Lectio Divina na 26ª semana do tempo comum ano 2019

COMUNIDADE CATÓLICA PAZ E BEM

LECTIO DIVINA NA 26ª SEMANA COMUM 29/SET A 05 OUT 2019

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DOMINGO, 29 DE SETEMBRO DE 2019 – 26º DOMINGO DO TEMPO COMUM

Lucas 16,19-31 (O homem rico e o pobre Lázaro) Esta parábola é altamente emotiva e, em certos mo­mentos, também, profundamente dramática. Os perso­nagens principais são dois. Por uma parte, aparece um rico que goza pomposamente de sua fortuna. Não importa que esta seja material, intelectual ou religiosa. Provavel­mente, se trate das três. Por outra, aparece um pobre – faminto, enfermo, abandonado – que está «estendido no portal» (v.20). Lucas sublinha de modo evidente a extremada diferença que existe entre a vida des­preocupada do rico e a miséria gritante do pobre «coberto de úlceras» (v.20), estendido no portal.           Entre ambos exis­te um forte contraste manifestado, de maneira clara, pelo mandamento do amor fraterno e pelas vigorosas palavras de Jesus: «Bem-aventurados vós, os po­bres», «Ai de vós, os ricos» (6,20-24).            No fundo, o verdadeiro pobre é o rico, pois não chegou a com­preender o mistério profundo do coração de Jesus. Sua vida não pode acabar mais que na profunda escuridão do sepulcro, ou seja, no inferno do fracasso e da impotência total. O mendigo também morre. Porém, através da morte, sua pessoa fica libertada dos sofrimentos e privações e é «levada pelos anjos ao seio de Abraão» (v.22), cumprimento e realização de todas as promessas de Deus. É nesta outra dimensão que se situa o colóquio de Abraão com o homem rico. A ruptura ocasionada por nosso egoísmo entre a pobreza e a riqueza subsiste também no mais além: converte-se em um abismo insuperável. Nem sequer Abraão consegue atravessá-lo. Por outra parte, a oração do homem rico dirigida a Abraão, a fim de que Lázaro possa ir à casa de seus irmãos e advertir-­lhes, carece de sentido: «Já têm Moisés e os profe­tas, que os escutem!» (v.29). Quem elegeu um tipo de vida contrário ao amor fica privado, para sem­pre, da graça do amor e, em consequência, impossibi­litado para o encontro de amor com os irmãos.

 

 

Am 6,1a.4-7 (Contra as falsas seguranças dos grandes) Também este domingo a liturgia apresenta o grande risco que traz a riqueza, risco que não é puramente imaginário, mas real, pois a riqueza pode endurecer o coração. A censura de Amós vai dirigida contra os “que se sentem seguros em Sião» (v.1). Trata-se de uma denúncia, histórica e ética, de um valor incomparável, a propósito de duas montanhas (o monte Sião, situado em Jerusalém, e o monte Garizín, situado em Samaria) que disputam de uma maneira quase mágica, uma promessa segura de salvação. Oito séculos mais tarde nos encontramos ainda com a mesma contenda. A samaritana perguntará a Jesus onde se deve adorar a Deus, se em Jerusalém ou no monte Garizín (Jo 4,20ss). Amós condena, com veemência, a confiança aficionada em um lugar – seja este Jerusalém ou Samaria – considerada como objeto de devoção extrema a encobrir as desordens e as injustiças de cada dia. O luxo desmedido e extremado vivido diante de todo um povo é uma ofensa vergonhosa aos pobres e uma provocação mortal para os irmãos. Quando a riqueza chega a tais desordens não é difícil pensar que podem eclodir, de um momento a outro, a ruína e a destruição. Nenhum lugar ou nenhum templo lhes poderão salvar da ruína: «Acabará a orgia dos dissolutos» (Am 6,16). Não deveríamos voltar a expor, em face de uma visão futura, nosso consumismo absurdo, que tem se convertido, hoje, em um hábito difundido?

 

I Tm 6,11-16 (Solene admoestação a Timóteo) Timóteo, discípulo de Paulo, já havia tomado a decisão, e a fez publicamente, «diante de muitos testemunhos» (v.12), como o próprio Jesus tomou sua decisão e deu seu testemunho ante Pilatos e todo o povo. De agora em diante trata só de per­severar na decisão implícita tomada no batismo e, deste modo, conquistar “a vida eterna» (v.12), ainda­ que esta perseverança exija uma longa luta ou – como escreve Paulo – «o nobre combate da fé» (v.12). Mas este «conquistar a vida eterna» não é fruto de esforços humanos, mas unicamente dom de Deus. Decidir-se por Deus, significa confessar diante de muitos testemunhos que Deus nos tem agarrado e chamado a combater o bom combate da fé.

 

Sl 145/146 (Hino ao Deus que socorre) Edith Stein, com muita sabedoria, declarou que “não é a fenomenologia que nos salva, mas sim a paixão do Senhor Jesus”. O papa Bento XVI nos recorda que não é a economia que salva, mas Jesus. Devemos ter essas convicções no mais íntimo do nosso coração. A salvação integral do ser humano não pode ser confiada a meios humanos, à força, poder, dinheiro, etc. Tudo isso é passageiro e não garante a salvação do homem frente às suas desilusões e fracassos. Não é o psicanalista que perdoa os nossos pecados, mas sim a força do Sacramento da Confissão. Atualmente, o grande erro do homem é querer brincar de ser Deus, sem perceber que é meramente humano e mortal. “Não vos iludais, de Deus não se zomba; o que alguém tiver semeado, é isso que vai colher” (Gl 6,7). Que com a leitura deste Salmo sejamos impulsionados a colocar toda a nossa confiança na força salvadora e libertadora de Deus.

Senhor, hoje quero louvar com as palavras deste Salmo, que são tuas palavras e jamais serão desmentidas:  “O Senhor livra os prisioneiros, o Senhor devolve a vista aos cegos, o Senhor levanta quem caiu, o Senhor ama os justos, o Senhor protege os estrangeiros, ampara o órgão e a viúva, mas transtorna o caminho dos ímpios. O Senhor reina para sempre, o teu Deus, Sião, por todos as gerações. Aleluia!” (Sl 146,7-10). Amém.

 

 

MEDITATIO: A parábola do homem rico e de Lázaro é de uma notável simplicidade: Deus nos situa: diante do juízo que emi­te sobre cada um de nós e diante da conversão que nos pede. O rico anfitrião descobre, por desgraça, tarde de­mais, quem é, realmente, o Senhor. Não tem jeito, senão pedir que Láza­ro vá advertir seus irmãos para que mudem de vida e não tenham que cair no lugar de tormento no qual se encontra. Mas Abraão responde: «Se não escutam a Moisés e aos profetas, tampouco farão caso, ainda que ressuscite um morto». O problema que nos apresenta o evangelho é, exatamente, o de compreender que a conversão requer a escuta da Palavra de Deus. Para converter-nos é ab­solutamente necessário que escutemos com atenção a Palavra de Deus. É preciso que permitamos à Palavra descer ao nosso coração. Mas, para que possamos recebê-la de maneira frutuosa, é necessário permitir-lhe penetrar até o fundo. A conversão é sempre um problema de coração, ou seja, um problema de interioridade, de abandono fundamental de tudo, com a intenção de deixar que Deus disponha de toda nossa vida. Podemos dizer também que a conversão significa abrir os dedos aferrados a algo, de uma maneira espasmódica, para cair, por completo, nas mãos de Deus (Mt 6,25ss), ou seja, para depender unicamente dele. O verdadeiro pobre está totalmente dependente do amor de Deus. Mostra-se, em tudo, livre e disponível ao seu amor. O rico, ao contrário, se endurece, cada vez mais, neste mundo. Justamente por isso não lhe é fácil compreender os pobres, porque não capta o valor da vida humana e, portanto, tampouco, o da conversão. O testemunho que devemos dar de nossa fé é, precisamente, a conversão, que compromete de uma ­maneira incondicional, toda a existência como um todo, incluída uma confiança total na graça de Deus. Porém, esse testemunho exige uma longa luta. Significa confiar-se, sem vacilações, a Deus, que nos escolheu desde a eternidade. Não é nunca conquista nossa, mas um dever de amor ao qual só se pode responder com amor. Não se vai ao céu «dormindo em cômodos divãs». Não é possível viver sem preocupar-nos com o povo que está seriamente ameaçado. «Acabará a orgia dos dissolutos»: É preciso «ir ao exílio à frente dos deportados». O rico anfitrião não foi condenado simplesmente por sua riqueza, mas porque não foi capaz de oferecer sua ajuda ao pobre que carecia de tudo e, enfermo, estava morren­do ao lado de sua porta. O pecado é a riqueza que per­mite que os pobres morram junto a sua própria porta; é a falta de solidariedade que separa os homens.

 

ORATIO: Tomai Senhor, e recebei toda a minha liberdade, minha memória, meu entendimento e toda minha vontade, todo meu ter e meu possuir. Vós me deste, a Vós, Senhor, os torno; tudo é vosso. Dispõe a toda vossa vontade. Dai-me vosso amor e graça, que isto me basta. (Santo Inácio de Loyola)

 

CONTEMPLATIO: Na pobreza do discípulo e do apóstolo, o destinatário do Evangelho pode captar o próprio sinal do poder contido na mensagem. A pobreza do pregador é, por assim dizer, a manifestação visível do Evangelho e do homem que se deixa comprometer pelo mesmo. O coração da alegre e nova notícia que vem o Reino de Deus e passa a figura deste mun­do; que o Crucificado é o Ressuscitado; e que morte sign­ifica vida, porém que a vida verdadeira passa sempre através da morte… tudo isto, não pode anunciar, o apóstolo, só em palavra, mas tem que fazê-lo com seu próprio modo de viver. Ele mesmo deve encarnar esta mensagem. A cruz de Cristo e a esperança na ressu­rreição se configuram no estar crucificados com Cristo dos apóstolos, que depois passa a significar: “Até o presente, passamos fome, sede, nudez. Somos esbofeteados e andamos errantes. Fatigamo-nos trabalhando com nossas mãos” (cf.1Cor 4,11ss). Na pobre­za do apóstolo é possível captar a mensagem da cruz e a ressurreição. O pregador se converte, assim, em sinal vivente de sua mensagem, o sinal de que a figura deste mundo passa e o Senhor vem libertar-nos. Mas, a pobreza deve expressar, ao mesmo tem­po, uma consagração em favor do próximo. Se queremos seguir Jesus é preciso estar dispostos a dar tudo o que possuímos aos pobres. Assim como a pobreza de Jesus serve para expressar seu amor pelos homens «sendo rico, por vós se fez pobre a fim de enrique­cer-vos com sua pobreza» (2Cor 8,9), assim também, a pobreza dos discípulos serve para amar a todos os homens, mas, sobretudo os mais pobres, como irmãos de Jesus. A pobreza conduz à solidariedade com os pobres, a uma maior solidariedade no amor. Só quem é pobre pode ser de verdade, amigo dos po­bres, dos pequenos, dos marginalizados. Deveremos fazer, pois, uma séria pergunta: (quem são os «prediletos» em nossa comunidade? São os pobres, como foram para Jesus, ou os ricos, os «bem educados», os «mais válidos», os «distinguidos», esses com quem é possível «dialogar»? Quem representa o objeto particular de nosso interesses e de nosso amor? (G.Greshake, Essere preti. Teología e spiritualitá del ministero sacerdotale, Brescia).

 

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«O Senhor faz justiça aos oprimidos, dá pão aos famintos» (Sl 145,7)

 

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL A experiência de um caminho de pobreza é um caminho de libertação, de alegria e de entusiasmo, porque nos une intimamente a Cristo, e nos faz gostar de um modo imprevisto, à força da cruz, sua capacidade de renovar até as situações mais paralisadas, aparentemente mais irritantes por seu ¡mobilismo. O momento do descobrimento das páginas do evangelho supõe, para todos, um pouco de gosto, de atenção, de compromisso com um maior exercício de austeridade, de pobreza, de penitência, de renúncia. Sem este esforço, essas páginas ficam como mudas; quando se deu algum passo neste sentido, ainda que seja simples, então as palavras de Jesus se tornam atuais e ressoantes, adquirem relevo e nos damos conta de que vivemos algo da alegria e do entusiasmo dos Doze, que caminhavam pelos caminhos da Palestina, seguindo Jesus depois de haver-lhe dito: «Pois bem, Mestre, nós deixamos tudo e te seguimos» (C. M. Martini, Diccionario espiritual: pequeña guía para el alma).

 

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SEGUNDA-FEIRA, 30 DE SETEMBRO DE 2019

Lucas 9,46-50 (Quem é o maior) A página evangélica que nos propõe hoje a liturgia recorda duas atitudes de verdadeira fraternidade que nos trazem à mente a simplicidade com a qual São Francisco vivia o Evangelho. A primeira dessas atitudes, contrária à absurda da ambição, é a humildade (cf. vv. 46-48). A outra é a tolerância (cf. vv.49ss). Os apóstolos se mostram sensíveis a este problema. Jesus, em efeito, fala com frequência dele no evangelho. Em conjunto, ambas atitudes sublinham a necessidade de superar tanto a auto suficiência dos grandes, que aspiram aos títulos e aos graus de dignidade, como o orgulho de pertencer a um grupo. A primeira atitude se ocupa da vida interna da comunidade. Parece natural que, seguindo a mentalidade mundana, ocupe os primeiros postos da comunidade aqueles que se distinguem por seus dotes ou por seu sentido da responsabilidade à hora de administrar os serviços comunitários. Por outra parte, também é natural no homem o desejo de sobressair. Essa é a razão de que os apóstolos se deixem arrastar a discussões interessadas (cf. também 22,24-27). Discutem espontaneamente sobre o posto que ocupam e sobre quem deles é o mais importante. Porém o Senhor Jesus não pensa como eles. Toma uma criança e a põe junto de si, no centro, no posto de maior dignidade. Sua reposta é bem precisa: “O menor entre vós é o mais importante” (v.48b). Só o que é pequeno é importante, porque é pobre, a saber: é pequeno de corpo, tem necessidade dos outros, não tem liberdade de ação, é inútil. A criança é o símbolo do discípulo ultimo e pobre. Porém é também a imagem de Jesus, que se abandona em atitude de adoração nos braços do Pai. Por isso disse ainda Jesus: “O que acolhe esta criança em meu nome, a mim acolhe; e o que me acolhe, acolhe ao que me enviou” (v.48a). A segunda atitude do evangelho nos apresenta outra característica da fraternidade evangélica: a tolerância. “Mestre, vimos alguém expulsar demônios em teu nome e quisemos impedi-lo, porque não pertence a nosso grupo” (v.49). Jesus não é deste parecer: “Não o proibais” (v.50). Ao contrário, convida os seus a abrir o coração e o espírito, a ser tolerantes. Deus envia aos que quer a anunciar sua Palavra. Não é preciso pertencer ao grupo de Jesus ou ser importante para falar dele. O que conta não é a pessoa que fala; o que conta é que se anuncie o Evangelho. Deus é rico: dispõe de muitos modos para falar ao homem.

Jó 1,6-22 (Satã põe Jó à prova) O tema fundamental do livro de Jó não é tanto o problema do sofrimento como o comportamento do justo na prova da fé. Só o sofrimento no momento da prova revela o que há no coração do homem e a gratuidade de sua fé. Dito com outras palavras, o livro de Jó nos mostra que a prova existe, e que  existe para todos, inclusive para os melhores. Não havia motivo algum para que Jó fosse tentado, posto que “é um homem reto e integro, que teme a Deus e se guarda do mal” (1,1). Contudo, a prova vem a chamar a sua porta. Verifica sua fé. Revela se Jó busca de verdade a Deus com uma fé “pura”, ou ao contrário, busca a si mesmo. Jó sai vendedor da prova: “Apesar de todo o acontecido, Jó não pecou nem amaldiçoou a Deus” (v.22). A primeira parte da narração começa com uma cena que se desenvolve no céu (vv.6-12). Dá a impressão de que a reunião dos anjos se assemelha às assembleias que os reis celebravam em suas cortes ou às que mantinham os deuses no alto das montanhas sagradas. Os personagens fundamentais do relato são: Jó, que vivia em Hus, fora das fronteiras de Israel; era um homem justo e rico e, por isso, estava abençoado por Deus (cf. 1,1-3). Satã, o acusador, que aparece junto à corte de Deus; está encarregado de projetar uma luz má sobre as ações dos homens. Por ultimo, Deus, que segue as ações dos homens. O dialogo tem lugar entre Satã e Deus: “Crês que Jó teme, desinteressadamente, a Deus?” (v.9), disse Satã, e propõe a Deus a prova: “Estende tua mão e tira-lhe tudo o que tem. Verás como te maldiz em tua própria cara” (v.11). Se dará conta de se Jó é capaz de amar verdadeiramente de uma maneira gratuita. Deus consente frente à petição de Satã, porém sua confiança com respeito a Jó não diminui um ápice. A segunda parte (vv.13-22) descreve as calamidades que se abatem sobre Jó, provocadas pela espada, pelo fogo e pelo vento. Deste modo é como Jó se vê submetido a uma dura prova. Através de uma abrupta sucessão de anúncios, perde seus bens, servos e filhos. Sem dúvida, para despeito de Satã, Jó continua bendizendo ao Senhor e sai vencedor da prova. Sua fé não diminuiu. Prostra-se em terra e diz: “Nu sai do ventre de minha mãe, e nu voltarei para lá. O Senhor me deu, o Senhor tirou. Bendito seja o nome do Senhor!” (v.21). Satã perdeu a aposta.

 

Salmo 16/17 (Súplica do inocente) Ser santo é saber reconhecer os próprios pecados e as próprias virtudes. O salmista se coloca diante de Deus exatamente como ele é, sem temor. Ele desafia-o a encontrar nele pecados e mentiras, pois sabe que é sincero em tudo aquilo que diz e faz. Esta atitude de honestidade diante do Senhor é muito importante. Somos pecadores, devemos assumir isso e desejar que a verdade – o gesto mais amado por Deus – esteja presente em todos os momentos de nossos dias.

Senhor, não posso reconhecer os pecados que em certos momentos os outros me atribuem. Sinto-me honesto e sincero, apesar de saber que sou “pecador”, mas sei também que sou capaz de vencer o pecado que está em mim e dominá-lo. Dá-me a sinceridade de ser diante de ti o que sou e nada mais. Amém.

 

 

MEDITATIO: As leituras litúrgicas de hoje constituem um vigoroso convite a olhar a Jesus crucificado e a extrair daqui as consequências pertinentes para qualquer situação humana. De Jó aprendemos que nossa verdadeira grandeza se manifesta no fato de seguir amando com o “amor desmedido” (Ef. 2,4) de Deus, ainda que quando a prova e o sofrimento possam chegar à violência inaudita que aparece na primeira leitura. Sua atitude na prova dolorosa é uma expressão profunda de adoração. Quando nossa vida discorre tranquila sem que a dor golpeie nosso coração, parece mais fácil reconhecer a Deus. De um modo quase instintivo e de uma forma pagã voltamos sempre a uma imagem de um Deus posto a nosso serviço, e não à de um Deus a quem podemos confiar-nos. Temos quase a impressão de que Deus está a nosso alcance. Por desgraça, não advertimos que somos precisamente nós que devemos tudo a Deus. Contrário a Satã, Deus pensa, sem duvida, que o homem é capaz de agir por gratuidade de amor inclusive ali onde as gratificações ordinárias desaparecem. Jó, despojado de todos seus bens, de seus servos e inclusive de seus filhos, confia totalmente em Deus: “Nu sai do ventre de minha mãe e nu voltarei para lá. O Senhor me deu, o Senhor me tirou. Bendito seja o nome do Senhor!” Jó resistiu e abriu o coração de Deus. Agora é capaz de adorar-lhe. Jó, agora totalmente empobrecido, está em condições de realizar o que disse Jesus: “O menor entre vós é o mais importante”. Jó começa a ser “importante” porque precisamente agora está completamente “nu” frente a Deus e a seu amor crucificado. É muito provável que não consiga compreender ainda todo o sentido da prova, porém segue sendo fiel. Compreende que Deus é o tudo de sua vida e que a Ele se deve tudo. Graças a Jó temos chegado a conhecer que é a verdadeira adoração. Esta vai unida ao sentido vivo da pobreza e, certamente, se trata de um ideal que não é fácil realizar. Pode parecer-nos irrealizável, porém sabemos que temos de contar unicamente com a força de Cristo. O importante é nunca esquecer a Jesus crucificado, pois deste esquecimento nasceriam o egoísmo e a mesquinhez do coração.

 

ORATIO: Senhor Jesus, Filho de Deus crucificado, concede-nos ter um conhecimento mais profundo de teu mistério de amor através dos sofrimentos e as provas. Abre-nos o coração e mostra-nos o sentido oculto das experiências dolorosas através das quais vens a romper o véu de nossa ignorância. Faz que possamos entrever em tua inapreensível presença o mistério de teu amor “amor desmedido”. Permite-nos conhecer quem é o Pai que te enviou; quem és tu, que nos manifestas o coração do Pai mediante teu coração traspassado na cruz; quem somos nós, que vemos resplandecer teu amor na humilhação de nossa pobreza e na solidão do coração. Por isso, Senhor, ajuda-nos a olhar de frente nossas provas e sofrimentos, desejando só – neste olhar – conhecer-te e penetrar como o coração e com a mente em teu inexpressível mistério de amor. Faz, pois, Senhor, brotar em nós algumas pequenas gemas da contemplação de teu mistério, ainda que seja através da transfixão das provas. Importa-nos considerá-las não só em sua realidade, mas também no modo na qual assumimos e as vivemos em relação contigo. Pedimos-te, por ultimo, Senhor, que não nos deixe desanimar se descobrimos em nós só incapacidade e rejeição e não vemos que nosso coração está fixo no teu. Ajuda-nos, a servir-nos desta pobreza como se fosse uma graça que nos dás para conhecer-nos a nós mesmos e ascender a ti. Pedimos-te, ó Senhor, por intercessão de Maria, que sofreu, ma creu profundamente em ti.

 

CONTEMPLATIO: Quando o físico do homem se vê provado pelo sofrimento, se ressente seu ânimo. Faz muitos anos que me atormentam frequentes dores viscerais; aflige-me sem trégua uma grave debilidade do estomago, enquanto a febre, ainda que seja leve, não me abandona nunca. Nessas condições, meditando o que diz a Escritura: “O Senhor corrige a quem ama” (Hb 12,6), quando mais deprimido me sinto pela gravidade dos males presentes, tanto mal me faz respirar a esperança dos bens futuros. Talvez seja um desígnio da divina providência que eu – ferido pelo mal – comente a história de Jó, ferido pelo mal. A prova me ajuda a compreender melhor o estado de ânimo de um homem tão provado. Sem duvida, está claro também que o sofrimento fisco me faz bastante difícil a aplicação ao trabalho. Quando as forças físicas apenas permitem o uso da palavra, o ânimo não se encontra em condições de expressar de maneira adequada o que sente. Qual é, em efeito, a função do corpo, senão a de ser instrumento da alma? Um musico, ainda que seja um artista de talento, não pode expressas sua arte se não dispõe de um instrumento adequado. A melodia executada por uma mão experta não pode ser emitida fielmente por um instrumento desafinado, nem tão pouco o sopro consegue produzir uma harmonia musical se o tubo rachado emite sons estridentes (Gregorio Magno).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Mostra-nos, ó Deus, os prodígios de teu amor” (cf. Sl 16,7a)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Há quem diga: “Tenho feito muito mal, o bom Deus não pode perdoar-me”. Filhos meus, isso é uma grande blasfêmia; é pôr um limite à misericórdia de Deus, que não o tem em absoluto, pois é infinita. Ainda que hajais feito mal que para se perda toda uma paróquia, se confessais, se vos arrependeis de ter feito esse mal e não quereis voltar a fazê-lo, o bom Deus o perdoará. Nosso Senhor é como uma mãe que leva seu filho nos braços. Este menino é mau; dá-lhe patadas, morde, arranha, porém a mãe não faz caso; sabe que, se o deixa, cairá, não poderá caminhar só… Assim é nosso Senhor. Sofre todos os maltratos, suporta nossa arrogância, perdoa todas nossas tontices, tem piedade de nós apesar de nós mesmos. O bom Deus está tão disposto a outorgar-nos o perdão, quando o peçamos, quanto uma mãe está disposta a retirar seu filho do fogo (Juan Maria Vianney).

 

 

 

TERÇA-FEIRA, 01 DE OUTUBRO DE 2019

Lucas 9,51-56 (Má acolhida num povoado de Samaria) O v.51 está dotado de uma forte densidade dramática. Este constitui o centro no qual confluem os dois grandes temas do evangelho de Lucas. Até aqui vimos o desenrolar da missão de Jesus na Galiléia, com suas palavras, sua mensagem, parábolas, milagres e o testemunho de seu amor(4,14-9,50). Mas agora Lucas nos mostra que o destino de Jesus se dirige para sua consumação. No ensinamento e nas palavras está de fundo a marcha para Jerusalém. Trata-se de uma nova parte do evangelho (9,51-19,44): a ultima. Nela se lança a sorte do próprio Jesus. Este caminho conduz à sua morte na cruz e à sua ressurreição. É a “hora” de Jesus, à qual alude João (12,23;16,32). Esta hora expressa a vontade de entrega da vida de Jesus. Desde o inicio do evangelho se vê que Jesus está disposto a entregar-se e tudo tende para o momento da entrega. Nesta hora acolhe Jesus, em si mesmo, todo o sofrimento e dor do homem e entrega sua própria vida para a salvação. O objetivo da primeira parte do evangelho de Lucas é “compreender” o Reino; na segunda, trata-se de “entrar” no mesmo. Enquanto que na primeira parte se apresenta o Reino de modo obscuro, através de parábolas, como mistério escondido que cresce na obscuridade, com um crescimento contrastado e fatigoso, agora se revela de modo mais claro como o mistério da morte e ressurreição de Cristo. Deste itinerário, disse Lucas que Jesus “tomou a decisão de ir a Jerusalém”(v.51).A expressão significa, ao pé da letra, “endurecer o rosto”. Está tomada de um dos cantos do Servo de Iahweh: “Endureci meu rosto como uma pederneira” (Is 50,7). Jesus, não só tem uma visão clara das dores que deverá enfrentar, mas se abandona, por completo, à vontade do Pai.

 

 

 

Jó 3,1-3,11-17.20-23 (Jó amaldiçoa o dia do nascimento) Após sete dias com sete noites, durante os quais os amigos de Jó estiveram sentados junto a ele, em silêncio, este “abriu a boca e amaldiçoou o dia de seu nascimento” (v.1). A leitura litúrgica de hoje desenvolve exatamente este conteúdo. Jó maldiz o dia em que nasceu e se pergunta por que não lhe foi arrebatada a vida naquele momento. Com efeito, o contínuo sofrimento leva ao desespero. Não se deve estranhar de que tente expulsar, para longe de si, a memória de seu nascimento (v.6). Jó deseja que o dia permaneça sempre noite, porque cada amanhecer traz consigo o peso de novos sofrimentos. No capitulo precedente não se vê que Jó maldiga a Deus ou invoque a morte. E mais, que Jó resiste, docilmente, à violência da prova. Este desespero, que lhe impõe as imprecações e os lamentos, de fato, não o encontramos, com freqüência, na Escritura. Ao contrário, nela se exalta a vida e se fala com profusão do amor desinteressado. Sem dúvida encontramos em Jeremias uma página que recorda o mesmo texto: “Maldito o dia em que nasci…” (Jr 20,14). Há uma mudança com respeito à meditação precedente. Aparece um novo modo de afrontar o problema do sofrimento. Este já não é considerado, simplesmente, como uma prova que avalia a gratuidade da fé, mas como uma experiência que nos leva a penetrar na profundidade do abandono, da angustia e da noite do Filho de Deus crucificado. O fato de que estas expressões as encontremos agora na Escritura, como palavra revelada, torna-se consolador. Significa que Deus não rejeita a quem, em meio da prova e da experiência da escuridão e da desolação, fala sem saber o que diz. Significa, pois, que a lamentação tem um sentido que não é inútil. Efetivamente, a Escritura acolhe estas experiências como orações. Chama “orações de lamentação”. Jó, na plenitude de sua lamentação não se afasta de Deus. Não se esconde de seu rosto. Não busca outro Deus que não lhe oprima nem lhe esmague. Ao contrário, se confia profundamente ao Deus que lhe tem decepcionado. E sempre é assim: a lamentação sacode o coração e acaba por libertá-lo.

 

 

Salmo 87/88 (Súplica do fundo da angustia) Para os israelitas, Jerusalém é a cidade santa, a qual devem visitar todos os anos para estar na presença do Senhor, oferecer sacrifício e cantar, em meio a toda comunidade, os louvores do Senhor. Os seus corações estão em Jerusalém. Para nós, católicos, Roma representa a cidade santa. Assim, todas as religiões têm a sua cidade santa onde desejam ir para se encontrar com Deus. Atualmente, nossa fé mostra-nos que não existe apenas um templo ou uma igreja onde podemos nos encontrar com o Senhor; o centro de nossa fé é o próprio Cristo, pois “onde duas ou três pessoas estiverem reunidas, eu estarei no meio delas”. Necessitamos redescobrir a importância da Igreja como mãe, e perceber que Deus se faz presente em cada um de nós. Somos igrejas e, como cristãos, somos chamados a gerar novos cristãos. É a nossa missionariedade. “Não pode permanecer escondida uma cidade situada sobre o monte”. Este Salmo nos fala do amor esponsal e unitivo. Toda alma que se doa a Deus no amor é uma cidade santa que vive uma rica fecundidade. Como diz Teresa do Menino Jesus, “na Igreja minha mãe, serei amor”; nós também devemos ser um amor fecundo.

Senhor, hoje quero declarar o meu amor pela Igreja santa, imaculada, esposa de Cristo, sem ruga e sem mancha, que há séculos caminha pelas estradas poeirentas da humanidade pecadora e continua a resplandecer em toda sua beleza. É verdade, Senhor, que os homens e mulheres de Igreja muitas vezes não muito fiéis nem coerentes com o Evangelho e com o mesmo pensamento da Igreja. Isto me desanima, me aborrece. Devo aprender com o salmista a cantar a celeste Jerusalém, anunciada desde sempre, cidade, reino novo onde não haverá mais choro nem pranto. Senhor, dá-me amor pela tua Igreja, e que o meu agir e minhas palavras sejam sempre em sintonia com o Evangelho vivo que chega até mim por meio da palavra do Papa, dos bispos, dos sacerdotes, dos que têm o dever de ensinar. “[…] quem beber da água que eu darei se tornará nele uma fonte de água jorrando para a vida eterna”(Jo 4,14). Dá-me desta água viva que brota do manancial da Igreja e que eu possa sempre beber dele. Amém.

 

 

MEDITATIO: As expressões de Jó, como já temos visto na lectio divina, não são pura retórica. Voltamos a encontrar nelas, sentimentos comuns que todos experimentamos. O grito de Jó é um pouco o grito dramático que, em determinados momentos de dor, emitem todos os que estão afogados no sofrimento. Muitos chegam, inclusive, a experimentar a tentação do sinistro desejo da morte. Agora, precisamente através desta prova, é que podemos encontrar a Deus (ou também perdê-lo). Disse o próprio Jó: ”Conhecia-te só de ouvir, porém agora te viram meus olhos” (42,5). Só agora que Jó ficou nu frente a Deus é que é capaz de reconhecer-lhe e de amar-lhe. É verdade que Jó se lamenta, grita e está abatido. Mas Jó grita e se lamenta diante de Deus. É sugestivo que a Bíblia não tenha descartado estas expressões; ao contrário, as fez suas, como orações de lamentação, assumindo-as como um elemento de súplica e de petição aflita a Deus. Que nos ensina o capitulo 3 de Jó? Primeiro, o saber distinguir entre lamentação e queixa. Estamos inclinados a lamentar-nos de tudo, e com freqüência. Lamentamo-nos, sobretudo dos outros. Já não somos capazes de lamentar-nos com Deus, de chorar ante Deus. Temos perdido a capacidade de dirigir-nos a Deus. Escreve o cardeal Martini que “abrir a veia da lamentação diante de Deus é o modo mais eficaz de fechar os filões das queixas que entristecem o mundo, a sociedade, as realidades eclesiásticas, que carecem de saída porque, ao serem vividas em um âmbito puramente humano, não chegam ao fundo do problema”. Segundo, nos ensina a olhar de frente nossas provas, de modo que amorteçamos seu aguilhão. Quando pensamos que não alcançaremos, é ai, então, que chega o momento no qual podemos expressar nosso amor gratuito. Jesus nos mostrou a gratuidade de seu amor, precisamente na cruz, no transbordamento da dor e de seu grito, que por uma parte, expressa a extrema desolação e, por outra, a confiança total no Pai.

 

ORATIO: Foste Tu, ó Deus meu, o primeiro a amar-nos. Foste Tu, ó Deus meu, quem chegou até nós em primeiro lugar. Leio em teu amor crucificado o amor infinito, com o qual quiseste falar a nosso coração e contar-nos teu amor inexplicável. Também quiséramos amar-te como Tu tens feito conosco. Nossa alma tem sede de ti. Mas não conseguimos chegar a ti. São muitas as coisas que atentam contra nossa vida. Por que não conseguimos gozar de ti? Por que não ouvimos os gritos de teu coração? Que impulsiona a nossa alma a fechar-se longe de ti? Concede-nos, Senhor, a graça de compreender teu amor, na escola do servo Jó. Ajuda-nos a compreender as provas de Jó, ajuda-nos a entrar em sua dor, para poder entrar, assim, nas provas e sofrimentos de Jesus. Tu, Senhor, quiseste assumir nossos sofrimentos nos teus para purificá-los. Por isso, Senhor, podes ajudar-nos a contemplar a cruz, a fim de ler no coração traspassado de Cristo todas as riquezas do mistério de Deus.

 

CONTEMPLATIO: Três são as fases pelas quais passam os convertidos: a fase inicial, a fase media e a fase final. Na fase inicial encontram as caricias da doçura, na media as lutas da tentação, na final a perfeição da contemplação. Primeiro recebem as doçuras que os consolam, depois as amarguras que os mantêm no exercício e, por fim, as suaves realidades sublimes que os confirmam. Assim, todo homem, primeiro consola sua esposa com suaves caricias, mas, uma vez que a tem unido a si, a prova com firmes recriminações e, após tê-la provado, a possui seguro. Do mesmo modo, o povo de Israel, depois de ter prometido a Deus, foi chamado, por Ele, do Egito às sagradas núpcias espirituais: primeiro recebeu, como prenda, as caricias dos prodígios, porém, uma vez que se uniu a Deus, foi submetido à prova, foi confirmado na terra prometida com a plenitude da virtude. Por isso, primeiro degustou nos prodígios o que devia desejar, depois foi submetido à prova na fadiga, a fim de ver se era capaz de guardar o que havia provado e, por ultimo, mereceu receber em maior plenitude aquilo que, enquanto esteve submetido à prova, havia guardado. Assim, a fase inicial, branda, adoça a vida de todo convertido; a fase intermédia, firme, a põe a prova; e, depois, a perfeição plena a reforça (São Gregorio Magno, papa).

 

AÇÃO: Repete com frequencia e vive hoje a Palavra:

“E tu afastas de mim meus amigos e conhecidos,

a treva é minha companheira” (SI 88,19).

 

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Conta São Carlos Borromeu que experimentou a frustração, o sentimento de inutilidade, de desgosto; e um dia em que seu primo Federico o perguntou o que fazia nesses momentos, o mostrou o livreto dos Salmos, que levava sempre no bolso. Recorria aos salmos de lamentação para dar voz a seus sofrimentos e, ao mesmo tempo, para recobrar alento fé frente ao mistério do Deus vivo. Oremos para que o Senhor nos conceda saber acender também nós às fontes purificadoras e balsâmicas da lamentação bíblica (C. M. Martini, Habéis perseverado conmigo en mis pruebas, Edicep).

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

QUARTA-FEIRA TERÇA-FEIRA, 02 DE OUTUBRO DE 2019

Lucas 9,57-62 (Exigência da vocação apostólica) Vimos ontem no evangelho que com Lucas 9,51 dá começo uma nova parte do terceiro evangelho. Se produz uma mudança de rota de Jesus: da missão na Galiléia à marcha para Jerusalém (9,51-56). Este novo caminho, tal como dizíamos, não é novo só em um sentido topográfico, mas também em sentido teológico e místico. É um caminho que culmina na morte e ressurreição de Jesus. Esta perspectiva se torna paradigmática também para os discípulos. Não há vida cristã sem compromisso com Cristo na morte. Não basta, em efeito, com que o discípulo concentre o olhar na glória de Cristo; é preciso também que fixe seu olhar no rosto daquele que, após ter morrido na cruz, foi feito perfeito e há chegado à glória (cf. Hb 5,8ss). Os três diálogos referidos no evangelho nos fazem ver que, além dos doze, havia também outros que queriam seguir a Jesus, ainda que nem sempre sabiam com clareza o que significava no fundo “seguir-lhe”. As exigências do seguimento de Cristo só se tornam claras depois da páscoa. Lucas não disse quem são estes três interlocutores. Por Mateus, não obstante, sabemos que um deles era um escriba ou mestre da Lei e o outro era um discípulo (8.19.21). Em Lucas vemos que os três se lançam atrás intimidados pela “nudez” que requer Jesus para seguir-lhe. O primeiro havia se apresentado a Jesus por própria iniciativa, porém Jesus lhe mostra o vazio que significa seguir-lhe: “O Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça” (v.58). O segundo é um discípulo do Senhor, como disse Mateus. Recebe a ordem de seguir-lhe que lhe dá Jesus, porém lhe pede permissão para ir antes a sepultar seu pai. Jesus lhe responde: “Deixa que os mortos enterrem a seus mortos” (v.60). Para o Senhor está morto todo o que não todo o que não é o Deus vivo (cf. Jo 14,6). O terceiro há preparado um programa e o mostra a Jesus: “Te seguirei, Senhor, porém deixa-me despedir-me primeiro de minha família” (v.61). Sem duvida, lhe responde o Senhor deste modo: “O que põe a mão no arado e olha para trás, não é apto para o Reino de Deus” (v.62). Não sabemos como acabaram estes três. O evangelho só nos disse o que oferece Jesus a quem lhe acompanham, ou seja, o caminho da cruz. Porém aqui se requer coragem.

 

 

Jó 9,1-12.14-16 (A justiça divina domina o direito) O texto que hoje nos propõe a liturgia, tomado do capitulo nove de Jó, é a resposta que o patriarca dá às palavras de consolo do terceiro amigo, Bildad de Suaj (cf. cap 8). Este havia dito que a desproporção entre Deus e o homem é tão grande que não é possível nenhuma discussão entre eles. Deus sempre tem razão. Jó rebate seu discurso com o elogio da sabedoria e da onipotência de Deus tal como aparece em sua criação. Se Deus é tão grande e inacessível em sua criação – pensa Jó-, tanto mais o será na ordem sobrenatural e moral: “De acordo, sei muito bem que é assim: que ninguém é irreprochable ante Deus” (v.2). Nos versículos seguintes, Jó se lamenta uma vez mais, da maneira arbitraria e prepotente que Deus tem de comportar-se: “Se arrebata uma presa, quem o impedirá? Quem lhe dirá: “Que fazes?” (v.12). De uma maneira um tanto irônica, dá a entender Jó que é inútil discutir com Deus, dado que ninguém pode resistir ante ele, posto que sempre tem razão em tudo. Observa: “Quanto menos poderei eu replicar-lhe, encontrar palavras contra ele” (v.14). Frente a Deus não há nada que fazer. Só deixar que se fundam as montanhas, que os ventos o varram tudo, que se abra a terra, que o mar se desconcerte e que a tragédia se abata sobre o homem. As palavras de Jó são as de um homem que sofre e protesta porque não consegue saber que é justo e que não. Temos de assinalar que Jó não aceita soluções que sejam simples reduções ao passado: seria melhor chamá-las atos de preguiça, seguir a regra do mínimo esforço. Jó quer ver claro. Porém isso é possível? Enquanto dura nossa peregrinação subsiste o problema da dor. Está, sem duvida, a cruz de Cristo e seu altíssimo grito ao Pai: “Deus meu, Deus meu, por que me abandonaste?” (Mc 15,33). A morte de Jesus é dramática e ele se precipita no abismo doloroso da maldade humana. Jesus não reprime a dor, porém nos disse o suficiente sobre o valor salvifico do sofrimento.

 

Salmo 86/87 (Sião mãe dos povos) Para os israelitas, Jerusalém é a cidade santa, a qual devem visitar todos os anos para estar na presença do Senhor, oferecer sacrifício e cantar, em meio a toda comunidade, os louvores do Senhor. Os seus corações estão em Jerusalém. Para nós, católicos, Roma representa a cidade santa. Assim, todas as religiões têm a sua cidade santa onde desejam ir para se encontrar com Deus. Atualmente, nossa fé mostra-nos que não existe apenas um templo ou uma igreja onde podemos nos encontrar com o Senhor; o centro de nossa fé é o próprio Cristo, pois “onde duas ou três pessoas estiverem reunidas, eu estarei no meio delas”. Necessitamos redescobrir a importância da Igreja como mãe, e perceber que Deus se faz presente em cada um de nós. Somos igrejas e como cristãos somos chamados a gerar novos cristãos. É nossa missionariedade. “Não pode permanecer escondida uma cidade situada sobre o monte”. Este Salmo nos fala do amor esponsal e unitivo. Toda alma que se doa a Deus no amor é uma cidade santa que vive uma rica fecundidade. Como diz Teresa do Menino Jesus, “na Igreja minha mãe, serei amor”; nós também devemos ser um amor fecundo.

Senhor, hoje quero declarar o meu amor pela Igreja santa, imaculada, esposa de Cristo, sem ruga e sem mancha, que há séculos caminha pelas estradas poeirentas da humanidade pecadora e continua a resplandecer em toda sua beleza. É verdade, Senhor, que os homens e mulheres de Igreja muitas vezes não muito fiéis nem coerentes com o Evangelho e com o mesmo pensamento da Igreja. Isto me desanima, me aborrece. Devo aprender com o salmista a cantar a celeste Jerusalém, anunciada desde sempre, cidade, reino novo onde não haverá mais choro nem pranto. Senhor, dá-me amor pela tua Igreja, e que o meu agir e minhas palavras sejam sempre em sintonia com o Evangelho vivo que chega até mim por meio da palavra do Papa, dos bispos, dos sacerdotes, dos que têm o dever de ensinar. “[…] quem beber da água que eu darei se tornará nele uma fonte de água jorrando para a vida eterna”(Jo 4,14). Dá-me desta água viva que brota do manancial da Igreja e que eu possa sempre beber dele. Amém.

 

 

MEDITATIO: Jó nos há recordado o temor de Deus. Dele temos aprendido que faz falta proceder com muito respeito para tratar com Deus. Ninguém pode resistir ante Deus dirigindo-lhe palavras de critica. Jó sabe disso muito bem: “Sei muito bem que é assim: que ninguém é irrepreensível ante Deus”, “Quem lhe dirá: “Que é que fazes?” Contudo, devemos confiar-nos por completo a Deus, aceitando-o humildemente em sua grandeza infinita. Porém este Deus forte, tal como o descreve o Antigo Testamento, há se feito homem, há tomado nossa condição mortal e há se revelado no rosto pequeno, débil e vulnerável de Jesus. Vejamos, de fato, no evangelho de hoje que Jesus opera com toda a autoridade de Deus, com uma profunda humildade que nos impressiona. Enquanto disse: “Segue-me… deixa… vê”, pede-nos ao mesmo tempo que escolhamos com coragem uma vida pobre e de sofrimento semelhante à sua: “As raposas tem tocas e os pássaros do céu ninhos, mas o Filho do homem não tem onde reclinar a cabeça” (v.58). Dito em outras palavras, Jesus vive sua autoridade em meio da máxima espoliação, como alguém que não tem nada. Quem se atreveria a falar de autoridade e humilhação juntas? Estamos verdadeiramente no coração da fé plena e pura que se pede ao discípulo. Com São Paulo poderíamos dizer: “Quando me sinto fraco, então é que sou forte” (2 Cor 12,10b). E isto nos faz superabundar de alegria. Toda profundidade do espírito parte de uma renovada adesão à vida de Jesus.

 

ORATIO: Senhor, tu sabes que também nós, como os apóstolos, imaginamos um seguimento fácil, embriagador, sem tropeços, e rejeitamos o caminho que nos preparas. Concede-nos, Senhor, sabedoria e força para conhecer teus projetos e aderirmos ao caminho que tu, com tanto amor, nos preparaste. Ajuda-nos a entender bem e de modo profundo o que queres de nós. Já sabes o difícil que é para nós ler tua ciência de amor. Até tua cruz nos resulta difícil de compreender, e ainda mais redescobri-la na trama cotidiana de nossa vida. Ajuda-nos, ao menos, a não desistir da leitura de nossa experiência, a fim de que possamos descobrir teu amor e teu intento desejo de que nos adiramos a ti. E se também isto nos resulta difícil, ajuda-nos a deixar-nos acolher por ti, sem duvidar de teu amor infinito.

 

CONTEMPLATIO: Não se objete que, em todos estes casos, não se trata da fé, mas de missões extraordinárias. Estas grandes missões são necessariamente exemplares, pois as “colunas da Igreja” determinam o estilo de todo o edifício, dão canonicamente a norma e regra para todos (o canon): são um termino médio, iluminador, entre a solidão de Jesus Cristo e a fundamentação da fé de todo cristão. As missões, menores e maiores, e todo cristão tem a sua, procedem todas do mesmo ponto. E, em efeito, missões e carismas não se dão em meio da comunidade, mas que se “repartem a cada um por Deus segundo a medida da fé, desde um cara a cara com Deus ao corpo eclesiológico de muitos membros” (Rm 12,3-4). Só como individuo pode ser chamado o cristão para a Igreja, e na Igreja, para o mundo; como solitário que, no momento do chamado, não pode ser apoiado, visivelmente, por ninguém. Ninguém lhe tira a responsabilidade de seu assentimento, ninguém lhe tira a metade da carga que Deus lhe põe encima. Se é certo que Deus pode juntar missões, também o é que cada enviado há tido que estar antes só ante Deus. E ninguém pode ser enviado se antes não o há posto tudo, sem reservas, nas mãos de Deus, livremente, como um moribundo tem que fazê-lo forçosamente. Uma missão cristã só pode surgir em absoluto quando fundamentalmente se há oferecido e entregado tudo; quando Deus, sem reservas alguma da parte do crente, pode eleger nele o que lhe apraz. Só deste ponto do encontro com o Deus morrente pode sair de uma existência de fé algum fruto cristão. Este fruto é sempre de amor, porém fundado na entrega de si mesmo (H. U. Von Balthasar, Seriedade com as coisas. Córdula ou o caso autêntico, Sígueme, Salamanca).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Por que, Senhor, me rejeitas e me ocultas teu rosto?” (Sl 88,15)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Gianna Beretta Molla foi mãe da diocese de Milão que, para dar a vida a seu filho, sacrificou a sua com meditada imolação. Gianna era médica, casada e com três filhos. Estava esperando outro. Porém sua alegria se mesclou pronto com as mais graves preocupações. Junto ao útero ia crescendo um grosso fibroma e se fazia necessária e urgente a intervenção cirúrgica. Gianna compreendeu de imediato o que lhe sai ao encontro. A ciência de então oferecia duas soluções consideradas seguras para a vida da mãe: uma laparatomia total, com extirpação tanto do fibroma como do útero, ou a extirpação do fibroma, com a interrupção da gravidez. Uma terceira solução consistia em extirpar só o fibroma, sem tocar a criança, porém colocava em grave perigo a vida da mãe. A doutora Beretta, antes de ir ao hospital, foi visitar ao sacerdote com quem se confessava habitualmente. Este lhe exortou a esperar e ter coragem. “Sim, dom Luigi – lhe respondeu a mulher-; tenho rezado muito durante estes dias. Tenho confiado com fé e esperando ao Senhor, inclusive contra as terríveis palavras da ciência médica, que me diziam: ou a vida da mãe ou a vida de sua criatura. Confio em Deus, sim, porém agora me corresponde cumprir com o dever de mãe. Renovo ao Senhor a oferenda de minha vida. Estou disposta a tudo, com tal de salvar a vida de minha criatura”. Ela mesma nos contou seu primeiro encontro com o cirurgião: “O doutor me disse antes da operação: “Que fazemos? Salvamos você ou a criança? Em seguida lhe contestei: “Não se preocupe por mim”. E, depois da operação, me disse: “Salvamos a criança”. O doutor, de religião judia, respeitou a vontade da paciente (A. Sicari, Gianna Beretta Molla, Retratos de santos, Madrid)..

 

 

 

QUINTA-FEIRA, 03 DE OUTUBRO DE 2019

João 1,47-51 (Os primeiros discípulos) Trata-se de uma visão da realidade que vai mais além da percepção imediata; esta passagem a revela. “Vem e verás”, havia sido o convite de Felipe a Natanael. E Jesus, ao ver Natanael que vinha a seu encontro, exclama: “Vê [assim ao pé da letra] um israelita…”. Seu ver é um “conhecer”, que chega ao mesmo tempo ao coração e aos acontecimentos que vive o homem (v.48). Deste se sentir vistos/conhecidos em todos os aspectos da própria vida nasce à abertura à fé e a disponibilidade ao seguimento (v.49). Então é quando Jesus pode prometer ao discípulo a entrada em uma visão da realidade semelhante à que tem Ele mesmo: “Verás coisas muito maiores que essa! […] Vereis o céu aberto e os anjos de Deus subindo e descendo sobre o Filho do homem” (vv.50ss), quer dizer, que o discípulo compreenderá a imensa profundidade do mistério de Cristo, que abarca o cosmo e dá sentido à história, e em cujo serviço cooperam miríades de anjos. O mundo transcendente de Deus –o céu- está agora aberto: em Jesus, Filho do homem, Deus desce entre os homens, e os homens podem subir n’Ele a Deus. E os anjos são ministros deste maravilhoso intercâmbio, desta inesperada comunhão.

 

 

Dn 7,9-10.13ss (Visão do ancião e do Filho do Homem) A Daniel se concede a visão de acontecimentos futuros (vv.1-8) e, de um modo mais profundo, lhe faz participe do julgamento de Deus sobre eles e sobre toda a história (vv.9ss). Além das aparências, os poderosos deste mundo não são nada; o Senhor é o verdadeiro e único Rei (v.9c). Uma corte imensa de anjos lhe serve e assiste na realização de seu desígnio. A contemplação do profeta se torna depois ainda mais penetrante; concede-lhe vislumbrar qual é esse desígnio. Vê aparecer um “filho de homem” de origem divina (vem, de fato, sobre as nuvens), a quem Deus confia à soberania universal, um poder eterno e seu Reino, que as forças do mal nunca poderão destruir (v.14). O “Filho de homem” é o centro e o fim do projeto de Deus sobre a história, mas seu cumprimento, antecipado na profecia, será no tempo estabelecido e os anjos colaborarão.

 

Sl 137/138 (Hino de ação de graças) Agradecer e louvar são dois verbos que soam suaves aos ouvidos de Deus. Eles expressam e manifestam o que está no interior do ser humano, que é constantemente enriquecido pela força do Senhor e salvo de tantos perigos por sua mão bondosa. O salmista não agradece somente por sua vida, mas por todo o seu povo. O coração de quem reza e realmente conhece a Deus não é egocêntrico, mas pensa no bem comum. Os seus olhos são purificados: se vê o mal, é para amaldiçoa-lo; se vê os malvados, é para interceder a fim de que se convertam e renunciem aos ídolos e falsos deuses. Devemos lutar diariamente para que não sejamos contaminados pelo mal que está ao nosso redor. Peçamos a Deus a mesma proteção do salmista, que se sente seguro quando também atravessa grandes perigos. Com o Senhor nenhum mal poderá nos atingir.

Senhor, sei que tudo fazes por mim, basta eu crer no teu amor e na tua fidelidade. Por que às vezes sou tão “cabeça dura”, orgulhoso, e acredito que a salvação vem do poder, do dinheiro dos fortes, dos amigos importantes? Por que me esqueço da tua fidelidade e misericórdia? Senhor, não permitas que me afaste de ti, mesmo que caminhe nos perigos, que seja circundado por idólatras; que eu nunca te abandone. E se, por ventura, te abandonar, coloca no meu caminho profetas corajosos que me encorajem e me façam voltar ao reto caminho. Que grave no meu coração as tuas palavras: “o Senhor fará tudo por mim” e que nunca me esqueça de ti, da tua providência. Se cheguei até hoje, é porque o teu amor nunca me faltou, e sei que nunca me faltará. Amém.

 

 

MEDITAÇÃO: Formamos parte de um desígnio de contorno ilimitado, cujo artífice é Deus. Imersos em um cosmo animado por presenças invisíveis que participam conosco no projeto de Deus, somos construtores de uma história que tem em Cristo seu centro e seu término. O caminho prossegue na luta, em conflito implacável com as forças do mal, as quais, sem dúvida, não poderão destruir nunca o Reino que Deus confiou ao Filho do homem. O combate durará até o final dos tempos, levado adiante em primeira linha pelos santos anjos de Deus: os arcanjos, guiados por Miguel, e todas as criaturas espirituais fieis ao Senhor. Esta realidade que nossos olhos não podem ver nos tem sido revelada a fim de que com a fé, a esperança e a caridade abundante na vida diária, combatamos o bom combate e apressemos assim a consumação do Reino de Deus. Se oferecemos humildemente nossa contribuição, nos concederá um puro olhar interior: contemplaremos então a Misericórdia que há aberto os céus e há vindo morar entre nós para abrir-nos o acessos ao Pai, afim de que com os anjos possamos subir até sua intimidade. Ele há desvelado para nós o mistério do homem, para que com os anjos aprendamos a descer junto a cada irmão.  Nos há introduzido em seu Reino afim de que, convertidos em voz de toda criatura, cantemos eternamente com o coro angélico a glória de Deus.

 

ORAÇÃO: Com um ânimo repleto de esperança e de confiança, de gratuidade e de alegria, corramos a ti, oh! Pai, para dar-te graças… O caminho do homem ao longo do tempo é uma viagem arriscada, porém tu hás posto a nosso lado companheiros atentos que nos servem com intelecto de amor. Damos-te graças pelo arcanjo Miguel, que nos ajuda a combater o bom combate da fé. Damos-te graças pelo arcanjo Gabriel, que vem a nós envolto de mistério e deposita em nosso coração tua Palavra, para que esta se torne em nós, como em Maria, obediência e vida. Damos-te graças pelo arcanjo Rafael, que, na hora de nossos medos e enfermidades, nos colhe pela mão e nos conduz pelo reto caminho para que não nos desviemos do caminho da salvação. Damos-te graças, oh! Pai, que de mil modos te fazes presente a nós, nos guarda como a menina de teus olhos, nos protege à sombra de tuas asas, nos fazes saborear desde já a doçura da íntima comunhão contigo.

 

CONTEMPLAÇÃO: Não devemos crer que se confie um determinado encargo a um anjo por acaso: por exemplo, a Rafael o encargo de curar e medicar; a Gabriel o de apoiar no combate contra as paixões; a Miguel o de ocupar-se das orações e das súplicas dos mortais. Cada um deles há recebido estas tarefas pelos méritos, as inclinações, e as capacidades das que deu provas antes da criação deste mundo. Então se designou, a cada um este ou aquele ministério; outros mereceram ser designados a ordem dos anjos e atuar sob este ou aquele arcanjo, este ou aquele guia de sua ordem. Tudo isto foi ordenado pelo apropriado e justo juízo de Deus e disposto por aquele que há julgado e analisado os méritos de cada um; assim, a um lhe foi confiada a Igreja dos efésios, e a outro, a dos esmirniotas (cf. Ap 2,1.8); este é o anjo de Pedro, aquele o de Paulo (cf. Atos 12,7;27,23). A cada um dos pequenos da Igreja lhes há designado este ou aquele anjo, que contempla cada dia o rosto de Deus (cf. Mt 18,10), e se assinala o anjo que se disponha ao redor dos que temem a Deus. Não devemos pensar que tudo isto acontece assim de maneira acidental ou por casualidade, nem sequer porque tenham sido criados tais por natureza, para evitar que também a este respeito se acuse o Criador de parcialidade. Creiamos que tudo foi designado por Deus, absolutamente justo e reto imparcial do universo segundo os méritos, as capacidades, a energia e o talento de cada um. (Orígenes, I principi)

 

AÇÃO: Repete o nome do arcanjo Miguel, que significa:

“Quem como Deus?”

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Segundo os Santos Padres da Igreja, os anjos personificam as potências celestes e foram postos por Deus junto aos povos como guias. Os anjos tomam uma parte muito ativa na existência histórica do mundo: Sob a guia do arcanjo Miguel, uma batalha contra os demônios e salvaguarda a ordem cósmica. Segundo São Basílio, os anjos do Juízo «pesam» as almas. Eles, que assistem a toda ação divina, estão presentes de um modo particular no martírio. A escala de Jacó os mostra como mensageiros de Deus. Estão como «aderidos» à Palavra e à vontade de Deus e as personificam. Quando Deus decide curar, sua vontade toma a figura do anjo Rafael. Cada vez que um anjo aparece é para transmitir e realizar algo da parte de Deus. Os anjos mostram o «céu», posto que, existem e atuam em um sentido que vai de Deus para os homens. Ainda que mantenham seu poder de revelação direta, Deus se revela a maioria das vezes por meio dos anjos, que são como os portadores de suas energias, de sua luz e de sua revelação. Até o ponto de que os três anjos que apareceram a Abraão em Mambré são considerados, sobretudo na tradição iconográfica, como as figuras das três Pessoas divinas, o ícone da Trindade. O anjo é um lugar teofánico, manifestação vivente de Deus: o nome de Deus está nele e com o nome sua presença (P. Evdokimov, La santità nella tradizione della Chiesa ortodossa).

 

 

 

 

SEXTA-FEIRA, 04 DE OUTUBRO DE 2019 (SÃO FRANCISCO)

Lucas 10,13-16(Missão dos setenta e dois discípulos) =Mt 9,37-38;10,9-16;Lc 9,3-5;Mc 6, 8-11) – O texto de hoje conclui a mensagem onde Jesus envia em missão os “setenta e dois discípulos”, sobre o qual temos refletido na passagem precedente (10,1-12). Por que fala Jesus com tanta dureza de Corazaín, de Betsaida, de Cafarnaum? Que Jesus quer dizer? A condenação destas três cidades deverá ser entendida em diferentes âmbitos. Jesus sublinha, em primeiro lugar, que estas cidades não hão escutado a Palavra que ele tem pregado, ou seja, a graça do Evangelho, o convite à conversão que ele há trazido. Em segundo lugar, Jesus põe de relevo, tragicamente, que os seus lhe abandonaram. Talvez adverte a hostilidade do povo. As antigas cidades pagãs de Tiro e Sidônia terão um julgamento menos severo que o povo de Israel. Por ultimo, em um terceiro âmbito, Jesus prevê também que o Evangelho superará as fronteiras da Galiléia, que chegará aos gentis, enquanto que- por desgraça – as cidades que foram as primeiras em receber sua mensagem ficarão encerradas em um judaísmo anticristão. O texto se converte em um acaso não só para todo o povo de Israel, mas também para todas aquelas pessoas que se excluem da graça do Senhor e caem na hipocrisia e na resistência postas de manifesto pelos “ais”. Pode dizer-se que Jesus pretende censurar o único grande pecado, o imperdoável, esse contra o Espírito Santo: fechar os olhos à manifestação da graça, à oferta de perdão. Esse é o grande risco que corre a missão cristã. Jesus disse com clareza: “Quem vos escuta a mim escuta; quem vos rejeita a mim rejeita” (v.16).

 

 

Jó 38,1.12-21;40,3-5 (A sabedoria criadora confunde Jó) Chegamos a descobrir que toda a busca de Jó está baseada numa esperança indestrutível. Aquele a quem busca Jó existe e nos ama. Certamente a busca é fatigosa e dolorosa. Há muita solidão e muita noite nesta busca, porém, ao final, o descobrimento de Deus suscita alegria, paz, entusiasmo. Lendo o livro de Jó, temos a impressão de que o autor sagrado descreve o jogo do amor que atravessa toda a existência. No amor está a ausência ou, melhor dito, a ocultação e a presença juntas. É como a mãe que se retira para que a criança tenha a surpresa de encontrá-la junto a ela. Nos últimos versos do pequeno poema emerge, entre ambos os diálogos, o tema fundamental do Cântico dos Cânticos: “Meu amado é para mim, e eu para ele” (Ct 2,16). Temos visto no livro de Jó que este apela, com frequência, ao juízo de Deus: “Oxalá que alguém me ouvisse!” (31,35). Por fim, nos capítulos 38-42 responde Deus aos requerimentos de Jó. Trata-se de uma resposta que, por sua vez, é também uma interpelação. Deus apresenta a Jó a imensidão e o caráter grandioso da criação. Faz-lhe ver que o mundo é um imenso projeto divino que suscita admiração e estupor por seu caráter grandioso e sua beleza. As perguntas que dirige Deus a Jó as dirige do mesmo modo a cada um de nós. Deus criou o mundo movido unicamente pela alegria de dar. Não nos é possível contemplar o mundo permanecendo encerrados em cálculos egoístas de quem valoriza exclusivamente sobre a base da utilidade pessoal. Jó, que antes havia lutado e polemizado com Deus e com seus amigos, permanece agora em silêncio, confuso. Renuncia a falar. Renuncia a prosseguir a discussão. Reconhece que falou demais e de maneira superficial. Jó foi sempre sincero. Buscou com sinceridade, porém não encontrou. Agora pode afirmar: “Agora meus olhos te veem”, enquanto que antes “te conhecia só de ouvir” (42,5). Jó, através da prova e permanecendo fiel a Deus, penetrou, por fim, no mistério profundo de Deus.

 

Salmo 138/139 (Homenagem ao Deus onisciente) Agradecer a Deus e louvar são dois verbos que soam suaves aos ouvidos de Deus. Eles expressam e manifestam o que há no interior do ser humano, que é constantemente enriquecido pela força do Senhor e salvo de tantos perigos por sua mão bondosa. O salmista não agradece somente por sua vida, mas por todo o seu povo. O coração de quem reza e realmente conhece a Deus não é egocêntrico, mas pensa no bem comum. Os seus olhos são purificados: se vê o mal, é para amaldiçoa-los; se vê os maldosos, é para interceder a fim de que se convertam e renunciem aos ídolos e falsos deuses. Devemos lutar diariamente para que não sejamos contaminados pelo mal que está ao nosso redor. Peçamos a Deus a mesma proteção do salmista, que se sente seguro quando também atravessa grandes perigos. Com o Senhor nenhum mal poderá nos atingir.

Senhor, sei que tudo fazes por mim, basta crer no teu amor e fidelidade. Por que às vezes sou tão “cabeça dura”, orgulhoso, e acredito que a salvação vem do poder, do dinheiro dos fortes, dos amigos importantes? Por que me esqueço da tua fidelidade e misericórdia? Senhor, não permitas que me afaste de Ti, mesmo que caminhe nos perigos, que seja circundado por idólatras; que eu nunca Te abandone. E se, porventura, Te abandonar, coloca no meu caminho profetas corajosos que me encorajem e me façam voltar ao reto caminho. Que grave no meu coração tuas palavras: “O Senhor fará tudo por mim” e que nunca me esqueça de Ti, da tua providência. Se cheguei até hoje, é porque teu amor nunca me faltou, e sei que nunca me faltará. Amém.

 

 

MEDITATIO: Jó, em meio de sua terrível desgraça, confrontava-se com Deus: “Por que ocultas teu rosto e me consideras teu inimigo? Vais assustar uma folha levada pelo vento ou perseguir uma palha seca? Pronuncias contra mim amargas acusações e me imputas pecados de juventude” (13,24ss). Ao final do livro, ouvimos a Deus interpelando Jó: ”Alguma vez em tua vida destes ordem à manhã ou indicaste a aurora seu lugar?… Chegaste até as fontes dos mares? Pisaste as profundezas dos abismos? Mostraram-te as portas da morte?” (cf. 38,12.16ss). Ó Jó, quantas coisas ignoras! Quantas coisas te escapam e não poderás captar nunca! Ainda que tivesses a ciência mais refinada, desconheceria ainda muitas coisas. Ai, Jó reconhece que deve mostrar-se pequeno e humilde ante Deus; mais ainda, “leviano”, como disse em 40,3: “Falei levianamente, que posso responder-te?” Jó reconhece que não sabe tudo. Só Deus é senhor de toda a ciência. Jó compreende que deve confiar-se a Deus, abandonar-se a Ele. Renuncia, pois a interrogar: “Não direi uma palavra mais. Falei uma vez, porém não voltarei a fazê-lo…” (40,4ss). A humildade consiste em “não saber”, em carecer de pretensões ante Deus. Só através da humildade e descalço, entramos no mistério de Deus: “Assim me coloquei a pensar para entendê-lo, porém me era difícil. Até que entrei nos segredos de Deus e compreendi o destino que lhes aguarda [aos malvados] […]. Eu era um estúpido e não entendia, era como um animal ante ti. Porém eu estarei contigo sempre” (cf Sl 73,16-23). Jó nos ensina que o que vale é estar sempre com Deus.

 

ORATIO: Ó Senhor, ante teu mistério de amor, frente ao sofrimento insondável que experimentaste em teu coração, ficamos sem palavras. Sentimo-nos impotentes e mudos, sem forças. Descobrimo-nos incapazes de experimentar tua infinita potência de amor por nós. Sucumbimos facilmente ante tua entrega inerme. Faz-nos compreender que há no fundo de nossos tormentos, que há dentro dos problemas que tanto nos fazem sofrer. Ajuda-nos a estar sempre contigo. A pôr nossas mãos nas tuas, de sorte que possamos alcançar seu mistério, que não suprime o sofrimento, mas que o faz servir para que cheguemos a Ele. Mostra-nos que o segredo profundo da realidade não se encontra tanto nas grandes especulações como na superabundância do amor por ti.

 

 

CONTEMPLATIO: Jó, homem de tantas admiráveis virtudes, conhecia-se e era conhecido por Deus, porém teria permanecido desconhecido por nós se não tivesse sido golpeado e posto a prova. Exercia também sua virtude quando vivia tranquilo, porém a fama da mesma se difundiu só quando se viu sacudido pelo sofrimento. Enquanto vivia em paz, conservava dentro dele o que era; quando se viu sacudido, fez chegar a todos o bom odor de sua fortaleza. Do mesmo modo que um perfume não se pode cheirar de longe se não é agitado e o incenso não expande seu aroma mais que quando o queimam, assim o perfume das virtudes dos santos não se expande mais que em meio das tribulações. Essa é a razão de que se diga no evangelho: “Se tiveres uma fé do tamanho de um grão de mostrada, dirás a este monte: “Muda-te para lá”, e se mudaria” (Mt 17,20). Se não se mói o grão de mostarda, não é possível conhecer a força de sua propriedade (Gregorio Magno).

 

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Não direi uma palavra mais” (Jó 40,4)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Que as dificuldades não assustaram ao beato Giovanni Battista Piamarta aparece assim mesmo em suas cartas: “As contradições em vez de remover nossa constância, devem revigorá-las fortemente, porque a contradição é sinal de êxito da obra”. Piamarta viu, inclusive, nas tribulações e nas contrariedades, um sinal da bondade da obra: é óbvio, portanto, que devemos resistir e ser fortes, não perder a coragem, perseverar aguentar, ter paciência, porque as obras que estão destinadas a deixar uma pegada e que querem dizer algo novo progridem e se impõem deste modo. Escreve à madre Elisa Baldo: “Comecei a minha obra, e os contrastes e as dores, as desilusões e as indiferenças e os abandonos, inclusive por parte de pessoas das quais podia esperar com fundamento todo o apoio moral e material, foram meu pão de cada dia e continuam sendo, ainda mais que nunca. A natureza se rebela ante tais tratos, porém o espírito entrega suas costas, porque sabe que é precisamente com esses sinais com os quais Deus bendito quer marcar suas obras (P. G. Cabra, Piamarta, Brescia 1997, p.258).

 

 

 

SÁBADO, 05 DE OUTUBRO DE 2019

Lucas 10,17-24 (Qual é o motivo de alegria para os discípulos; O Evangelho revelado aos simples. O Pai e o Filho; O privilégio dos discípulos) O evangelho que a liturgia de hoje nos apresenta, nos manifesta o significado da missão dos “setenta e dois discípulos”. Voltam estes “cheios de alegria” (v.17) e Jesus Cristo lhes descobre o conteúdo profundo do que hão realizado. O tema está desenvolvido em duas seções ligeiramente diferentes, ainda que unitárias (vv.17-20 e vv. 21-24). Estas incluem em primeiro lugar, a missão, considerada como uma vitória que conseguem os setenta e dois na luta contra Satanás (v.18); em segundo lugar, a vitória sobre Satanás, que manifesta que os discípulos são capazes de vencer o mal que há no mundo; por isso se lhes considera no evangelho “felizes” (v.23) e seus nomes estão escritos no Reino dos céus (cf. v.20); e em terceiro lugar, e prosseguindo, o evangelho nos faz observar que os “simples” (v.21) estão abertos ao mistério e recebem a verdade de Jesus; por ultimo, Jesus louva ao Pai pelo dom concedido aos “simples” e revela a união de amor entre ele e o Pai: “Tudo me foi entregue por meu Pai, e ninguém conhece quem é o Filho, senão o Pai…” (v.22). Pode afirmar-se que a missão é concebida no evangelho como irradiação do amor que une o Pai e o Filho. Este amor revelado aos simples é a força que destrói o mal. Os discípulos são considerados “felizes” porque vêem e saboreiam já, desde agora, o amor do Pai e do Filho.

 

 

Jó 42,1-3.5-6.12-16 (Ultima resposta de Jó) Os últimos versículos do livro de Jó constituem um ato de confiança e de abandono em Deus. Já ante o espetáculo da criação e de suas maravilhas, Jó havia feito uma primeira confissão a Deus: “Falei apressadamente, que posso responder-te? Não direi uma palavra mais. Falei uma vez, porém não voltarei a fazê-lo; duas vezes, porém não insistirei” (40,3-5). Agora, nesta segunda confissão, Jó não só reconhece a desordem de sua mente, mas que confessa a sabedoria e a onipotência de Deus. Retira todas as acusações que havia movido antes contra Deus: “Sei que tudo podes, que nenhum plano está fora de teu alcance” (42,2). Jó fez um longo caminho. Adentrou em situações de real desespero, através da noite dos sentidos e do espírito, em uma experiência que figura entre as mais terríveis da vida. Tem compreendido que Deus se esconde para fazer-se buscar e para que possamos encontrar-lhe: este ingresso sublinha seu caminho místico, o grande dinamismo de sua vida espiritual. Em consequência, pode afirmar Jó: “Te conhecia só de ouvir, porém agora meus olhos hão te visto” (42,5) Agora te conheço, entrei no profundo de teu mistério. O conhecimento de Deus que agora tem amadurecido em Jó já não é “de ouvir”, mas um conhecimento de quem tem se aproximado a Ele e buscado assemelhar-se ao Filho de Deus, que deu sua vida pelo homem. Agora compreendemos bem que o problema de Jó é, sobretudo, um grande problema de amor. O amor de quem, ainda sentindo-se rejeitado, não desiste, apesar de tudo, de continuar buscando e gritando a Deus por sua própria fidelidade. Satanás havia apostado com Deus que não havia nenhum amor gratuito. Jó tem conseguido provar que, quando o amor do homem é atraído pelo de Deus, é capaz de alcançar uma entrega total.

 

Sl 118/119 (Elogio da lei divina) Esta é uma oração sem fim. Provavelmente é obra não só de uma pessoa, mas de várias, que elogiam por meio de muitos artifícios literários a Palavra de Deus, a lei do Senhor, como fundamento de todo o agir humano. É um Salmo belíssimo que deve ser “saboreado” lentamente, um versículo por dia. Assim, teremos por mais de meio ano assegurado nossa meditação. Deus se comunica conosco não para nos oprimir ou dominar, mas para ensinar os caminhos da felicidade. Felizes os que vivem a Palavra de Deus e a ensina. Medite dia a dia este Salmo e sua vida, sem dúvida, será diferente, sendo fortalecida não por palavras humanas, mas pela Palavra de Deus.

Senhor, não quero fugir de tua Palavra nem desprezá-la. Quero amá-la como Lâmpada para os meus pés e luz no o meu caminho. “Lâmpada para meus passos é tua palavra e luz no meu caminho. Jurei, e o confirmo guardar tuas justas normas. Meu sofrimento passa dos limites, Senhor, dá-me vida segundo tua palavra. Senhor, aceita as ofertas dos meus lábios, ensina-me tuas normas. Minha vida está sempre em perigo, mas não esqueço a tua lei. Os ímpios me armaram laços, mas não me desviei de teus preceitos. Minha herança para sempre são teus testemunhos, são esses a alegria do meu coração. Inclinei meu coração a cumprir teus estatutos, desde agora e para sempre” (Sl 119, 105-112).

 

 MEDITATIO: Chegamos ao final do livro de Jó. Ao principio havíamos refletido sobre a aposta lançada por Satanás sobre o homem. Segundo a opinião de Satanás, o homem é incapaz de um amor gratuito. Sem duvida, temos concluído que, ainda que não saibamos se temos ou não o amor gratuito por Deus, uma coisa é segura: Deus nos ama e dilatará nosso coração provando-o com o fogo incandescente de seu amor. Além do mais, Deus espera de nós que nos entreguemos a Ele com total confiança e perseverança, como Jó, pondo-nos por completo a sua disposição. Se, de verdade, amamos a Deus, o nosso coração encontrará em si mesmo a sua riqueza. Este amor incrível e atraente é o que nos comprometerá e nos levará a saborear o dom inaudito do amor trinitário. No Cântico dos Cânticos se lê que aquele a quem buscamos sem cansar-nos existe e nos ama. Um dia o encontraremos, se temos perseverado nesta busca contemplativa, e nos cumulará de alegria. Porém, o devemos buscar já desde agora sem desanimar-nos. No fundo, também Jó pode dizer ao final: “Agora meus olhos hão te visto” (42,5). Só quem ama, disse Von Balthasar, pode falar do amor. Não é possível falar, nem sequer dos menores problemas do mundo espiritual sem ter tido uma experiência direta. Do mesmo modo, tampouco, um cristão pode fazer apostolado, anunciando, como fez Pedro, o que viu e tem ouvido (cf. 2 Pe 1,16-19). Tudo o que podemos testemunhar sobre o nosso Deus procede da contemplação: a de Jesus, a da Igreja e a nossa. Graças a este amor, que lhe há posto em uma autentica relação com Deus, Jó obtém sua benção, muito maior que a primeira. Durante estes dias temos meditado sobre o mistério da prova e do amor. Diante de Maria Santíssima peçamos o poder para penetrar, com maior profundidade, neste mistério.

 

ORATIO: Oh Deus, tu és nosso Senhor, és tu quem se antecipou a nós e nos amou quando ainda nem sequer te conhecíamos e não podíamos pagar teu amor com o nosso. És tu quem nos segue amando-nos e preparaste para nós bens invisíveis dos quais não temos nenhuma visão intuitiva. Também nós te amamos e nos movemos para ti, precisamente na direção que tu nos tens prefixado. Porém estamos submergidos em um montão de coisas e de obstáculos que nos impedem buscar-te; impulsionam-nos distante de ti; impedem-nos gozar de tua intimidade. Concede-nos, ó Pai, a graça de compreender o grito lacerante de nosso coração. Ajuda-nos a entender melhor o sentido das provas que nos pressionam por todas as partes; da noite de nossos sentidos, da noite do espírito e da noite profunda da fé, onde nos agitamos em um estado de quase desespero. Infunde em nosso coração o afeto de teu amor. Infunde-o profundamente. Converte-te tu mesmo para nós em uma corrente que flua, para que nosso correr nos conduza a ti. Tu, ó Deus, nos fizeste compreender que nos é necessário entrar nos sofrimentos e nas provas de Jesus Cristo. Ajuda-nos agora, ó Pai, a meditar sua paixão, a fim de participar em seus sofrimentos e conhecer, assim, a força da ressurreição.

 

CONTEMPLATIO: O amante não entra no reino do amor com a alegria de ter encontrado por fim a culminação de todos seus próprios desejos, mas em silêncio e com humildade, porque o amor há sobrepassado todas suas expectativas e a ele mesmo. Tem que suportar o insuportável: a presença do amor. Seria pouco dar a esta impossibilidade de suportar o nome de bem-aventurança, de êxtase de amor. Em efeito, o amor é demasiado grande, e neste “demasiado” se inclui uma espécie de dor, que só conhece quem ama, porém que é a flecha, a espinha de toda felicidade espiritual. Seria assim mesmo pouco descrever esta dor como o limite da própria resposta, como desilusão respeito à própria realidade, que inclusive no momento da máxima entrega não oferece nada verdadeiramente digno do amor. Em efeito, o amor demasiado grande não transborda só em relação com o eu, à pessoa à qual beneficia; nem sequer um eu maior, mais digno, conseguiria conter este transbordamento; tal prerrogativa, em efeito, está ínsita no amor mesmo, que, confrontado consigo mesmo, resulta demasiado grande, e todo o que se veja ferido por sua maravilha e arrastado por suas ondas deveria cair em adoração frente a seu extremo poder e a sua vitoria radiante. (H.U, Von Balthasar, Sorelle nello spirito. Teresa di Lisieux e Elisabetta di Digione, Milán).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“De modo que não haveis podido velar comigo nem sequer uma hora?” (Mt 26,40)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL Eis aqui uma das páginas mais belas que escreveu Santo Tomás Moro no cárcere antes de ser executado: “Cristo sabia que muitos, por sua própria debilidade física, haveriam de se deixar atemorizar só pela ideia do suplício… e quis confortar seu animo com o exemplo de sua dor, de sua tristeza, de sua angustia, de seu medo. E a quem estiveram constituídos fisicamente deste modo, ou seja, aos débeis e aos medrosos, lhes quis dizer quase falando-lhes diretamente: Tem coragem, tu que és tão débil; ainda que te sintas cansado, triste, temeroso e importunado pelo terror de cruéis tormentos, tem coragem: porque também eu, ante o pensamento da acérrima e dolorosa paixão que se fazia próxima me senti ainda mais cansado, triste, temeroso e submetido a uma intima angústia… Pensa que te bastará caminhar atrás de mim… Confia-te a mim, se não podes ter confiança em ti mesmo. Olha: eu caminho diante de ti por esta via que te da tanto medo; agarra-te a borda de minha túnica e dela obterás a força que impedirá que teu sangue se disperse em vãos temores e manterá firme teu ânimo com o pensamento de estar caminhando detrás de minhas pegadas. Fiel a minhas promessas, não permitirei que sejas tentado acima de tuas forças” (A. Si

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