o homem para os demais”: é caminho para todos e todos podem caminhar por Ele. Por este caminho, que é o próprio Cristo, vai o filho pródigo depois de decidir “levantar-se”. O pecado, de fato, en­velhece, humilha, tira a dignidade. Neste filho está repre­sentado o gênero humano; nele estamos todos. Talvez não nos afastemos fisicamente, mas só em nosso interior: nisto nos parecemos mais ao filho maior. Talvez tenhamos ido tão longe que ao nosso redor nada nos re­corda o convívio familiar, quando nos pesa a solidão, que já nem sequer sabemos onde estamos: perdemos o sentido da orientação; en­tão se sente o mais sincero desejo, que brota do profundo do coração; é a voz do Pai, que nunca nos abandonou. É a hora de decidir. Unindo-nos a Cristo, também nós, pecadores perdoados, deveremos ser, uns para outros, o cordeiro que se imola. E, ao mesmo tempo, deveremos evitar protestar como o filho maior, pois não é esta a atitude própria de um cristão. Ao sentir que o protesto brota em nosso interior, invoquemos imediatamente a aju­da do Senhor, porque, do contrário, nos afastaremos da casa da comunhão. Quem está unido a Cristo se converte em salvação para os demais e participa na festa, não como espectador, mas oferecendo-a, pesso­almente, com alegria.

ORATIO: Jesus, vieste acompanhar-nos para empreender conosco, como filho pródigo, longe da casa do Pai, longe da glória do céu, o regresso. Teu coração sempre esteve transbordante de saudade e amor: tuas palavras fazem que ardam de desejo nossos corações, porque em ti encontramos a um irmão; em ti descobri­mos o que significa fazer-se solidário com os pobres, com os miseráveis, com os privados de tudo, inclusive da es­perança. Jamais nós nos atreveríamos a apresentar-­nos ao Pai. Tu te vestiste com nossas vestes e chamaste o primeiro à porta. Contigo, atrás, de ti, entramos nós, e nos surpreendeu o amor.

CONTEMPLATIO: Ó Deus, afastar-se de ti é cair, voltar a ti é ressurgir, permanecer em ti é construir-se solidamente; ó Deus, sair de ti é morrer, encaminhar-se a ti é reviver, habitar em ti é viver […]. Recebe a mim, teu servo, que fujo das coisas enganosas que me acolheram enquanto fugia de ti. Sinto que devo voltar a ti; chamo para que se abra tua porta; ensina-me como se pode chegar até ti. Não tenho nada mais que tua boa vontade. Só sei que se deve desprezar as coisas caducas e passageiras e que se deve buscar as coisas eternas. É tudo quanto sei, ó Pai, pois só isto tenho aprendido, mas, ignoro de onde tenho que partir para chegar a ti. Sugere-me Tu, mostra-me o caminho e dá-me o necessário para a viagem. Se com a fé te encon­tram os que voltam a ti, dá-me a fé; se com a virtude, concede-me a virtude; se com o saber, dá-me o saber. Aumenta-me a fé, aumenta-me a esperança, aumenta-me a caridade, ó bondade admirável e singular (Santo Agostinho).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Ensinar-me-ás o caminho da vida(Sl 15,11)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL– Observando o Pai tento perceber três caminhos que levam a uma autêntica paternidade misericordiosa: a dor, o perdão e a generosidade. Pode parecer estranho que a dor conduza a misericórdia. A dor me leva a deixar que os pecados do mundo, inclusive os meus, se desgarrem de meu coração e me façam derramar lágrimas, muitas lágrimas por eles. Se não são lágrimas que brotam dos olhos, pelo menos são lágrimas do coração. Este aroma é oração. O segundo caminho que conduz a paternidade espiritual é o perdão. Pelo perdão constante é como vamos chegar a ser como o Pai. O perdão é o caminho para superar o muro e acolher aos demais no coração sem esperar nada em troca. O terceiro caminho para chegar a ver como o Pai é a generosidade. Na parábola, o Pai do filho que vai não lhe dá tudo o que lhe pede, mas lhe cobre de presentes quando volta. E ao filho maior lhe diz: “Tudo o que é meu é teu”. Ao Pai não se reserva nada. Mesmo que o Pai se esvazie de si mesmo por seus próprios filhos, assim devo dar-me a meus irmãos. Jesus deixa ver claro que nesta oblação está o sinal do verdadeiro discípulo: “Nada tem amor maior que o que dá a vida por seus amigos”. Dar-se supõe uma autêntica disciplina, porque não é algo que adota automaticamente. Cada vez que dou um passo em direção a generosidade, me movo do temor ao amor. Como Pai, devo crer que tudo o que o coração humano deseja se pode encontrar em casa. Como Pai, devo ter o valor de assumir a responsabilidade de uma pessoa espiritualmente adulta, crer que o gozo verdadeiro e a satisfação plena só podem vir, acolhendo em casa os que foram ofendidos e feridos na viagem de sua vida e amando-os com um amor que não pede nem espera nada em troca. Ocorre um vazio terrível nesta paternidade espiritual. Mas este vazio terrível é também o lugar da verdadeira liberdade. Livre de receber a carga dos outros, sem necessidade de valorizar, classificar, analizar. Neste estado do ser que não se permitiria nunca julgar, posso gerar uma confiança libertadora (H. Nouwen, L’abbraccio benedicente).

 

 

 

SEGUNDA-FEIRA, 01 DE ABRIL DE 20194ª SEMANA DA QUARESMA

João 4,43-54 (Jesus na Galileia; Segundo sinal em Caná: Cura do filho do funcionário real)    

A presente narração de uma cura a distância quer revelar-nos Jesus como Palavra de vida. O Mestre volta a Galileia onde é bem recebido porque difundiu-se a fama do que havia feito em Jeru­salém. Porém, ele foge da popularidade baseada no prodi­gioso. Aproxima-se a Caná, onde havia operado seu primeiro milagre (“sinal” segundo a linguagem própria de João). E agora vem o segundo: um funcionário de Herodes An­tipas suplica a Jesus que lhe siga a Cafanaum, onde seu filho estava nas últimas. A localização de Caná com res­peito a Jerusalém explica o uso do verbo “descer”, porém não esgota seu significado, cuja importância aparece na insistência com a qual o funcionário suplica a Jesus que “desça”. Ele, de fato, é o que “por nós, os homens, e por nossa salvação desceu do céu”. Jesus repreende uma fé imperfeita demais, porém o funcionário não desiste. Como resposta à invocação desesperada de uma humanidade que esmorece e está morrendo, Je­sus oferece uma palavra de vida, porém, exige a fé. O prodígio de Jesus está na Palavra: se crê e se obedece, experimentará o milagre final (v.50). Ma­ravilhoso e eficaz o efeito do eco: o funcionário se põe a caminho deixando ressoar no coração o que lhe disse Jesus: “Volte, teu filho já está bem”. Esta palavra, úni­ca esperança, acompanha e sustenta cada um de seus passos para casa. E da sua casa lhe saem ao encontro os criados com a grata certeza e com as mesmas palavras: “Teu filho já está bem”. A fé que tinha caminhado na es­curidão (v.52ss) encontra a luz e se converte em pleno assentimento: repetiu-se o crescimento da palavra de Jesus (v.53) e imediatamente se confirma: “e acreditou”.

 

 

Is 65,17-21 (O julgamento futuro) O povo que voltou do desterro cede de novo à tentação dos cultos idolátricos. Resiste à voz do Senhor, esquecendo de invocar seu nome (vv.1-7) e provocando-o deste modo. É quando intervém o profeta: recorda que Deus é um juiz justo que designa uma sorte muito distinta a seus servos fieis e aos rebeldes (vv.8-16a). Neste contexto o fragmento proposto abre um espiral de luz sobre o futuro, revelando as di­mensões do plano de Deus, que não se limita ao destino dos indivíduos, mas que abarca todo o cosmo: logo se esqueceram das fadigas passadas, porque o Senhor se dispõe a executar uma “nova” criação inunda­da de alegria. Nestes versículos parecem entrelaçar-se o canto do coração de Deus e o da humanidade: ao gozo de Deus por sua cidade santa, por seu povo reno­vado interiormente, responde a alegria do povo pelas maravilhas desta recriação. O profeta utiliza as mais belas imagens tiradas da vida humana para ex­pressar o inefável, para indicar a vida de comunhão com Deus: na nova Jerusalém se dissipará qualquer soma de tristeza, cessará a difundida mortalidade infantil, a longevidade será admirável, a liberdade e a estabilidade po­lítica garantirá vida próspera e serena. A obra salvífica do Senhor transformará o mundo: é uma promessa, cujo cumprimento é Jesus, e chegará à plenitude ao final dos tempos.

 

Sl 29/30 (Ação de graças após um perigo mortal) Sem Deus, nada tem sentido. A vida só encontra o seu verdadeiro significado no Senhor, que é a fonte de todo o amor. O salmista lê a sua história à luz da Palavra e da experiência, portanto sabe que a “ira” de Deus dura menos que um momento e que se o Senhor deixa pesar a sua mão sobre nós, é para nos resgatar e nos salvar dos nossos pecados. O pano de fundo de toda a vida humana é a alegria; gritos de alegria de felicidade e festa são comuns na linguagem da Bíblia. Saber transformar a tristeza em alegria deve ser o nosso esforço de cada dia.

Senhor, que a tristeza, as desilusões e os fracassos da vida não pesem sobre mim, mas que eu saiba transformar tudo em festa, em alegria, que é a certeza do seu amor e de tua presença. Mesmo na dor, quero me vestir de festa e sair pelas ruas afora, cantando as tuas maravilhas e o teu amor. Amém.

MEDITATIO: Crer na Palavra é como abrir-se ante nós uma porta que nos introduz em uma realidade nova. Permanecer na Palavra, guardando-a no coração, sig­nifica participar na obra divina da recriação, san­tificação e transfiguração do cosmo. Jesus é a Palavra viva de Deus: só ele pode dirigir-­nos esta Palavra eficaz. E o faz de modo sereno, co­mum, pedindo uma fé autêntica, total. Assentir e caminhar confiando-se a ele pode ser questão de vida ou morte: foi assim com aquele pai cansado do Evange­lho que, em resposta a seu rogo, não recebeu, de Jesus, um prodígio, mas uma palavra de vida, e a ela confiou com total abandono. Nada havia mudado em sua existência, porém em seu coração brotou a esperança. Na noite do so­frimento e da prova, a Palavra é lâmpada para nossos passos. A Palavra se converte também em oração repetida sem cessar até que encontre a confir­mação luminosa e potente: o Senhor escutou, o Senhor fez maravilhas de graça. Cristo Jesus é o Senhor da vida agora e por toda a eternidade. A fé se converte em canto de gozo que se difunde até formar um coro de louvor: “Proclamai comigo a grandeza do Senhor; exaltemos juntos seu nome. Eu con­sultei ao Senhor e me respondeu, me livrou de todas minhas ânsias; contemplai-o e ficareis radiantes” (Sl 33,4-6).

 

ORATIO: Jesus, Tu que és a plena expressão do Pai, sua Palavra viva, ajuda-me a encontrar-te cada vez que leio e escuto o Evangelho. Ensina-me a guardar no coração tuas santas palavras, a confiar-me a elas com uma fé simples, a buscar nelas uma resposta no mo­mento da prova. Não queres propor-me prodígios extraordinários, mas uma fé, um abandono total. Este é o prodígio que pedes ao homem: a fé. Com fé poderás exe­cutar em nós esses “sinais” de vida que te suplica­mos. Não só, nem sempre, no tempo presente, porém na eternidade: tua palavra é vida imortal, é semente que, acolhida na terra do coração, germina, floresce e dá fruto no Reino.

 

CONTEMPLATIO: O Senhor não faz distinção de pessoas à condição de que lhe amemos como filhos, pois é nosso Pai celestial. O Senhor atende a condição de que se lhe ame do fundo do coração e de que se tenha uma fé autêntica, uma fé “grande como uma semente de mostarda.” Assim é o amigo de Deus. Qualquer coisa que peça a Deus a obterás se a pedes para a glória de Deus ou o bem de teu próximo. Pois Deus não separa o bem do próximo de sua glória. Portanto, tem por seguro que o Senhor escutará tuas preces, sempre que as faças para a edificação e o bem de teu próximo. Porém inclusive se pedisses algo por necessidade, utilidade ou beneficio pessoal, não temas, que Deus te concederá se realmente necessitas, porque Ele ama aos que lhe amam. É bom com todos e sua misericórdia se esten­de, também, aos que não invocam seu nome; com maior razão, pois, cumprirá os desejos dos que lhe temem. Ele escutará todas tuas preces e não as rejeitará por tua reta fé em Cristo Salvador […]. Porém, também poderá dizer-te por que lhe ofendeu sem motivo e como pedes coisas das que podes pres­cindir facilmente (Serafín de Sarov, Coloquio con Moti­lov).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Deus meu, vem em meu auxilio; Senhor, apressa-te em soco­rrer-me” (Sl 69,2)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Que vossa fé seja sensível, confiada, incansavelmente perseverante, animada na escuridão e ancorada em Jesus. Nele, a quem deve chegar nossa fé pelo Evangelho, na realidade de sua presença junto a vós. Praticai vossa fé nas palavras de Cristo… Releia o Evangelho propondo-se compreender o que Jesus nos diz. Fala quase unicamente disto, e se insiste tanto é porque sabia que não o escutaríamos; sabia que era o essencial, que nos faltaria perseverança, desanimaríamos. Nada pode substituir a força das palavras de Jesus: leia-as, releia-as e viva-as sobretudo: “Por que me diz: Senhor, Senhor, e não fazeis o que vos digo?” (Lc 6,46). Não vos percais em fantasias, em buscas vazias. Jesus está ao vosso alcance, se tens fé. Nada há mais concreto e certo que a fé, porque é uma realidade presente, sólida, forte e indestrutível. Ele está aqui e vos também, na condição de que o façais presente quando passa. Vossos gozos e tristezas, vosso cansaço do trabalho e dos homens, vosso sofrimento, vossas rebeliões e desgostos não são óleo de superfície, e não impede que Jesus esteja ali, que os ame e os queira através destas coisas pelas que sofreis, mas perto em oferenda ao Pai e em sacrifício por vossos irmãos. Esta é a realidade, a pura realidade; se o compararmos, é só aparência. O sei: é mais fácil dizê-lo que fazê-lo. Mas o Espírito de luz, o Espírito de amor atua em vós. É preciso abrir-lhe sem cançaso o caminho mediante a prática de vossa fé em Jesus (R. Voillaume, Come loro).

 

 

 

TERÇA-FEIRA, 02 DE ABRIL DE 20194ª SEMANA DA QUARESMA

João 5,1-16 (Cura de enfermo na piscina de Betesda) Jesus, salvação de Deus, decide atravessar os portais das misérias humanas que se reúnem junto à piscina de Betesda, em Jerusalém. Ali se encontra com um pobre homem paralítico, em particular. A sua palavra se dirige a esse pobre paralítico que vive enfermo há trinta e oito anos, quase toda sua existência. Depois de tão longa espera, que pode pedir de bom à vida? A pergunta aparentemente óbvia de Jesus (v.6) desperta a vontade deste homem e, por um simples mandato (v.8), recobra a força: toma sua cama, companheira de tantos anos de enfermidade, e caminha a levando consigo como testemunho de sua cura. Jesus renova a vida, coisa que não poderiam fazer os ritos supersticiosos, nem sequer a Lei: quem fica preso à sua interpretação literal, na rigorosa ob­servância do sábado, é um paralítico do espírito, um ce­go de coração. Diferente daquele enfermo, não quer curar-se e sua rigidez se converte em hostilidade. No templo, Jesus se encontra com o homem cura­do e lhe dirige a palavra clara e exigente (v.14), da qual se desprende que há algo pior que 38 anos de paralisia: o pecado com suas consequências. Jesus não quer reno­var a vida pela metade: se não nos liberta das ataduras do pecado, de nada nos serve que se nos curem os membros. É uma liberdade pela qual devemos optar cada dia: “Queres ficar curado? Não peques mais”.

 

 

Ez 47,1-9.12 (A fonte do Templo) Devido ao clima árido da Palestina, as fontes são consideradas, com frequência, símbolos do poder vivifica­dor de Deus. Por isso, às vezes, nas imediações de uma fonte se erigia um santuário. Na visão de Eze­quiel, este poder de vida nova emana do saguão do próprio templo e flui para o oriente, por onde voltou a Glória do Senhor a morar no meio do povo que voltou do desterro. A princípio é um pequeno arro­io insignificante, comparado com os grandes rios mesopotâmicos, porém vai crescendo cada vez mais e mais, até converter-se em um rio navegável. É sugestivo o contraste entre a medida exata e calculada sempre igual pelo anjo e o crescer sem medida da água, cujo poder deve experimentar o profeta em seu corpo (vv.3b.4b). A ele se revela a ex­traordinária fecundidade e eficácia da fonte: cheia de vegetação o território, cura o mar Morto, faz que abundem os peixes e que prosperem os povos (vv.7-10); as árvores frutíferas dão colheitas extraordinárias: a água que vem de Deus cura e fecunda a terra que per­corre. O Novo Testamento recolherá e levará à plenitude a simbologia: Jesus é o verdadeiro templo do qual bro­ta a água viva do Espírito (Jo 7,38;19,34) por meio da regeneração desta água vivificante e medicinal (Jo 3,5).

Sl 45/46 (Confiança na adversidade) Para o coração do salmista, não há nada mais amável que a cidade santa, Jerusalém, onde todos se reúnem para adorar a majestade de Deus. Mas há uma nova Jerusalém, que é a Igreja, e uma nova cidade santa, que é o nosso coração. Santa Teresa contemplou numa visão uma pedra preciosa que tinha a forma de um castelo. Esta, dirá Teresa, é a alma humana onde mora o Rei, sua Majestade. Se não encontramos Deus dentro de nós, também não o encontraremos nos santuários de pedras. Este é o caminho que nos é oferecido: ser a cidade santa e a nova Jerusalém, morada santa de Deus.

Senhor, ensina-me a reconstruir tua cidade santa dentro de mim e nos outros. Que eu possa defender a cada momento a vida e estar sempre do lado do ser humano. Que eu possa ser capaz de te amar no coração do irmão, especialmente naqueles que têm os templos destruídos pelo pecado, pela droga, pelo mal. Senhor, quero te amar e te enxergar lá nos “ex-seres humanos”, aqueles que foram destruídos de sua dignidade. Neles quero te amar e te adorar. Amém.

 

 

MEDITATIO: Sentado nos limites da esperança, sem poder comprometer-se com a vida, desiludido dos demais e, com frequência, também da religião: assim é o homem de hoje, de sempre, ao qual Cristo vem buscar, ali onde se encontra paralisado pelo sofrimento, pelo pecado ou por distintas circunstâncias. Jesus simplesmen­te pergunta: “Queres curar-te?” Pergunta óbvia, talvez, porém exige uma resposta pessoal que renova interior­mente e faz sentir a grande dignidade do homem: sua liberdade e responsabilidade. Logo, simplesmente, disse: Levanta-te: põe-te a andar…”. Não por meio de ritos vazios, mas pelo poder da Palavra de Deus que recria, rompe as ataduras que aprisionam. Não é nada a paralisia do corpo: há ata­duras muito piores que atam o coração ao pecado. Por esta razão, Cristo deixou na Igreja a eficácia de sua Palavra e a graça que brota como um rio de seu lado aberto: água viva do banho batismal, que regenera e renova o pecador; água viva das lágrimas do arrependimento que suscita o Espírito, para absolver de todo vínculo de culpa ao penitente; sangue derramado por aquele que foi perseguido de morte por ter trazido ao mundo a salvação de Deus.

 

ORATIO: Vem, Senhor, vem a todo o que jaz com ânimo abatido, na enfermidade e na desesperança do pecado. Vem a mim tam­bém. Acerca-te a nós, ó Cristo, volve-te a nós, um por um, para que ressoe a pergunta: “Queres curar-te?”. Fala também a mim. Vem mergulhar-nos no profundo abismo de teu amor que brota de teu coração aberto como um rio que co­rre inesgotável e potente, atravessando e renovando tem­pos e espaços, para desembocar no Eterno. Já me pu­rificaste na fonte batismal: faz que eu viva fielmente, em conformidade aos dons recebidos. Que possa eu, cada dia, cancelar as culpas cometidas com a água de minhas lá­grimas: que me abram à graça do perdão nunca me­recido, sempre humildemente implorado. Livre do pe­cado que me imobiliza em uma existência carente de sentido, que possa eu caminhar anunciando que em ti todos podem voltar a encontrar a vida e sentirem-se irmãos.

 

 

CONTEMPLATIO: A piscina ou a água simbolizam a amável pessoa de Jesus Cristo[…]. Sob os pórticos da pis­cina jaziam muitos enfermos, e o que descia a água após ser agitada ficava completamente curado. Esta agitação e este contato é o Espírito Santo, que vem do alto sobre o homem, toca seu interior, e pro­duz tal movimento em seu ser, que, literalmente, se abala e se transforma totalmente; até o ponto que enjoa as coisas que antes lhe agradavam e, ardentemente, deseja o que antes lhe horrorizava, como o des­prezo, a miséria, a renúncia, a interioridade, a humildade, a abjeção, o distanciamento das criaturas. Agora constitui sua maior delícia. Quando se produz esta agitação, o enfermo, isto é, o homem exterior, com todas suas faculdades, desce interiormente ao fundo da piscina e lava a consciência em Cristo, em seu sangue precioso. Graças a este contato se cura com toda certeza como está escrito: “Todos que o tocavam se curavam” (J. Taulero).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

                              “Devolve-me a alegria de tua salvação(Sl 50,14a)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Voltando a um homem totalmente curado, Jesus lhe confere a vida em plenitude; exorta-se, certamente, ao homem a não pecar mais, mas, ele não faz mais que uma coisa: “andar”. Diferente do cego de nascimento, depois de sua cura, não se põe a proclamar que Jesus é um profeta, nem a confessar sua fé, mas é, simplesmente, um sinal da vida transmitida pelo Filho, e neste sentido expressa o Pai. Não há nenhuma instrução de que não “renegue”, mas o dever de existir, de “caminhar” simplesmente. O crente é um homem que caminha, se permanece em relação com o Filho e, por Ele, com o Pai […]. Como Jesus transmite a verdade que habita n’Ele? Ele sabe que a Palavra é geradora de vida e sabe também que a Palavra traduzida em palavras corre o perigo de ver-se confundida com a dúvida, a incerteza da linguagem humana. Por isso inicia dando saúde a um homem que estava há anos enfermo; e só a seguir ilumina sua ação […]. Ao realizar esta ação em dia de sábado, suscita uma questão sobre a autoridade de sua própria pessoa, e logo explica seu sentido. Desta maneira, todo discípulo pode aprender também a forma de comunicar sua experiência de fé. Frente aos que não a compartilham, me sinto tentado a combater com palavras que expressem a verdade. Porém, desta maneira me esqueceria de que as palavras não são somente um meio de comunicação, mas também um obstáculo para o encontro com outro. Pelo contrário, se ponho o outro na presença de um ato que incite a refletir sobre esse ser estranho que sou eu (cf. Jo 3,8), então se começa um diálogo, não com palavras que se cruzam, mas entre seres vivos, discípulos, para comunicar-se através de uns gestos que oferecem sentido (Léon-Dufour, Lectura Del evangelio de Juan).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

QUARTA-FEIRA, 03 DE ABRIL DE 20194ª SEMANA DA QUARESMA

João 5,17-30 (Discurso sobre a obra do Filho) Jesus é perseguido pelos judeus por causa das curas que realiza em dia de sábado. Para fundamentar suas obras, Jesus revela sua própria identidade de Filho de Deus, pondo-se assim acima da Lei. O v.17 alu­de a especulações judias: o descanso sabático de Deus se refere a sua obra criadora, não a continua atividade de Deus, que incessantemente dá a vida e julga (o Eterno nunca pode interromper estas duas atividades, por­que pertencem a sua própria natureza). Nos vv.19-30, Jesus mostra que se atém em tudo à atividade de Deus, como filho que aprende na escola de seu pai. “O filho não pode fazer nada por sua conta”: esta afirmação, reiterada no v.30, inclui a passagem e indica seu sentido. A total unidade entre a ação do Pai e do Filho é fruto da completa obediência do Filho, que ama o querer do Pai e com­partilha seu amor desmesurado pelos pecadores. Por isso o Pai dá ao Filho o que só a ele pertence: o poder sobre a vida e a autoridade do juízo (vv.25s). Esta ín­tima relação entre Pai e Filho pode estender-se, tam­bém, aos homens, por meio da escuta obediente da Palavra de Jesus, que faz entrar no dinamismo da vida eterna superando a condição existencial de morte que caracteriza a vida presente.

 

 

Is 49,8-15 (A alegria do retorno) O Servo de YHAWEH experimenta o desalento e o fracasso, porém Deus lhe infunde novo ânimo e dilata, até o extremo da terra, os confins de sua missão salvífica (vv.5-7). Implica em primeiro lugar a libertação dos israelitas do desterro, porque chegou o tem­po da misericórdia, o dia da salvação (v.8). Deus tem seus tempos e seus dias, nos quais oferece sua graça e realiza sua promessa. Penetra no curso da história humana para transformá-la. No desígnio de Deus, o Servo é como Moisés: mediador da aliança. Como Josué, restaurará e repartirá a terra. Será o arauto do novo êxodo que o Senhor mesmo, “O Compassivo”, guiará como bom pastor e facilitará, superando todo o esperado (vv.10s). É uma mensagem de vida dirigida aos desterrados desanimados. A seguir, o profeta contempla, desde Jerusalém (v.12), a entrada do povo na pátria, que aflui à cidade santa, não só de Babilônia, mas de todos os pontos onde haviam sido dispersados. O cos­mo inteiro canta, exultando pela misericórdia que o Senhor teve com seu povo (v.13). Seu amor é uma ternura profunda, das entranhas. Caracterizam-lhe sua entrega e fi­delidade perenes. É seu ícone o amor de uma mãe por seus filhos (vv.14s). São imagens tomadas da linguagem humana para indicar o quanto está Deus unido com suas criaturas; não é um Deus distante nem impassível, nem um juiz implacável, mas um Deus próximo e solícito com a sorte de todos os seus filhos.

 

Sl 144/145 (Louvor ao rei Yahweh) Quando se deseja rezar, já se está rezando. Por isso, o apóstolo Paulo, nos recorda sabiamente que quer você coma, beba, durma ou faça qualquer outra coisa, que tudo seja feito para honra e glória de Deus. Segundo São João da Cruz: “o amado sempre pensa na amada e a amada no amado”. Deus quer que a nossa oração seja sincera, forte e corajosa, mesmo nas dificuldades. O orante deste Salmo está sofrido, abandonado, mas também sente um grande desejo de louvar e bendizer a Deus por muitos motivos que surgem em seu coração. Rezar não significa sair da realidade, abandonar as nossas atividades e ficar o dia todo rezando ave-marias e pai-nossos. Há, sim, momentos de profunda oração, mas na maior parte do tempo devemos assumir atitudes orantes, isto é, fazer tudo com reta intenção e com amor profundo. Não esqueça, porém, de encontrar diariamente, como verdadeiro apaixonado e amante de Deus, momentos de silêncio e solidão para estar a “sós com o Só”, que é o Senhor.

Senhor, quero te louvar por tudo que acontece na minha vida. Quero cada momento me lembrar de ti, da tua presença e teu profundo amor. Que do meu coração subam louvores e ações de graça a todo momento. Que minha oração seja como o perfume agradável do incenso que sobe até a ti, que sejam centelhas de orações, jaculatórias, pensamentos, flechadas de amor que lanço ao céu. Que todo meu respiro seja louvor a ti. Que nada te ofenda em mim e nos outros. Contemplamos a bondade de Deus em Jesus, nosso Senhor, que também viveu sempre em comunhão com o Pai. “E agora, Pai, glorifica-me junto de ti mesmo, com a glória que eu tinha, antes de ti, antes que o mundo existisse. Manifestei teu amor aos homens que, do mundo, me deste. Eles eram teus e tu os deste a mim; e eles guardaram tua palavra. Agora, eles sabem que tudo quanto me deste vem de ti, pois lhes dei as palavras que tu me deste, e eles a acolheram; e reconheceram verdadeiramente que eu saí de junto de ti e creram que tu me enviaste”. (Jo 17,5-8).

 

 

MEDITATIO: O Senhor constituiu seu Servo como aliança para restaurar o país. O Pai enviou o Filho e lhe deu o poder de ressuscitar dentre os mortos. Ninguém está excluído deste convite à vida, ninguém po­derá sentir-se abandonado ou esquecido por Deus, porque o único verdadeiramente abandonado é o Filho amado, a quem um Amor maior entrega à morte na cruz para livrar-nos da morte eterna. Aos judeus que o acusam de violar o sábado e de não respeitar o descanso do mesmo Deus, ele lhes revela a própria conformidade substancial de Filho que atua em tudo de acordo com o que vê e escuta do Pai: portanto, dele re­cebe a autoridade de julgar.      A quantos escutam com fé sua Palavra e a guardam no coração, lhes dá o poder de chegar a ser filhos de Deus; desde agora passam da mor­te à vida eterna, e, no último dia, não encontrarão o juiz, mas o Pai, que lhes espera desde sempre, por­que neles reconhece o rosto de seu Filho amado, o Unigênito, convertido, por amor a nós, em irmão primo­gênito. Grande é a esperança que nos propõe: con­cede-nos nova luz na existência cotidiana. Viver como filhos é a herança eterna e, por sua vez, o tesouro secreto que nos sustenta cada dia na fadiga.

 

ORATIO: Senhor, Tu que sempre vê o Pai e fezes o que o vê fazer, atrai nosso olhar a ti: em tua luz veremos a luz, aprenderemos a viver como filhos de Deus. Dele recebeste poder de dar a vida e devolvê-la ao que a perdeu, porque te entregaste à morte por todos. Aumenta nossa fé; em ti está a fonte viva e de ti alcançaremos, com gozo, nossa sal­vação. Tu, juiz de todo mortal, que escutas sempre os juízos verdadeiros de Deus, faz que escutemos tua Palavra com coração obediente; de ti aprenderemos que a maior sabedoria é aderir à vontade do Pai com humilde amor. Na festa sem fim da divina ternura que envolve a todo homem para convertê-lo em “filho”, gozaremos contigo, ó Filho unigênito, porque não te envergonhastes de chamar-nos “irmãos”.

 

CONTEMPLATIO: Se desceste a terra, foi por compaixão para com o gênero humano. Padeceste nossos sofrimentos antes de padecer a cruz, inclusive antes de ter assumido nossa carne. Pois se não tivesse sofrido, não teria vindo a compartilhar nossa vida humana. Primeiro sofreste, depois desceste. Qual é a paixão que sentiu por nós? A paixão do amor. O próprio Pai, o Deus do universo, “lento à ira e rico em misericórdia”, não sofre, de certo modo, conosco? O ignoras tu, que governando as coisas humanas pade­ces com os sofrimentos dos homens? Como o Filho de Deus “levou nossas dores”, também o próprio Deus suporta “nosso padecer”. Nem sequer o Pai é impassível. Tem piedade, sabe algo da paixão de amor… (Origenes, homilias sobre Ezequiel).

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

                                    “Recorda-te, Senhor, de tua ternura” (SI 24,6a)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Anunciar a ressurreição não é anunciar outra vida, mas mostrar que a vida pode ganhar em intensidade e que todas as situações de morte que atravessamos podem transformar-se em ressurreição. Um grande poeta francês, Paul Eluard, dizia: “Há outros mundos, porém estão neste”. Assim é como devemos pensar na ressurreição. Creio que devemos tentar participar um pouco nesta realidade, isto é, tentar converter-nos em homens de ressurreição, testemunhando uma moral de ressurreição como chamada a uma vida mais profunda, mais intensa, que finalmente possa desfazer o sentido da morte. Pois estou convencido de que o grande problema dos homens de hoje é o problema da morte. Penso que a linguagem que devemos utilizar para dirigir-nos aos homens é, sobretudo, o exemplo que devemos dar, a linguagem da vida: com esta linguagem esperamos que compreendam que significa ressurreição. Fazem falta profetas um pouco loucos. Sim, pois a ressurreição é uma loucura, e deve-se anunciá-la assim: se anuncia de um modo “educado”, não pode funcionar. Devemos dizer: “Cristo ressuscitou”, e todos nós ressuscitamos nele. Todos os homens; não só os que pertencem a Igreja, todos. E então, o mais fundo de nossa angústia se transforma em confiança, poderemos fazer o que não se atreve a fazer hoje: bendizer a vida. Hoje os cristãos são cada vez mais minoritários, quase em diáspora. ¿Que relação tem esta minoria com a humanidade inteira? Esta minoria é um povo a parte para ser reis, sacerdotes e profetas; para trabalhar, servir, orar pela salvação universal e a transfiguração do universo, para converter-se em servidores pobres e pacíficos do Deus crucificado e ressuscitado (O. Clément, cit. en En el drama de ¡a incredulidad de Teresa de Lisieux).

                                            

 

QUINTA-FEIRA, 04 DE ABRIL DE 20194ª SEMANA DA QUARESMA

João 5,31-47 (Discurso sobre a obra do Filho) Continua o discurso apologético de Jesus como resposta às acusações dos judeus. À medida que avança o discurso, vai se inflamando mais e mais. Cada vez aparece mais clara a distinção entre o “eu” de Jesus e o “vós” dos ouvintes hostis. A passagem chega ao ponto culminante do processo do Senhor Deus contra seu povo amado com predileção, porém, obstina­damente rebelde, cego e surdo. Quatro são os testemunhos aduzidos por Jesus que deveriam levar os ouvintes a reconhecê-lo como Messias, o enviado do Pai, o Filho de Deus: as palavras de João Batista, homem enviado por Deus; as obras de vida que ele mesmo realizou por mandato de Deus; a voz do Pai, e, finalmente, as Escrituras. Estes teste­munhos tão diversos têm duas características comu­ns: de uma parte, como resposta à acusação de blasfêmia pelos judeus contra Jesus, remetem ao atuar salvífico de Deus Pai; por outra, não dizem nada verda­deiramente novo. Os judeus se encontram assim submetidos a um processo. Sua cegueira procede de um desvio radical, interior: os acusadores não buscam a “glória que procede só de Deus”, revela o risco e lhes põe em guarda: crêem obter vida eterna perscrutando os escritos de Moisés, porém estes escritos são os que lhes acusam. O intercessor por excelência terá que converter-se em seu acusador? O texto conclui com uma pergunta que pede a cada um examinar a autenticidade e sinceridade da própria fé.

 

 

Êx 32,7-14 (Iahweh adverte Moisés) – Deus acaba de estabelecer sua aliança com Israel, confirmando-a com uma solene promessa (cf. Ex 24,3). Moisés, todavia, está no monte Sinaí na presença do Se­nhor, onde recebe as tábuas da Lei, documento base da aliança. Porém, o povo já havia cedido à tentação da idolatria: constrói um bezerro de ouro, obra de mãos humanas, e se atreve a adorá-lo como o Deus que os livrou da escravidão do Egito (v.8). Deus inflamou-se em cólera (as características antropomórficas com as quais se descreve a Deus neste episódio atestam a antiguidade do fragmento). Sem dúvida, in­formou a Moisés do acontecido (v.7): está desfeita a aliança. É um momento trágico: Deus está a ponto de repu­diar Israel, surpreendido em flagrante adultério. Ainda que Moisés, chefe do povo, haja permanecido fiel. Será ele rejeitado também pelo Senhor? Não, porém se porá a prova sua fidelidade. Como? Enquanto o Senhor ameaça destruir o povo, propõe a Moisés começar com ele uma nova história e lhe promete um futuro rico de espe­rança (v.10). Moisés não cede à “tentação”. Recebeu a missão de guiar Israel para a terra prometida e não abandona o povo. Como em outro tempo, Abraão (cf. Gn 18), intercede pondo-se como um escudo entre Deus e o povo pecador. Com sua súplica, trata de “adoçar a boca do Senhor” (v.11). Sua angus­tiosa oração, na qual recorda ao Senhor as promessas feitas aos patriarcas, é tão ardente que chega ao co­ração de Deus.

 

Salmo 105/106 (Confissão nacional) Fidelidade, de Deus, e infidelidade do homem, acompanham a história da humanidade. A fidelidade do Senhor é para sempre e se renova com cada aliança, cada sacrifício, cada holocausto.       A grande aliança, o grande holocausto foi Cristo, que, por seu sangue derramado, nos consagrou e marcou para sempre com o seu amor. A nossa infidelidade, por sua vez, se renova com o pecado, mas Deus não se cansa de chamar-nos a Ele, mesmo que sejamos duros ou nos rebelemos. A paciência de Deus é eterna. A oração atenta deste Salmo nos leva ao critério do pecado e da não conversão do coração humano, que cria uma barreira ao amor. Paralelamente a isso, o Salmo aborda o mistério do amor de Deus, que vem ao nosso encontro e no recorda constantemente sua aliança com Abraão. Ao longo da história encontramos grandes intercessores que suplicam a Deus por nós, pecadores: Moisés, Jesus, Maria, os santos, a Igreja… As tentações do êxodo, de voltar atrás, retornar à escravidão do Egito, são tão comuns hoje como eram no tempo de Moisés. Mas enquanto horizonte é obscuro, a luz de Cristo sempre brilhará.

Senhor, sei que o caminho da felicidade não é só prazeres, nem dar vazão aos instintos que se escondem no meu coração: ganância, sensualidade, prazer, raiva, ódio, inimizade, busca de projeção, poder, dinheiro, fama… tudo isso é como palha que o vento leva. Sei que não posso e não devo escutar a voz do pecado que sussurra aos meus ouvidos doces palavras e que promete alegria e paz. Já bebi muitas vezes as nascentes falsas e sei a amargura que fica no coração depois do “doce pecado”. Sei, Senhor, que sou rebelde e não escuto a tua voz, que tenho o coração e as mãos manchadas de injustiça e de desamor, mas quero converter-me, não com as minhas forças, porém com a tua  graça e o teu amor. Sei, Senhor, que não posso entrar no Paraíso sem chegar ao cume do Calvário, morrer com Cristo e deixar-me lavar pelo seu sangue. Lava-me, purifica-me e introduz-me no teu reino para sempre. Peço-te a graça de reconhecer os meus pecados e a força de converter-me. Amém.

 

 

MEDITATIO: Levar uma vida autenticamente religiosa significa, sobretudo, sentir-se dependente de Deus, unido a Ele com vínculo indissolúvel. O mais é secundário. Dai brotam as atitudes espirituais e práticas que carac­terizam o crente e os diferenciam dos não crentes. O crente é o que, em uma situação de prova, não abandona a Deus como se fosse a causa de seu mal, mas se volta a Ele com uma insistência invencível, como fez Moisés. Ademais, o fiel adulto na fé sente como prova pessoal as provas dos irmãos próximos ou distantes: em todos vê o seu próximo. Ora por todos e é um intercessor universal, disposto a carregar as debilidades dos demais, a sofrer para que os outros possam ser aliviados em sua dor, como fizeram Moisés e, sobretudo, Jesus, o inocente morto como pecador por nós­, injustos. Nesta humilde, fiel e continua doação de si está o verdadeiro testemunho. Frente a uma vida entregue ao serviço dos mais débeis, frente a pessoas que não acusam, mas que suplicam e perdoam, antes, ou depois, surgirá à pergunta: “Por que atua assim?” A existência de um Deus que é amor não se “demonstra”, mas deixa-se transparecer que vive nos corações dos que lhe acolhem.

 

ORATIO: Senhor, tem piedade de nós. Temos buscado a glória humana de forma vã: o único que conseguimos é fazer-nos mais duros de coração, sem saber dar um sentido às coisas, aos aconteci­mentos. Queremos ir a ti para ter vida; a ti, que és transparência do rosto do Deus-humildade. Jesus, testemunho fiel e veraz do Pai, tem piedade de nós. Temos rejeitado as exigências de tua Palavra e temos preferido seguir os ídolos do mundo, vi­vendo uma “espiritualidade de compromisso”: ilusões falazes que apagam o amor interior. Queremos ir a ti para ter vida; a ti, que nos permite ouvir a voz do Deus-verdade.  Cristo, Filho obediente enviado pelo Pai, tem pie­dade de nós. Temos esquecido as Escrituras, que nos contam à paixão que sofreste por nós; temos apartado o olhar de quem, ainda vive a paixão no corpo ou no coração; intercede por nós, pecado­res, tu, inocente Cordeiro de Deus. Queremos ir a ti para ter vida; a ti, que és presença encarnada do Deus-misericórdia.

 

CONTEMPLATIO: Ó, quão bela, doce e carinhosa é a Sabedoria encarnada: Jesus! Quão bela é a eternidade, pois é o esplendor de seu Pai, o espelho sem mancha e a imagem de sua bondade, mais radiante que o sol e mais resplandecente que a luz! Quão bela no tempo, pois foi formada, pelo Espírito Santo, pura, livre de pecado e formosa, sem a menor mácula e, durante sua vida, enamorou o olhar e o coração dos homens e é, atualmente, a glória dos anjos! Quão terna e doce é para os homens, especialmente para os pobres e pecadores, aos que veio buscar visivelmente no mundo e aos que segue ainda buscando invisivelmente! Que ninguém imagine que, por achar-se agora triun­fante e glorioso, é Jesus menos doce e condescendente; ao contrário, sua glória aperfeiçoa em certo modo sua doçura; mais que brilhar, deseja perdoar; mais que ostentar as riquezas de sua glória, deseja mostrar a abundância de sua misericórdia (Luiz Mª G. de Montfort, El amor da Sabiduría eterna).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Aquele que crer tem a vida eterna” (Jo 6,47)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL A tradição cristã sustenta que o livro que vale a pena ler é Jesus. Bíblia: todas as páginas deste livro falam dele e querem levar a Ele […]. É preciso um encontro entre Cristo e a pessoa humana, entre esse Livro que é Cristo e o coração humano, no qual está escrito Cristo não com tintas, mas com o Espírito Santo. Por que ler? Porque Jesus mesmo leu. Foi livro e leitor, e continua sendo ambas as coisas em nós. Como ler? Como leu Jesus. Sabemos que Jesus leu e explicou a Isaias na Sinagoga de Nazaré. Sabemos também como compreendeu as Escrituras e como através delas se compreendeu a si mesmo e sua missão. Como leitor do livro e Ele mesmo como Livro, depois de sua glorificação concedeu este carisma de leitura a seus discípulos, à Igreja e também a nós. Desde então, graças ao Espírito, que atua na Igreja, toda leitura do livro sagrado é participação deste dom de Cristo. Somos movidos a ler a Escritura porque Ele mesmo o fez e porque nela encontramos a Ele. Lemos a Escritura n’Ele e com sua graça. E devemos concluir que a leitura cristã das Escrituras não é principalmente um exercício intelectual, mas, essencialmente, é uma experiência de Cristo, no Espírito, em presença do Pai, como o mesmo Cristo está unido a Ele, cara a cara, orientado a Ele, penetrando n’Ele e penetrado por Ele. A experiência de Cristo foi essencialmente a consciência de ser amado pelo Pai e de responder a este amor com o seu. É um intercâmbio de amor. Através de nossa experiência pessoal, seremos capazes de ler a Cristo-Livro e n’Ele, a Deus Pai (J. Leclercq, Ossa humiliata, Seregno).

 

 

SEXTA-FEIRA, 05 DE ABRIL DE 20194ª SEMANA DA QUARESMA

João 7,1-2.10.25-30 (Jesus sobe a Jerusalém para a festa e ensina). A pessoa de Jesus suscitou perguntas e inquietações entre seus conterrâneos, e a aversão dos chefes judeus chega ao paroxismo (v.1b). Jesus não é um provocador nem um covarde: espera a hora do Pai sem fugir nem adiantar os acontecimentos. Por isso evita a Judeia hostil e quando, por fim, sobe a Jerusalém à festa das Tendas, faz “secretamente”, indo contra o desejo de seus parentes desejo­sos de desfrutar sua fama (vv.3-5). Na cidade santa, sem dúvida, é reconhecido em seguida. E como sem­pre se dividem os ânimos: agora se trata de seu messia­nismo. Os círculos apocalípticos da época sustentavam a origem misteriosa do Messias: e se Jesus provém de Nazaré, é só um impostor (vv.26s). Jesus não ignora as vozes que vão se difundindo, e sobre elas eleva sua própria voz, forte e clara, no templo (v.28: lite­ralmente “grito”; trata-se de uma proclamação sole­ne e com autoridade). Com sutil ironia, se mostra que sua origem é efetivamente desconhecida aos que pen­sam saber muitas coisas dele: de fato, não querem re­conhecê-lo como o enviado de Deus e por isso não conhe­cem ao Deus veraz e fiel que cumpre nele suas promessas. As palavras de Jesus soam aos ouvidos de seus adver­sários como uma ironia, um insulto e uma blasfêmia. Tratam de pegá-lo, porém em vão: Ele é o Senhor do tempo e as circunstâncias, porque se há submetido totalmente ao desígnio do Pai, e ainda não há che­gado sua “hora” (v. 30).

 

 

Sb 2,1a.12-22 (A vida segundo os ímpios) Após uma exortação para viver de acordo com a justiça (Sb 1,1-15), o hagiógrafo deixa a palavra aos “ímpios”. Estes, em um discurso articulado, expõem sua “filosofia”: vivem a vida como busca desenfrea­da do prazer, eliminando – inclusive com violência – qual­quer obstáculo que se lhes ponha a frente. Os dois ver­sículos que marcam a exposição manifestam um claro juízo condenatório: pensam equivocadamente (v.1), se enganam (v.21). Os “ímpios” dos quais se fala são provavelmente os hebreus apóstatas da comunidade de Jerusalém, que, aliados com pagãos, perseguem seus irmãos fieis ao Deus da aliança. Com sua conduta estes “Justos” constituem uma presença insuportável. Qua­tro imperativos mostram um crescente rancor oculto que se converte em ódio aberto: do tender vigilância se passa ao insulto, para chegar finalmente ao projeto de condenação à morte, em um desafio blasfemo contra Deus (v.18;cf.v.20). O “resto” de Israel vive sua paixão profetizando a do Messias. Jesus é o único Justo verdadeiro, o Filho ama­do, o humilde posto a prova, escarnecido (v.19) e condenado a uma morte infame (v.20). Mas, sobretudo, é Ele que, tendo posto toda sua confiança no Pai, surge do abismo na luz da páscoa como primogênito dos mortos. A esperança do Antigo Testamento adquire uma dimensão inesperada que supera qualquer “profecia” possível: pelos méritos de um só todos são feitos ”justos”, se abre o coração para acolher o dom de sua graça.

Salmo 33/34 (Louvor à justiça divina) Deus é vida e amor, mas precisamos estar atentos, pois estamos cercados de situações que nos levam à morte: o mal, a violência, o ódio, as guerras. Além disso, vivemos um momento em que a vida está sendo destruída já no seu nascer, por meio do aborto. Há também uma morte que engana, pois não parece morte, mas igualmente pode matar: a injúria, o ódio, o rancor, a inimizade, a calúnia. Quem se decide a seguir o Senhor deve viver de acordo com a Palavra.

Senhor, que eu seja coerente no meu dia a dia, defenda a vida e participe de todos os atos e realizações que busquem resplandecer o amor e a justiça. A pedagogia do seu amor nunca se altera: os ricos que não partilham passarão fome e os pobres que te amam sempre serão saciados do teu amor e da tua paz. Amém.

 

 

MEDITATIO: João situa o drama messiânico no interior da história do povo de Deus; em particular, une a vida de Jesus com as celebrações das grandes festas he­breias, que tinham como objetivo manter viva a me­mória das grandes obras de Deus. Como sempre, no quarto Evangelho, os pequenos detalhes adquirem um valor simbólico. Por que aparece o complô con­tra Jesus poucos dias antes da celebração da fes­ta das Tendas? Nesta festa se agradecia a Deus as colheitas e se recordavam os quarenta anos passados no deserto. Construíam-se palhoças com ramas, também em Jerusalém, onde se ia meditar: retiro em um deserto simbólico. A controvérsia que relata João se situa, precisamen­te, às vésperas deste tempo propício à reflexão. É como se Jesus fizesse um último esforço para convidar os adversários a refletir sobre sua pessoa e sobre suas “obras”. Sabemos que o resultado foi negativo. Não poderíamos, acolhendo a sugestão da liturgia de hoje, fazer este alto em nosso caminho para a páscoa, tomarmos um tempo para dedicá-lo a reler e meditar este texto tão denso e inesgotável, para interrogar-nos mais profundo sobre o mistério da pessoa de Jesus e aderirmos a Ele com maior amor?

 

ORATIO: Vem, Espírito Santo! Temos endurecido nossos corações como uma pe­dra por causa de nosso pertinaz orgulho, a violência fi­nalmente perpetrada, as grandes ou pequenas ambições que buscamos a todo custo. Cada dia nós condenamos o Inocente a uma morte infame, quando nos move um princípio diferente do amor. O mal que fazemos, talvez sem perceber, esmaga os inocentes. Vem, Espírito, cria em nós um coração novo! Tu, luz santíssima, aclara a consciência, ilumina a inteligência: pretendemos conhecer a Deus e temos desprezado seu Cristo na multidão de pobres hu­milhados pela vida que, sem aparência nem brilho, passaram junto a nós. Doce hóspede da alma ajuda-nos a descobrir a origem do Humilde que suportou em silêncio a iniqui­dade de todos nós sem envergonhar-se de chamar-nos “irmãos”. Conforma-nos a Ele para que compreenda­mos a graça de viver como filhos do único Pai, en­viados por Ele com Cristo a levar o amor a todo ser hu­mano.

 

CONTEMPLATIO: Tu és o Cristo Filho do Deus vivo. Tu és o revelador do Deus invisível, o primogênito de toda criatura, o fundamento de tudo. Tu és o Mestre da humani­dade. Tu és o Redentor: nasceste, morreste e ressuscitaste por nós. Tu és o centro da história e do mun­do. Tu és quem nos conhece e nos ama. Tu és o companheiro e amigo de nossa vida. Tu és o homem da dor e da esperança. Tu és aquele que deve vir e que um dia será nosso juiz e, assim esperamos, nossa felicidade. Nunca acabaria de falar de ti. Tu és luz e verdade; mais ainda: tu és “o caminho, a verdade e a vida” […]. Tu és o princípio e o fim: o alfa e o Omega. Tu és o rei do novo mundo. Tu és o secreto da história. Tu és a chave de nosso destino. Tu és o mediador, a ponte entre a terra e o céu. Tu és por antono­másia o Filho do homem, porque és o Filho de Deus, eterno, infinito. Tu és nosso Salvador. Tu és nosso maior benfeitor. Tu és nosso libertador. Tu és necessá­rio para que sejamos dignos e autênticos na ordem temporal e homens salvos e elevados à ordem so­brenatural. Amém (Paulo VI).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Ainda que o justo sofra muitos males, mas de todos o Senhor o livra” (Sl 33,20)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Na vida de Jesus, em seu viver mediante o Pai, se faz presente o sentido intrínseco do mundo, que nos é ofertado como amor – de um amor que ama individualmente a cada um de nós – e, pelo dom incompreensível deste amor, sem caducidade, sem ofuscamento egoísta, faz a vida digna de viver. A fé é encontrar um tu que me sustenta e que na impossibilidade de realizar um movimento humano da promessa de um amor indestrutível que não só aspira à eternidade, mas que a outorga. A fé cristã obtém sua linfa vital do fato de que só existe, objetivamente, um sentido da realidade; mas que este sentido está personalizado em Alguém que me conhece e me ama, de sorte que posso confiar n’Ele com a segurança de uma criança que vê resolvidos todos seus problemas no “tu” de sua mãe. Tudo isto não elimina a reflexão. O crente viverá sempre nessa obscuridade, rodeado da contradição da incredulidade encadeado como em uma prisão da qual não é possível fugir. E a indiferença do mundo, que continua indiferente como se nada tivesse acontecido, parece ser só uma burla de suas esperanças. O és realmente? Ao fazer-nos esta pergunta nos obriga a honradez do pensamento e a responsabilidade da razão, e também a lei interna do amor, que quisera conhecer mais e mais a quem deu seu “sim”, para amar-lhe mais e mais. O és realmente? Eu creio em ti, Jesus de Nazaré, como sentido do mundo e de minha vida (J. Ratzinger, Introducción al cristianismo).

 

 

 

SÁBADO, 06 DE ABRIL DE 20194ª SEMANA DA QUARESMA

João 7,40-53 (Novas discussões sobre a origem do Messias) “E surgiu entre o povo uma discórdia por sua causa” (v.43); cena tomada ao vivo. O evangelista nos mos­tra como o povo discute sobre um homem do qual todos falam, perguntando-se se não será o Messias. Sua palavra de autoridade, que fascina inclusive os guardas enviados para prendê-lo (v.46), não poderia deixar lugar a dúvidas. Porém, sem dúvida, se esgrimiam dois fortes ar­gumentos contra. Em primeiro lugar, Jesus vem da Galileia, e a Escritura diz que nasceria em Belém. Porém, sobretudo, o fato de que os chefes do povo e os fariseus não creram nele: pode talvez o povo simples ter outro parecer a respeito deste homem com pre­tensões inauditas? Frente à agitação geral, os que exercem o poder e a ciência respondem com sarcasmo e desprezo, sintomas inequívocos de uma reação desmesurada ditada pelo medo de perder prestígio. Só se distingue a valente voz de Nicodemos – o que veio ver Jesus de noite (cf. Jo 3,1) -, que indica que a mesma Lei não julga a ninguém antes de tê-lo escuta­do. Também se tacha de ignorância. E bruscamente conclui João: “Cada um voltou a sua casa” (v.53), alguns levando no coração o desejo de conhecer mais a Jesus; outros, com uma rejeição mais inflamada. Porém a Palavra não cala: ainda não havia chegado à sua hora.

Jr 11,18-20 (Jeremias perseguido em Anatol) O presente texto constitui a primeira das cha­madas “confissões de Jeremias”. São rajadas de luz que nos permitem adentrar no mundo interior do profeta através das repercussões pessoais de sua missão: é um testemunho precioso, único na Bíblia. Por vontade do Senhor, Jeremias descobre a conspiração que seus contemporâneos de Anatol urdiram contra ele para eliminá-lo (v.19). É difícil precisar as cau­sas históricas, porém isto não impede de captar a mensagem fundamental. Na história da salvação, as vicissitu­des da vida do profeta são de capital importância, pelo modo com que teve que ser vividas. Jeremias, vítima inocente, pensando no perigo que acaba de passar, se compara com um cordeiro manso levado ao matadouro. Esta imagem, presente também no quarto canto do Servo sofredor de YAHWEH (ls 53,7), se utilizará amplamente para descrever o Messias Sofredor que expia em silêncio o pecado do mundo (Jo 1,29; 1Pe 1,19; Ap 5,6ss). Atormentado no cora­ção e na mente, o profeta sofre, e se atreve -ele, tão hu­milde – a elevar uma oração de vingança: é a lei de ta­lião. Jeremias vive sua paixão como homem do Antigo Testamento; será Jesus, realidade do que o profeta figu­rava quem morrerá inocente, pondo-se nas mãos do Pai e pondo também a seus adversários, que lhe crucificaram, para que lhes perdoe.

 

Sl 7 (Prece do justo perseguido) Dois protestos de inocência estão misturados aqui. O primeiro protesto, vv.1-6.13b-17, de estilo sapiencial, pede a aplicação estrita da lei de talião; o segundo protesto, vv.7-13ª, inspirado em Jeremias, conjura o juiz celeste a intervir. O v.18 é conclusão litúrgica. O princípio de talião (cf. Ex 21, 25s) pedia que se devolvesse o bem com o bem e o mal com o mal, na mesma medida… Ainda não estamos diante da moral evangélica (Mt 5,38s) (Rodapé da Bíblia de Jerusalem). Este belo Salmo nos auxilia a compreender quem somos. Saber que Deus nos criou por amor e que no amor Ele nos chama à sua intimidade é a alegria mais profunda que o ser humano pode experimentar. Nós não estamos sozinhos e não somos fruto do acaso, mas somos a obra de Deus. Podemos nos sentir amados e conhecidos por Ele. Tudo o que há no mundo é dom de Deus para nós.

Senhor, que o orgulho nunca possa me dominar e que, sempre com humildade, eu seja capaz de sentir a tua presença de Pai amoroso e saiba partilhar com os outros, o que tenho e o que sou. Que o egoísmo e o individualismo não me dominem em nenhum momento da minha vida. Amém.

 

 

MEDITATIO: A Palavra de Deus sempre é viva, porém, certamen­te, hoje nos apresenta temas particularmente impactan­tes. A confissão dolorosa do profeta Jeremias nos diz até que ponto nós temos que estar dispostos a padecer, por sermos fieis a Deus, servindo-lhe com coração reto. Porém, não menos chocantes são as perguntas sobre a identidade do Messias que aparecem no Evangelho. Hoje, também, nos pergunta, às vezes, angustiosamente, quem é Jesus. O povo se divide no modo de pensar e buscar a verdade. Muitos “vão para sua casa”, encerrados na dúvida ou na indiferença porque rejeitam o único que é capaz de unificar o coração dos homens. E que dizer das ameaças, perseguições e condenações de inocentes? Um quadro obscuro aparece ante nossos olhos… Sem dúvida, sempre existem figuras heróicas que, como Nicodemos, desafiam a opinião dos “poderosos” com sua indômita paixão pela verdade. Por certo, não foi nada fácil para os contemporâneos de Cristo crer n’Ele. Deve brotar em nós um imen­so agradecimento pelos que lhe reconheceram e segui­ram, pois abriram com sua fé o caminho da salvação. Onde está hoje Jesus Cristo? Onde poderemos reco­nhecê-lo e seguir-lhe? Talvez seja esta a única pergunta que nos interesse, e ninguém pode responder por nós. Ler estes textos, confrontando-os com a história atual, sig­nifica adentrar na Palavra de Deus, viver Cristo.

 

ORATIO: Ó Deus, Pai onipotente, noite e dia te dirigimos a pergunta angustiosa: até quando durarão na terra tantos males? Até quando triunfarão os pre­potentes e prosperarão os malvados? Até quando caluniarão ao inocente sem que o defendas, perecerá o justo sem que lhe socorras? Abre-nos os olhos da fé para poder reconhecer que tu dás sentido a tudo, desde o momento em que estás sempre presente ao lado de todo ser humano em teu Filho amado, o Santo, o Inocen­te, o Cordeiro manso levado, por nós, ao matadouro. Faz que, vivamos para Ele e aderirmos à sua Palavra, na qual cremos e na qual queremos crer com todas as nossas forças. Aumenta nossa fé, que nos mantenhamos firmes e perseverantes na hora em que o mistério estende sua sombra sobre nosso coração amedrontado, até que se revele em plenitude teu sábio desígnio de amor.

 

CONTEMPLATIO: Alma cristã, pensa em tua redenção e libertação. Saboreia a bondade de teu Redentor; incendeia-te no amor de teu Salvador. Onde está à força de Cristo? “Suas mãos escondem seu poder, ali está oculta sua força” (cf. Hb 3,4). Agora, o poder está em suas mãos porque foram cravadas nos braços da cruz. Porém, onde está a força em tal debilidade, onde a grandeza em tal humilhação, onde o respeito em tal abjeção? Há, certamente, algo desconhecido, “oculto”, nesta debilidade, nesta humilhação, nesta abjeção. Ó força oculta! Um homem suspenso na cruz sus­pende a morte eterna a todo o gênero humano; um homem cravado ao madeiro desencrava o mundo, con­denado a morte perene […]. Foi Ele quem compreendeu o que agradava ao Pai e podia favorecer aos homens, livremente, o fez. Assim o Filho manifestou ao Pai uma obediência livre, quando quis realizar, espontaneamente, o que sabia que agra­daria a seu Pai. Com este preço, não somente o homem fica exonerado de suas faltas pela primeira vez, mas também é acolhido por Deus, cada vez que volte a Ele arrependido. Nossa dívida foi paga pela cruz; pela cruz, Cristo nos res­gatou. Os que querem percorrer esta graça com au­têntico amor se salvam (Anselmo de Aosta, Oraciones y meditaciones).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

                       “Tanto amou Deus ao mundo que entregou seu Filho único” (Jo 3,16)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL A condição do cristão, na medida em que ser cristão é resignar-se a estar a mercê de alguém, é algo singularmente inconfortável. E você o sabe muito bem. No fundo, o que teme é como disse muito bem, uma vez metido o dedo na engrenagem não se sabe onde poderá parar. Certamente não se nos oculta que o que impede ter fé aos que não a têm é isso. Como é também o que impede a ter mais fé aos que já a têm. Sempre é grave introduzir a outro na própria vida, inclusive desde o ponto de vista humano; se sabe que já não será possível dispor inteiramente de um. Deixar Jesus entrar na própria vida encerra um risco terrível. Não se sabe até onde nos levará. E a fé é precisamente isso. Jamais me fará crer que é confortável. Tomar a sério a Cristo é aceitar na própria vida a irrupção do Absoluto do Amor, aceitar o ser arrastado para não se sabe onde. E esse risco é ao mesmo tempo a libertação, porque depois de tudo, sabemos bem que só desejamos uma coisa: esse Amor Absoluto; e que, em última instância, nos despoja de nós mesmos. Isto quer dizer, e me parece o essencial, que a fé não aparece como uma maneira de acabar com as aventuras da inteligência, como uma tranquilidade que um se concederia quando fica ainda muito por buscar. A fé não é uma meta, mas ponto de partida. Introduz nossa inteligência na mais maravilhosa das aventuras, que é contemplar, um dia, à Trindade (J. Daniélou, Escándalo de La verdad, Madrid).

 

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