LECTIO DIVINA DA ULTIMA SEMANA DO TEMPO COMUM ANO 2019

LECTIO DIVINA – COMUNIDADE PAZ E BEM

 

SEGUNDA-FEIRA, 25 DE NOVEMBRO DE 2019 –

Lucas 21,1-4 (A oferta da viúva) Neste texto advertimos para dois grandes contrastes entre os «ricos» e a «viúva» e entre «o que sobra» e «o necessário para viver». Deste modo, o evangelista Lucas nos faz entrar, de ime­diato, em uma situação de vida que, tanto hoje como ontem, nos interpela com todo seu dramatismo. O Evangelho não nos oferece exortações piedosas, sedativas, mas nos ilumina com uma luz nova, para que possamos ler, a fundo e com perspectiva, as situações históricas nas quais vivemos. Jesus vê e elogia a viúva pobre; vê, também, e não pode deixar de censurar a ação dos ricos. O olhar de Jesus é como um juízo emitido sobre aqueles que têm uma re­lação distinta de si mesmo com os bens, com o dinheiro. Um juízo que sempre é difícil de aceitar, mas que, por outro lado, ilumina perfeitamente, não só o gesto, mas tam­bém o coração das pessoas. Primeiro Jesus elogia a viúva pobre pelas «duas moedas de pouco valor» que ofereceu no templo. Também aqui se dá um forte contraste nas palavras de Jesus: duas moedas de pouco valor são sempre duas moedas de pouco valor, porém, Jesus as considera mais preciosas que as ricas oferendas dos abastados. Como pensar neste gesto da viúva sem compa­rá-lo com o da mulher anônima que, as vésperas da paixão de Jesus, perfumou sua cabeça com um perfume precioso? Trata-se, em ambos os casos, de uma «boa ação» que, como tal, compraz a Jesus muito mais que qualquer outra oferenda. O pouco da viúva pobre é tudo aos olhos de Deus, enquanto que o muito dos ricos é simplesmente o supérfluo. Também aqui captamos um juízo bastante claro: de fato, Deus avalia o valor qualitativo e não só o quantitativo de nossas ações. É só Ele quem lê em nossos corações e nos conhece a fundo.

         

Apoc 14,1-3.4b-5 (Os companheiros do Cordeiro) O livro do Apocalipse, a medida que se desenrola, compromete, com sua mensagem, um número cada vez maior de pessoas: o povo dos eleitos entra em uma relação maravilhosa com Deus e com Jesus, o Cordeiro imolado. A perspectiva eclesial caracteri­za, pois, a mensagem do evangelista João; mais ainda, se a consideramos bem, a perspectiva se torna universal. O símbolo numérico empregado neste texto bíblico é muito claro: «cento e quarenta e quatro mil» (vv.1.3b) corresponde, de fato, a 12 x 12 x 1.000, produto de três números onde cada um deles signi­fica perfeição. É como dizer que este não deve ser considerado um número fechado, mas um número aberto, que encontrará sua perfeição só quando todos os chamados sejam também eleitos. O outro símbolo empregado por João é o do monte, «o monte Sião», no qual se reúnem todos os que le­vam na fronte o nome do Cordeiro e o de seu Pai (v.1). Ter o nome significa entrar em uma relação muito especial com a pessoa: neste caso, o povo dos eleitos se caracteriza por sua especial relação com Deus e com Jesus. Mediante a fé é como se passa a fazer parte deste povo, que é a comunidade dos que invocam o Nome e reconhecem nele a fonte de sua salvação. É um povo que crê, e por isso canta: “Cantavam um cântico novo diante do trono, dos quatro seres viventes e dos anciãos. Um cântico que ninguém podia aprender, exceto aqueles 144 mil resgatados da terra” (v.3). Não é difícil reconhecer neste cântico o aleluia pascal que se transforma em um aleluia eterno.

 

Sl 23/24 (Liturgia da entrada no santuário) Subir a montanha do Senhor é o nosso grande ideal. Os Salmos são como guias para essa aventura. Eles nos mostram os caminhos que devemos seguir para alcançar o topo e, então, contemplarmos a glória do Senhor. Nunca devemos esquecer-nos que o Senhor se revela em experiência durante a noite, na montanha e no deserto. São lugares nos quais nos encontramos sozinhos com aquele que nos ama com Amor de Pai-misericordiosso.

Senhor dá-me coragem de me despojar de todo peso que me impede de subir a montanha; liberta-me dos ídolos do egoísmo, de toda superstição. Que tua palavra seja para mim programa de vida. Não se pode servir a dois senhores, ou se ama um ou o outro. Quero sempre estar ante Ti, Senhor, em adoração e amor. Amém.

 

 

MEDITATIO: O texto Evangélico nos põe ante uma situação que, em sua simplicidade, nos impele a uma reflexão sobre o valor do dom de nós mesmos. É evidente que a viúva pobre realizou um gesto extremamen­te eloquente, enquanto que o gesto dos ricos se revela, ao menos, opaco e mesquinho. O gesto do que dá com generosidade, mas, sobretudo, com confiança, revela, por um lado, o coração do que dá e, por outro, o valor daquele a quem se oferece o dom. Em consequência, é o co­ração quem dá valor e outorga importância ao dom. A viúva pobre revela um coração totalmente aberto a Deus, cheio de uma extrema confiança nele e, ao mesmo tempo, manifesta o sumo valor que Deus tem para ela. Esse gesto assume, pois, um valor religioso: é um ato de fé, um ato de abandono à divina providência; em último caso, um ato de adoração. O dom, portanto, tem a capacidade de unir e conec­tar duas pessoas: não tanto pelo valor do que se dá, como pelo valor do coração do doador e pelo valor do coração daquele a quem se oferece o dom, seja quem for. Mais ainda, desde uma perspectiva religiosa, a fé é ca­paz de realizar uma espécie de inversão dos valo­res, de sorte que o pouco da viúva se converte em tudo, enquanto que o muito dos ricos se converte em pouco. Por último, o que embeleza o dom é a intenção que o acompanha, o orienta e o consuma: se a finalidade do gesto oblativo é Deus, então o dom assume um valor excepcionalmente grandioso. É Deus quem o recebe, o aprecia e o aceita.

 

ORATIO: Senhor, como seria nossa vida se fosse permeada por dons com as mesmas características e bem-aventuranças dos teus? Desinteressados que permitam crescer: conheceríamos a avidez e o engano? Duradouros baseados em promessas fiéis e verdadeiras: conheceríamos o divórcio? Geradores e que produzem vida ao dar-se a si mesmos: conheceríamos o aborto? Que se multiplicam ao serem distribuídos: conheceríamos a indigência? Que consolam o que sofre: conheceríamos a solidão? Que perdoa o que se equivocasse: conheceríamos a vingança ou o rancor? Que acolhe sem distinção de cultura, fé, língua e cor: conheceríamos a discriminação? De paz e fraternidade: conheceríamos a violência, guerra, atropelo? De reconhecimento pelas duas moedinhas da viúva: conheceríamos a ingratidão? Ó Senhor, nossa natureza ferida e corrupta, sob o pretexto de ações nobres, transmite, com frequência, dons aparentes, mesclados e mascarados com seu próprio egoísmo e vaidade. Faz que nossos dons encarnem só in­tenções do amor.

 

CONTEMPLATIO: Todos nós que participamos do sangue sagrado de Cristo alcançamos a união corporal com Ele, como ates­ta São Paulo quando disse, referindo-se ao mistério do amor misericordioso do Senhor: “Não havia sido manifes­tado aos homens, em outros tempos, como foi revela­do, agora, pelo Espírito, a seus santos apóstolos e profetas: que também os gentios são coerdeiros, membros do mesmo corpo e participes da promessa em Cristo. Como não mostrarmos abertamente todos essa unidade entre nós e em Cristo, se todos nós, formamos um mesmo corpo em Cristo? Não só uns com outros, mas também em relação com aquele que se encontra em nós, graças a sua car­ne? Pois Cristo, que é Deus e homem ao mesmo tempo, é o vínculo da unidade. E, se seguimos pelo caminho da união espiritual, haveremos de dizer que todos nós, uma vez recebido o único e mesmo Espírito, a saber, o Espírito Santo, nos fundimos entre nós e com Deus. Pois, ainda que sejamos muitos e separados, Cristo faça com que o Es­pírito, do Pai e seu, habite em cada um de nós e esse Espírito, único e indivisível, reduz, por si mesmo, à unidade, aos que são distintos entre si, enquanto sub­sistem em suas respectiva singularidade, e faz com que todos apareçam como uma só coisa em si mesmo. E assim como a virtude da santa humanidade de Cristo faz que formem um mesmo corpo todos aqueles em quem ela se encontra, penso que da mesma ma­neira o Espírito de Deus que habita em todos, único e indivisível, reduz a todos à unidade espiritual. Por isto nos exorta também São Paulo: Elevai-vos mutuamente com amor; esforçai-vos em manter a unidade do Espírito, com o vínculo da paz. Um só é o corpo e um só é o Espírito, como uma só é a esperança da vocação à qual fostes convocados. Um Senhor, uma fé, um Batismo. Um Deus, Pai de todos, que transcende tudo e penetra tudo e invade tudo. Pois sendo um só o Espírito que habita em nós, Deus será em nós o único Pai de todos por meio de seu Filho, com o qual reduzirá a uma unidade mútua e consigo a quantos participam do Espírito (Cirilo de Alexandria, Comentário sobre o evangelho de São João, 11,11).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Estes são os que seguem ao Cordeiro aonde quer que vá» (Ap 14,4)

 

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Qual será meu lugar na casa de Deus? Sei que não me porá cara feia, não me fará sentir-me inútil, pois és, Deus; assim quando uma pedra serve a tua construção, colhes o primeiro seixo que encontras, o olhas com infinita ternura e o convertes na pedra que necessitas, as vezes com um brilho do diamante, outras opaca e sólida como uma rocha, porém sempre apta para o fim que persegues. Que farás deste seixo que sou eu, desta pedrinha que tu criaste e trabalhas cada dia com o poder de tua paciência, com a força invencível de transfiguração que encerra teu amor? Tu fazes coisas inesperadas, gloriosas. Lanças fora as sujeiras e te pões a modelar minha vida. Pouco importa que me ponhas sob um pavimento que ninguém vê, porém que sustenta o esplendor da safira, ou no alto de uma cúpula que todos olham e ficam admirados. O importante é encontrar-me cada dia ali onde tu me ponhas, sem demora. E eu, por mais que seja pedra, sinto que tenho uma voz: quero gritar-te, ó Deus, a felicidade que me produz sentir-me maleável em tuas mãos, para servir-te, para ser templo de tua glória (A.A Ballestero).

 

 

 

 

TERÇA-FEIRA, 26 DE NOVEMBRO DE 2019

Lucas 21,5-11 (Discurso sobre a ruína de Jerusalém; Os sinais precursores) Estamos ante o segundo «discurso escatológico» (cf. Lc 17,20-37): é sinal de que, para este evangelista, a perspectiva do fim do mundo e da vida futura caracteriza de um modo profundo a espiritualidade cristã. As perguntas iniciais, “Quan­do será isso? Qual será o sinal de que essas coisas estão a ponto de acontecer?” (v.7), são como duas pistas de bus­ca para compreender a mensagem que Jesus quer transmitir. De outro lado, o fato de que este discurso tenha sido pronunciado ante o templo, com a beleza das pedras e canais, cria forte contraste entre o pre­sente que ameaça a religiosidade dos contemporâneos de Jesus; e o futuro para o qual, apesar de tudo, Jesus quer orientar sua fé. Jesus prediz, em sua resposta, o final do templo de Jerusalém e, de certo modo, de tudo que este simboliza (v.6). Anuncia o fi­nal dum mundo que se concretizará nesta catástrofe, do mesmo modo que em muitas outras. Não pretende dizer que o fim do mundo esteja próximo, deseja, sim, recordar que tudo que pertence a este mundo terá, certamente, um fim, e que, diante deste fim, devemos refletir com plena consciência, deixando-nos iluminar por seu ensinamento. O que devemos fazer enquanto esperamos seu retor­no está dito com clareza no que Jesus afirma com respeito aos falsos profetas e messias (v.8). Jesus nos convida: ao discernimento das pessoas e dos acontecimentos; a ter a coragem de tomar ou deixar; e a assumir o risco de optar sempre e de todos os modos pelos valores que Ele nos entregou em seu Evangelho. São muitos os que, tanto hoje como ontem, pretendem abrir novos caminhos de salvação diante de nós; são muitos os que anunciam o fim como algo iminente, mais para intimidar e aterrorizar que para iluminar e infundir coragem. As palavras de Jesus vão num sentido diametralmente oposto: inclusive quando anuncia o fim, se preocupa por iluminar e confortar seus discípulos.

         

Ap 14,14-19 (Ceifa e vindima das nações) Neste texto encontramos alguns símbolos cuja interpretação nos introduz na compreensão da mensagem. Primeiro, o símbolo da nuvem (v.14), que, segundo a tradição bí­blica, indica uma teofania, quer dizer, uma aparição di­vina. Aqui é o Filho do homem que surge para pronunciar o julgamento e oferecer salvação. Dai que este texto tenha um valor efetivamente cristológico: o evangelista João quer completar sua mensagem sobre a pessoa e a missão de Jesus. Os símbolos da ceifa (vv.15b-16) e da vindima (vv.18b.19) pretendem ilustrar o julgamento que Jesus veio, e virá, a pronunciar sobre a humanidade. Trata-se de um julgamento aberto à salvação, que é, realmente, dom daquele cujo nome é Salvador. Justamente por­ ser Jesus que pronuncia o julgamento, não é lícito considerá-lo só em seu valor negativo: isso seria desconhecer o dom de Deus e subtrair-se, assim, à vontade salvífica uni­versal do Senhor. É certo que o julgamento revela tam­bém um lado negativo: aqueles que rejeitaram a salvação serão separados de Deus, como objeto de sua justa cólera (v.19), mas, isto acontecerá, exatamente, por eles mesmos se subtraírem, livremente, da divina misericórdia. O texto nos traz outra mensagem: existe uma estreita relação entre a vida presente e a futura, entre a vida terrena e a eterna. Tudo dependerá de Deus e de sua divina bondade, mas, tudo dependerá também de nossas opções pessoais e obras que realizemos.

 

Sl 95/96 (Iahweh, rei e juiz) O salmista todos os povos e todos que têm fé para que, juntos, levem um grande hino de glória, louvor e ação de graças ao Senhor, o Deus que está acima de todos os deuses e tem o poder de destruí-los.O centro deste é a grandeza de Deus, o Senhor dos  exércitos. Ofereçamos a Ele toda a nossa admiração!

Senhor, muitas vezes se faz difícil o louvor; reconheço a existência de resistência dentro de mim, na minha família, na minha comunidade. As pessoas não querem me escutar e há momentos em que me consideram fanático pelas minhas ideias e minha insistência, mas o teu convite é amor. Senhor, ajuda-me a convidar a todos para reconhecer a tua grandeza, a tua força, a ser anunciador corajoso diante de todos, a não ter medo e a ser sempre um profeta destemido e corajoso. Amém.

 

 

MEDITATIO: Os símbolos do livro do Apocalipse e a sua linguagem es­catológica supõem certa dificuldade para a compreensão da mensagem bíblica. Este fato nos confirma na certeza de que o nosso é um caminho de fé: os símbolos têm que ser interpretados e as palavras compreendidas. Para o que caminha pelas trilhas deste mundo, existe sempre a possibilidade de ser enganado e desvia­do. Por algo insiste Lucas, neste discurso, em assinalar que a sedução será, sobretudo, doutrinal: os falsos profetas têm a pretensão de atribuir-se à importância e a autoridade de Jesus e, sobretudo, se atrevem a anunciar o fim como iminente. Lucas aclara que estes fatos pertencem ainda à história e não ao fim dos tempos: de fato, devem acontecer antes estas coisas, porém isso não significa que, imediatamente depois venha o fim. É como dizer que o discernimento não pode ser fruto unicamente de uma intuição pessoal ou de certa capacidade crítica. Ao contrário, é fruto da vida de fé e deve caracterizar a vida e a atitude de uma comunidade de fé que, com a luz da Palavra e a força do Espíri­to, aprende dia após dia a ler os sinais dos tempos, a discernir entre o bem e o mal, entre o verdadeiro e o falso. O convite de Jesus, «Não vás atrás deles», nos põe em guarda contra um falso seguimento que poderia substituir ao que nos mantém encaminhados após os passos de Jesus. Por isso, o verdadeiro discerni­mento se manifesta, também e, sobretudo, em algumas opções de vida que podem ter também um preço elevado, frente às ilusões e fáceis promessas dos falsos profetas.

 

ORATIO: Ó Senhor, ajuda-me a estabelecer uma sábia relação com o tempo: não uma relação presa ao passa­do, que já não é, nem uma relação perdida no futuro, que ainda não é. Faz com que toda minha energia se dirija ao presente para dar significado a toda ação e para valo­rizar cada acontecimento, de sorte que esteja em sintonia com teu desígnio e seja capaz de transformar em novidade o que pode correr o risco de ser rotina. Faz-me com­preender quão distinto é o que sabe «perder o tempo» em admirar um pôr do sol, em escutar a mensagem de uma folha caída, em observar um formigueiro em ação, em contemplar um rosto belo, em consolar a quem o necessita… Em suma, em estar receptivo a tudo que existe. Sei que a vida é uma missão, da qual deverei render contas: faz que permaneça vigilante para que, como dizia Pascal, não me faça culpável de deixar correr o tem­po, como uma criança deixa correr a areia entre seus dedos. Ó Senhor, faz que tuas palavras, «Estai preparados para quando eu vier», caminhem sempre diante de mim.

 

CONTEMPLATIO:  Então será a alegria plena e perfeita, o gozo completo, quando já não teremos por alimento o leite da esperança, mas o manjar sólido da po­sse. Contudo, também agora, antes que esta posse­ chegue a nós, antes que nós cheguemos a esta posse, podemos alegrar-nos, já, com o Senhor, pois não é pouca a alegria da esperança, que há de conver­ter-se logo em posse. Agora amamos em esperança. Por isso, diz o salmo que o justo se alegra com o Senhor. E acrescenta, em seguida, porque não possui ainda a clara visão: e espera nele. Sem dúvida, possuímos, já, desde as primícias do Espírito Santo, que são como uma proximidade àquele a quem nós amamos, como uma prévia degustação, ainda que tênue, do que, mais tarde, temos de comer e beber avidamente. Qual é a explicação de que nos alegremos com o Senhor, se ele está longe? Porém, na realidade não está longe. Tu és o que faz que esteja longe. Amai-o e Ele se aproximará de ti; amai-o e habitará em ti.       O Senhor está próximo. Nada vos preo­cupe. Quereis saber em que medida está em ti, se o amas? Deus é amor. Dir-me-ás: “Que é o amor?” O amor é o fato mesmo de amar. Agora, que é que amamos? O bem inefável, o bem benéfico, o bem criador de todo bem. Seja Ele tua delícia, já que dele tens recebido tudo o que te deleita. Ao dizer isto, excluo o pecado, já que o pecado é o único que não tens recebido dele. Fora do pecado, tudo o mais que tens o tens recebido dele (Agostinho de Hipona, Sermão 21).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Lança a tua foice e começa a ceifar: é o tempo da ceifa» (Ap 14,15)

 

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Tenho constatado, portanto, com horror que minha impaciência por ver restabelecida a democracia tinha algo de comunista; ou também, em um sentido mais geral, algo de racionalista: a unidade das Luzes. Queria fazer progredir a história um pouco como uma criança que se põe a estirar de uma planta para fazê-la crescer mais depressa. Parece-me que é preciso aprender a esperar do mesmo modo que se aprende a produzir. Semear com paciência, regar com assiduidade a terra que cobre a semente e dar às plantas seu tempo. Não se pode enganar a uma planta, como tampouco se pode enganar a história, porém sim é possível regá-la: com paciência, todos os dias. Com compreensão, com humildade e, também, com amor. Se os políticos e os cidadãos aprendessem a esperar no melhor sentido do termo, manifestando assim seu respeito à ordem intrínseca das coisas e sua insondável profundidade, se compreendessem que todas as coisas têm seu tempo neste mundo e que, mais além do que esperamos do mundo e da história, é importante saber o que esperam o mundo e a história, então não poderia acabar a humanidade tão mal como às vezes imaginamos. Não há razão alguma para mostrar-nos impacientes, se temos semeado e regado bem. Basta compreender que nossa espera não carece de sentido. É uma espera que tem sentido porque nasce da esperança e não do desespero, da fé e não da desconfiança, da humildade ante os tempos deste mundo e não do medo. Sua serenidade não leva a marca do aborrecimento, mas da tensão. Uma espera deste tipo é algo mais que um simples estar à espera. É a vida, a vida enquanto participação gozosa no milagre do Ser (V.Havel).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

QUAR-FEIRA, 27 DE NOVEMBRO DE 2019

Lucas 21,12-19 (Os sinais precursores) O «discurso escatológico» prossegue com uma lin­guagem profética que delineia o futuro da vida dos crentes e da história da primeira comunidade cristã. Mas, em uma perspectiva mais dilata­da, as profecias de Jesus têm que ver com os crentes e com a comunidade crente de todos os tem­pos. Nestas expressões de Jesus podemos reconhecer, praticamente, uma síntese dos primeiros capítulos dos Atos dos Apóstolos, quase um prelúdio da história da Igreja nascente, na qual a perseguição é sinal de segura pertença a Jesus, na fé e de ple­na participação em seu destino pascal; é um sinal da proximidade do Reino de Deus e um estímulo para manter vivo o desejo do retorno do Senhor. Mas, por que a per­seguição tem que caracterizar a vida dos discípulos de Jesus e da co­munidade crente? Certamente, não por uma finali­dade puramente negativa, nem só para pôr à prova a fidelidade dos seguidores de Jesus, mas para que estes tenham oportunidade de «dar testemunho» (v.13) do Senhor ressuscitado e seu Evangelho.  O dom da fé implica o dever da missão sem deixar de expressar a alegria da evangelização. Je­sus não só se preocupa em confiar uma missão, mas de indicar, ao mesmo tempo, seu método e seu estilo. O testemunho dos discípulos, de fato, será eficaz, unicamente se é capaz de prosseguir no mundo o estilo pascal do tes­temunho de Jesus. Não lhes fará falta preparar sua própria defesa (v.14); não se lhes permitirá recorrer a métodos de defesa puramente humanos; não se lhes permitirá reco­rrer a estratégias terrenas. Ao contrário, necessitarão vi­ver de pura fé, abandonar-se por completo ao poder de Deus, confiar unicamente na divina providência, com a certeza de que o que é humanamente impossível será divinamente seguro. O Senhor ressuscitado não deixa­rá, certamente, seus fieis testemunhos sem uma eloquência extraordinária e uma coragem indômita (v.15). Tudo isto, em termos bíblicos, recebe o nome de perseverança, que é o distintivo dos mártires.

 

 

Ap 15,1-4 (Cântico de Moises e do Cordeiro) A referência deste texto aos grandes acontecimentos do Êxodo é mais que evidente: devemos fazer uma ponte entre o fim e o princípio, entre o que profeti­za João e o que Deus, ao princípio da histó­ria da salvação, realizou em favor de seu povo. Je­sus, o Cordeiro imolado, para introduzir os eleitos no Reino do Pai, os fará passar através do «mar», que é o símbolo do mundo mergulhado no pecado. Esta passagem será, pois, uma páscoa autêntica, uma li­bertação de tudo o que é mau para chegar à salvação. O dom de Deus tem uma eficácia particular: faz sair do Egito, terra da escravidão, e entrar na em Canaã, “uma terra que emana leite e mel” (Ex 3,8); liberta do pecado e introduz na comunhão de vida com Ele. Este povo, por ter sido libertado, expressa sua alegria mediante o canto; mais exatamen­te, com «o cântico de Moisés, servo de Deus, e o cântico do Cordeiro» (v.3). A referência a Ex 15,1ss é clara e torna-se iluminadora. Também o salmo desta liturgia da Palavra evoca o grande acontecimen­to, e por isso corresponde muito bem à alegria de um povo de salvos. Este dom da salvação assume uma dimensão universal: a passagem do Antigo ao Novo Testamento o atesta. «Todas as nações virão a prostrar-se ante ti» (v.4b): o dom de Deus passa através de Israel, porém se abre a toda a humanidade. Deus não re­serva seus dons só para alguns, mas os oferece a todos. Deste modo alcança sua meta a mensagem do Apocalipse.

 

Salmo 97/98 (O juiz da terra) Os hinos de louvor à grandeza de Deus são um tema recorrente no Livro dos Salmos. Com sua leitura, somos convidados a nos unir ao canto à sua glória e beleza. Deus se faz presente em todos os detalhes, basta olharmos ao nosso redor: Ele está nas flores, nos frutos, no soprar do vento e dentro de cada um de nós. Devemos seguir o exemplo dos santos, que souberam reconhecer a presença do Senhor no dia a dia, como São Francisco, que cantava a grandeza e a misericórdia de Deus nas flores e no canto dos pássaros, e São João da Cruz, que glorificava com rara beleza e força poética a beleza da criação como o Cântico Espiritual 4:Ó bosques e espessura, Plantados pela mão do meu Amado! Ó prado de verduras, De flores esmaltado, Dizei-me se por vós ele há passado!”. Assim também somos chamados a despertar do sono e entrar plenamente em comunhão com o Senhor, que está sempre entre nós. Deus fala hoje como ontem e falará como amanhã, cabe a cada um saber ouvir a sua voz e reconhecer o seu rosto encoberto por trás dos acontecimentos e das criaturas.

Senhor, nós somos festivos. Qualquer coisa entra em nossa vida e nos faz dançar de alegria. O nosso povo é festivo… tudo é ocasião para cantar e dançar: festa de aniversário, celebrações litúrgicas, encontros. O sabor da festa está conosco, por isso queremos ser ainda mais festivos para ti, sabendo que tu estás presente entre nós e andas conosco pelos caminhos da vida. Tu és vida, a vida merece ser celebrada e cantada. Deixe que meu coração cante em todas as circunstâncias, mas que não cante sozinho, que se una a todos os meus irmãos de comunidade, de caminhada. Com o canto o caminho se faz mais breve e mais doce, com o canto somos todos animados. Que animemos uns aos outros, como fazia o povo de Israel. Amém.

 

 

MEDITATIO: No texto evangélico que acabamos de ler escutamos duas vezes a expressão «por causa de meu nome». Mais adiante, escutamos Jesus dizer: «Eu vos darei uma linguagem e uma sabedoria». As exortações de Jesus, que têm um acentuado caráter profético, tendem a libertar os testemunhos de preocupações excessivamente humanas, pessoais, para concentrar sua atenção em seu nome, isto é, em sua pessoa e no que ele está disposto a fazer em seu favor. É assim como podemos captar o valor específico do testemunho cristão: este vale não tanto pelo que as pessoas sejam ou possam expressar, mas pelo dom divino que, através de sua Palavra, se manifesta. O testemunho se converte, então, em sinal concreto e revelador de uma presença superior; suas palavras transmitem uma mensagem divina; seu martírio é prolongação do martírio de Jesus. Para esta prova extrema que é o martírio, se lhes assegura aos testemunhos a presença consoladora de Jesus que, não só os faz extraordinariamente eloquentes, mas, de certo modo, também invulneráveis: «Nenhum ca­belo de vossa cabeça se perderá». Esta divina segurança encontrará ampla confirmação no martirólogo cristão: não só no que aparece nos Atos dos Apóstolos, mas também no que caracterizará, de modo particular, a história da Igreja dos primeiros séculos. Podemos constatar, portanto, que o martírio, no marco da história bíblica e cristã, caracteriza a comunidade dos crentes tanto do Antigo (basta pensar no martírio dos sete irmãos Macabeus e no de sua mãe) como do Novo Testamento.

 

ORATIO: Ó Senhor, Tu que és o «Sofredor» por excelência, ajuda-nos a compreender que é da fidelidade à nossa missão que brota a disponibilidade ao sofrimento: sofrer para ser fieis à nossa própria vocação, ou melhor, a ti que nos tens chamado pelo nosso nome. Sofrer, Senhor, não como masoquistas, mas para realizar um desígnio de libertação em favor dos irmãos e para a tua glória. Sofrer, Senhor, para sermos coerentes com um plano de valores, pagan­do com a rebelião de nossas paixões e com a rejeição de quem não pensa como nós. Sofrer, Senhor,  convenci­dos de que podemos e devemos eliminar o sofrimento inútil substituindo-o por um sofrimento consciente e paciente. Só assim teremos essa paz que simboliza o mar de cristal e que se dá a quem, após passar pelo fogo da prova, sai purificado. Ó Senhor, dá vigor às tuas promessas, faz-nos perseverantes em teu amor, tu que és o Deus fiel.

 

CONTEMPLATIO: É a intenção que faz boa a obra. E a intenção está dirigida pela fé. Não se deve prestar muita atenção ao que faz o homem, ao agir, mas ao que pretende, ao fim para o qual dirige o braço de sua ótima guia. Suponhamos que um homem governa de modo ótimo seu barco, mas se esqueceu da meta a qual se di­rige. Que temos? Sabe dirigir de modo experto o leme, movê-lo de modo ótimo, investir de proa nas ondas, proteger-se para que estas não lhe ataquem pelos lados; está dotado de tanta força que pode fazer virar a barca para onde quer e de onde quer. Mas, de que lhe vale tudo isto se, quando lhe perguntam aonde vai, contesta que não sabe? Ou melhor, ainda que não diga que não sabe, mas que vai a tal porto, e não se dirija, em absoluto, para esse porto, mas para os recifes? Esta é, também, a condição de quem corre de modo ótimo, mas fora do rumo. Não teria sido melhor e menos perigoso que esse timoneiro tivesse sido muito menos capaz, e levasse o leme com tra­balho e dificuldade, porém mantivesse, sem dúvida, o rum­o justo e devido; e, de outro lado, que tivesse sido, talvez, inclusive, mais preguiçoso e mais lento, porém, sem dúvida, tivesse marchado pelo caminho, antes que correr velozmente fora do mesmo? É ótimo, portan­to, aquele que mantém o caminho e o segue decidido. E sempre se pode esperar, também, a quem, desviando um pouco, não sai do caminho totalmente, não se detém, mas progride, ainda que seja pouco a pouco. Cabe espe­rar, de fato, que este último chegará, talvez mais tarde, a sua meta (Agostinho de Hipona).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra: «Só tu és santo» (Ap 15,4)

 

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Seguindo a mesma lógica de seu propósito de historiador, o evangelista São Lucas dirige mais a sua atenção aos afetos exteriores e visíveis da ação do Espírito Santo do que à transformação interior que interessa ao teólogo São Paulo. Este último permanece na linha dominante da Bíblia, na qual o Espírito Santo se manifesta, sobretudo, como Espírito profético, que impulsiona a falar e dar força ao testemunho daquele a quem Ele inspira. São Lucas prefere ver no Espírito Santo o princípio do dinamismo que assegura a difusão da mensagem evangélica e a expansão da Igreja. A fé que leva ao Batismo e procura a remissão dos pecados é uma preliminar para a acolhida desta força que impulsiona o cristão e a Igreja para o exterior. Certamente, não sem proporcionar um fortalecimento interior; ainda que não seja este o aspecto que interessa a São Lucas: o terceiro evangelista não pensa nunca, por exemplo, em considerar o dom do Espírito Santo como uma antecipação da vida eterna. O Espírito Santo aparece, pois, em Lucas menos como uma realidade constitutiva da Igreja que como a força motriz de seu crescimento. Não é a pneumologia do evangelista São Lucas a que nos proporcionará a chave de sua eclesiologia (J. Dupont).

 

 

 

 

QUINTA-FEIRA, 28 DE NOVEMBRO DE 2019

 

Lucas 21,20-28 (Cerco; A Catástrofe e o tempo dos pagãos) Esta seção do «discurso escatológico» se ­divide claramente em duas partes: numa se des­creve a ruína de Jerusalém, noutra o fim do mundo.               A primeira é a mais própria de Lucas, já que lhe agrada a volta da apocalíptica à história: “quando virdes Jerusalém rodeada de exércitos… são dias de vingança” (cf.vv.20-22). Fica claro, pois, que Lucas considera a destruição de Jerusalém como um juízo de Deus diri­gido contra o comportamento de seus habi­tantes. Dai que a perspectiva olhe mais o passado que o futuro. Há, no entanto, um matiz particular que merece ser destacado: o que ocorre a Jerusalém tem uma finalidade que abre a perspectiva ao universalismo: “Jerusalém será pisoteada pelos pagãos até que che­gue o tempo assinalado» (v.24), quer dizer, o tempo do testemunho, ou melhor, o tempo dos mártires (cf. Atos dos Apóstolos). Sabemos que Lucas gosta de distinguir, com claridade, os tempos da história da salvação: o tempo do antigo Israel; a plenitude dos tempos, caracterizada pela presença de Jesus; e o tempo da Igreja. Os tempos dos pagãos se inserem nesta última seção da história. Na passagem da primeira à segun­da parte deste fragmento, Lucas deixa entender que ao tempo dos pagãos se sucederá o tempo do juízo universal. Os vv.25-28 se caracterizam pela vinda do Filho do homem para o julgamento: o crente não tem nenhum motivo para temer, ainda que a descrição desse mo­mento induza sentimentos que suscitam o temor de Deus. O regresso do Senhor se caracteriza, com efeito, pelo “grande poder e glória» (v.27): ele trará consigo o dom da libertação total e definitiva, uma «redenção» que só pode ser um extraordinário dom divino.

 

 

Ap 18,1-2.21-23;19,1-3.9a (Um anjo anuncia a queda da Babilônia; A lamentação; Os cantos de triunfo no céu) Esta visão dada a João tem também a finalidade de iluminar a história do povo de Deus em marcha. O céu e o resplendor que dele se difunde (cf.18,1) indicam de um modo claro a pro­cedência divina da Palavra que vai ser proclamada. Só quem escuta e recebe a mensagem poderá caminhar seguro à meta final. Por um lado, se proclama o final da Babilônia, sím­bolo das potências adversas ao Reino de Deus e ten­dentes a cultivar um culto idolátrico nos homens. Trata-se de uma autêntica derrota da Babilônia, ainda que neste momento de sua história possa parecer vencedora. A ruína da cidade, segundo o julgamento expressado por esta profecia, não é outra coisa que as refutações de qualquer in­tento humano de opor-se ao desígnio divino. A au­sência total de alegria nela: falta o som dos cita­ristas, a luz do candil e o canto do noivo e da noiva, ­é sinal da ausência de Deus e da surdez total de seus habitantes à voz do Senhor, que chama à conver­são (18,2.22ss). Ao contrário, o aleluia proclamado imediata­mente depois (19,1-3), expressa com um contraste vigo­roso e iluminador, a vitória de Deus sobre seus adversá­rios, a vitória do Cordeiro sobre seus inimigos e a alegria dos salvos com o poder da páscoa. O sím­bolo final desta gozosa vitória é o «banquete de bo­das» (19,9), que oferece o Cordeiro a todos os convidados. Trata-se de um símbolo bíblico bem conhecido, que nos convida a compartilhar o grande mistério de salvação de Deus, nosso salvador, na fé e na esperança.

 

 

Sl 99/100 (Convite ao louvor) Apesar de breve, este Salmo representa importante descrição da situação do povo e de cada um de nós. É um cântico de procissão, de peregrino. Nossa história é um constante êxodo: partimos de Deus e seguimos em peregrinação por esta terra até o nosso retorno para os braços do Pai, lugar da paz infinita. Que fique claro que isso não tem relação com teorias e ideologias acerca da reencarnação, que seria uma purificação dolorosa por aquilo que não foi cumprido. O nosso Deus é bem diferente disso: oferece-nos tempo, nos orienta com sua Palavra, nos convida à conversão para que possamos realizar a nossa missão hoje. O mistério da ressurreição é algo belamente real, baseada na Palavra do Senhor, e não uma invenção humana. Viver é alegria, cântico e peregrinação; é caminho, é encontro e amor.

Senhor, sei que estou a caminho, vim de Ti e vou voltar a Ti com alegria. É neste meu lento, fatigoso e alegre caminhar que te convido a me abrir as portas para que eu possa entrar no novo tempo, na nova Jerusalém, na nova vida que é Jesus. Ele que veio para nos dizer que o Pai procura adoradores em espírito e verdade. Chama-me com força e coragem para que eu nunca diga não ao teu amor, purifica a minha mente e coração, e que eu nunca deixe, de forma alguma, influenciar por ideias que não sejam alicerçadas sobre a tua Palavra e sobre o teu amor. Quero ter tua presença e celebrar a tua grandeza e cantar os teus louvores. Amém.

 

 

MEDITATIO: Como temos indicado um pouco mais acima, o evangelista Lucas assinala neste fragmento de seu Evangelho as etapas principais da história da salvação: o tempo da antiga aliança; o caráter central da nova aliança; e o mo­mento da parusia final. Com razão, portanto, se tem qualificado Lucas, o terceiro evangelista, de “teólogo da história da salvação”. Se, além disto, recordarmos que Lucas é o único dos evangelistas que sentiu a necessidade de escrever os Atos dos Apóstolos como continuação do terceiro Evangelho, compreenderemos qual foi o desígnio unitário que concebeu e para ele, Lucas, tem significado pôr-se a serviço de uma obra evangelizadora que par­te, certamente, da história de Jesus, porém que não po­de deixar de abarcar, também, a história de seus testemunhos na comunidade cristã dos primeiros e de todos os tempos. Também hoje se fala muito de «evangelização», inclusive, em certas ocasiões, de «nova evangelização»: termos todos apropriados e mais que legítimos, mas, na condição de que a obra da evangelização seja reconduzida ao seu centro mais profundo, que é o grande acontecimento da páscoa de Jesus, e de que seja con­cebida como simples e lógica continuação desse Evange­lho vivente que tem sido a pessoa mesma de Jesus. Só assim poderá a evangelização anunciar, prometer e dar a li­bertação-redenção da qual fala o fragmento evangélico de hoje e que corresponde a uma nova criação. Jesus veio para libertar o homem do pecado e para fazer-lhe recuperar a originalidade da ima­gem primitiva de Deus; voltará, no final, para criar “céus novos e uma nova terra», porém, sobretudo, para aperfeiçoar, no homem, a imagem divina ori­ginária.

 

ORATIO: «Não temais as ameaças nem vos deixeis amedrontar; dai glória a Cristo, o Senhor, e estai sempre dispostos a dar razão de vossa esperança a todos o que vos peçam expli­cações» (1 Pe 3,14-15). É a esperança que me proporciona a coragem para buscar mundos novos e para remover capas de crostas e de hábitos que me incrustam e me enterram em seguranças precárias. A esperança de alcançar-te me faz não desistir nunca e me infunde a coragem nece­ssária para seguir adiante, apesar de minhas debilidades. É a esperança o que mobiliza todos os meus recursos para alcançar a meta que tu me tens reservado, para lutar contra uma existência descolorida que, pouco a pouco, nos vai abatendo e paralisando. A esperança de reco­nhecer-te, porque a vida se renova e não se repete nunca quando se abre a ti e se inspira no Evangelho. É a esperança que me dá a força necessária para manter viva minha luz, para não «refazer-me» como outros querem, vagando sem identidade e fechado à graça: a esperança de ver-te e ficar maravilhado.

 

CONTEMPLATIO: «Em um instante, em um abrir e fechar de olhos, ao toque da última trombeta, porque ressoará, e os mortos despertarão incorruptíveis, e nós nos veremos trans­formados». Ao dizer «nós», Paulo ensina que hão de gozar, junto com ele, do dom da transformação futura, todos aqueles que no tempo presente se assemelham a ele e a seus companheiros, pela comunhão com a Igreja e por uma conduta reta. Insinua-nos, também, o modo desta transformação quando disse: «Este corruptível tem que vestir-se de incorrupção, e este mortal tem que vestir-se de imortalidade». Porém, a esta transformação, objeto de uma justa retribuição, deve preceder outra trans­formação que é puro dom gratuito. A retribuição da transformação futura se pro­mete aos que, na vida presente, realizarem a transfor­mação do mal no bem. A primeira transformação gratuita consiste na justificação, que é uma ressurreição espiritual, dom di­vino que é uma iniciação da transformação perfei­ta que terá lugar na ressurreição dos corpos dos justificados, cuja glória será então perfeita, i­mutável e para sempre. Esta glória imutável e eterna é, de fato, o objetivo, ao qual tendem primeiro a graça da justificação e após a transformação gloriosa. Nesta vida somos transformados pela primeira re­ssurreição, que é a iluminação destinada à conver­são; por ela, passamos da morte à vida, do peca­do à justiça, da incredulidade à fé, das más ações a uma conduta santa. Sobre os que assim vivem não tem poder algum a segunda morte. Deles, disse o Apocalipse: «Feliz aquele a quem lhe toca em sorte a primeira ressurreição; sobre eles a segunda morte não tem poder». E lemos no mesmo livro: «O que saía vencedor não será vítima da segunda morte». Assim como há uma primeira ressurreição, que consiste na conversão do coração, assim há, também, uma segunda morte, que consiste no castigo eterno. Que se apresse, pois, a tomar parte, agora, na pri­meira ressurreição o que não queira ser condenado com o castigo eterno da segunda morte. Os que na vida presente, transformados pelo temor de Deus, pa­ssam da má à boa conduta, passam da morte à vida e, mais tarde, serão transformados de sua humilde condição a uma condição gloriosa (Fulgencio de Ruspe, Sobre o perdão dos pecados, livro 2,11,1-12,1.3-4).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

Felizes os convidados ao banquete de bodas do Cordeiro” (Ap 19,9)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Rogo ao Senhor que me conceda a graça de converter minha morte próxima no dom de amor à Igreja. Poderia dizer que sempre há tenho amado; foi seu amor que me tirou de minha mesquinhez e selvagem egoísmo e me encaminhou a seu serviço; e que por ela, e por nada mais, me parece ter vivido. Porém, quisera que a Igreja o saiba, e desejaria ter a força necessária para dizer como uma confidência do coração que só no último momento da vida se tem a coragem de fazer. Quisera, por último, compreende-la em sua história, em seu designo salvifico, em seu destino final, em sua complexa, total e unitária composição, em sua humana e imperfeita consistência, em suas desgraças e em seus sofrimentos, nas debilidades e misérias de tantos filhos seus, em seus aspectos menos simpáticos e em seu perene esforço de fidelidade, de amor, de perfeição e de caridade. Corpo místico de Cristo. Quisera abraçá-la, saudá-la, amá-la, em cada ser que a compõe, em cada bispo e sacerdote que a assiste e a guia, em cada alma que a vive e a ilustra; bendizê-la. Também porque não a deixo, não saio dela, mas que me uno e me confundo mais e melhor com ela; a morte é um progresso na comunhão dos santos (Paulo VI).

 

 

SEXTA-FEIRA, 29 DE NOVEMBRO DE 2019

 

Lucas 21,29-33 (Parábola da figueira) Por último, nesta parte do «discurso escatológi­co», Jesus responde à pergunta inicial: “Mestre, quando será isso? Qual o sinal de que essas coisas estão a ponto de acontecer?» (21,7). A resposta vem da compreensão de uma parábola: a da figueira. O v.28 deste discurso havia introduzido já o tema da vigilân­cia: «Cobrai ânimo e levantai a cabeça». Agora se reto­ma e desenvolve, amplamente, o mesmo tema. Aparece, assim, a preocupação com a questão moral no que diz respeito ao sagrado, presente no evangelista São Lucas: sempre que se lhe apresenta a ocasião, exorta, aos destinatários de seu evangelho, a extrair as devidas con­sequências da mensagem que se lhes está dando. Mediante um pequeno retoque, a saber: acrescentando “e as demais árvores» (v.29), o evangelista São Lucas quis fazer inteligível, a parábola da figueira, também aos de fora da Palestina. Contudo, não é preciso aplicar o ritmo das estações às reali­dades do Reino de Deus, pois o retorno do Senhor não deve ser conside­rado da mesma forma como acontece com o verão: o tempo das frutas e da colheita. Pensemos bem: que colheita tinha a ser feita naquele “ladrão” pendido na cruz quando adentrou o Senhor em sua vida, justo em um momento em que nada mais, ele, o ladrão, podia realizar? Que frutos teria a apresentar como resultado de uma semeadura durante sua vida? Desta forma, a única coisa que se pretende afirmar é que, quando aparecerem os sinais premonitórios descritos nos vv.20-28, então terá lugar a plena manifestação do poder do Deus que salva, isto é, o momento da manifestação definitiva do Senhor. Com efeito, para São Lucas, e isto é algo que conhecemos bem, o Reino de Deus está «já» no meio de nós (cf.12,20; 17,21): por isso tenta expressar aqui, não o começo, mas, a di­fusão do Reino de Deus até sua última fase. “Aproxima-se vossa libertação» (v.28): quer dizer, Cristo, o libertador, após inaugurar, já, entre nós, o Reino de seu Pai, está aperfeiçoando sua missão de salvador.

 

 

Ap 20,1-4.11-21,2 (A Jerusalém celeste; A Jerusalém messianica) O tema de que se ocupa este fragmento é a no­va criação: João, encaminhando-se para o final de sua magna visão, contempla uma grande luta entre a anti­ga serpente e o Cordeiro imolado. Como sempre, a luta terá um final feliz: a vitória de Deus sobre Sa­tanás é certa e trará com ela uma novidade de vida e alegria a todos os crentes. Tudo isto se realizará na cidade de Deus, pátria de todos aqueles que foram “degolados por dar testemunho de Jesus e por anun­ciar a Palavra de Deus» (20,4) e lugar no qual todos os que não adoraram a besta nem a sua estatua recupe­ram a vida e reinam com Cristo. É, portanto, a cidade da alegria, a ci­dade da vida, que triunfa sobre a morte; a cidade de Deus, que elimina qualquer outra cidade alternativa. No centro desta cidade se erige um trono branco e, sen­tado nele, aquele em cujas mãos estar “o livro da vida» (v.12). É uma imagem estupenda e simples, ao mesmo tempo, para fazer-nos compreender que todas nossas decisões e nossas obras são conhecidas por Deus e se­rão avaliadas por Ele, em sua divina sabedoria e bondade. Junto ao livro da vida encontramos o “lago de fogo» (v.14), que também recebe o nome de “segunda morte», destino tremendo de todos os que não estão inscritos no livro da vida. Contudo, a perspectiva final é absolutamente positi­va: ao final da historia a morte já não terá nenhum poder sobre os que seguiram ao Cordeiro em seu caminho pascal. Serão admitidos à plena e eterna comunhão com Deus, simbolizada, aqui, pela Jerusalém celestial que, “como uma noiva que se adorna para seu esposo» (21,2), será a cidade santa.

 

Sl 83/84 (canto de peregrinação) Faz parte dos “Cânticos de Sião” (salmos cantados no interior do Templo pelos judeus peregrinos que subiam a Jerusalém para as festas). As peregrinações são as “subidas” do povo judeu à cidade de Jerusalém, situada no alto duma montanha, também chamada de Sião. É diferente dos salmos chamados “Graduais”, ou das “subidas” que eram cantados durante a caminhada, a subida, para o Templo. Neste belíssimo salmo de hoje, os israelitas expressam toda a sua alegria de chegar de poder estar na casa de Deus, “celebrando o hospedeiro divino do Templo, fonte de felicidade e graça para os peregrinos (vv.6-8) e para os familiarizados com o santuário (v.5.11)” (rodapé BJ). Apenas se aproximam tudo já se transforma em bênçãos: “ao passar pelo vale do bálsamo eles o transformam em fonte” (v.7ab) e “Deus lhes aparece em Sião” (v.8b). O espírito rejubilante dos peregrinos é algo divino e maravilhoso de ver: “Sim, vale mais um dia em teus átrios que milhares a meu modo” (v.11ª).

 

 

MEDITATIO: Já fizemos alusão ao estilo moral-exorta­tivo de Lucas, sinal que manifesta uma intenção equivalente da parte de Jesus. Os verbos que suce­dem indicam claramente esta tendência: “Olhai… quan­do virdes… dai-vos conta… sabei…». Nenhum crente pode subtrair-se a este convite: temos dever real, não só de olhar e ver, mas também de perceber e entender. Não, certamente, com a preten­são de sondar o mistério, mas com a plena confiança de poder apropriar-nos da mensagem de consolo e libertação que Jesus veio trazer-nos. Ou seja, Jesus lança um chamado à inteligência de seus discípulos, sem oferecer-lhes uma solução preparada e clara. Assim expressa, ao mesmo tempo, sua qualidade de mes­tre, que tende a implicar seus discípulos na com­preensão do mistério que Ele mesmo recebeu de seu Pai. Aqui se capta, não só o trabalho, mas também, a beleza desse caminho de busca que o grande pedagogo Jesus indicou ao povo de seu tempo e segue indicando, ainda, a cada homem e a cada mulher de boa vontade. Para compreender, quer dizer, para se ler no fundo dos acontecimentos históricos que nos implicam e nos es­peram, Jesus nos oferece uma chave interpretativa: a luz de suas palavras e, sobretudo, de seu exemplo. Deste modo, o cristão não pretende compreender só desde o ponto de vista intelectual, mas, também, e, sobretudo, desde um ponto de vista vital: o que acontece na histo­ria individual e comunitária pode ser compreendido como sinal de uma presença divina, pode ser acolhido como dom do Senhor, pode ser interpretado como estímulo para retomar o caminho do Evangelho, em perfeita fidelidade ao mandamento de Deus e ao exemplo de Jesus.

 

ORATIO: A morte é a grande intimação que espera a todos e que nossa sociedade materialista tem convertido em um tabu insuperável, difundindo seu terror. Ó Senhor Je­sus, tu que venceste à morte, abre nossos corações e nossas mentes para compreender que a morte é um processo humano, como o nascimento: é nascer a uma existência diferente. A morte é o ponto de chegada após a consumida marcha da vida, durante a qual caímos, nos cansa­mos, nos sentimos sós, sedentos, duvidando se poderemos chegar à meta. Ó Senhor, liberta-nos do medo da morte e faz que seu pensamento nos ajude a viver melhor, para poder habitar, um dia, em tua casa. A morte é, ao mesmo tempo, o ponto de partida para quem tem vivido bem, tentando conhecer-te cada vez melhor, amar-te cada vez mais e servir-te nos irmãos. Ó Senhor, concede-nos experimentar, em nosso morrer coti­diano, o poder de tua ressurreição, de sorte que possa­mos viver cada acontecimento à luz radiante da vida que nos espera.

CONTEMPLATIO: Três são os ensinamentos do Senhor: a esperança da vida, principio e fim de nossa fé; a justiça, co­meço e fim do juízo; e o amor na alegria e o regozi­jo, testemunho das obras da justiça. O Senhor, de fato, manifestou-nos, por seus profetas, o passado e o presente e nos fez saborear, por antecipação, as primícias do porvir. Vendo, pois, que estas coisas vão se cumprindo na ordem, na qual Ele as havia predito, devemos levar uma vida mais generosa e mais excelsa no temor do Senhor. Com respeito a mim, não como mestre, mas, como um de vós, vos manifestarei alguns ensinamentos que vos possam alegrar nas presentes circunstan­cias. Já que os dias são maus, devemos, estando vigilante sobre nós mesmos, buscar as justificações do Senhor. Nossa fé tem como ajuda o temor e a paciência, e como alia­dos a longanimidade e o domínio de nós mesmos. Se estas virtudes permanecem santamente em nós, em tudo o que corresponde ao Senhor, terão a gozosa companhia da sabedoria, a inteligência, a ciência e o co­nhecimento. O Senhor nos disse, claramente, por meio dos profetas, que não tem necessidade de sacrifícios nem de holocaustos nem de oferendas, quando disse: “Que me im­porta o número de vossos sacrifícios, disse o Senhor. Estou farto de holocaustos de touros, de gordura de carneiros; o sangue de touros, cordeiros e cabritos não me agrada. Por que entram a visitar-me? Quem pede algo de vossas mãos quando pisais meus átrios? Não me tragas mais dons vazios, incenso execrável. Luas novas, sábados, assembléias, não os agüento mais” (Carta de Barnabé).

 

AÇÃO: Repete com frequencia e vive hoje a Palavra:

«Vi a cidade santa enfeitada como uma noiva que se adorna para seu esposo» (cf Ap 21,2)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL: A Igreja tem venerado sempre as Sagradas Escrituras, do mesmo modo que o próprio Corpo do Senhor, não deixando de tomar da mesa e de distribuir aos fies o pão da vida, tanto da Palavra de Deus como do Corpo de Cristo, sobretudo na Sagrada Liturgia. Sempre as tem considerado é considera, juntamente com a Sagrada Tradição, como a regra suprema de sua fé, visto que, inspiradas por Deus e escritas de uma vez para sempre, comunicam, imutavelmente, a Palavra do próprio Deus é fazem ressoar a voz do Espírito Santo nas palavras dos profetas e dos apóstolos.[…] A esposa do Verbo encarnado, quer dizer, a Igreja, ensinada pelo Espírito Santo, se esforça em acercar-se, dia a dia, da mais profunda inteligência das Sagradas Escrituras, para alimentar, sem desfalecimento, aos seus filhos, com o divino ensinamento; pelo qual promove, também, convenientemente, o estudo dos santos Padres, tanto do Oriente como do Ocidente, e das sagradas liturgias.[…] Assim, com a leitura e o estudo dos livros sagrados «a Palavra de Deus se difunde e resplandece» (2 Ts 3,1) o tesouro da revelação, confiado a Igreja, preencha, mais e mais os corações dos homens. Como a vida da Igreja recebe seu incremento da renovação constante do mistério Eucarístico, assim é de se esperar um novo impulso da vida espiritual da generosa veneração da Palavra de Deus, que «permanece para sempre» (Is 40,8; cf. 1 Pe 1,23-25) (Dei Verbum 21,23,26).

 

 

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