LECTIO DIVINA NA 20ª SEMANA COMUM

LECTIO DINIVA NA 20ª SEMANA COMUM ANO A – COMUNIDADE PAZ E BEM

 BAIXAR EM PDF – ESTUDO BÍBLICO NA 20ª SEMANA DO TEMPO COMUM ANO A

SEGUNDA-FEIRA, 17 DE AGOSTO DE 2020 – 20ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO A

Mateus 19,16-22 (O moço rico) Jesus prossegue com decisão o caminho para Jerusalém junto com os seus, aos quais já anunciou a paixão e o acontecimento da ressurreição, o que não compreendem. Ao longo do caminho segue a obra de formação dos mesmos. Além do mais, têm que enfrentar os escribas e os fariseus, que, como sempre, tentam pegá-lo em enganos; acolhe os mais pequenos e ensina com autoridade. O evangelho de hoje nos traz o encontro de Jesus com um jovem rico. Este leva em si mesmo a exigência de uma vida cada vez mais elevada, porém sente que ainda lhe falta algo. Seu pensamento, segundo a tradição e a educação que recebeu, segue a lógica do fazer, das «obras boas». Pede ao Mestre alguma indicação nova, adequada a suas aspirações e capaz de saciar sua insatisfação. Daí a pergunta: «Que devo fazer de bom para obter a vida eterna?»(v.16). Anda buscando. Jesus o ajuda a empreender um caminho. O essencial não é perguntar-se que se pode fazer de bom; o essencial é buscar àquele que é bom, a Deus, observando os mandamentos e amando o próximo como a si mesmo (v.17). Jesus quer introduzi-lo numa relação mais verdadeira com Deus («entrar na vida») propondo-o de novo, entre os mandamentos, ponto de referência para o jovem, os quais regem nossa relação com os outros, e acrescenta o que se disse no Lv 19,18, para fazê-lo passar da atenção a si mesmo à atenção aos demais, ao próximo. Ante a insistência do jovem Jesus o responde oferecendo-o o dom da criatura nova: o seguimento (v.21). Trata-se de uma passagem radical: a porta estreita que conduz à vida e faz entrar no Reino de Deus e participar na salvação. Jesus fala à liberdade do jovem – as duas indicações do Mestre estão introduzidas com um «se queres» – para que decida em seu coração. A resposta vai acompanhada por um adjetivo doloroso: «O jovem se foi muito triste». Seu tesouro estava constituído pelas riquezas e por tudo o que está ligado a elas e o que fazem possível. Acaso não são os bens um sinal da benção de Deus, tal como havia ensinado? De fato, se converteram em seu verdadeiro ídolo, ainda que pratique os mandamentos. Não é livre por dentro. Da esmola aos pobres, porém não divide com eles seus bens e sua vida. Vem-nos à mente o encontro de Jesus com os pequenos ao longo do mesmo caminho que o leva a Jerusalém: «Dos que são como eles é o Reino dos Céus» (v.14).

 

 

Jz 2,11-19 (Interpretação religiosa do período dos Juízes) – O livro narra a história do estabelecimento de Israel na terra de Canaã e os mudanças que tudo isto acarretou: a passagem da vida nômade do deserto ao aprendizado da agricultura, que requer estabilidade, e à rede de relações com povos desconhecidos que tinham certas estruturas religiosas, sociais e políticas consolidadas. A tarefa era qualquer coisa, menos simples: tratava-se de encontrar o próprio espaço, de proteger e firmar a própria identidade, proporcionando-lhe um rosto socialmente significativo, enquanto conviviam com outros povos que, com suas tradições, seus cultos sugestivos, suas instituições, constituíam uma contínua provocação e um convite a integrar-se em seu sistema de vida. Viver nesta situação, sem perder a própria identidade, exigia, sobretudo, a transmissão genuína e a acolhida sincera do patrimônio constituído pelos acontecimentos da história do povo com Deus, algo que – de fato- estava apagando-se. O texto de hoje aponta o marco teológico no qual se lê a história de Israel. O dom da terra deveria reavivar continuamente a consciência da aliança, da fidelidade de Yhaweh e da pertença a Ele, como povo seu, com uma missão. A realidade, sem dúvida, é diferente. Após a geração dos anciãos, que vieram após Josué, surgiu outra geração «que não conhecia o Senhor nem o que havia feito por Israel» (v.10). Com uma expressão carregada de sofrimento, se retrata o seu comportamento: « Os israelitas ofenderam o Senhor com sua conduta e deram culto aos ídolos. Abandonaram o Senhor, Deus de seus antepassados » (vv.11ss). O pecado – a idolatria – conduz à desagregação, às lutas intestinas, à depravação moral, e gera todo tipo de dor, até chegar à perda da liberdade e novas experiências dolorosas de escravidão. Nesta situação, após provar o castigo, e com uma função educativa, madura a exigência de cambio de vida e nasce a oração de invocação a Deus para que salve seu povo. Deus escuta a oração, e sua intervenção libertadora se concretiza na eleição e envio de um «juiz» (libertador e salvador). Sobre este fundo emerge de novo o amor misericordioso e a fidelidade de Yhaweh. Isso é o que a Palavra transmite, como experiência que supera os confins do espaço e o tempo, para reconduzir à comunhão com Deus, fonte de vida, de benção, de futuro. Assim é a pedagogia divina: Deus está presente na dor do povo e de cada um de seus membros, e oferece de novo, sua liberdade, o bem da comunhão com Ele, da justiça e da paz. O castigo não é só retribuição pelo pecado, mas também lugar de visitação e de revelação do amor misericordioso de Deus.

 

Sl 105/106 (Confissão Nacional) – Fidelidade, de Deus, e infidelidade do homem, acompanham a história da humanidade. A fidelidade do Senhor é para sempre e se renova com cada aliança, cada sacrifício, cada holocausto. A grande aliança, o grande holocausto foi Cristo, que, por seu sangue derramado, nos consagrou e marcou para sempre com o seu amor. A nossa infidelidade, por sua vez, se renova com o pecado, mas Deus não se cansa de chamar-nos a Ele, mesmo que sejamos duros ou nos rebelemos. A paciência de Deus é eterna. A oração atenta deste Salmo nos leva ao critério do pecado e da não conversão do coração humano, que cria uma barreira ao amor. Paralelamente a isso, o Salmo aborda o mistério do amor de Deus, que vem ao nosso encontro e no recorda constantemente sua aliança com Abraão. Ao longo da história vemos grandes intercessores que suplicam a Deus por nós, pecadores: Moisés, Jesus, Maria, os santos, a Igreja… As tentações do êxodo, de voltar atrás, retornar à escravidão do Egito, são tão comuns hoje como eram no tempo de Moisés. Mas se o horizonte é obscuro, a luz de Cristo sempre brilhará.

Senhor, sei que o caminho da felicidade não é só dar vazão aos instintos que se escondem no meu coração: ganância, sensualidade, prazer, raiva, ódio, inimizade, busca de projeção, poder, dinheiro, fama… tudo isso é como palha que o vento leva. Sei que não posso e não devo escutar a voz do pecado que sussurra aos meus ouvidos doces palavras e que promete alegria e paz. Já bebi muitas vezes nesta taça e sei a amargura que fica no coração depois do “doce pecado”. Sei, Senhor, que sou rebelde e não escuto tua voz, que tenho o coração e as mãos manchadas de injustiça e desamor, mas quero converter-me, não com as minhas forças, porém com a tua  graça e o teu amor. Sei, Senhor, que não posso entrar no Paraíso sem chegar ao cume do Calvário, morrer com Cristo e deixar-me lavar pelo seu sangue. Lava-me, purifica-me e introduz-me no teu reino para sempre. Peço-te a graça de reconhecer meus pecados e a força de converter-me. Amém.

 

MEDITATIO: O Deus dos Pais não subtrai seu povo dos condicionamentos sociais nem dos riscos da debilidade humana em meio a outras culturas e religiões. Educa e perdoa: educa no sofrimento e no perdão, para que seu povo possa descobrir que a fonte da liberdade, interior e social, se baseia na relação de comunhão, confiança e abandono em suas mãos ye no amor ao próximo. «Escuta, Israel» (Dt 6,4). O pecado de idolatria, que pode ter muitíssimos rostos, nos separa de Deus e nos divide uns de outros. Em consequência, tanto o homem como o povo caem na escravidão de si mesmos e, por isso, se convertem em escravos de outros. O verdadeiro perigo não é o povo ao redor, nem suas tradições, nem sequer as próprias riquezas; o perigo está na divisão que levamos em nós e que alimentamos entre nós. Está em apartar o olhar do Senhor. Não podemos ser fonte se não estamos unidos ao manancial. Essa é a razão de que não baste com a observância dos mandamentos: é possível observá-los e não conhecer nem a Deus nem seu desígnio. E quando, como diz o evangelista, o Mestre apresenta ao jovem o verdadeiro rosto de Deus e o convida a segui-lo, o jovem se afasta porque o ídolo da riqueza o tornou escravo e ambicioso. Por causa de suas obras e seus bens, se nega a passar pela «porta estreita» que conduz à vida: «Vai, vende tudo que tens e dá aos pobres; assim terás um tesouro nos céus. Logo, vem e segue-me ». Assim é como se havia encarnado no jovem o amor ao próximo e ao primeiro de seus próximos, que era o Mestre a quem se havia dirigido e o qual o havia olhado com um olhar cheio de amor. A mensagem segue sendo atual. Convida-nos à vigilância e à humildade que, em meio ao pecado e à dor, não tem medo de elevar uma voz sincera que implora a reconciliação e a vida: «Recorda-te de mim, Senhor, por amor a teu povo» (estribillo do salmo responsorial).

 

ORATIO: Ensina-nos, Pai, a amar nossa época, uma época maravilhosa e dramática. Faz que, ouvindo teu Filho, aprendamos a acolher nosso próximo, a dialogar com todas as pessoas, com todas as culturas e com todas as religiões. A humanidade de hoje é a terra onde tu habitas e operas, convidando-nos a «vender» tudo para seguir-te. Dá-nos olhos que saibam ver tua presença, ouvidos que ouçam tua Palavra e os gemidos dos pobres, coração cheio de sabedoria e amante, dócil e forte. Guarda-nos! Os ídolos de nossa sociedade são atraentes, fascinam e destroem. Guarda a tua Igreja e alimenta em todos o fogo que arde no coração de teu Filho: dar a vida para que a humanidade se transforme em tua família, rica de alegria e de Espírito Santo.

 

 

CONTEMPLATIO: E como a Lei havia ensinado antigamente aos seres humanos que deviam seguir a Cristo, este o clareou àquele que o perguntava que devia fazer para herdar a vida, respondendo: «Se queres entrar na vida, guarda os mandamentos». E como Ele o perguntasse: «Quais?», o Senhor continuou: «Não cometerás adultério, não matarás, não roubarás, não darás falso testemunho, honra a teu pai e a tua mãe, e amarás a teu próximo como a ti mesmo» (Mt 19,17-19). Deste modo expunha por graus os mandamentos da Lei, como um ingresso à vida para quem quisesse segui-lo: dizendo-se a um, se dirigia a todos. E, havendo-o ele respondido: «Tudo isto tenho cumprido», ainda que talvez não o havia feito, pois o havia dito: «Guarda os mandamentos», Jesus o provou em seus apetites, dizendo-lhe: «Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que tens, dá-lo aos pobres e, logo, vem e segue-me» (Mt 19,20-21). Aos que isto fizessem prometeu-os a parte que corresponde aos apóstolos, e não pregou a outro Deus Pai àqueles que o seguiam, fora daquele ao que a Lei havia anunciado desde o princípio; nem a outro Filho; nem a outra Mãe (…); nem toda essa fábula que os demais herejes fabricaram. Mas os ensinava a observar os mandamentos que Deus estabeleceu desde o princípio, a fim de vencer a concupiscência com obras boas e seguir a Cristo. E como distribuir entre os pobres o que se possui desfaz as velhas avarezas, Zaqueu aclara: «Desde hoje dou a metade de meus bens aos pobres, e, se em alguma coisa defraudei a alguém, o devolvo quatro vezes mais» (Lc 19,8) (Irineu de León).

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Aonde está teu tesouro, ali estará também teu coração» (Mt 6,21)

 

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL– O que se indica com o termo bíblico «coração» não coincide em absoluto com o centro emocional dos psicólogos. Os judeus pensavam com o coração, já que este integra todas as faculdades do espírito humano; a razão e a intuição não são nunca estranhas às opções e às simpatias do coração. O homem é um ser visitado, a verdade habita nele e o plasma desde o interior, precisamente na fonte de seu ser. Sua relação com o conteúdo de seu próprio coração, lugar da «habitação», constitui sua consciência moral, e é ali onde o Verbo o fala. O homem pode fazer que seu próprio coração se torne «lento para crer» (Lc 24,25), fechado, duro até o ponto de dobrar-se a força de dúvidas (Tg 1,8), e pode chegar inclusive à decomposição demoníaca em «muitos» (cf. Mc 5,9). A separação da raiz transcendente é loucura em sentido bíblico. «Ali onde está teu tesouro, estará também teu coração» (Mt 6,21). O homem se define pelo conteúdo de seu próprio coração, pelo objeto de seu próprio amor. São Serafim de Sarov chama o coração «altar de Deus», lugar de sua presença e órgão de sua receptividade. Fazendo-se eco de Descartes, dizia o poeta Baratynskij: «Amo ergo sum». O coração tem o primado hierárquico na estrutura do ser humano, só se nele se vive a vida e possui uma intencionalidade originária imantada como a agulha de uma bússola: «Criaste-nos para ti, Senhor, e só em ti encontrará sua paz, nosso coração», disse santo Agostinho (P. Evdokimov, La mujer y la salvación del mundo, Salamanca 1980]).

 

 

 

TERÇA-FEIRA, 20 DE AGOSTO DE 2020– 20ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO A

Mateus 19,23-30 (O perigo das riquezas; Recompensa prometida ao desprendimento)            O encontro com o jovem e seu desenlace reaviva uma questão que sempre assaltou o homem: po­de entrar um rico no Reino dos Céus? A liturgia de hoje traz a reposta de Jesus. De modo desconcertante nos abre a um «além» impossível para a mente humana, revelador do poder de Deus. Este é o horizonte ao qual estão chamados seus discípulos. O absurdo manifesta o quanto à rique­za impede entrar no Reino, quando esta se converte no «senhor» do homem. No fundo, trata-se da idolatria; ao deus-dinheiro se pode chegar a render «cul­to», uma vez mais, com sacrifícios humanos: o próximo! Acaso, foi por isto que o Mestre recordou a passagem de Lv 19,18 ao jovem rico? Também recordamos Mt 25,31-45. Os discípulos ficam pasmos. Quem poderá salvar-se? A salvação é um dom amoroso de Deus; nenhum homem, por pobre ou rico que seja, pode sal­var a si mesmo. O compromisso pessoal, incluindo o deixar tudo, não pode ser o preço que tem a con­quista da salvação, mas expressão de acolhida do dom. Não há lugar no Reino para uma mentalidade que se preocupa com a recompensa. Os discípulos levam ainda sobre si sinais desta mentalidade: «Nós temos deixado tudo e temos te seguido. Que nos espera?». O Mestre leva os doze ao interior do desígnio de Deus: o dom da salvação para eles é a parti­cipação na mesma glória do Filho do homem, quan­do tiver chegado à sua plenitude a regeneração do mundo; se sentarão com Ele para julgar o povo de Israel. Já, desde agora, terão cem vezes mais, pois deixaram tudo «por sua causa», para serem seus discípulos. Os cri­térios para avaliar quem será o primeiro e o último não seguem a lógica humana, nem a classificação dos homens, mas a do Reino: a relação vital com Cristo, o único e verdadeiro tesouro, o dom do Pai.

 

 

Jz 6,11-24a (Aparição do Anjo de Iahweh a Gedeão) – «Os israelitas ofenderam ao Senhor com sua conduta, e o Senhor os entregou a Madiã durante sete anos» (6,1). Os fatos relacionados a Gedeão, narrados na leitura de hoje, trazem, de novo, à luz, os critérios de leitura da história da salvação: pecado-castigo, invocação-salvação, seguido de um período de paz. O pecado de Israel é a infidelidade à aliança: não escutam a voz do Senhor e veneram os deuses dos amorreus (v.7). O pecado está difundido, inclusive, na casa de Joás, pai de Gedeão (v.25). As incursões dos madianitas tidas como castigo, são cada vez mais duras. Tiveram que esconder-se em cavernas a fim de defender-se (v.2). Neste clima de degradação moral e religiosa, de grande pobreza e medo, havia crescido Gedeão. Sem dúvida, também ele havia vibrado ante as palavras do profeta enviado por Deus para despertar seu povo (vv.7-10). E havia invocado a gritos a salvação. O encontro de Gedeão com o anjo do Senhor ocorre neste contexto de dor e esperança. O diá­logo onde se tece a narração de sua vocação, nos oferece um exemplo da relação de amor de Deus com seu povo e de confiança, como educador, respeito à pessoa que elegeu para a missão de juiz, quer dizer, para salvar seu povo. Convida Gedeão a derrubar o altar construído por seu pai, cortar a árvore sagrada e construir um novo altar «ao Senhor, seu Deus». O temor fica vencido pela certeza interior da pre­sença do Senhor «Eu te envio, Eu estarei contigo», amadurecida na relação com ele em momentos significati­vos: o sacrifício oferecido sob o terebinto, o fogo que devora a carne e os pães sem fermento, o altar testemunho do encontro como o anjo do Senhor, os sinais do velo de lã do orvalho, a prova de fé no poder de Deus, que lhe pedia que fizesse frente com 300 homens ao poder dos madianitas. Os israelitas go­zaram da paz durante a vida de Gedeão, mas, após sua morte, «voltaram a dar culto aos ídolos e elegeram como deus a Baal Berit» (8,33).

 

Sl 84/85 (Oração pela paz e pela justiça) – Este Salmo é um hino de louvor que brota do coração de um povo que se vê livre da opressão e do sofrimento. Atualmente, acreditamos mais na ciência e na medicina que no poder de Deus. No entanto, esquecemo-nos que foi o Senhor que criou a medicina, assim como os médicos que operam e aos quais recorremos com frequência. A ciência não é onipotente, por isso, com o auxílio da medicina, devemos confiar no Senhor. Deus não é inimigo da ciência; ambos caminham juntos, porém só Ele é a fonte única de todo saber. Da mesma maneira devem caminhar a verdade e a justiça: uma deve caminhar ao lado da outra. A verdade não existe sem que a procuremos com amor e insistência, e Deus se revela aos que incansavelmente o procuram. Mesmo em situações difíceis, na dor, no sofrimento e perante a justiça, é preciso esperar que as sementes da verdade brotem nos nossos desertos áridos e sem vida. Todo desejo de verdade e de amor encontra a sua resposta plena e total na pessoa de Cristo.

Senhor, quero assumir hoje o compromisso de buscar sempre a verdade, que está escondida em Cristo e que passa sempre através da cruz, da morte e resplandece na ressurreição. A verdade veio habitar entre nós, fez sua morada entre nós, mas nossos olhos não a souberam reconhecer e nossa inteligência se fecha à luz e ao amor. Vivemos, Senhor, num tempo de espera paciente em que a verdade, a misericórdia e a justiça devem florescer na humanidade sedenta de amor, mas que, em razão de tantos falsos profetas, percorrem caminhos obscuros que levam à morte e não à vida. Ajuda-me, Senhor, a recusar corajosamente toda cultura da morte, seja qual for: morte física, espiritual ou intelectual. Que eu busque somente defender a vida. A Virgem Maria nos ensina a abrir-nos à verdade e dizer no nosso dia a dia o sim que motiva continuamente a presença de Cristo Jesus entre nós. Somos luz no Senhor… “Outrora éreis trevas, mas agora sóis luz no Senhor. Procedei como filhos da luz. E o fruto da luz é toda espécie de bondade e de justiça e de verdade” (Ef 5,8-9).

 

 

MEDITATIO: «Para Deus tudo é possível». Nada é impossível para Deus; nem sequer o mal que o povo fez ante seus olhos (cf Jz 6,1) pôde deter seu amor, nem debilitar sua paciente ação de pai que cuida de seu próprio filho (cf. Os 11,1-7). A eleição de Gedeão, como dos outros juízes, é expressão deste amor indomável e respeitoso com a liberdade. Transforma o sofrimento em cha­mado à comunhão para a reconquista de nossa própria dignidade; suscita entre o povo, homens e mulheres repletos de seu Espírito, para que sejam apoio e guia, salvadores dos inimigos e obreiros da paz. Gedeão foi guardado já das contaminações idolátricas em sua casa paterna. Deus o vai forjando na prova até o absurdo de pedir-lhe que creia na vi­tória sobre Madiã sem contar com forte exército, mas só com um reduzido número de homens fortes de fé como ele. Mateus nos mostra o Mestre em uma delicada ação educativa, com a qual conduz seus discípulos a olhar no profundo de seu coração e a abrir-se ao futuro. O Senhor Jesus vê os seus à luz do desígnio do Pai sobre eles, sentados já a seu lado, porque crêem e amam, lhe seguem apesar de suas debili­dades e de uma sensibilidade circunscrita aos confins da experiência humana. Estes confins não são o freio, mas o lugar da presença do médico divino que veio a curar. O obstáculo é a fuga (“tiveram que refugiar-se nas covas… » Jz 6,2), o coração duro «voltaram a dar culto aos ídolos…» (8,33). O canto ao Evange­lho faz ressoar na comunidade dos crentes a primeira bem-aventurança: «Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus». Este é o caminho do discípulo de «coração novo», que conhece, crê e ama.

 

ORATIO: Peço-te, Senhor, junto a meus irmãos, o dom do silencio, para acolher teu mistério e tua pessoa. Dá-nos a sabedoria do coração e dai-nos a força de ânimo para superar a tentação diária de aprisionar em nossa inteligência tua Palavra e teu i­menso amor ou observar má e desinteressadamente teus mandamentos. Tu és nossa esperança. Dá-nos um co­ração capaz de acolher, cada dia, teu convite a vender tudo para seguir-te, capaz de transformar a comunhão contigo em serviço aos irmãos. A Igreja, tua espo­sa, clama para reavivar a fé de seus filhos e para anunciar com alegria a «Boa Notícia» a todo o mundo. Faz descer sobre nós teu Espírito como desceu sobre os dons oferecidos por Gedeão e os consumiu. Que teu fogo transforme nossa vida em hóstia agradável a ti para a salvação do mundo.

 

CONTEMPLATIO: O Evangelho que ouvimos, mais que de expositor, necessita de executor. Há algo mais transparente que estas luminosas palavras: Se queres entrar na vida, guarda os mandamentos? Que vou, pois, dizer?… Quem não ama a vida? Porém quem tem vontade de guardar os mandamentos? E se não queres observar os mandamentos, como queres a vida? Se tu és preguiçoso para o trabalho, por que te apressas ao salário? O jovem rico disse ter guardado os mandamentos e, então, se lhe propõem outros superiores… Mas, de que te aproveitaria se, fazendo-o, não me seguires? Retirou-se, pois, desgosto e descontente, segundo ouvistes, por ter grandes riquezas… O Evangelho é a boca de Cristo, que, sentado, já, no céu, não deixa de falar na terra. Não sejamos, nós, surdos… Afastou-se triste aquele rico… E até que ponto é isso difícil o mostrou… Um camelo pelo buraco de uma agulha! Se dissesse uma pulga, já seria impossível. Ouvindo isto, os discípulos, se entristeceram e disseram: Se é assim, quem poderá salvar-se? Quem dos ricos?… Ó pobres! En­trai ao menos vós, no Reino dos Céus. Ouvi-me, sem dúvida, uma palavra. Qualquer que sejais os que de pobres vos gloriais, fugi da soberba, para que não a acumulem os ricos piedosos; guardai-vos da impiedade, para que não os vençam os ricos humildes; guardai-vos da impiedade, para que não os vençam os ri­cos piedosos; guardai-vos da ebriedade, para que não os vençam os ricos sóbrios. Se eles não devem gloriar-se de suas riquezas, não se glorie vós de vossa pobreza. ‘Ouçam os ricos, se algum há aqui, ouçam ao apóstolo… Ouçam: Manda-lhes, disse, aos ricos deste mundo que não alberguem sentimentos de soberba. A soberba é o verme principal das riquezas, traça danosa que tudo rói e faz pó… O ladrão te tira o ouro, a Deus, quem te o tira? Que tem um rico se a Deus não tem? Que não tem um pobre se tem a Deus? Nem ponha, portanto, a es­perança nas riquezas, mas no Deus vivo que nos provê de tudo com abundância para que desfrutemos, e, junto com todas as coisas, nos dá, também, a si mesmo (Santo Agostinho).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

Bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o Reino dos Céus” (Mt 5,3)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Cada dia constata-se que o Evangelho se revela com maior profundidade, graça e discernimento, aos corações simples que têm uma fé firme. O Evangelho, sem dúvida, não revela a verdade como uma hipótese global… Ao contrário, se dirige a cada coração de um modo específico e pessoal, revelando a cada homem a verdade de um modo adequado a sua estrutura espiri­tual, ao nível de sua fé, a seu grau de aceitação da verdade, em um fluxo contínuo de revelação que cresce com o crescimento da fé e o passar do tempo. É oportuno que o leitor do Evangelho se acerque à ver­dade contida nele na perspectiva e no espírito que adotaram os evangelistas, de modo que receba as palavras do Espírito ali contidas. Não é, certamente, intenção nossa tornar mais árdua a tarefa do leitor; ao contrário, estamos pro­porcionando a chave de leitura do mistério do Evangelho. Se o leitor obedece ao Espírito do Evangelho; se, se compromete a con­senti-lo e submete sua própria mente à verdade, então é a verdade mesma que se transfigura ante ele, fazendo-se igual à contemplada pelo evangelista. Então infundirá no leitor o sopro do Espírito do Evangelho e seu fluxo inefável, que lhe trasladarão, com a mente e o coração, diretamente da palavra, ao cara a cara com a pessoa de Jesus. Assim se realiza o milagre do Evangelho: «Então lhes abriu a mente para que compreendessem as Escrituras»(Lc24,45) (Matta El Meskin, Comunione nel/’amore Magnano).

 

 

 

QUARTA-FEIRA, 19 DE AGOSTO DE 2020 – 20ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO A

Mateus 20,1-16a (Parábola dos trabalhadores enviados à vinha) – Não esqueçamos que Jesus está a caminho para Jeru­salém, onde terá lugar «sua hora». Como peregrino, está realizando sua «santa viagem» (Sl 84,6). O marco de referência desta parábola é a mi­ssão de Jesus seguindo o mandato recebido do Pai (cf Jo 3,15-17). O Mestre, com fina arte pedagógica, partindo de uma experiência que está à vista de todos, quer revelar, uma vez mais, o verdadeiro rosto de Deus, rico em misericórdia. A experiência é a do dono que se aproxima ao lugar de reunião dos pobres. Em função da necessidade, chama em diferentes horas, desde a manhã até à tarde. Já havia concordado com os primeiros, o salário da jornada, porém aos últimos paga o mesmo. Isto suscita queixa (v.12). O diálogo revela o real problema: no fundo, não é o salário, mas o ver-se comparados aos últimos. Queixam-se, por inveja, da «bondade» do dono. A parábola refere-se à experiência de Jesus, que aco­lhe e chama aos pecadores, os publicanos, as prostitutas, aos quais andam pelas ruas e praças: todos eles estão convidados a entrar no Reino de Deus, como os fariseus e os mestres da Lei. Mas estes, os pri­meiros que foram contratados para trabalhar na vinha, se sentem superiores. É o mistério do coração endurecido. São como o filho maior da parábola do filho pródigo (Lc 15,25-32), que não compreende seu pai e não aceita perdoar o irmão dilapidador. Jesus prossegue mostran­do com esta parábola a ação amorosa e salvífica de Deus. Apresenta a nova mensagem formativa para os seus. Quer prepará-los para entrar na visão do Pai e para que façam sua a lógica do amor universal. Logo após esta pará­bola, Mateus coloca o terceiro anúncio da paixão. Jerusalém, de fato, vai a ser o lugar da plena manifestação do amor de Deus, o lugar onde o ágape divino, destruindo todo muro de divisão, se converte no princípio vital de uma nova solidariedade entre todos, ao modo da Trindade. Já não há primeiros nem últimos, mas todos são filhos e obreiros co-responsáveis na vinha do Senhor, a humanidade.

 

 

Jz 9,6-15 (Apólogo de Joatão) – O desejo de segurança e de um guia forte impulsiona os israelitas a pedir a Gedeão que se torne Rei (8,22). A resposta dele remete os israelitas à verdade de seu ser como povo cujo único rei é Deus (8,23), porém, apesar disso, a pressão psicológica exer­cida impulsiona Israel a querer um rei. Daí surge uma dolorosa experiência: Abimelec, filho de Gedeão, nascido de uma mulher cananeia, se faz proclamar rei após ter matado seus irmãos. Só se salvou o filho menor Joatão. O texto que nos propõe hoje, a liturgia, recolhe o discurso dirigido por este aos senhores de Siquén. Joatão tenta convencer-lhes da inutilidade, melhor, do perigo de um rei. Para isso lança mão de uma fábula tomada da sabedoria popular. Com isso pretende demonstrar a ruína à que conduz seu domínio. Porém, ninguém lhe escutou. A realeza de Abimélec será destruidora para o povo de Siquén e ruim para o próprio Abimelec, que morre pela mão de uma mulher e pela espada de um jovem. A narração recorda o senhorio de Deus, no qual só o povo goza de plena dignidade e vê atendidos seus próprios desejos de paz e de liberdade.

 

 

Salmo 20/21 (Liturgia de coroação) – Há quem pense que a Igreja prega a revolta contra todos os políticos ou que apoia somente aqueles que são marxistas e socialistas. Não há nada mais errôneo do que isto. A Igreja está acima de toda política e acredita que todo político deve colocar-se a serviço dos valores do Evangelho e dos pobres. Ninguém pode escolher a política por interesses próprios ou a fim de se enriquecer pelo caminho da corrupção. Todo político que vive segundo o Evangelho e que coloca todo seu empenho na defesa da vida, da justiça, do amor e a serviço do povo, encontrará a benção de Deus.

Senhor, abençoa os nossos políticos. Que eles sejam transparentes e coloquem o próprio poder a vosso serviço. Que não dominem, mas que sirvam a todos, sem distinção. Que a política seja um ministério, um serviço abençoado por ti e que ela esteja sempre na defesa dos direitos humanos. Amém.

 

 

MEDITATIO: «Nos sagrados livros o Pai que está nos céus se dirige, com amor, a seus filhos e fala com eles» (DV 21). A primeira leitura é uma palavra de verdade, à luz do amor clarividente. Conduz-nos a dialogar, como filhos, com o Pai que saiu a nosso encontro para de­cidir, de novo, com ele: “Quem é nosso rei?”. A resposta é viver sob o senhorio de Deus na peregrinação cotidiana. É um salto de fé renovado e confiante. A tentação de buscar uma pessoa forte que dê segurança ou de elaborar projetos nossos, aos quais «obedecer», está sempre ao alcance da mão, e hoje de um modo agudo e promissor. O Pai respeita nossa liberdade. Quer que seja uma conquista nossa através de uma opção de comunhão com ele e com os irmãos. «O Senhor reinará sobre vós» (Jz 8,23). «Eu, Abimelec, reinarei sobre vós» (cf Jz 9,1-6). Esta é a opção existencial. É doloroso constatar aonde levam o orgulho, o po­der e a violência que se refugia no coração «Matou inclusive a seus irmãos!». Desumano! Que sociedade pode nascer de semelhante rei, líder cego pelo poder ou, o que é mais, dependente de sua própria necessidade de afirmação? Por que não se escuta a voz de quem, iluminado por seu Senhor, como Joatão, o irmão menor, vê com amplitude de olhar e tendo em conta o bem de sua própria gente?

 

ORATIO: Senhor, compreendi a beleza da oração que puseste em nosso coração: Pai, venha a nós teu Reino. É um Reino de justiça, de amor e de paz, de verdade e de vida; é a humanidade transformada, pelo amor, em família de Deus. O ca­minho, Senhor, é longo, fatigoso, eivado de obstáculos novos e obscuros. Primeiro dentro de nós mesmos. Parece melhor escolher um rei. Tu, Senhor, cura esta nossa necessidade, individual e coletiva. Que teu amor não se dê por vencido, apesar da dureza de nossos corações. Continua chamando a cada um por seu nome, a qualquer hora. Que todos tenham lugar, como obreiros de tua vinha e filhos do Pai que está nos céus. A lógica de teu amor fascina. Que esteja em Ti o estilo e a respiração de nossa «santa viagem» para a plenitude da vida e da história.

 

CONTEMPLATIO: De todos os ângulos é evidente que a pará­bola do dono da vinha e os obreiros dirijam-se, tanto aos que, desde a primeira idade se dão à virtude, como aos que se dão em idade avançada e, inclusive, mais tarde. Aos primeiros, para que não se ensoberbeçam, nem insultem aos que vêm na undécima hora; aos últimos, para que saibam que podem recuperar tudo em breve tempo. Posto que, de fato, o Senhor haja falado antes de fervor e de zelo, de renuncia às riquezas, de desprezo a tudo o que se possui, o qual requer grande esforço e um ardor juvenil, para acender, nos que lhe escutavam a chama do amor e dar tom a sua vontade, demonstra, agora, que, também os que chegaram tarde podem receber a recompensa de toda a jornada. Mas, não o disse de um modo explícito, por temor que estes se ensoberbeçam e se mostrem negli­gentes e descuidados; mostra, ao contrário, que tudo é obra de sua bondade e que, graças a ela, não serão esquecidos, mas que receberão também bens inefáveis. Esta é a finalidade principal a que se propõe Cristo na presente parábola (São João Crisóstomo).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Que o Deus de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai da glória, vos conceda um espírito

de sabedoria e uma revelação que vos permita conhecê-lo plenamente» (Ef 1,17).

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – O «espírito de sabedoria e de revelação», que nos permite co­nhecer plenamente o Pai da glória, nos é dado em Jesus, mediante o selo do Espírito Santo. Podemos ver agora todas as coisas em Jesus, não em virtude de uma particular luz inte­lectual (isto será o dom do entendimento), mas por conaturalidade, por instinto divino, como diria santo Tomás, desde o mo­mento em que estamos em Jesus, que se encontra no centro do mistério da salvação, e estamos em Deus, que se encon­tra na origem, no alto. O conhecimento por co-naturalidade foi comparado, com frequência, na tradição patrística e espi­ritual, ao gosto. Noto que um alimento está doce ou salgado não por um raciocínio, nem sequer pela análise química dos com­ponentes do sal ou do açúcar; noto por uma sintonia conatural entre o sal, o açúcar e minhas papilas gustativas. De modo análogo ocorre com o dom da sabedoria: noto que um fato, uma ação, um comportamento, um pensamento, concorda com o plano de Deus porque estou em Jesus, que se encontra no centro desse plano, porque amo ao Pai, que é o autor desse desígnio. Em consequência, a sabedoria está ligada melhor à cari­dade que à fé; a sabedoria é o refluir de um grandíssimo amor ao Pai e a Jesus que se converte em gosto do mistério de Deus. Paulo, na carta aos Efésios (1,16c), pede essa sabedoria precisamente para os seus e para nós (C. M. Martini, Uomi­ ni e donne dello Spirito).

 

 

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QUINTA-FEIRA, 20 DE AGOSTO DE 2020- 20ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO A

Mateus 22,1-14 (Parábola do banquete nupcial) =Lc 14,16-24O texto faz parte de uma nova seção, a última antes dos acon­tecimentos da Paixão (Mt 21,1-25,46). Jesus está no templo. Dirigem-se a Ele os judeus de modo malé­volo. Ao perguntarem-lhe com que autoridade ensina e rea­liza suas obras, dirige-lhes três parábolas: a dos dois filhos (21,28-32), a dos vinhateiros homicidas (21,33-46) e a do banquete de bo­das. (22,1-14). Esta última é a que escutamos no Evangelho de hoje. As imagens ai são bem conhecidas de todo bom israeli­ta: as bodas e o banquete, com as quais se descreve o Reino anunciado pelos profetas e que preludiam a comunhão gozosa e definitiva de Deus com seu povo (cf. 25,1-12). Diferente de Lucas (14,16-24), na de Mateus não se trata já de um convite a uma «grande ceia» (Lc 14,16), mas ao banquete organizado pelo rei para celebrar as bodas de seu próprio filho. Isto torna mais grave a recusa dos convida­dos, que rejeitam o plano de Deus. O Antigo Testa­mento havia prometido a união nupcial entre Deus e seu povo (cf, por exemplo, Jr 2,2; 31,3; Ez 16,1-43.59-63); o nome de «Esposo» é um dos títulos que Deus dá a si mesmo (Is 54,5). A parábola referida por Mateus apresenta Jesus como o Esposo prometido (cf.9,15) e põe o acento na gravidade do comportamento dos convidados. As motivações da rejeição são mesquinhas: meu trabalho é mais importante que o banquete. Alguns odeiam a tal ponto, o banquete, que chegam, inclusive, a matar os servos que le­vam o convite. O convite ao banquete de bodas do filho se dirige, agora, a convidados inesperados. Jesus pretende revelar que a salvação, rejeitada por seu povo, se oferece agora aos pagãos. Este discurso é duro aos judeus, que nem aceitam a Ele nem aceitam, tampouco, seu ensinamento, nem o universalismo de seu convite a fazer parte do Reino. Mateus chama a atenção da comunidade cristã sobre um aspecto decisivo: o convite, o chamado, é gratuito, porém é exigente. Descreve este aspecto mostrando o rei que honra seus convidados saudando a cada um. Porém um dos convidados não pôs o tra­je (vv.11-14). A intervenção do rei também aqui se mostra severa. Mateus pretende dar a entender que, para entrar no mundo novo e ser discípulo de Cristo, não basta só receber o convite; é preciso revestir-se do traje que expressa à novidade de vida: crer, ser fiel, escutar a vontade divina e pô-la em prática, vigiar, realizar obras de justiça. Isso é o que recorda o canto ao Evangelho (cf 19,7-9), ótima chave de leitura do texto de Mateus para nós.

 

 

Jz 11,29-39a (Voto de Jefté e sua vitória) – O texto suscita sentimentos de incômodo e desconcerto ante à decisão irreflexiva de Jefté. Uma vez mais, estamos ante a infidelidade do povo de Deus e o sofrimento que se segue (Jz 10,6-8). Da dor profunda se levanta a invocação ao Senhor, unida à consciência de seu pró­prio pecado e às ações de libertação dos falsos deuses (cf.10,15ss). A eleição de um libertador da parte de Deus recai em Jefté, filho de uma prostituta. A narração assinala que «o espírito do Senhor se apoderou de Jefté» (11,29) e os amonitas foram humilhados ante os israelitas (v.33). O voto de Jefté de sacrificar uma vida humana nos desconcerta, ainda que se possa explicar pela contami­nação dos usos do tempo; é algo que choca com a proibição dos sacrifícios humanos segundo a lei do Senhor. Tudo isto mostra o longo caminho que deve­rá percorrer o povo ainda para libertar-se de certos tipos de religiosidade perigosas e equívocas, que não respeitam à pessoa humana nem a relação com Deus nascida da aliança do Sinai. O verdadeiro culto que Deus aceita, tal como celebra a comunidade no salmo responsorial, é a obediência à Palavra: « Tu não que­res sacrifícios nem oferendas, e, ao contrário, me abriste o ouvido; não pedes sacrifício expiatório; então eu digo: “Aqui es­tou”… E levo tua lei nas entranhas » (Sl 40,7.9).

 

 

Salmo 39/40 (Ação de graças. Pedido de socorro) – A oração que mais admiro é a de ação de graças e louvor. No entanto, é difícil agradecer e perceber a beleza ao nosso redor, e ter consciência de todas as graças que Deus nos tem dado ao longo de toda a nossa vida. Diante de Deus não temos nenhum direito, a não ser o de sermos amados. Ele tudo nos dá de graça, por isso é nosso dever cantar as suas maravilhas.   O salmista, por ser pobre, faz a experiência do cuidado de Deus. Em meio a tanta pobreza material, só o Senhor vem em nossa ajuda, com pleno amor e gratuidade. Devemos dizer a todos, e de todas as formas, os benefícios recebidos por intermédio dele.

Senhor, desculpa-me se sou cego e insensível à tua graça e teu amor. Dá-me um coração pobre para acolher tudo como dom, desde a luz do sol até a saudade, os amigos e a família, o amor e o sofrimento. Que possa repetir com Sta Teresinha do Menino Jesus: “Tudo é graça… Não posso confiar em mim mesmo, mas devo pedir a todo o momento uma só coisa: o amor, Senhor, para que te possa amar e fazer-te amado”. Amém

 

 

MEDITATIO: O drama pessoal de Jefté, por causa de um voto inau­dito contrário à lei de Deus, agita nosso personagem, pai vitorioso, e destrói, junto com a felicidade da única filha, toda esperança. O relato é um acon­tecimento de revelação: mostra aonde pode levar o contágio com usos e costumes que são contrários à dignidade da pessoa. Mas, por outro lado, conduz à pu­rificação da idéia que fazemos de Deus, liberta de visões toscas e mortificantes, cura a relação com Ele: o verdadeiro sacrifício agradável a Deus, que é amor, é a escuta, deixar-se educar por Ele, lhe seguir, crer, amar ao próximo. Nossa força é a fidelidade de Deus, que cuida de seu povo, geração após geração, e nos envolve todos como colaboradores de sua obra de sal­vação. Há itinerários que constituem um compromisso constante, pessoal e comunitário, sob a ação do Espírito. Entretanto, deve-se passar sem­pre por uma «porta estreita»: perder nossa própria vida por Cristo e o Evangelho, a fim de reen­contrar-nos na verdade da «ima­gem e semelhança» de Deus. O silêncio contemplativo e acolhedor do mistério de Deus é seu espaço. Por que tem, o homem, medo de acolher a vida que lhe é oferecida no Filho? É a pergunta que surge ao considerar a humanidade de hoje à luz do texto evangélico que lemos. Precisamente por isto, ao pôr-se o traje nupcial, a veste de ouro de Cristo ressuscitado, símbolo de novidade de vida, somos convidados a sair pelas encruzilhadas, transportes públicos, lugares de lazer e, ali onde o homem está esmaecendo em sua dignidade, anunciar. O Evangelho de hoje não nos leva a uma leitura introspectiva. Convida-nos a entregar-­nos com valentia e a abrirmos caminhos para levar a todo lugar o mistério pascal: o Esposo morto e ressuscitado para todas as gerações, a fim de celebrar a vida com elas. Sem memória não há, nem um presente fecundo, nem um futuro de esperança.

 

ORATIO: Ó Senhor da vida e da luz, até o castigo nasce do teu amor que quer abrir a cada um, pessoa ou povo, ­o caminho para a casa do Pai. Guar­da-nos, Senhor, como a águia protege sua ninhada, ensina-nos a voar para o alto e dar-nos a possibilidade de ver tudo com olhos que a obra do Espírito fez pene­trantes; atrai-nos a Ti com vínculos de amor, reve­la-nos quem somos e qual o verdadeiro destino do mundo. E, apesar de tudo isto, nossos bens, nossos assuntos, nossos pensamentos, nossas verdades, as chamadas do consumismo e do hedonismo, nos atraem tanto que te damos as costas. É a cegueira de Jefté que, mesmo com as melhores intenções, sacrifica vidas humanas. É a dureza do coração modelado no forno dos egoísmos coletivos. É a luz fria que contamina as relações entre os homens e com a ordem criada. Quisera agarrar algo do segredo de teu amor, apoderar-me dele e poder traduzir eu, também, os gemidos do hom­em em minha entrega por eles.

 

CONTEMPLATIO: «Ao entrar o rei para ver aos comensais, observou que um deles não usava traje de boda. Disse-lhe: “Amigo, como entrastes aqui sem traje de boda?». Ele ficou calado”» (Mt 22,11ss). Os convidados à boda, reco­lhidos das ruas e das esquinas, das praças e dos lugares mais diversos, haviam enchido a sala do banquete real. Porém, depois, quando chega o rei para ver aos comensais reunidos em torno a sua mesa, quer dizer, pacifica­dos, em certo modo, em sua fé (do mesmo modo que no dia do juízo verá os convidados para distin­guir os méritos de cada um), encontrou um que não le­vava o traje de boda. Neste ‘um’ estão incluídos todos os que são solidários na realização do mal. O traje de boda são os preceitos do Senhor e as obras que se realizam segundo o espírito da lei e do Evangelho. Isto é o traje do homem novo. Se alguém que leva o nome de cristão é encontrado, no momento do juízo, sem o traje de boda, quer dizer, o traje do homem celes­tial; e leva, ao contrário, o traje manchado, ou seja, o traje do homem velho, este será recolhido, de imediato, e se lhe dirá: “Amigo, como entrastes?”. Chama-o «amigo» porque é um dos convidados à boda, e repreende seu descaso porque com seu traje imun­do contaminou a pureza da boda. «Ele ficou calado», disse Jesus. Naquele momento, de fato, já não será possível arrepender-se nem negar a culpa, posto que os anjos e o próprio mundo serão testemunhas de nosso pecado. «Então o rei disse aos servidores: Atai-o pés e mãos e lançai-o fora às trevas; ali chorarão e rangerão os dentes» (Mt 22,13). O ser ata­do pés e mãos, o pranto, o ranger de dentes, es­tão para demonstrar a verdade da ressurreição. Ou bem, se lhe ata as mãos e os pés para que desista de fazer o mal e de correr a derramar sangue. No pranto e ranger de dentes se manifesta, de uma maneira meta­fórica, a gravidade dos tormentos (São Jerônimo).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Felizes os convidados ao banquete de boda do Cordeiro» (Ap 19,9)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL– Que é uma festa senão a superabundância da beleza, a existência convertida em algo semelhante a um jogo, libertada da utilidade, da gravidade, o intercâmbio da amizade, uma vida tão intensa que faz esquecer a própria morte? A festa é espontaneidade e fraternidade, a magna celebração que nos une ao ilimitado. No Ocidente moderno, as virtudes da seriedade, do economizar, do trabalho, da «vontade em si», apagaram as luzes da festa, inverteram em poder tecnológico o que Georges Bataille chamava a «parte maldita» de toda civilização, mas que, também, poderíamos chamar a «parte sagrada». O homem, definido por sua racionalidade e pelo seu poder, permi­tiu que as suas faculdades de celebração se atrofiassem. Não há duvida de que existe um ponto de encontro ideal entre o ocaso da festa e a ausência de Deus em um cotidiano que se tornou unidimensional. Na realidade, se Cristo não ressuscitou, a morte terá sempre a última palavra, e os dias que seguem depois das festas serão sempre dias de cinzas e de solidão. Porém, se Cristo ressuscitou, a Páscoa é, em verdade a «festa das festas», cada Eucaristia é a «festa das festas» e, através da luta cotidiana, através do próprio martírio, po­deremos nos encontrar neste estado de festa. O vínculo entre a festa da Igreja e a contemplação é muito estreito: a festa proporciona a cada um uma primeira ex­periência do Deus vivo, abre os olhos do coração à sua presença e nos faz capazes de descobrir, por um instante, o ícone do rosto, a chama das coisas. A festa nos revela a cada ser e a cada coisa como um milagre, e essa é a razão pela qual, em torno ao homem santificado, também o mundo se põe em festa, recobrando, no milagre, sua própria transparência original (O. Clément, Riflessioni sull’uomo, Milán).

 

SEXTA-FEIRA, 21 DE AGOSTO DE 2020- 20ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO A

Mateus 22,34-40 (O Maior mandamento) Jesus se encontra ainda no templo. O confronto com os fariseus se torna ainda mais duro. Querem os fariseus armar mais uma cilada a Jesus, como tentaram fazer quando do tributo a César (Mt 22,5-22). Fazem a pergunta (vv.34ss), a qual já era tema de debate nas escolas rabínicas: qual é o maior dos mandamentos? Querem a opinião do novo mestre. Nada mais natural, à primeira vista. A resposta vem baseada em duas citações: uma tomada do Dt 6,5 e outra do Lv 19,18, textos que constituíam o coração da espiritualidade de Israel. O primeiro, o man­damento do amor total a Deus, estava escrito nas ombreiras das portas, bordado nas mangas, e era re­citado pela manhã e noite, para estar sempre presente na vida do crente. O auditório não podia deixar de estar de acordo. A novidade que trás, Jesus, encontra-se nos vv.39.40: o vínculo entre o amor a Deus e o amor ao próximo, que Ele declara inseparáveis e de igual importância. De outro lado, está a relação do mandamento do amor com toda a revelação bíblica da vontade de Deus para com seu povo; os dois manda­mentos constituem o centro de onde brota tudo o mais, que ilumina, purifica e transforma tudo. Uma lei tem valor se está fincada no amor. As boas obras têm valor, na medida em que são obras de amor a Deus e ao próximo. Isso é o que afirmam os profetas quando chamavam à conversão do coração. Jesus pode afirmar porque «conhece ao Pai» (cf. Jo 7,29). Ele não veio abolir a lei, mas dar-lhe cumprimento; portanto, é seu intérpre­te autorizado e o realizador da lei na vida vivida na vontade do Pai (cf. Mt 5,17.20;7,29). Mos­trará em sua entrega na cruz. O conflito se converte, uma vez mais, em lugar de revelação e formação para os seus.

 

 

Rt 1,1.3-6.14-16.22 (Rute e Noemi) – O relato de hoje ocorre no tempo dos juízes (v.1), tempo em que o caminho do povo da aliança vivia graves conflitos internos com o povo de Canaã. Experimenta as fadigas do amadurecimento de sua nova identidade e sofre as consequências das misturas religiosas. Vemos uma família obrigada a deixar sua própria gente, para buscar sustento em outro lugar: Elimelec e Noemi com seus dois filhos casados com duas moabitas. Morre o chefe da família e seus dois filhos, o que leva a pen­sar que a Noemi não resta mais que a recordação. O relato leva o leitor a seguir os passos e as decisões de Rute, de compartilhar a fé e a vida de Noemi e de sua gente, a des­cobrir o desígnio do Deus de Israel sobre ela. Rute decide abandonar sua própria gente: “Teu povo é meu povo, e teu Deus é meu Deus” (v.16) e dará descendência à família de Elimélec. Esta «estrangeira» se converterá em antepassada de Davi: seu filho Obed se converte em pai de Jessé, pai de Davi. Rute e Noemi representam um sinal do resto de Israel fiel ao seu Senhor; Rute é uma das figuras bíblicas que nos encanta, não só pela dignidade de sua pessoa e por seu amor atento e respeitoso a Noemi, mas também porque revela o amor universal de Deus, que implica cada pessoa na realização de seu desígnio de amor. O Senhor pôs seu olhar em uma estrangeira: trata-se de um ato educativo destinado a abrir aos poucos os horizontes de seu povo a todas as gentes.

 

Salmo 145/146 (Hino ao Deus que socorre) – Edith Stein, com muita sabedoria, declarou que “não é a fenomenologia que nos salva, mas sim a paixão do Senhor Jesus”. O papa Bento XVI nos recorda que não é a economia que salva, mas Jesus. Devemos ter essas convicções no mais íntimo do nosso coração. A salvação integral do ser humano não pode ser confiada a meios humanos, à força, poder, dinheiro, etc. Tudo isso é passageiro e não garante a salvação do homem frente às suas desilusões e fracassos. Não é o psicanalista que perdoa os nossos pecados, mas sim a força do Sacramento da Confissão. Atualmente, o grande erro do homem é querer brincar de ser Deus, sem perceber que é meramente humano e mortal. “Não vos iludais, de Deus não se zomba; o que alguém tiver semeado, é isso que vai colher” (Gl 6,7). Que com a leitura deste Salmo sejamos impulsionados a colocar toda a nossa confiança na força salvadora e libertadora de Deus.

Senhor, hoje quero louvar-te com as palavras deste Salmo, que são tuas palavras, portanto jamais serão desmentidas: “O Senhor livra os prisioneiros, devolve a vista aos cegos, o levanta quem caiu, o Senhor ama os justos, o Senhor protege os estrangeiros, ampara o órgão e a viúva, mas transtorna o caminho dos ímpios. O Senhor reina para sempre, o teu Deus, Sião, por todos as gerações. Aleluia!” (Sl 146, 7-10). Amém.

        

MEDITATIO: O relato de Rute remete ao Deus de Israel que vem ao encontro de seu povo. A iniciativa é gra­tuita, a fim de que a resposta seja uma entrega livre. A vida de Rute vai se construindo ao longo do caminho de toda sua existência, através dos acontecimentos normais da vida diária: em sua decisão de formar uma família, nos sofrimentos da perda de seus seres queridos, em sua decisão de converter-se, por sua vez, em emigrante em terra estrangeira, como já havia acontecido com Noemi. Conhece o sofrimento por não ter um filho e pela morte prematura de seu marido. Deus está presente em sua história e opera nela como faz no povo e nos povos. Noemi, com seu tes­temunho, se torna, para Rute, mediação de um chamado do Senhor para que abandone suas próprias tradições, sua própria cultura, sua própria gente, seus próprios deuses, e se abra a uma nova vida desconhecida para ela, porém que faz parte de um desígnio de amor de imensos horizontes. Rute irá conhecendo em seu caminho novas ale­grias e novas dores, a incompreensão, os conflitos, as incertezas e o sofrimento íntimo de um povo que se tornou seu povo. Rute crê, responde e vai, quer dizer, segue ao Deus da aliança, a quem agora per­tence por ter se entregado a Ele. O Senhor a elegeu, do mesmo modo que elegeu outras mulheres de Israel e mulheres de outros povos para preparar a geração da qual haveria de nascer o Messias. Rute terá um filho, testemunho de que Deus pro­vê seu povo, porque o ama. A resposta de Jesus, narrada em Mateus, revela o mecanismo profundo do ser do homem que lhe impulsiona para Deus e para os irmãos. O fato de ter unido de modo indissolúvel os dois mandamentos do amor a Deus e do amor ao próximo significa que a raiz do homem é o amor, porque Deus é amor. Significa que a totalidade do compromisso com Deus se converte em amor sem reser­vas ao próximo. Significa, sobretudo, que o modelo de nossa relação com os outros é o agir do Deus­ amor com o homem.

 

ORATIO: Há uma beleza que salvará o mundo: é a tua, ó Senhor, o mais belo dos filhos do homem; é a de Maria, a tua Mãe e nossa Mãe. Ao contemplar teu mistério, que hoje se revela na vida e na experiên­cia de Rute, brota de nosso coração a oração do ‘Pai-Nosso’, a súplica que nos revela o caminho para a beleza da humanidade e de cada rosto. Pedimos-te vivê-lo, não repetido como fórmula de reza, mas que descubramos, ao vibrar com as no­tas que o compõem, a beleza do grão de trigo que, ao enterrar-se, floresce e amadurece em pão da vida. Enterrar-se não é morrer; é amar a Ti sobre todas as coisas e ao nosso próximo como a nós mesmos, ou seja, é viver em nossa própria carne de filhos a tua paixão pelo homem, convertido, graças a teu sangue redentor, em meu irmão.

 

CONTEMPLATIO: Perguntai-vos bem, irmãos meus; destruí vossos celeiros interiores. Abri os olhos, considerai vosso capital de amor e aumentai o que tenhais descoberto. Velai este tesouro, a fim de serdes ricos em vós mesmos. Consideram-se caros os bens que têm um grande preço, e não por casualidade. Observai bem esta expressão: isto é mais caro que aquilo. Que significa «é mais caro»? Não é acaso: é de um preço maior? Se, se disse que é mais caro tudo o que tem um preço maior, que ha­verá mais caro que o amor, irmãos meus? Qual é ao vosso modo de ver, seu preço? Como pagá-lo? O preço do trigo é tua moeda; o preço de uma terra é teu dinhei­ro; o preço de uma pedra é teu ouro; o preço de teu amor és tu. Se queres comprar um campo, uma pedra, uma besta de carga, para pagar buscas uma terra, olhas ao teu redor. Porém, se desejas possuir o amor, não busques mais que a ti mesmo. Que temes ao dar-te? Perder-te? Pois é o contrário: dando-te é como não te perdes. O amor expressa-se na Sabedoria, e apazigua com uma palavra a desordem em que se achavam estas outras: «Dá-te, tu mesmo»… Escuta que te disse o amor pela boca da Sabedoria: Filho meu, dai-me teu coração (Pr 23,26). Filho meu, dai-me, disse ela. Que? Teu coração. Ele estava mal quando estava em ti, quando era teu; eras presa fácil de futi­lidades, de paixões impuras e funestas. Tira-o, dai. Onde levá-lo? Onde oferecê-lo? Dai-me teu coração. Que seja para mim, e não o perderás. Olha: queres algo em ti que pode fazer-te ainda caro a ti mesmo? Amarás ao Senhor; teu Deus, disse, com todo teu coração, com toda tua alma e com todo teu pensamento (Mt 22,37) (Santo Agostinho).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Toda a lei encontra sua plenitude no amor» (cf. Gl 5,14)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – O primeiro mandamento encerra todos os demais, incluído o segundo, porque quem ama a Deus ama, necessariamente, aos homens, por obediência ao Senhor, por imitação do Senhor e porque o Senhor o ama; a obediência, a imitação e o amor ao que o Senhor ama fazem parte do amor por necessidade, quando o amor se dirige a Deus, o único perfeito; a Deus a quem só se pode amar com um amor perfeito, posto que o amor não pode, desenvolver-se de um modo pleno, perfeito, senão em Deus. Sem dúvida, o Senhor fez uma menção particular do segundo. Por quê? Precisamente porque, ao estar contido por necessidade no primeiro, está tão intimamente unido a Ele que constitui seu traço visível, seu sinal exterior. O amor a Deus pouco se reconhece por fora; é fácil ter-se ilusões sobre Ele, crer possui-lo e não tê-lo. Consideremos o amor que temos ao próximo e reconhe­ceremos se temos amor a Deus, visto que são inseparáveis e crescem e decrescem juntos, na mesma medida. O amor que temos ao próximo se conhece sem dificuldades; o constatamos cada dia pelos pensamentos, pelas palavras e pelos feitos, que fazemos ou omitimos; é fácil saber se fazemos pelo próximo o que quiséramos que fizessem por nós, se o amamos como a nós mesmos, se vemos nele o Senhor, se o tratamos com todo amor, ternura, compaixão, res­peito e desejo de bem que devemos aos membros de Jesus (Charles de Foucauld).

 

 

 

SÁBADO, 22 DE AGOSTO DE 2020 – 20ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO A

Lucas 1,26-38 (A anunciação do anjo Gabriel à Virgem Maria) – A memória da realeza se centraliza na exclamação estupenda de Isabel (v.43). A denominação de “bendita” é também um sinal para entrever um senhorio ou realeza: de fato, é “bendito aquele que vem – o rei – em nome do Senhor” (Lc 19,37ss); é bendito aquele que vem em nome do Senhor! Este é o “fruto bendito do ventre de Maria”, o Nosso Senhor Jesus Cristo. As palavras da prima Isabel são proféticas: brotam da plenitude do Espírito Santo. Muito mais do que de uma consciência de Maria remete ao senhorio do Filho concebido por obra do Espírito Santo. Muito mais do que em qualquer soberania pessoal, seu espírito regozija-se em Deus seu salvador (vv.46s).

 

 

Is 9,1-6, (A libertação) – Há algumas brechas evangélicas ( Lc 1,14.32ss; 2,11; Jo 1,5 e outras) que permitem uma interpretação cristológico-mariana do oráculo de Isaias situado em contexto de expectativa mariana. O cântico da esperança de uma libertação vem dos primeiros anos do serviço profético de Isaias, ou seja, passado já o ano 740 a.C. O tom é muito festivo e alentador, ainda que os acontecimentos iminentes para Israel se apresentem nebulosos, e até sombrios. O lecionário, prescindindo do v.4, relativo a esse atormentado futuro, concentra sua atenção nos anúncios disponíveis à leitura sugerida pela memória da realeza mariana. Esta permanece sempre conectada e subordinada à realeza do messias ou de Cristo o Senhor. O libertador esperado é a criança que nos há nascido (v.5): é soberano, príncipe da paz, grande dominador, justo, herdeiro do trono de Davi. A aplicação de semelhantes imagens à realeza de Cristo é alegórica: em efeito, seu Reino não é deste mundo; a paz que ele dá é diferente da paz do mundo; ele é bondoso e humilde de coração. A realeza de Maria, a mãe, é semelhante.

                                 

 

Sl 112/113 (Ao Deus de glória e de amor) Este Salmo é importantíssimo para a nossa vida cotidiana, pessoal e litúrgica. É com ele que se inicia o pequeno grupo de Salmos chamado hallet, isto é, “louvai Javé” (Sl 113-118). A palavra aleluia, que expressa toda a nossa alegria ao louvar o Senhor, aparece com destaque nesses Salmos, que eram cantados durante e após a Páscoa. A palavra-chave para este momento não é “pedir”, mas sim “louvar”. Todos nós somos convidados a louvar o Senhor, mesmo que seja no silêncio de nosso coração. Jesus cantará a sua aleluia na ceia pascal e firmará com seu sangue a nova e eterna aliança indestrutível. Hoje, na nova aliança, sobe a Deus um louvor novo, que é a Eucaristia.

Senhor, quero cantar a minha aleluia silenciosamente, sem rumor, no fundo do meu coração. Às vezes não sei como expressar a minha alegria por viver e por ser teu para sempre, marcado pela força do sacramento do batismo, inserido em Cristo, videira e purificado, podado pela tua mão sábia, para que possa produzir frutos abundantes. Vejo-me às vezes como uma árvore decorativa, mas que não dá fruto. Quero, Senhor, hoje contemplar o Cristo, eterno sacerdote que celebra a nova Páscoa, que se entrega por nós e nos dá o mandamento novo do amor. Que eu possa amar cada vez mais a Eucaristia. Páscoa nova e, alimentando-me de Cristo, possa ser capaz de produzir os frutos abundantes do teu amor na tua Igreja, na comunidade, na família, onde eu estiver. Arranca de mim a esterilidade apostólica e torna-me fecundo pastoralmente, capaz de anunciar o Evangelho vivo a todos que encontro na minha vida. Que o meu coração não exclua ninguém do meu amor e do teu amor. Amém.

 

 

MEDITATIO: Na celebração de Santa Maria rainha, contemplamos àquela que, sentada junto ao rei dos séculos, brilha como rainha e intercede como mãe (Marialis cultus,6). A figura da rainha mãe permanece em muitas culturas populares como protótipo de solenidade, senhorio, cordialidade, benevolência. O culto e a mesma iconografia, o caráter visível de sua mediação e contemplação, representam a Maria espontaneamente na posição de uma rainha, coberta de vestes preciosas, sentada em um trono e coroada com estrelas, sendo ela mesma trono para seu filho, o Senhor criança, que tem nos braços. A liturgia remarca esta imagem de Maria como mãe e rainha. A liturgia lê esta conexão de Maria serva com o Senhor Deus como participação na realeza de Cristo: uma realeza que é serviço, porque o Senhor tem trazido a salvação à humanidade, e a isso tem colaborado a mãe. O serviço de Jesus, filho de Maria, tem custado o passar pela cruz, junto à qual esteve presente e na qual participou a mãe. A realeza de Cristo se pagou a um preço elevado: a realeza configura a Maria também como rainha afligida. As insistentes afirmações sobre a participação de Maria na realeza de Cristo recordam a jaculatória: “Rainha da Paz”. Esta traduz na ordem da devoção um traço de intimidade do personagem prognosticado no oráculo de Isaias como “príncipe da paz”. Jesus Cristo é nossa paz. O menino nascido por nós, o fruto bendito do seio de Maria é o Senhor, fonte de paz sem fim. A paz é sonho e utopia. Ambos convidam à acolhida deste Senhor da paz, encarnado em Jesus Cristo, filho de Maria, mulher pacificadora e realizadora de paz; convidam não só a crer n’Ele, mas a fazer as obras da paz, que são seu testemunho e dom do Espírito Santo.

 

ORATIO: Santa Maria, generosa mãe do Senhor do universo, rei de paz e justiça, salve. Mulher humilde, recebida mais além de nossa terra, no céu do altíssimo amor do Pai, inspira nosso serviço na edificação do Reino de Cristo em comunidade de caridade evangélica. Mãe bem-aventurada por ter acreditado, fica próxima para guardar conosco acesa a lâmpada da fé, alimentada pela obediência à divina palavra. Virgem amiga do Espírito Santo ensina-nos a perseverar nas obras de bondade, de justiça, de paz. Rainha do céu que proteges nosso caminho cotidiano e o passo à outra orla da vida daqui da terra acolhe a oração de teus servos.

 

CONTEMPLATIO: O anjo que anunciava os ministros, para levar à fé mediante algum exemplo, anunciou à virgem Maria a maternidade de uma mulher estéril e já idosa, manifestando assim que Deus faz tudo quanto lhe apraz. Desde que supôs Maria, não pela falta de fé na profecia, não por incerteza respeito ao anúncio, não por dúvida acerca do exemplo indicado pelo anjo, mas com o regozijo de seu desejo, como quem cumpre um piedoso dever, pressurosa pelo gozo, se dirigiu às montanhas. Cheia de Deus de agora em diante, como não ia elevar-se apressadamente para as alturas? A lentidão no esforço é estranha à graça do Espírito. Considera a precisão e exatidão de cada uma das palavras: Isabel foi à primeira a ouvir a voz, mas João foi o primeiro a experimentar a graça, pois Isabel escutou segundo as faculdades da natureza, mas João, ao invés, se alegrou pelo mistério. Isabel sentiu a proximidade de Maria, João a do Senhor; a mulher ouviu a saudação da mulher, o filho sentiu a presença do Filho; elas proclamam a graça. Eles, vivendo-a interiormente, logram que suas mães se aproveitam deste dom a tal ponto, que com um duplo milagre, ambas começam a profetizar por inspiração de seus próprios filhos. O menino saltou de gozo e ela ficou cheia do Espírito Santo (Santo Ambrosio).

 

ACTIO: Repite com frequência e vive hoje:

“A paz do Senhor esteja contigo”

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Cada uma das irmãs do instituto imita a Maria em seu próprio caminho para Cristo: aprende de seu fiat a receber a Pa­lavra de Deus, e de sua vida com Jesus em Nazaré, o sentido de sua própria inserção na sociedade; por sua participação na missão redentora do Filho se vê levada a compreender, a elevar e a dar valor aos sofrimentos humanos. Consagra-se a que a Virgem, exemplo de confiança no Senhor, constitua para todos os homens inseguros e divididos de nosso tempo um sinal de esperança e de unidade. Nela, expressão dos mais altos valores femininos, se ins­pira para realizar-se plenamente como mulher e para comprome­ter-se em um serviço de amor que chega inclusive ao sacrifício. A ela se dirige sempre com devoção e confiança filial. Com ela se faz voz de exaltação a Deus por todos os homens. Inspira-te no serviço que Maria prestou e presta ao mundo, e obra em meio da paz, sem a ânsia de quem crê só em sua ação (Regola di vita dell’stituto secolare «Regnum Mariae»,1994).

 

 

 

 

 

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