Lectio Divina na 15ª Semana do Tempo Comum ano 2020

LECTIO DIVINA – COMUNIDADE CATÓLICA PAZ E BEM

 

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DOMINGO, 12 DE JULHO DE 2020- 15ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO A

Mateus 13,1-23 (Introdução; Parábola do semeador) =Mc 4,1-9; Lc 8,4-8 Este capítulo traz sete pa­rábolas sobre o mistério do Reino dos Céus. É um ensinamento que Jesus leva à multidão sobre o fato de que poucos o acolherão. Isso já se vê nas primeiras reações à sua missão. A pergunta dos discípulos (v.10) e a resposta de Jesus (vv.11-17) reforçam o sentido desta parábola. A Palavra de Deus é aqui como uma semente com um imenso potencial de vida, que se desenvolverá segundo a acolhida que receba. O modo de expor em parábolas lembra a casca: protege. «Ao que não tem» o desejo sincero de compreender e converter-se «ainda aquilo que tem lhe será tirado»: escuta aparente e interesse superfi­cial e momentâneo (vv.10-13). Sem dúvida, Deus, em sua gratuidade, supera a obstinação do coração humano: o semeador espalha em todas as partes a semente. Sem critérios, nem ardis, a «mensagem do Reino» (v.19) é levada (vv.3ss e 14ss) e proposta a todos. A adesão inicia com a escuta atenta, intensa e solícita da Palavra, para que penetre fundo no coração e o cure (v.15b). As entranhas do ser humano podem estar enfermas: a insensibilidade, a superficialidade, a infinidade de interesses egoístas, são lugares onde a semente não poderá crescer (vv.19-22). Acolhida com um coração bom, produzirá seu fruto de graça, segundo corresponda cada um ao dom de Deus (v.23).

 

 

Is 55,10-11 (Convite final) – A Palavra tem uma força intrínseca, possui eficácia incontestável. Este oráculo o expressa com uma imagem eloquente: a água. Dela depende o ritmo da natureza e da vida. É um milagre sempre novo e necessário. Como a chuva, a Palavra está orientada a um fim preciso e, inevitavelmente, terá um efeito vital: regressar cheia de frutos de graça. No príncípio «disse Deus: “Haja… e assim foi”; agora, no tempo marcado pelo pecado, a Palavra criadora se faz redentora. Mantém a potencialidade infinita de suscitar conversão e vida nova nos corações e de dar sustento ao espírito. E mais, quer ser acolhida, encarnar-se em nosso cotidiano. E como a Virgem, é preciso consenti­mento pessoal. «Et Verbum caro factum est» (Jo 1,14).

 

Rm 8,18-23 (Destinados à glória)- O cristão foi liberto da escravidão do pecado e da morte, do jugo da lei incapaz de salvar, para ser filho de Deus guiado pelo Es­pírito (8,1-5.14). O sofrimento não contradiz esta realidade, nem ofusca seu esplendor: torna-se meio, participação real e necessária no mistério pascal (v.17). Esta é chave de todo acontecimento humano e cósmico. De fato, a dor é legado do pecado, consequência da maldição que leva consigo (Gn 3,14-19); o homem, a quem Deus confiou a criação «para que a cultivasse e guardasse» (Gn 2,15), foi arrastada à servidão (v.21). Mas a Páscoa eleva o homem acima da dignidade de sua condição originaria; orienta-o à glo­ria futura incomparável; transforma os “padecimentos do momento presente” em instrumento de redenção (v.8). E quando esta redenção se realizar, também o cosmo será transfigurado (vv.19-21). O tempo presente é um longo estrépito de parto para toda a criação, mas o gemido que o acompanha se tornará alegre melodia ao entrarmos «na gloriosa liberdade dos filhos de Deus» (v.21).

 

Sl 64/65 (Hino de ação de graças) – Este Salmo é um grande prefácio que precede a oração eucarística, um hino de louvor em que todos são chamados a prestar a própria homenagem ao Deus vivo. Como é bom louvar e bendizer aquele que faz maravilhas e nos surpreende a cada dia. Não podemos permitir que o peso do nosso pecado traga sofrimentos à nossa vida. Para isso, devemos pedir perdão ao Senhor; quando o fazemos humildemente, Ele nos escuta e atende, e então nossa alma se faz mais branca que à neve e nosso coração se torna mais jovem e cheio de vida. Precisamos experimentar a alegria de perdoar e sermos perdoados de todas nossas faltas. Por sermos de Deus e termos seu perdão, vivemos a verdadeira felicidade.

Senhor, quero abrir meus olhos e meu coração à tua presença neste tão belo e extenso mundo. Primeiro, peço-te perdão pelas vezes que não consigo te louvar porque sou cego e surdo e quando não te amo porque o meu coração se faz duro como pedra. Estou demasiadamente preocupado comigo, com os meus interesses e esqueço o teu amor e tu presença em minha vida. Senhor, abre todo o meu ser à tua graça, para que, como o salmista, possa repetir-te toda a minha admiração e oferecer-te todo o meu amor. Tu fazes gritar de alegria o universo todo! Que a este grito se una a minha voz e, especialmente, a minha vida. Que eu seja para todos motivo de alegria e que minhas palavras e ações nunca entristeçam alguém. Amém.

 

 

MEDITATIO: Se antes de falar víssemos com que intenção nós o fazemos, emudeceríamos. Com frequência nossas palavras são tagarelice e, ainda pior, maledicência. A Palavra de Deus não. Está em tudo e sempre é comunicação de seu projeto e seus desejos. Comunicar é pôr em comum. Deus «põe em comum» sua realidade mediante sua Palavra. Comunhão oferecida como uma semente espalhada: leva em si mesma a vida que nascerá mesmo que seja só uma proposta até achar uma terra onde germinar: o coração humano. Se este endurece, como um caminho trilhado, a Palavra não pene­trará: seremos mais fechados e egoístas, por rejeitar a comunhão com Deus. Se nosso coração é superficial, a Palavra não lançará raízes: estaremos mais sozinhos, por não deixar espaço à presença do Senhor. Se, se inquieta com afãs mundanos e preocupações fúteis, a Pa­lavra não crescerá: a verdadeira alegria será asfixia­da por ilusões e miragens. Sem dúvida, seremos bem-aventurados se nos apresentamos ante Deus com um coração pronto. Então, virá o Filho, Palavra viva, e crescerá em nós «tomando corpo» em nossa vida, em nossas relações e em nossas múltiplas ações. O grão de trigo que morreu produzindo fruto abundante (cf.Jo 12) nos fará produzir cem por um, até dizer com Paulo: «Já não vivo, mas é Cristo quem vive em mim. Agora, em minha vida mortal, vivo crendo no Filho de Deus…» (Gl 2,20).

 

ORATIO: Jesus, vem e semeia. Mas antes prepara o terreno, tira os es­pinhos e pedras, faz profundos regos na tosca terra, revolve-a, aplaina, e, atrave­ssando o campo a passos longos e gesto grandioso, espalha a semente com tuas admi­ráveis mãos. Ó Jesus, vem nesta hora de graça, semeia em nossos corações tua Palavra, e que germine, floresça e frutifique a Igreja peregrina para os celeiros do Céu.

 

CONTEMPLATIO: Por que, pois, dizei-me, se perdeu a maior parte da semeadura? Certamente não foi cul­pa do semeador, mas da terra que recebeu a semente; quer dizer, por culpa da alma que não quis atender à Palavra. E por que não disse que uma parte a rece­beram os tíbios e a deixaram perder-se, outra os ricos e a afogaram, outra os tolos e a abandonaram? É que não queria feri-los diretamente, para não leva-­los ao desespero, mas deixa a aplicação à consciência de seus próprios ouvintes. Mas não se passou isto só com a semeadura, mas também com a pesca, pois também ali a rede tirou muitos peixes inúteis. Sem dúvida, o Senhor põe esta parábola para animar seus discípulos e ensinar-lhes que, ainda que a maior parte dos que recebem a Palavra divina se perca, nem por isso devem desalentar-­se. Pois também ao Senhor aconteceu isso e, não obs­tante, saber, Ele, de antemão, que assim havia de ser, nem por isso desistiu de semear. Mas em que cabeça cabe, me dirás, semear sobre espinhos e rocha e em caminho? Tratando-se de se­mentes a ser semeadas na terra, não teria sentido; mas, tratando-se de almas e de semear a doutrina, a coisa é digna de louvor. O semeador que fizesse como o da parábola mereceria ser justamente repreendido, pois não é possível a rocha converter-se em terra, nem que caminho deixar de ser caminho, e as espigas, espigas. Mas não é assim na ordem espiritual, onde é possível que a rocha se converta em terra boa, e o caminho deixe de ser pisado e se torne terra capaz, e os espinhos de­sapareçam e deixem crescer, exuberantes, as sementes. E se não se deu em todos à conversão, não foi, por certo, culpa do semeador, mas daqueles que não quiseram transformar-se. Ele fez a sua parte; se eles não cumpriram seu dever, não foi, certamente, culpa de quem tanto amor lhes mostrara (São João Crisóstorno).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Bem-aventurados os que escutam a Palavra de Deus

e a põem em prática» (Lc 11,28)

 

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Toda nossa caminhada pela terra não consiste em outra coisa senão sermos semelhantes a Jesus, imagem do Pai, e em estar cada vez mais unidos a Ele. Por que escutamos esta pa­rábola do semeador? Porque a comunhão com o Senhor é fruto da união da fé, e a parábola do semeador re­corda as exigências preliminares dessa união. Jesus nos revela o Pai porque é a Palavra e a imagem dele. Nós unicamente podemos conhecer o Filho acolhendo sua Palavra e crendo em seu nome. Nossos olhos não podem abrir-se e reconhecê-lo se, previamente, nosso coração não se transforma e arde, graças à escuta da Palavra, como aconteceu aos discípulos de Emaús. E isto é obra só do Espírito Santo, que é capaz de criar, nos que perseveram «um coração para entender, olhos para ver, ouvidos para ouvir» (Dt 29,3). Isto significa que, para poder transfigurar-nos a semelhança do Filho amado, é necessário, sobretudo, escutá-lo. Sua luz emana, para nós, da Palavra de Deus. Algo verificável em nossas relações humanas: se passamos uns pelos outros sem dizer-nos nada, é o inferno; porém, se, do coração, dirigimos a palavra ao outro, criado a imagem de Deus, essa palavra se converte em luz, em palavra de comunhão. Nosso Deus é luz porque é amor. Tudo tem sua origem naquela Palavra que é Jesus e que devemos escutar, acolher e guardar. É a Palavra do Pai, que se converte em luz para nós, desperta nossa fé e abre os olhos do coração. A Palavra que nos disse: somos amados por Ele, nada poderá separar-nos de seu amor, e este amor está destinado a transformar nossa vida. Se o escutamos, respondendo-lhe no silêncio de nosso coração, seremos «luz» na verdade de nossas ações. Poderemos amar. Sem Ele não podemos nada, absolutamente nada, mas com a força do Espírito Santo, seja qual for o abismo de nossa debilidade, nada é impossível. Arraigados no Amor, que é Deus, produziremos o único fruto autêntico do Espírito: o fruto do amor (J. Corbon, Magnano 1997,45-47).

 

 

 

 

SEGUNDA-FEIRA, 13 DE JULHO DE 202015ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO A

Mateus 10,34-11,1 (Jesus, causa de divisões; Renunciar a si mesmo para seguir a Jesus; Conclusão do discurso apostólico) – Mateus prossegue delineando o estilo de vida do discípulo-missionário, pondo de relevo as exigências radicais da missão. Nada pode ser impedimento para seguir a Jesus, ainda que isso possa causar sofrimentos e até provocar rupturas, inclusive no inte­rior da própria família. O cristão tem de contar com mal entendidos e com a incompreensão de seus achegados e dos que lhe estão unidos por laços afetivos. O discí­pulo, Jesus já o havia declarado, não pode ter uma sorte diferente da de seu mestre, desconhecido e rejeitado, precisamente, pelos seus (cf. Mc 3,21; Jo 1,11). Não se trata de que não possa viver, o discípulo, com entrega e fidelidade, as relações familiares, mas de dar prioridade às exigências do seguimento de Jesus e ao amor «com todo teu coração, com toda tua alma, com toda tua mente e com todas tuas forças» (Mc 12,30) que devemos ao Senhor. Mas, isso seria humanamente impossível se ele não nos tivesse amado antes até dar a vida por nós. Fazendo como Jesus, tomando, so­bre nós, a carga crucificante do mal que se opõe ao amor e realizando gestos simples, porém, autênticos, dirigidos ao outro, ao qual reconhecemos como irmão (o dar um copo de água), viveremos a mesma dignidade de filhos do Pai misericordioso.

 

 

Isaias 1,10-17 (Contra a hipocrisia) – A passagem apresenta um dos oráculos introdu­tórios do livro de Isaías. O profeta, que desenvolve sua missão no Reino de Judá durante a segunda metade do século VIII antes de Cristo, em um período de prosperidade econô­mica e de relaxamento moral, condena em especial o formalismo religioso das classes mais ricas. Os que a elas pertencem, fechados no egoísmo de sua riqueza e insensíveis às necessidades dos cada vez mais nu­merosos indigentes, praticam um culto que é inútil porque está separado da vida. Empregando a forma literária de um julgamento empreendi­do por Yhaweh contra seu povo, ao qual, de maneira sig­nificativa, se chama “Sodoma e Gomorra», as cidades pecadoras por antonomasia (v.10), reivindica, Isaías, à Deus, seus direitos, e recorda, ao povo, os deveres san­cionados pela aliança sinaítica. Deus confessa que lhe desagrada a oferenda dos sacrifícios cruentos e in­cruentos, a observância das festas e das prescrições rituais (vv.11-14), dado que a isso não  corresponde um coração dócil, atento às necessidades do próximo. Deus não olha nem escuta a quem crer render­-lhe honras e logo pisoteia os fracos e os pobres (v.15ab). Entre o culto e a vida não pode haver contradição: não é possível oferecer o sangue de uma vítima sacrificial com mãos manchadas pelo sangue dos homicídios cometidos (v.15c). A conversão do coração “Deixai de fazer o mal, aprendei a fazer o bem»: vv.16d-17a) é a condição fundamental para que a aliança de Deus com seu povo seja real e eficaz. Deus renova o convite a uma purificação, tanto interior, do coração, como exterior, do comportamento, para restituir a verdade ao culto praticado e pôr as bases da justi­ça social.

Salmo 49/50 (Para o culto em espírito) – Este Salmo tem o sabor de um exame de consciência violento, daqueles que nos obriga a parar e a olhar dentro de nós para vermos se ali existe o bem ou o mal. Deus sabe elogiar o homem quando ele faz o bem, mas também sabe condená-lo quando faz o mal. Deus sabe elogiar o homem quando ele faz o bem, mas também sabe condená-lo quando faz o mal. O mesmo fazem os seus profetas. Deus nos mostra o mal para que possamos nos converter e tomar resoluções novas de uma vida santa. Deus não critica os louvores que lhe são oferecidos, exceto quando a nossa atitude de louvá-lo não condiz com a nossa vida cheia de pecados. De que serve sermos religiosos, frequentarmos a Igreja, se negamos tudo isso diariamente com as nossas atitudes?

Senhor, dá-me a coerência de vida. Que eu te ofereça sacrifícios e seja atento aos teus preceitos, mas nunca permita que minha vida renegue minha fé. Dá-me a força de ser fiel e que minha felicidade seja a melhor pregação e evangelização. Palavras nada servem se não são comprovadas e consagradas pelos atos. Amém.

 

 

MEDITATIO: Deus nos leva a serio. Assim tem sido desde o primeiro instante em que quis que fôssemos seres livres. Por isso, não pode estar de acordo quando reduzimos nossa relação com Ele a uma serie de conveniências. E, se agimos deste modo, não enganamos a Ele, mas a nós mes­mos. Crer em Deus, quer dizer, receber o dom da fé que Ele mesmo nos oferece gratuitamente, é uma questão de coração. Não é possível comprometer-nos com Ele só de fachada ou em momentos alternados. Deus nos ama antes e em tempo integral. E nós, sabendo-nos assim amados (o que é, portanto, o vértice de todo desejo), que outra coisa podemos nós fazer de nossa parte, senão amá-lo? Amar é uma ação muito concreta. Amar a Deus, sem dúvida, não é uma questão limitada a impulsos inte­riores: inclui amar aos irmãos; amá-los em seu caráter concreto, na necessidade em que se en­contram. Fazer-lhes o bem pode traduzir-se em grandes gestos e, com maior probabilidade, em gestos cotidianos, esses que muitas vezes definimos como «peque­nos», damos por descontado e não vivemos com atenção e ternura. Com freqüência, são, precisamente, esses gestos, tri­viais em aparência, os que mais nos custa realizar com amor, especialmente com as pessoas difíceis ou simple­smente desagradáveis e que convivemos mais de perto. Se ficamos fechados em nós mesmos, com nossa presunção de santidade, porque, talvez, re­zamos alguma oração e nos sentamos aos domingos na primeira fila na igreja, não encontraremos a vida e perderemos a recompensa. Mas, ao contrário, a obterá quem saiba reconhecer que só o Senhor é Deus e que, por amar-nos, tem «direito» a nosso amor; esse Deus que é imenso e que goza «escondendo-se» e fazen­do-se amar nos «pequenos».

 

ORATIO: Obrigado, Senhor Jesus, por haver me chamado a caminhar jun­to a ti, a ser teu. Reconheço que sou pouca coisa, que me sinto atraído aqui e acolá, longe da Verdade que Tu és, por medo de vir a perder a segurança de um afeto ou, inclusive, da imagem que tenho feito de ti. Obrigado, Senhor Jesus, por tua confiança chamando-me a mudar de vida: a passar do formalismo à autenticidade do amor a ti e ao próximo. Concede-me, Senhor Jesus, o gosto de arriscar-me seguindo tua Palavra, de atrever-me a perder a vida fazendo o bem aos outros. Concede-me coragem de oferecer o «vaso de água» cotidiano ao «pequeno». Concede-me, ainda, saber reconhecer que, exatamente nele, é Tu que estás, minha infinita recompensa.

 

CONTEMPLATIO: Após ter conhecido o temor de Deus, sua benignidade e humanidade, pelo Antigo e o Novo Testamento, convertamo-nos com todo nosso coração. Consideremos, ainda, como irmãos nossos os que nos odeiam e nos detestam, a fim de que seja glorificado o  ­nome do Senhor e manifestado em sua gloria. Dado que tentamo-nos uns aos outros, por sermos combatido, todos, pelo inimigo comum, perdoemo-nos uns aos outros. Amemo-nos uns aos outros e seremos amados por Deus. Sejamos magnânimos uns com os outros e Deus será magnânimo com nossos pecados. A misericórdia de Deus está escondida em nossa compaixão com o próximo. Ofereçamo-nos, portanto, nós mesmos, por completo, ao Senhor, para podermos recebê-lo também por inteiro (Máximo, o Confessor).

 

AÇÃO: Repite com frequência e vive hoje a Palavra:

«Quem perder sua vida por causa de mim, a achará» Mt 10,39)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – O Carmelo era minha aspiração há quase doze anos. Ao receber o batismo no dia de Ano Novo de 1932, não duvidava de que este era uma preparação para meu ingresso na ordem. Mas depois, alguns meses mais tarde, ao encontrar-me a primeira vez frente a minha querida mãe depois do batismo, entendi que ela não havia estado em condições, por enquanto, de suportar este segundo golpe: não havia morrido de dor, não, porém sua alma havia ficado literalmente inundada de tal amargura que não me sentia capaz de carregá-la com semelhante responsabilidade […]. O último dia que passei em casa era o 12 de outubro. Minha mãe e eu ficamos a sós na casa, enquanto minhas irmãs se ocupavam de lavar os pratos e por tudo em ordem. Escondeu o rosto entre suas mãos e começou a chorar. Pus-me detrás de sua cadeira e fui apertando contra meu seio sua cabeça de prata. Ficamos assim muito tempo, até que consegui persuadi-la de que fosse para a cama; a levei e a ajudei a trocar a roupa… pela primeira vez em toda minha vida […]. Às cinco e meia saí como sempre de casa para escutar a santa missa na igreja de São Miguel. Depois nos reunimos para o café; Erna chegou às sete. Minha mãe tentava tomar algo, porém logo afastou a taça e começou a chorar como na noite anterior. Aproximei-me de novo dela e abracei a ela até o momento de ir-me. Então fiz um sinal a Erna para que ocupar meu posto. Após por meu abrigo e a sombrinha no cabide do lado… chegou o momento do “adeus”. Minha mãe me abraçou e me beijou com muito afeto […].Finalmente, o trem se pôs em marcha. Agora tornara-se realidade o que apenas havia me atrevido a esperar. Não se tratava, certamente, de uma alegria exuberante que pudesse apoderar-se de mim… o que havia se passado era muito triste! Mas minha alma se encontrava em uma paz perfeita: no porto da vontad de Deus (E. Stein).

 

 

 

 

TERÇA-FEIRA, 14  DE JULHO DE 202015ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO A

Mateus 11,20-24 (Desgraças para as cidades às margens do lago)O texto apresenta três questões de cunho proféti­co, dirigidas, por Jesus, a algumas cidades da Galileia. Corozain, Betsaida e Cafamaum constituíram o primeiro espaço operativo de Cristo, foram espectadoras e be­neficiárias de sua atividade miraculosa e de seu primeiro anúncio do Reino (vv.21-23). Sem dúvida, são citadas como exemplos de «geração caprichosa», que se parece a crianças nas praças. Estas últimas, em vez de participar na brincadeira, ficam sentadas, como disse à parábola que precede a passagem de hoje (Mt 11,16-19). Os milagres que Jesus realiza não são fins em si mes­mos, mas sinais que levantam o véu que está sobre a verdadeira identidade daquele que as realiza. São como ações pedagógicas cujo objetivo é a acolhida de Jesus e de sua mensagem na fé: «Convertei-vos e crede no Evangelho» (Mc 1,15b). Isso supõe uma disponibilidade radical que germina na consciência de nossa própria necessidade de ser salvos, de ser libertados do mal. Por isso as cidades pagãs e pecadoras, emblema das quais são Tiro, Sidón e Sodoma, são consideradas, potencial­mente, mais dóceis para abrir-se ao anúncio do Evange­lho e à consequente conversão.

 

 

Is 7,1-9 (Primeira intervenção de Isaias)Sobre o pano de fundo da guerra siro-efraimita, que opôs os reis de Israel e da Síria contra o rei de Judá, abre-se, com o capítulo 7 de Isaías, o assim chamado «livro do Emanuel». «Emanuel», Deus-conosco, é o nome do filho anunciado a Acaz, rei de Judá, como sinal que garantirá a intervenção salvífica de YHAWEH, apesar da incredulidade do soberano e dos grandes do reino. Em torno a esta figura se agrupam os oráculos dos capítulos 7-11, nos quais se atribui, ao filho que há de nascer, prerrogativas que superam os confins de sua his­tória contemporânea e o elevam a símbolo e imagem do Messias que havia de vir. Deus cumprirá sua pro­messa e assegurará o futuro da dinastia davídica. Ao rei e ao povo corresponde esta adesão de fé, condição indispensável para participar da própria promessa. Ante a iminente ameaça de Israel e da Síria, que não perdoam a Judá sua não participação na coa­lizão anti-assíria, o rei Acaz, por um lado, dota Jeru­salém de defesas que possam assegurar-lhe a sobrevivência em caso de assédio e, por outro, tenta aliar-se com o mais forte, isto é, exatamente a Assíria. O profeta vai ao encontro do rei para recordar-lhe que o que conta não é tanto a estratégia política e militar como a fé em Deus (v.9b), único autêntico soberano de Judá, a quem o profeta representa. O Senhor garantirá a vitória sobre os dois reis, cujo poder é comparável ao de «dos tições fu­megantes» (v.4).

 

Salmo 47/48 (Sião, a montanha de Deus) – Onde e como podemos contemplar o Senhor? No templo santo, que é sua casa e morada preferida. Perdemos o referencial do templo como lugar de morada de Deus, mas, em todos os povos e em todos os tempos, a mais bela arte sempre foi à religiosa, na qual os artistas de todas as épocas transmitiram a sua capacidade contemplativa. Assim, quem de nós não fica extasiado diante das igrejas cujas artes são insuperáveis? É o momento de bendizer ao Senhor pela tua “casa” e fazer com que os templos sejam o símbolo mais belo da expressão artística do ser humano.

Senhor, se todas as igrejas e templos são belos, não há dúvida de que o único templo que é digno de ti é o coração humano, onde tu poder ser amado, não friamente, mas com o calor do amor e do afeto. Quero aprender a contemplar-te nas pessoas, seja quem for, mas concedendo uma atenção especial aos mais pobres e excluídos – que são teus preferidos e amados. Amém.

 

MEDITATIO: Imersos na história que vivemos e não podemos evitar o desejo de obter resultados mais vantajosos para nós. Certamente, não tem sentido que esperemos ajuda do alto, que supram a inibição e nosso caráter inoperante. Mas, não raras vezes, nos sentimos im­pelidos para duas atitudes extremas: o pragmatismo, completamente ascético ou indiferente com respeito ao ca­ráter incisivo da fé na história, e o espiritualis­mo, que invoca a Deus para que resolva problemas práticos. Nenhuma das duas posições leva Deus a sério em sua verdade de Senhor do tempo e da his­tória, e em sua opção de confiar ao homem, como «vice-rei» da criação, a sorte desta. A fé não suprime a perspicácia da análise; mais ainda, permite ver com detalhe e captar as consequências últimas dos fenômenos políticos, sociais, familiares… A fé não nos impede de ad­quirir a necessária competência para tratar as ques­tões contingentes; e mais, anima-a com a confiança de que nada há de se perder, nem sequer as derrotas e os fracassos, dado que Deus é o salvador de tudo o que existe. A fé alarga o horizonte além das aparências e permite reconhecer a obra do Espírito Santo, que guia o homem para a plena revelação do Pai, em Cristo. Abrir-se a este reconhecimento é abrir-se à alegria, ainda que em meio das dificuldades e dos sofri­mentos que apresenta a história: alegria pela segurança de que, inclusive na adversidade, o Senhor está conosco, contanto que nós não nos fechemos aos sinais que revelam sua presença.

 

ORATIO: Perdoa, Senhor, minha dureza de coração. Não é tanto a de quem te elege, mas a de quem te quer diferente: ou com uma potência mais evidente, ou menos embaraçosa. Perdoa-me, Pai, por sentir-me escandalizado por teu modo de revelar-te na vida de Jesus e por aceitar dar-te a conhecer, hoje, atra­vés da vida da Igreja, dos cristãos, quer dizer, também através da minha: uma vida cheia, com frequên­cia, de contradições, incoerências, fragilidade e infidelidade. Necessito fazer-me simples e humilde para compreender algo de teu modo de manifestar-te ou, pelo menos, para acolher, com fé e respeito, os sinais de tua presença, esses que Tu mesmo nos tens indicado – o pão, a Palavra, o irmão – e os tecidos na trama da história. Vem, Espírito Santo, pai dos pobres, luz dos corações!

 

CONTEMPLATIO: A mais alta realização da conduta cristã consiste em humilhar o próprio coração, ainda que seja grande, nas obras, no desprezo à vida, e expulsar a pre­sunção com a ajuda do temor de Deus; deste modo, gozaremos da promessa, não em proporção aos es­forços realizados, mas em proporção à fé e ao amor por ela. Dada à grandeza dos dons, não é possível encontrar esforços proporcionados: só uma grande fé e uma grande esperança estão em condições de medir a recompensa prescindindo dos esforços, e o fun­damento da fé está representado pela pobreza de espírito e do amor desmesurado por Deus (Gregório de Nisa).

 

AÇÃO: Repite com frequência e vive hoje a Palavra:

“Senhor, creio em Ti!” (Is 7,9b)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – A fé – é preciso recordá-la com vigor – não se reduz a uma relação com o divino vivida quase exclusivamente em formas emotivas e compensatórias. Não se crer porque “faz bem”, mas se crer porque… Resulta difícil explicá-la. É questão de enamorar-se: pode explicar o amor? Aqui se mede a diferença que media a fé pequena e a grande. Não é que hoje falte a fé. O mundo está cheio de muitos homens com uma fé pequena. Falta, sem dúvida, a fé grande. Por desgraça, cada um de nós cultiva uma fé pequena, uma fé que nos tranquiliza pouco, remedia algumas de nossas insuficiências, enche alguns vazios e cura algumas feridas. Porém onde está a grande fé que fala do fogo do Espírito, da presença e do retorno de Cristo, do pecado e da misericórdia, da cruz e da ressurreição? Onde estão os verdadeiros crentes, a saber: os inquietos (não os intranquilos), que feridos e humilhados pela consciência do pecado e da derrota, se põem ante Deus com o peso de sua vergonha, convertem seu sofrimento em uma invocação e amam o sentido da vida mais que a vida mesma? (L. Pozzoli, E soffia dove vuole, Milán 1997).

 

 

QUARTA-FEIRA, 15 DE JULHO DE 202015ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO A

Mateus 11,25-27 (O Evangelho revelado aos simples; O Pai e o Filho) Jesus louva ao Pai e lhe dá graças por seu agir, tão diverso e surpreendente, com respeito à lógica humana, que exalta o poder e a força. Não são os que contam com sua própria sabedoria, os que põem o fundamento de sua própria segurança sobre as capacida­des em contínua dependência da inteligência, mas que são os «pequenos» os beneficiários da revelação do Pai (v.25). Assim, o grito de dor de Corozaín, Betsaida, Cafarnaum, refratárias ou indiferentes com respeito a sua palavra (Mt 11,20-24), vai seguido do grito de alegria de Jesus por aqueles que, ao contrário, abriram seu coração à Palavra. As cidades galileias, que co­nheciam bem o «filho do carpinteiro» (Mt 13,55), porque era sua pátria, parece incompreensível a novidade do Evangelho, que se revela, ao contrário, a quem, pri­vados de títulos de méritos e sem estar em condições de apoiar-se em prerrogativas humanas, são capazes de confiar em Deus, seguros de sua fidelidade. Jesus constata, com alegria, a eleição preferencial do Pai, jamais, desmentida ao longo de toda a revelação, pelos que são pequenos, pobres, simples. Assim parece bem ao Pai (v.26) e assim parece a Jesus. O evangelista aproveita esta ocasião para declarar a consciência de Jesus e a fé da Igreja no mistério das relações trinitárias. O Pai dá, ao Filho, tudo, por amor, o Filho acolhe tudo e o restitui, ao Pai, por amor. O movimento eterno de entrega recíproca entre o Pai e o Filho segue sendo um mistério para a criatura. Sem dúvida, por obra do Espírito, perene efusão de amor, o Pai se faz acessível, no Filho, e revela a si mesmo (v.27). Tal manifestação é incompreensível para a sabedoria racional humana. Só quem se faz «pequeno», no coração, em toda sua existência, só quem se torna disponível, para entrar na lógica do dom gratuito de Deus, pode compreendê-la. O apóstolo Paulo dirá com outras palavras: «O que em Deus parece debilidade é mais forte que os homens» (1 Cor 1,25a).

 

 

 

Is 10,5-7.13-16 (Contra o rei da Assíria) O oráculo contra Assíria que nos apresenta este frag­mento deve ser colocado no contexto da iminente ameaça da invasão Assíria, que marca a época da profecia de Isaías. Os reis de Judá, primeiro Acaz e, depois, seu filho Ezequias, adotam uma política diferen­te respeito à potência estrangeira: de aliança-vassalagem o primeiro, de oposição o segundo. Sem dúvida, nenhum dos dois segue os conselhos do profeta, que exorta a buscar na fé em Deus e não nas alianças políticas a estabilidade e a segurança do Reino. Deste modo, Isaías considera a Assíria umas vezes como ini­miga que tem de ser castigada, e outras, como instrumen­to do que se serve Deus para admoestar seu povo e incitar-lhe ao arrependimento. Neste oráculo se chama a Assíria «vara» e «bastão» da cólera de Deus (v. 5), instrumento eficaz destinado a que o povo tome consciência da impiedade em que vive. Sem dúvida, Assíria troca em vantagem a tarefa, que lhe foi confiada: o castigo que deve infligir a Israel e a Judá está se transformando em sua própria destruição. Pôs a si mesma como árbitro de suas próprias opções. Deste modo, o «bastão do furor» de YHWH (v. 5b) pretende «mover a quem o leva» (v. 15c). O destino que lhe está reservado, seguindo a lógica da retribuição temporal, será um castigo exemplar (v. 16).

 

Sl 93/94, 5-10.14-15 (O Deus justo) Já nos acostumamos a ouvir as queixas do salmista, que proclama a sua inocência a Deus e aos homens. Este tipo de súplica é muito comum a todos os salmistas, sejam eles antigos ou atuais. Quando a cruz se faz pesada, não nos resta outra alternativa senão reclamar. Mas reclamar com quem? Com Deus, pois Ele é o único que nos ouve e nos responde. Mas a resposta do Senhor não é bem como gostaríamos: há no ser humano um gostinho de vingança que é bem difícil de ser retirado. Queremos que o Senhor aja conforme os nossos sentimentos e pensamentos, no entanto, Ele é inerte à cólera e firmado no perdão. Esta oração de súplica nos apresenta uma imagem do ser humano sofrido, chateado, mas que quando não encontra consolo em ninguém volta a buscar Deus como refúgio, rochedo, fortaleza e abrigo. O amor do Senhor nos sustenta em todos os momentos.

Senhor, peço que não leves a sério os meus clamores e minhas ameaças de que vou te deixar e abandonar caso não me ajudares. Quando sofro digo tantas besteiras, mas depois me arrependo e me sinto envergonhado. Vem, Senhor, em minha ajuda. Em ti eu confio, e somente em ti. Dói-me o coração ver a injustiça mascarada de justiça e os que deveriam defender a lei e os justos se colocarem do lado dos injustos e dos pecadores. Dê-nos advogados retos e justos que prefiram a pobreza a compactuar com o mal. Amém.

 

 

 

MEDITATIO: A tentação originária do homem é a de excluir Deus de sua própria existência… A consciência de viver na idade adulta não pode tolerar a dependência, nem a submissão, a nenhum Deus. O homem que rejeita a Deus, seja reconhecendo-o, ou não, fecha-se no gueto de seus próprios instintos, de suas próprias opiniões, de uma inteligência que, por mais que possa percorrer os espaços siderais ou adentrar-se nas partículas infinitamente minúsculas da matéria, não sabe encontrar o caminho da alegria, da paz, da plenitude interior. Deste modo, paradoxalmente, o homem que se sente senhor do mundo, assim como de sua própria existência e da liberdade, não consegue penetrar no coração do viver, com seu significado último, que é o único que lhe dá consistência. Isso é, sem dúvida, o que se revela a quem aceita a realidade de ser criatura pequena, frente ao Criador, ainda que seja tão preciosa para Ele que Ele a chama a participar de sua própria vida. É «pequeno» quem se mostra contente com o que é; quem sabe que não é onipotente, e, por isso, se abre à relação com Deus. É «pequeno» quem sabe ter recebido tudo como dom e o usa não como dono ou como predador, mas como servo, com gratidão. Quem é «pequeno» deste modo conhece algo do amor do Pai e do Filho.

 

ORATIO: Bendito sejas Pai, que nos deste Jesus, teu Filho, e n’Ele nos tens dito e mostrado o muito que nos queres. Nunca teríamos podido imaginá-lo. Se Tu não houvesses decidido manifestar-te a nós, não havia sido possível que eu estivesse, agora, aqui, falando contigo com a confiança de um filho. Rogo-te, Pai: renova, também, em meu coração, a certeza da presença de teu Espírito. Que ele me dê à certeza de que Tu és meu Pai, de que Jesus é o Senhor, de que estou chamado à comunhão contigo para a eter­nidade. Que Ele me faça degustar a beleza de ser criatura, pequena, porém preciosa, e me liberte da presunção de autossuficiência, da insensatez de quem quer dar-te conselhos, considerando-os como os melhores. Espírito de sabedoria e de piedade acende, em mim, o gosto pela pequenez, pela simplicidade, que me dispõem acolher tua manifestação.

 

CONTEMPLATIO:  Os grandes discursos não nos fazem santos e justos, mas é a vida virtuosa que nos torna agradáveis a Deus. É muito melhor experimentar compunção, que conhecer sua definição. Esta é, portanto, a su­prema sabedoria: tender ao Reino dos céus median­te o desprendimento do mundo. Que vantagens nos traz o saber sem temor de Deus? Não te deixes levar pela arte ou a ciência que possuis: que estes dons sejam para ti, bem mais, motivo de temor. Feliz aquele que é doutrinado diretamente pela Verdade tal como ela é. Do único Verbo procedem todas as coisas, só d’Ele nos falam todas, e este é o Princípio que nos fala também a nós. Quanto mais capacidade de recolhi­mento e simplicidade interior, tenhamos, nós, alcançado, tanto mais, seremos capazes de compreender, com amplitude e profundidade, e sem fadiga, por que recebemos do alto a luz da inteligência (A imitação de Cristo).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Só tu, Senhor, és Deus» (cf. ls 10,15)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL O modelo ao qual temos de adequar-nos no cristianismo não é o “adulto”, mas, ao invés, a “criança”; não é o “intelectual”, que, na perspectiva ilustrada, é o “adulto” por definição, mas, ao invés, o “simples”, o “ignorante”. Este, nas perspectivas evangélicas, está simbolizado precisamente pelo “pequeno”, pela “criança”. Paulo VI, papa “intelectual”, homem cultíssimo, elevou em 1970 ao ranque de “doutora da Igreja” – o mais elevado na hierarquia espiritual – a Santa Catarina de Sena, que a duras penas era capaz de ler e só ao final de sua vida aprendeu a escrever. Não sem razão esta minha biblioteca na qual estamos falando, composta por muitos livros, com frequências árduos e escritos em muitas línguas modernas e antigas, está presidida (como pode ver) pela imagem de uma jovem de quatorze anos que ainda não era mulher, asmática, desnutrida, filha da família mais desprezada de seu povo e, como é natural, analfabeta. “A mãe de Cristo, para confiar sua mensagem de chamado à fé, não elegeu, nem a professores, nem a notáveis, nem a periodistas, nem a outros cristãos já “adultos” e já maiores de idade”.  Dezoito vezes, falando seu dialeto, lhe apareceu, na gruta onde se guardava a manada de porcos de propriedade comum, a esta pobre ignorante para o mundo, a esta maravilhosa sábia segundo o Evangelho que é a santa Bernadette Soubirous, a filha de um moleiro fracassado da obscura Lourdes. Não é uma surpresa: é só a enésima confirmação de uma estratégia divina (V. Messori – M. Brambilla, Qualche ragione per credere, Milán 1997).

 

 

 

 

QUINTA-FEIRA, 16 DE JULHO DE 2020 – 15ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO A

Mateus 12,46-50 (Os verdadeiros parentes de Jesus) = Lc 11,24-26 – O encontro de Maria com Jesus, em meio a sua pregação, é um momento importante da revelação da identidade do Mestre e também da identidade de sua mãe, acompanhada, neste episódio, por alguns parentes. Maria aparece sempre, no Evangelho, em comunhão com todos, e conduz à comunhão com o Filho. Mas, o passar da fraternidade-familiaridade, pura­mente natural, à espiritual, que Maria já vive (como Lucas demonstrou em seu Evangelho da infância), torna-se, agora, evidente, nas palavras do Filho. A pergunta retórica de Jesus, consciente da pre­sença de sua família natural e da necessidade de proclamar a novidade de sua relação com ela, em outro âmbito, é, pelo menos, significativa. Trata-se de revelar o passo necessário que foi dado agora, com a nova família que o próprio Jesus está formando com seus discípulos. Sua resposta é uma revelação que também indica a nova fraternidade que acontece mediante a acolhida de Jesus, de sua Palavra: “Estes são minha mãe e meus irmãos» (v. 49). Alarga-se o círculo dos fa­miliares de Jesus, pois supera os limites da família natural. E nasce a nova relação de consanguinidade, que é a vida da Palavra e, de fato, cumprimento da vontade do Pai. Maria, serva, discípula, mãe que se oferece por completo, a fim de que se cumpra a vontade do Pa­i, é o exemplo sumo desta comunhão familiar com Jesus, através do vínculo da Palavra escutada e vivida, que, com frequência, sublinham os Padres da Igreja. Também o cristão gera Je­sus em si mesmo, mediante o cumprimento da Palavra. Corres­ponde muito bem à espiritualidade do Carmelo, toda ela centrada na escuta, meditação e contempla­ção da Palavra, a visão de Maria que apresenta a Je­sus seus verdadeiros irmãos e filhos seus instruídos por ela no cumprimento da vontade do Pai.

 

Zc 2,14-17 (Apelo aos exilados) – Zacarias viveu pelos anos 500 aC. e se esforçou em dar apoio, com a palavra de Deus, aos israelitas desiludidos de regresso à Jerusalém, vindos do exílio da Babilônia. Na primeira parte de seu livro se descreve oito visões que anunciam a vinda do Messias. Nos capítulos seguintes o profeta promete que um dia chegará à recompensa e que Israel será restaurado, não sem antes passar por guerras e calamidades por não haver reconhecido o Messias. No texto de hoje temos um apelo do profeta convidando os cativos à alegria, porque Deus está em meio de seu povo. Para nós agora isto é muito mais verdadeiro. Na Bíblia a expressão “filha de Sião” é um dos nomes do povo de Deus, imagem poética da cidade santa, representada como mulher e data da época pós-exílica, quando Jerusalém se converteu, para os judeus, em coração e centro de adoração do povo escolhido (Ez 5,5;38,12;Lm 2,13;Zc 9,9). Zacarias anuncia os tempos novos quando diz que Deus ficará para sempre em Sião, na cidade em que se reunirão todos os povos. O profeta promete a atuação permanente de Deus.

 

Lc 1,46-55 (O cântico de Maria) – Maria dirige o louvor a Deus que fez tudo. Na passagem prodigiosa da virgindade à maternidade ela descobre o estilo e esquema da renovadora ação de Deus, manifestada também na esfera política e econômica: não para mudar os lugares, deixando as coisas como estão, mas no espírito messiânico das bem-aventuranças (felicidades, venturas). A ela felicitarão todos os que reconhecerem esses valores. Ela é a “serva” que representa Israel, “servo” desvalido e socorrido por Deus (e também a igreja das bem aventuranças). O hino é de puro estilo bíblico, cheio de citações e reminiscências do Antigo Testamento. Divide-se em duas seções, com o corte final do v.50. Parece unir-se a Israel, o povo escolhido; no tempo, parte de Abraão e continua sem fim. Não menciona expressamente a maternidade, implícita no contexto próximo. Não é improvável que Lucas tenha adaptado um hino já existente. Do cântico de Ana e seu contexto toma: o tema básico da maternidade, as duplas poderosos/humildes, ricos/pobres, a reviravolta da situação, a alegria da celebração, a santidade de Deus, a atenção para a humildade ou humilhação, o Deus de Israel.

Lembrai-vos, ó piedosíssima Virgem Maria, que nunca se ouviu dizer, que algum daqueles que a vós têm recorrido, implorado a vossa assistência, e implorado o vosso socorro, fosse por Vós desamparado. Animado eu, pois, com igual confiança, a Vós, ó Virgem entre todas singular, como à Mãe recorro, de Vós me valho e, gemendo sob o peso dos meus pecados, me prostro a vossos pés. Não rejeiteis as minhas súplicas, ó Mãe do Verbo encarnado, mas dignai-Vos de as ouvir propícia, e de me alcançar o que vos rogo. Amém

 

 

MEDITATIO: A busca da sabedoria, a escuta da Palavra e o cumprimento da vontade de Deus são temas que iluminam o sentido mais verdadeiro da devoção à Virgem do Carmelo, segundo a mais pura e genuína tradi­ção da ordem. Antes, inclusive, de ser Santa Maria do Monte Carmelo para o povo fiel, ou seja, a imagem familiar que apresen­ta o escapulário às almas do purgatório para levá-las ao céu, Maria é, na espiritualidade do Carmelo, a guardiã da Palavra, a Virgem do silêncio e da oração, a Mãe da contemplação e da vida mís­tica. É a que leva os fiéis, como guia sábia, pelas vias da santa montanha, conduzindo-os até o cume que é Cristo. Como Mãe espiritual, gera seus filhos para a vida de graça na Igreja e as acompanha, do mesmo modo, com o exemplo e intercessão, e com uma delicadeza absolutamente materna, em cada etapa da vida espiritual, através das noites escuras e dos dias luminosos da vida. E, sempre na linha do Evangelho, marca mais profundamente, nos que se deixam plasmar por sua presença e ação materna, uma santidade toda mariana, interior na contemplação, generosa no serviço. Maria, sede da sabedoria, nos conduz a Cristo, sa­bedoria viva, e forma discípulos da divi­na sabedoria. Maria, discípula do Senhor, reúne e forma discípulos da divina Palavra, nova seiva vital que nos faz, com e como a Eucaristia, membros consanguíneos do próprio corpo de Cristo.

 

ORATIO: Ó, Virgem santa, Mãe do Criador e Salvador do mundo, advogada dos pecadores. É justo que, após ter dado graças a Jesus, teu Filho e Redentor meu, por entregar-se, com amor, por mim, pecador, e entregar seu santíssimo corpo, também dê graças a ti, Rainha celestial, porque de ti este Verbo divino tomou a humanidade; teu Filho e meu Deus e Criador. Com humildade suplico tua clemência, porque és Rainha do céu e Mãe da misericórdia e deste misericordioso Senhor e, visto que, da plenitude de tua graça recebem, de ti: redenção, os prisioneiros; consolo, os aflitos; perdão de seus pecados, os pecadores; ob­têm graça e glória, os justos; saúde, os enfermos; e grande glória os anjos; suplico-te que me comuniques tua benevolência, ó Senhora e Mãe da mesma graça e misericórdia.

 

CONTEMPLATIO: Após Jesus Cristo e, sem dúvida, a distância que há entre o infinito e o finito, houve também uma criatura que foi um magno louvor de glória à Santíssima Trindade, que respondeu plenamente à eleição divina, da qual fala o apóstolo. Esta foi sempre «pura, i­maculada, irrepreensível» aos olhos do Pai, três vezes santo. Sua alma é tão simples e os movimentos de seu espírito tão profundos que não podiam ser sondados. Parece reproduzir na terra a vida própria do ser di­vino, do ser simples. Ao mesmo tempo, é tão transpa­rente e luminosa que poderia ser comparada à luz. Contudo, não é mais que o «Espelho» do Sol de justiça, Speculum iustitiae. «A Virgem conservava todas estas coisas em seu coração». Toda sua vida pode resumir-se nestas poucas palavras. Vivia em seu coração, a tal profundidade, que o olhar humano não pode sondar. Quando leio no Evangelho que Maria «correu às pressas as montanhas da Judéia» para cumprir seu ministério de caridade junto a sua prima Isabel, vejo-a passar altamente bela, com grande calma e majestosa, recolhida por completo em si mesma com o Verbo de Deus. Sua oração, como a dele, também foi sempre esta: «Ecce; Aqui estou». Quem? “a escrava do Senhor, a úl­tima das criaturas», ela mesma, sua Mãe. Mostrou-se tão verdadeira em sua humildade, porque, esqueceu-se sempre de si mesma e foi sempre livre de si mesma e, por isso, podia cantar: «O Poderoso tem feito obras grandes por mim. De agora em diante, as nações me proclamarão bem-aven­turada» (Isabel da Trindade, «Último retiro», 15).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Que a Virgem Maria esteja presente em nosso pensa­mento e em nosso coração”

 

PARA LEITURA ESPIRITUAL – As distintas gerações do Carmelo desde as origens até hoje tentaram plasmar sua própria vida seguindo o exemplo de Maria: por isso, no Carmelo, e em toda alma mo­vida pelo terno afeto à Virgem e Mãe Santíssima, floresce a contemplação dela, que já vive em si o que todo fiel de­seja e espera realizar no mistério de Cristo e da Igreja. Por isso, os carmelitas e carmelitas elegeram justamente a Ma­ria como própria patrona e mãe espiritual. Ela é a Virgem pu­ríssima que guia a todos ao perfeito conhecimento e imitação de Cristo. Floresce, assim, uma intimidade de relações espirituais que incrementam cada vez mais a comunhão com Cristo e com Maria […]. Ela não é só modelo para imitar, mas também uma doce presença de Mãe e Irmã em quem confiar […]. Este rico patrimônio mariano do Carmelo se tornou com o tempo, através da difusão do escapulário, em um te­souro para toda a Igreja […]. Este se tornou sinal de «aliança» e de comunhão recíproca entre Maria e os fieis (…). Desta espiritualidade mariana, que plasma interiormente às pessoas e as configura a Cristo, primogênito entre mu­itos irmãos, constituem um esplêndido exemplo, os testemunhos de santidade e sabedoria de tantos, santos e santas do Carmelo todos eles criados à sombra e sob a tutela da Mãe (João Paulo II, Carta aos padres gerais ddo Carmelo, 25 de março de 2001).

 

 

SEXTA-FEIRA, 17 DE JULHO DE 2020- 15ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO A

Mateus 12,1-8 (As espigas arrancadas) = Mc 2,22-28; Lc 6,1-5 – O evangelista São Mateus conta nesta passagem uma das inúmeras controvérsias entre Jesus e os fariseus com respeito à observância do preceito sabático. A Lei mosaica prescrevia abster-se de todo trabalho no dia de sábado, ainda que fosse particularmente urgente, como os trabalhos do campo em tempos de arado e de colheita (cf. Ex 20,8-11; 31,12-17; 34,21; Lv 23,3; Dt 5,12-15). A antiga instituição do sábado como dia de repouso dedicado a Deus, que “descansou no sétimo dia de tudo o que havia feito” (Gn 2,2), havia tomado uma grande importância durante o exílio da Babilônia e no período posterior, convertendo-se, portanto, em uma lei férrea no judaísmo até os tempos de Jesus. O preceito do sábado, vivido a princípio como dia de alegria para todos (homens, livres ou escravos, e animais), em recordação da libertação da escravidão do Egito, e como antecipação do repouso escatológico, no qual toda criatura participará do repouso do próprio Deus (cf. Hb 4,9-11), o preceito do sábado, dizíamos, havia se transformado em uma casuística opressora e vinculante do que estava permitido e o que estava proibido, uma casuística em torno à qual divergiam as diferentes escolas rabínicas. A afirmação de Jesus “o Filho do homem é Senhor do sábado” (v.8) tem um alcance desconcertante. Afirma, em primeiro lugar, que tem uma autoridade superior à de Moisés, em virtude de sua relação especial com o Deus a quem se quer honrar observando o preceito do sábado. Ele e só Ele pode estabelecer o que é licito e o que não é. Jesus, revelador do amor do Pai, volta a situar o homem no centro do verdadeiro culto: render honra a Deus não pode ser separado do estar atento ao homem, a quem Deus criou e ama. Em consequência, não pode ter conflito entre a lei religiosa e as exigências do amor. A história de Israel, dado que o caráter sagrado dos pães da oferenda não impediu a Davi e a seus famintos homens alimentar-se com eles (vv. 3ss), o confirma. O Deus misericordioso busca a misericórdia e não o sacrifício, como mostrará Jesus curando ao homem da mão atrofiada (Mt 12,9-13). Se os próprios sacerdotes devem infringir as normas do sábado para exercer seu ministério (v.5), tanto mais passarão estas a segundo plano, ante as exigências do amor ao homem, sinal incompreensível do amor e obediência ao Deus do amor.

 

 

Is 38,1-6.21-22.7-8 (Doença e cura de Ezequias) – Os capítulos 36-39, que encerram o livro atribuído ao primeiro Isaias, são um acréscimo posterior feito pelo redator depois do exílio da Babilônia. Os feitos que ali se narram remontam aos últimos anos do século VIII aC, durante o reinado de Ezequías, e estão documentados desde o ponto de vista histórico tanto pelo segundo livro dos Reis como pelos textos assírios. A passagem que examinamos se situa no contexto precedente ao assédio que o rei assírio Senaquerib pôs a Jerusalém, uns quinze anos antes da morte do rei Ezequias. O relato da gravíssima enfermidade que acomete ao rei e de sua cura milagrosa, mediante a intervenção de Isaías, põe de relevo a atitude de confiança de Ezequias com Deus e com o profeta, que é reconhecido pelo que é: porta-voz de Yhaweh. Por outra parte, emerge o prestígio de Isaías e se exalta o poder que vem de sua fidelidade ao mandato profético. Ezequias reage ao anúncio de sua morte iminente com uma oração que, seguindo o estilo dos salmos de súplica, apela à misericórdia de Deus. A Ele apresenta, o rei, sua própria vida, uma vida vivida com retidão, rica em boas obras; portanto, seguindo a doutrina da retribuição temporal, como é possível que esta vida seja tão breve? A bondade da oração do rei fica demostrada pelo fato de que é escutada. Essa escuta se faz saber por meio do profeta: Ezequias será curado e Jerusalém será libertada.

 

Is 38,10-12.16-17 (Cântico de Ezequias) – Canto de ação de graças com a estrutura clássica: narração da desgraça, recordação da súplica, recordação da libertação, ação de graças do salmista, convite à comunidade. Ainda que o homem seja limitado, sente certo direito a uma vida coroada: morrer aos vinte anos é fracassar, é ser privado de algo que lhe pertence. A forma impessoal esconde o sujeito, que é Deus. A existência depois da morte não conhece culto religioso nem vida social. O Abismo se opõe à “terra dos vivos”, terra criada para que o homem habite nela. A comparação da tenda mostra a vida como peregrinação, como caminho de nômade: a tenda foi por um momento hóspede de um terreno, foi cravada provisoriamente no chão. Por um momento o fio de uma vida desenhou uma figura no tapete ou cruzou uma parte do tecido; esse fio é cortado sem piedade. A imagem da teia é mais sugestiva que a simples de enovelar, que é a das parcas, e que Quevedo transfere para a dimensão cósmica: ”Enovelam sol e lua, noite e dia, do mundo a robusta vida” (Jó 6,9). De repente muda de tom: da angústia à confiança, à experiência da saúde. Nelas experimentou a mão de Deus que vivifica. Diante do túmulo vazio, o homem sente seu ser de pecado que o impele e precipita. Deus detém a queda porque perdoa o pecado.

MEDITATIO: É fácil tentar encerrar a Deus em um conjunto de regras religiosas práticas, que nos ponham em paz a consciência aqui na terra e nos assegurem a vida eterna. É fácil porque dá segurança e oferece um critério de juízo imediato entre o que é justo e o que não é. Facilita também, portanto, a aproximação aos outros, que podem ser etiquetados “objetivamente” como “justos” e “injustos” ou como “bons” e “maus”. Como em tempos de Jesus, trata-se de uma operação que tem muito êxito também hoje, em uma época na qual temos tanta necessidade de pontos de referência certos, controláveis, porém na qual não estamos dispostos a trabalhar para formarmos uma consciência ilustrada, capaz de discernimento, para aprender a acolher a cada pessoa em sua inconfundível unicidade. Jesus recorda aos fariseus de ontem e de hoje que Deus é misericórdia e que tudo o que se lhe tem atribuído tem os sinais característicos da misericórdia. A Palavra de Deus, que sempre nos interpela de uma maneira pessoal, nos incita a proceder a uma verificação: Jesus é meu Senhor? Ou construo uma religião própria, com ídolos e fetiches que – talvez – têm uma aparência devota, porém expressam o caráter pagão de meu coração? Se nos damos de senhores de Deus e de sua graça, se traçamos a relação com Ele e com o próximo sobre a base da medida, sempre mínima, da lei e do dever, terminaremos por excluir Deus da vida, declarando-nos, de fato, senhores de nós mesmos e dos outros, e nos encontraremos na nudez e na necessidade de esconder-nos como Adão e Eva (cf. Gn 3, 8-10). O grito cheio de confiança do rei Ezequias nos serve de exemplo: Deus não se deixa vencer em generosidade; sua misericórdia transborda sobre aqueles que confiam nele e estão dispostos a dilatar seu coração à medida do coração de Deus.

 

ORATIO: Confio-me a ti, ó Senhor Jesus, Deus misericordioso e fiel. Criaste-me livre porque Tu desejas meu amor, não minha submissão passiva. Tu vês quão difícil me é viver o dom que me deste: a liberdade do amor me dá medo e muitas vezes prefiro fechar-me nos apertados espaços de uma lei sem coração, de cujo interior emito graves sentenças sobre meus irmãos e me sinto poderoso. Confio-me a ti, ó Senhor Jesus, Deus misericordioso e fiel. Ensina-me, ó Senhor Jesus, a esquecer minha “justiça” sem piedade para fazer-me um pouco mais semelhante a ti e ser “sacramento” de tua misericórdia, para os irmãos que me dás.

 

CONTEMPLATIO: O povo infiel, que abandonou os preceitos divinos porque se considerava rico com aquela lei que não era mais que sombra dos bens futuros, e que fez um mau uso das riquezas adquiridas, foi arrancado da terra dos seres vivos, desraigados e expulsos do sagrado tabernáculo. Considerava-se demasiado forte, posto que confiava nas vaidade humanas, a saber: na glória de seu poder, no ouro do templo, nos preceitos dos homens, segundo o que havia dito o profeta: “Veneram-me sem razão, ensinando doutrinas e preceitos humanos”, e substituíram a Lei de Deus pelas regras do costume terreno, que ultraja a Deus (Hilario de Poitiers).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

                                         “Queres misericórdia, oh! Senhor” (cf. Mt 12,7)

 

A LEITURA ESPIRITUAL – Jesus Cristo, por causa de seu amor pelos homens, está em luta com os fariseus. Que querem os fariseus? Prodígios. Mais que boas ações, quiseram obras estrepitosas, obras que impressionassem a sua inteligência, sem inclinar-se à conversão de seus corações. Tentam substituir o amor de Jesus Cristo, que apela as suas possibilidades de generosidade e de amor, por um compromisso entre dois egoísmos, a saber: que Jesus Cristo aceite, por uma parte, empreender uma carreira gloriosa e, por outra, que Ele renuncie a vigiar suas comodidades. Notemos que a vivacidade das reações do Mestre se deve ao fato de que as más intenções de seus adversários tendem a impedir-lhe fazer o bem, e a causar dano àqueles a quem professa um afeto particular: os inválidos e menos favorecidos pela vida. Quando alguns fariseus reprovam os discípulos que arrancam espigas em dia de sábado, Jesus Cristo intervém para justificar sua ação: “O sábado foi feito para o homem, e não o homem para o sábado. Porque o Filho do homem também é Senhor do sábado”. Ao dar esta resposta aos sofismas que lhe traçavam, Jesus afirma não só sua própria soberania, que lhe permite fazer o bem, em dia de sábado, mas para também o significado desta soberania. O sábado foi feito para o homem, e, posto que o Messias há recebido todo o poder sobre a humanidade, é Senhor de tudo o que foi posto ao serviço dos homens, em especial do sábado. É o amor aos homens o que rege tudo, e por causa deste amor se enfrenta aos fariseus: Jesus Cristo quer que o sábado, que havia sido convertido em uma instituição importuna destinada a provocar oposições, sirva para testemunhar a bondade divina (J. Galot, Il cuore Cristo, Milán).

 

 

 

SÁBADO, 18 DE JULHO DE 202015ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO A

Mateus 12,14-21 (Jesus é o servo de Iahweh)O fato de ter infringido a lei do repouso sabático acarreta a Jesus o complô dos fariseus. Estes planejam (pela primeira vez, segundo Mateus) de matá-lo. Jesus reage, continuando em outro lugar sua atividade miraculosa e cura a todos os que lhe seguem, sem exceção. Estas cura­s, no contexto do milagre que acaba de realizar (Mt 12,10-13), dão razão do amor misericordioso de Deus, que Jesus veio a anunciar e que constitui o centro e o sentido de seu ministério. Mateus vê realizada, aqui, a profecia de Is 42,1-4, na qual se apresenta a figura do Servo de Yahweh. Este, eleito e enviado por Deus, que o tem cumulado de seu Espírito, levará a cabo a missão de fazer conhecer a todos os povos a verdadei­ra relação entre Deus e os homens. O estilo do Ser­vo, simples e discreto, alheio ao conflito e ao clamor, atento a valorizar toda possibilidade de vida, foi plena­mente realizado por Jesus, que acaba de se declarar «manso e humilde de coração» (Mt 11,29) e pede que se guarde silêncio sobre seu agir (Mt 12,16). Uma vez mais, o evangelista Mateus, comentando os acontecimentos da vida de Jesus à luz do Antigo Testamento, recorda que este representa o cumprimento da revelação veterotestamentária; ajuda a interpretar o acontecimento Jesus e a compreender seu significado; apresenta em Jesus o modelo de obediência à Palavra do Pai.

 

 

Mq 2,1-5 (Contra os usuários) – A atividade do profeta Miquéias se situa no contexto social e religioso do Reino de Judá, na segunda metade do século VIII aC. Miquéias, quase contemporâneo do primeiro Isaías, denuncia a idolatria e as injustiças sociais cometidas pelos chefes do povo (corte real, sacerdotes, profetas), às quais se tem visto submetida toda a população. O justo juízo de Deus não tardará e o castigo será inevitável, visto que abandonaram a fidelidade à aliança. Contudo, ao castigo se seguirá a reabilitação e, à destruição, a promessa de uma no­va fecundidade, a partir do pequeno grupo daqueles que, em meio de tanta iniquidade, conservaram íntegra a fé em YHWH. O oráculo que constitui o presente texto litúrgico é uma repreensão contra aqueles que, já ricos, recorrem a tudo para monopolizar cada vez mais, usurpando casas e terrenos de seus legítimos proprietários e reduzindo à escravidão estes últimos. Apresentam-se os monopolizadores inteiramente ocupados, em seus leitos, em tramar proje­tos perversos que executam enquanto amanhece o dia, graças ao seu poder econômico (v.1). Neste estado de coisas, em que uns poucos ricos se fazem cada vez mais ricos e os pobres são cada vez mais numerosos e indigentes, se levanta a voz do profeta, que proclama o julgamento de Deus: do mesmo modo que os poderosos tramam suas ações iníquas (v.1a), assim também trama o Senhor o castigo (v.3b), do qual não poderão fugir e que será justo sobre a base da lei do talião (cf Dt 19,21). Aqueles que, privando aos outros de suas legítimas posses e reduzindo-os a escravidão, os excluem, de fato, da participação na promessa da terra dada, por Deus, para sempre, serão feitos escravos e deixarão de ter terra. Miquéias expressa esse grave castigo com a metáfora do jugo: do mesmo modo que o jugo impede aos homens escravos ou prisioneiros e aos animais de le­vantar a cabeça, assim também o grave castigo de Deus só permitirá caminhar, os malvados, com a cabeça inclinada. No v.4 o profeta põe na boca dos monopolizadores castigados um canto que explica seu destino: despojados dos bens pelos inimigos, que neste contexto é, quase seguro, os assírios, veem repartidas entre os invaso­res aquelas terras cuja propriedade já não podem voltar a adquirir. Ironias do destino: a esses, que tramavam de to­dos os modos enriquecer-se, não lhes tocará, nem sequer, um pedaço da Terra prometida.

 

Salmo 9b/10 (A justiça divina domina o direito) – Não há maior pecado que a soberba, que é mãe de toda arrogância e de toda autossuficiência. O orgulhoso e o prepotente não são bem vistos aos olhos de Deus, por isso, não receberão graça alguma nem herdarão o Reino dos Céus. O ateísmo é fruto, quase sempre, da arrogância e da soberba. Quando vencemos esses defeitos, encontramos o caminho da liberdade interior e do amor. Os humildes têm fé, porque sabem que sem Deus nada podem fazer.

Senhor, não permita que o meu coração se torne arrogante, soberbo. Que eu saiba reconhecer a tua presença por meio do caminho de fé e da simplicidade. Que eu seja humilde e saiba me prostrar diante de ti, cantando as tuas maravilhas e sendo um exemplo de fé e coragem viva nas minhas ações para todos. Amém.

 

 

MEDITATIO: Quem mais tem, mais quer ter. Trata-se de um velho ditado formulado pela constatação do insaciável que se mostra o instinto de posse. É de uma trági­ca atualidade o império da lei da prepotência dos que são mais fortes, do ponto de vista econô­mico. Os estragos que a cobiça de uns poucos realiza a expensas de muitos se perpetram cada dia, em todos os pontos do globo. O dinheiro se mostra como uma arma ainda mais letal que os mecanismos explosivos, quando se usa, exclusivamente, em projeto nosso. Fere ao homem, em sua existência física, ainda que também na psíquica e espiritual. Por dinheiro, as pessoas estão dispostas a tudo, e pisoteia afetos e valores éticos.  E o di­nheiro, se, se converte no fim da vida, não admite rivais. Quem se dedica a si mesma não pode conhecer nenhum tu, só o eu. Por isso, disse Jesus que, ou escolhe­mos a Deus ou escolhemos o dinheiro, não há possibilidade de compromisso. Jesus, como vemos, de­cidiu-se pela primeira alternativa e está em relação constante com o tu do Pai e com o tu dos irmãos. O demonstra mostrando sua preferência só pelos abandonados, aos quais socorre com uma atenção especial. Sem estrépito nem clamores na praça, sem campanhas publicitárias, nem sofisticados meios de per­suasão; mais ainda, com tom distendido, ainda que seguro, e com palavras verdadeiras e coerentes, vai se difun­dindo o anúncio evangélico do amor de Deus, graças a qualquer um que renuncie à lógica do atropelo, por pouco ou muito explícita que seja. A esperança abre em quem a acolhe, horizontes luminosos.

 

ORATIO: Ó Deus, que outorgas privilégio aos meios hu­mildes, perdoa-me quando sorri de modo irônico a quem tenta seguir-te em tua mesma opção. Ó Deus, que te fizeste pobre, perdoa-me quando penso e digo que, de todos os modos, é preciso chegar e qualquer meio é bom. Ó Deus, que te inclinaste sobre todo ger­me de vida e os tens dado valor, perdoa-me quando, sem remorso, pisoteio os direitos de meu irmão, de quem sei que não tenho de temer reações de vingança. Ó Deus, que te tens mostrado atento a todos, perdoa-me quando busco só o que me convém, sem preocupar-me com os outros.

 

CONTEMPLATIO: Disse o avarento: “A quem faço mal retendo os bens que me pertencem?”… Mas que bens são os que te pertencem? De onde te vieram? És parecido a um homem que entrou em um teatro e queria impedir a entrada aos outros para gozar só ele do espetáculo ao qual, todos têm direito. Assim são os ricos: monopolizaram os bens da sociedade e depois sustentam que são eles os donos dos mes­mos, pelo simples motivo de ter sido os primeiros em colhê-los. Se cada um retivesse unicamente o que lhe serve para as necessidades normais e deixasse o restante aos indi­gentes, desapareceriam a riqueza e a pobreza. Não saíste nu do ventre de tua mãe? Não estarás, de novo, nu quando voltar ao pó? De onde crês que te vieram estes bens? Talvez me respondas: «Da sorte». Então careces de fé, porque não pensas em teu Criador e te mostras ingrato com aquele que tem enchido tuas mãos de dinheiro. Ou admitas que são dons de Deus. Então, explica-me, por que tem sido cativada tanta riqueza pre­cisamente por ti. Deve-se acaso à «injustiça» de um Deus que reparte de maneira desigual os bens da vida? Por que és tu rico enquanto outro é pobre? No que a ti diz respeito, és rico só para que com amor e desinteresse administres esses bens para os outros. É inconcebível que tu tenhas o dinheiro sob a capa de vidro de uma insaciável avareza e penses que não fazes dano a ninguém excluindo dele a uma multidão de infelizes. Quem é o avarento? O que não se contenta com o necessário. E quem é o ladrão? O que priva aos demais de seus bens. Não és tu um avarento? Não és tu um ladrão? Aqueles bens, cuja administração unicamente te havia sido confiada, os tens colhido para ti.  A quem assalta a um homem no caminho e lhe tira as vestes lhe chamam salteador. E quem não cobre a nu­dez do mendigo, sendo que podia fazê-lo, não merece um nome diferente. Pertence ao faminto o pão que guardas em tua cozinha. Ao homem nu, o manto que está em teu armário. Ao que não tem sapatos, o par que se deforma em tua casa. Ao homem que não tem dinheiro, o que tens escondido. Por isso, em vez de ajudar as pessoas, és um explorador. (Basílio de Cesarea, «Quando o rico é um ladrão»).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

Tu és justo, Senhor» (cf. Mq 2,3)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – A Igreja não é um organismo político. Agora bem, a rejeição de uma função especificamente política não pode fazer esquecer o desejo de justiça e de fraternidade e o estímulo encaminhado a atuar de maneira concreta: não podemos invocar a Deus como Pai se não tentamos construir de modo eficaz a fraternidade em meio dos homens. O discurso religioso se faz inevitavelmente social. E foi precisamente esta experiência eclesial a que pôs em marcha em mim à reflexão crítica sobre a situação social que reina no mundo e, de modo particular, em nosso sistema democrático ocidental, pelo menos tal como se vem realizando até agora. As enormes cidades do terceiro mundo, onde, em torno a uma zona central de riquezas e dinamismo, cresce cinturões de miséria e de subdesenvolvimento, a situação de colonialismo econômico (não menos grave talvez que o colonialismo político de outros tempos) no qual são mantidos os países em vias de desenvolvimento, fazem duvidar da sinceridade do interesse e da contribuição que os povos mais desenvolvidos desde o ponto de vista industrial oferecem aos povos. E acima de tudo isto, as nações das grandes democracias que se sustentam sobre a exploração de outros povos são cristãs. Aparece assim, a paradoxal de um cristianismo que parece alimentar a discriminação e a exploração dos povos, enquanto que o anticristianismo se converte na bandeira das legítimas aspirações à igualdade e à participação. A realidade do mundo pobre, subdesenvolvido, explorado, é uma critica vivente à parcialidade e ao egoísmo de nossos projetos de desenvolvimento e se converte em uma contestação dramática de nosso cristianismo abstrato e individualista (L. Bettazzi, Farsi uomo. Confessione di um vescovo, Turin 1977).

 

Autores: (Giorgio Zevini y Pier Giordano Cabra)

 

 

 

SEMANA DA COMUNHÃO DE BENS: CELEBREMOS AS OBRAS DO SENHOR EM NOSSA CASA

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