LECTIO DIVINA NA 28ª SEMANA COMUM ANO A 2020

LECTIO DIVINA NA 28ª SEMANA COMUM ano A 2020

– Comunidade Paz e Bem

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SEGUNDA-FEIRA, 12 DE OUTUBBRO –

João 2,1-11 (As bodas de Caná) No texto de hoje vemos o sinal de Jesus nas bodas de Caná. O relato inicia ligando-se a fatos anteriores, através duma indicação temporal: “Três dias depois…”. Se o autor sagrado achou necessário destacar esta circunstância, o leitor também deve perguntar-se: “Três dias depois de que?”. E isto nos leva a resumir o que ocorreu na primeira semana da vida pública de Jesus. Tudo começa com João Batista e com a revelação que ele faz de sua própria identidade: “Eu não sou o Cristo… sou a voz do que clama no deserto: ‘Endireitai o caminho do Senhor'” (Jo 1,20.23). “No dia seguinte” aparece Jesus em cena e João diz: “Eis aí o Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo… Eu dou testemunho de que este é o Eleito de Deus” (Jo 1,29.34). “No dia seguinte” se relata a vocação dos dois primeiros discípulos de Jesus: André e outro discípulo (que todos identificam com o próprio escritor sagrado: João, o evangelista); André leva seu irmão Simão até Jesus. “No dia seguinte”, se relata a vocação de outros dois discípulos: Felipe e Natanael. Até este momento, então, Jesus tem 5 discípulos. E “três dias depois” houve uma boda em Caná da Galileia. Por que há um vazio de três dias?  Qualquer conhecedor da Palestina o sabe. Ora, o chamado dos cinco primeiros discípulos se deu ao redor de João Batista. Eram discípulos dele que seguiram Jesus; João os havia formado para isso, nisto consistiu sua tarefa de “preparar o caminho”. João batizava no Jordão à altura de Jerusalém. E, se o episódio seguinte vai ocorrer em Caná da Galileia, o leitor conhecedor da Palestina sabe que o tempo de três dias foi ocupado na viagem até essa localidade que está situada a mais de 100 km ao norte. Viagem a pé bem entendido. Temos assim uma semana completa, a primeira semana da missão pública de Jesus, a esta semana chamamos de a “semana inaugural”. Que tenha havido uma boda em Caná da Galileia é algo normal e cotidiano. O especial desta boda é que “estava ali à mãe de Jesus” (v.1). Está introduzida, assim, a causa do que ocorrerá. É a primeira vez que se fala da “mãe de Jesus” no Evangelho de João. Ela não será mencionada de novo, neste evangelho, senão ao final, ao pé da cruz. Este Evangelho não nos diz que ela tem o formoso nome de Maria. Porém, uma coisa é clara: se ela não houvesse estado nesta boda, não haveria ocorrido o milagre. Por isso se faz referência a ela primeiro. Só em seguida é que se acrescenta: “Foi convidado, também, à boda, Jesus…” (v.2). O mérito é de sua mãe, se Jesus se sobressaia e ocupe toda a cena nessa boda. Não só isto, mas, também, que, nessa ocasião, manifeste “sua glória”. (Felipe Bacarreza Rodríguez, bispo).

 

 

Ester 5,1b-2;7,2b-3 (Ester se apresenta no palácio; Amã no banquete de Ester) – Estamos diante de um escrito sapiencial. Estes tinham como objetivo orientar e ensinar os judeus da diáspora, isto é, os judeus que viviam fora de Jerusalém, sob o domínio de outros povos em terras estrangeiras. O livro traz uma narração acontecida na época em que os judeus estavam sob o domínio dos persas, quando, na ocasião, o rei Assuero controlava a Palestina. Reescrito no séc.II a.C, este Livro tenta incutir na mente e no coração do povo judeu, que agora está sob o domínio do demoníaco Epífanes IV, a não se render a seus caprichos e a perseverar na fé no Único Deus. O maior objetivo de Epífanes era ‘helenizar’ (paganizar) a Palestina. Neste livro, o personagem principal é uma mulher chamada Ester. Conta-nos que esta mulher simples, que vivia no meio dos deportados, de repente, torna-se a Rainha da Pérsia. Um homem chamado Mardoqueu, responsável por ela, descobriu que Amã, primeiro ministro e homem da total confiança do rei, planejou uma rebelião contra o rei para lhe tomar o trono e determinou ainda a morte do povo judeu, sorteando um dia para a matança. Sabendo disso, Ester só tem um desejo: salvar o seu povo das mãos deste inimigo diabólico. Então decide usar o seu poder de sedução para influenciar o rei pagão que a tomara por esposa, a fim de que não matasse o seu povo. Ao se apresentar diante do rei, este se encantou com a sua beleza e lhe prometeu até a metade do seu reino. Ela pede a vida de seu povo. Amã é desmascarado e morre enforcado. Para muitos biblistas, este livro não se trata de uma história real, mas de uma espécie de ‘romance’. Sua função é explicar a origem da ‘Festa dos Purim’ (=sorte). Esta palavra lembra o dia sorteado por Amã para que o povo de Israel fosse exterminado (cf.9,20-32). Os dois primeiros versículos de nosso texto de hoje servem de introdução para aquilo que os outros dois versículos próximos dirão: a Rainha Ester salva a vida de seu povo. Os judeus passaram a festejar esta salvação da morte através da Festa do Purim (Pe. Cleodon).

 

Ap 12,1.5.13ª.15-16a (Visão da mulher e do Dragão) – A nossa passagem de hoje apresenta um texto que parece ser o cumprimento do que está escrito em Gn 3,15-16: a mulher e sua descendência são perseguidas pelo dragão. Na Tradição Judaica a Serpente ou o Dragão simbolizava o poder do diabo, inimigo de Deus e de seu povo. O próprio Deus devia destruí-lo no fim dos tempos (cf.Jó 3,8;7,12). Há uma riqueza enorme de símbolos: mulher, vestes, sol, lua, pés, coroa de 12 estrelas sobre a cabeça (v,1). A mulher pode simbolizar: a) Eva: mãe de todos os vivos; b) Israel: povo de Deus; c) SiãoJerusalém: esposa de Yahweh; d) Maria: mãe do Cristo; e e) Igreja: esposa de Jesus Cristo. Em todos os casos temos a mulher perfeita. Ela estava vestida de sol. A lua debaixo dos pés. Uma coroa de 12 estrelas sobre sua cabeça. Essa descrição já mostra que se trata de uma mulher vitoriosa. Diz-se que a mulher deu a luz um filho homem (v.5). No entanto, este filho veio para controlar com cetro de ferro (poder, autoridade). Ele é um protegido especial do Pai, tanto que foi levado para ocupar o seu lugar, o trono, ao lado de Deus. Destaca-se a covardia do dragão. O dragão é o puro símbolo da morte. Já que se sente impotente diante do Filho, ele persegue a mãe (v.13). Foi para a terra, lugar onde a mulher foi também (deserto). Lugar onde Jesus se retirou para derrotá-lo. A serpente aparece como palavra sinônima do dragão (v.15). A serpente lança muita água. Tanto que parecia um rio. Seu objetivo era fazer com que a correnteza do rio arrastasse a mãe e a fizesse perder a vida. Este rio é o símbolo do Império Romano que vem como um rio tentando engolir o povo de Deus. A terra é apresentada como uma aliada (v.16). Ela ajuda a mulher, abrindo sua boca e engolindo o rio. A terra simboliza que toda a natureza está ao lado da mulher, realizando a vontade de Deus (PE CLEODON).

 

 

Sl 44/45 (Epitalâmio real) – A Igreja aplica este Salmo à Virgem Maria. Quem ama sente a necessidade de louvar e cantar as maravilhas do mundo. Quem mais do que Maria pode cantar a beleza do Verbo feito carne? Quem mais do que ela pode sentir a alegria de contemplar o seu Filho? E quem mais do que Jesus pode cantar as belezas de sua Mãe Maria? Este hino de amor nos faz perceber como a vida é bonita quando nos doamos no amor, quando Deus se coloca na nossa frente com toda sua beleza e poder.

Senhor, que eu possa em cada momento sentir-me atraído por ti, por um amor infinito. Que este amor nunca venha a menos e que tudo o que faço seja só feito por amor e no amor. Que nada me afaste da tua beleza. Seduz-me, Senhor, e que me deixe seduzir. Que estejamos unidos por laços de amor eterno. Amém.

MEDITAÇÃO: “Mais preciosa do que os peixes desejados foi para eles a estátua envolvida em suas redes. Era o começo de um novo momento de vida com a Virgem, a Aparecida nas águas! Conta-se que a imagem teria sido jogada no Rio Paraíba para afugentar uma enorme serpente que causava pânico ao povo. A serpente então fugiu e o povo pôde de novo viver em paz. Como se vê, a história da devoção do povo a Maria é anterior ao acontecimento da “pesca milagrosa”. A Virgem jogada nas águas era a que foi trazida pelo colonizador português: era uma Virgem branca! A imagem encontrada nas águas é negra. As águas do Rio Paraíba enegreceram a imagem, tornando-a da cor do povo pobre e maltratado, dando mais força e identidade a eles, sobretudo aos negros. Estes encontraram nela uma expressão de sua raça, de sua cor, de sua história. A partir dessa confiança popular deu-se de forma crescente a expansão do culto à nova Virgem da Conceição, a “salva das águas”, a Nossa Senhora Aparecida. Estudiosos afirmaram que a imagem encontrada foi esculpida provavelmente por um monge carioca Frei Agostinho de Jesus e mostraram o quanto a devoção à Senhora da Conceição era uma constante em Portugal e em todos os seus domínios. Sabe-se que, desde o século XIV, a doutrina sobre o mistério da Imaculada Conceição se difundia por toda a península ibérica. Os missionários jesuítas que aqui chegaram foram os propagadores da devoção à Mãe de Deus. A catequese dos missionários incluía sempre a devoção à Virgem. A prática da oração do rosário passou a ser uma constante na vida católica dos indígenas, depois na senzala dos negros e mais tarde foi assumida como tradição importante na religiosidade do povo brasileiro e latino-americano. O que é mais importante na história de Nossa Senhora da Conceição Aparecida é o que ela fez com os pobres, de como acompanhou suas vidas, ouviu seus lamentos e alimentou suas esperanças. Celebrando sua festa, entoemos louvores a Deus por esta serva fiel do Senhor!” (Padre Giovane Pereira de Melo)

 

ORAÇÃO: Ó Deus, quiseste que a mãe do teu filho fosse amada e querida por todo o povo brasileiro, como mãe negra, Aparecida. Celebrando sua festa te pedimos: derrama sobre nós a alegria do teu amor, e reforça todas as lutas em defesa da Vida e por um país realmente livre, justo e fraterno. Isso te pedimos em nome de Jesus, nosso Senhor. Amém!

 

CONTEMPLAÇÃO: Faltou o vinho e sua mãe disse a Jesus: “Não têm vinho”. A resposta de Jesus indica claramente sua intenção de permanecer por hora oculto: “Ainda não chegou minha hora”. Não havia chegado ainda a hora de sua manifestação. Esta resposta teria desanimado qualquer um. Porém sua mãe o conhece bem; ela sabe que já obteve o que pede, pois o coração de ambos bate em uníssono. Se a ela é sério haver faltado o vinho na boda, é sério também para ele. Por isso a ela bastou indicar esta penúria e logo deixar que assumisse a situação. Isto é o que expressa à frase que ela dirige aos servos: “Fazei tudo o que ele vos disser”. Expressa a certeza de haver obtido o que pede e a convicção de que o que Jesus decidir, isso é o que tem que ser feito. Quanto temos que aprender neste modo de proceder da Virgem Maria! O resto já se conhece: Jesus faz encher de água as seis talhas que havia ali para a purificação dos judeus e quando se provou era vinho excelente. O Evangelho conclui: “Assim, em Caná da Galileia, Jesus deu início a seus sinais”. Ali iniciou algo novo na história. O evangelista expressa também em outros termos: “Jesus manifestou sua glória, e creram nele seus discípulos”. Por que ocorreu nessas circunstâncias – numa simples boda – e não em um cenário mais notável, por exemplo, no templo ou ante as autoridades judias ou romanas? Ocorreu ali porque nessa boda estava a Mãe de Jesus e ela é a única que teve poder para fazer chegar “a hora” da manifestação de seu Filho. Segundo João, a glorificação de Jesus é sua morte na cruz. E esse é o outro momento em que reaparece a mãe de Jesus: “Junto à cruz de Jesus estava sua mãe” (Jn 19,25).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Fazei tudo o que ele vos disser”

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – A devoção à Santa Virgem Maria, Mãe de Deus, agrada tanto a seu Filho e é tão necessária e familiar aos verdadeiros cristãos que não necessito recomendá-la a quem deseja viver cristamente… Só te direi que não devemos separar o que Deus tão perfeitamente uniu. Jesus e Maria estão, de tal modo, vinculados entre si que ver Jesus é ver Maria, amar a Jesus é amar Maria, ter devoção a Jesus é ter a Maria. Eles são os dois primeiros fundamentos da religião cristã, as duas fontes vivas de toda bênção, os dois protagonistas de nossa devoção, as duas metas que devemos olhar em nossas ações e exercícios. Não é cristão de verdade quem não tem devoção à que é Mãe de Cristo e de todos os cristãos. Daí que Santo Anselmo e São Boaventura afirmem que não podem ter parte com Cristo os que não são amados de sua Santa Mãe, como tampouco podem perecer os que ela olha com benevolência. E, visto que devemos continuar as virtudes e sentimentos de Jesus, é preciso que continuemos o amor, a piedade, a devoção de Jesus por sua Santa Mãe. Ele a amou e honrou de forma singularíssima, ao escolhê-la por mãe. Ao dar-se a ela como filho, ao tomar dela um ser e uma vida nova, ao criar vínculos profundos com ela, ao deixar-se, guiar por ela durante sua infância e sua vida oculta e ao constituí-la soberana do céu e da terra, glorificando-a e fazendo-a glorificar no mundo inteiro. Para continuar na terra a piedade e devoção de Jesus por sua Santa Mãe devemos ter por ela uma devoção especial e honrá-la singularmente (São João Eudes, Vida e Reino de Jesus).

 

 

 

 

 

 

 

TERÇA-FEIRA, 13 DE OUTUBBRO

Lucas 11,37-41 (Contra os fariseus e os legistas) Esta página evangélica conta um fato de vida que implicou Jesus de um modo pessoal: trata-se do convite a comer na casa de um fariseu. Vem, a seguir, uma reação de Jesus em tom bastante polêmico, da qual se desprende um ensinamento claro e forte. A relação entre Jesus e os fariseus a conhecemos também por outras páginas evangélicas; quase sempre aparece a imensa distância que separa a lógica evan­gélica da prática farisaica. Também aqui, no mar­co de uma simples refeição, aparece a atitude do fariseu anfitrião, que está mais preocupado na observância de uma norma legal que na honra que deve dar a seu hóspede especial. É sabido que os judeus davam uma grande importância à prática das abluções, sobretudo antes das refeições (cf. também Mc 7,3ss); também sabemos que Jesus, com frequência e de modo voluntário, se negava a observar tais prá­ticas (tanto ele como seus discípulos: cf Mt 15,1-20). Fica plasmada, de um modo mais que evidente, não só a distância espiritual que existe entre Jesus e os fariseus, mas, em certo modo, também a incompatibilidade de seus respectivos pontos de vista. Neste marco histórico se inserem as palavras de Jesus com as quais, em primeiro lugar, tenta descrever e censurar o forte contraste que existe entre a exagera­da atenção ao que está «fora do homem» e o esquecimento imperdoável do que está «dentro do homem». Bas­taria com este detalhe para dar-se conta do indigno da pessoa humana que é o código de comportamento fariseu. Sem dúvida, o Nazareno não se contenta com isto. Depois de ter censurado sua atitude, Jesus lhes chama “”insensatos» (v,40). Em que sentido, nos pergunta­mos. Essa insensatez consiste no fato de que os fa­riseus, enquanto cultivam a religião dos ritos e das observâncias, acabam esquecendo a religião do coração. Ou melhor ainda, referindo-se à ação criadora de Deus, Jesus nos convida a não separar o que Deus uniu: o interior e o exterior, o corpo e o coração, a prática e a intenção. O convite à esmola é um exemplo concreto de como pode expressar o discípulo de Jesus, de um modo unitário, uma espiritualidade, a evangélica, que se sintetiza perfeitamente na lei da caridade.

 

 

Rm 1,16-25 (A tese da epistola) – Após a saudação inicial (primeira leitura de ontem), Paulo enuncia de imediato o tema de sua carta: «O Evan­gelho, que é força de Deus para que se salve todo o que crê, tanto se é judeu como se não é» (v.16). O compro­misso do apóstolo consistirá em aprofundar e em proclamar a «Boa Nova», segundo a qual Deus quer salvar a to­dos mediante o dom da fé. Paulo não se envergonha deste Evangelho, mas que se sente justamente orgulhoso e satisfeito: em efeito, é também mediante seu ministério como se revela a justiça de Deus de fé em fé. Parece quase como se estivéssemos vendo ao apóstolo em ação, inclinado não tanto a anunciar o Evangelho que lhe foi comunicado como a fazer participar a outros na experiência pela qual ele mesmo ha passado. Em efeito, ele mesmo havia experimentado no caminho a Damasco o invencível poder do amor de Deus que salva; no cami­nho que lhe haveria levado à perseguição dos cristãos, Saulo foi surpreendido por Jesus de Nazaré, que lhe mudou as conotações espirituais. Além da primeira formulação do tema, esta pá­gina litúrgica apresenta um primeiro desenvolvimento: o projeto de Deus ha se revelado já na historia de Jesus de Nazaré e se revela dia após dia na historia da huma­nidade. Considerando bem as coisas, a situação espiri­tual que descreve aqui Paulo é bastante negativa, ainda que se trata só de uma primeira consideração à que logo seguirá a positiva da salvação outorgada em Cristo Jesus.

 

Salmo 18/19A (Iahweh, sol de justiça) – Quais os princípios que nos orientam? Se forem pecaminosos, toda nossa vida será injusta; mas se forem justos nosso agir será reto. Os Salmos convidam a ter nossas vidas coerentes com a Palavra. A doçura da Palavra de Deus sacia nosso coração. Que nossa boca não fale mentira, que nosso falar seja reto e honesto.

Ó Senhor, preserva-me do orgulho de ser santo e melhor que os outros. Que eu sempre tenha no coração a humildade. Se eu faço o bem, é por ti; se fujo do mal, é pela tua bondade. Nada sem ti podemos fazer. Contemplar e fazer o bem são os maiores desejos que temos dentro de nós. O bem está presente em todas as pessoas, portanto, dá-me olho para vê-lo e coração para amá-lo. Amém.

 

 

MEDITATIO: A Palavra de Deus ilumina as profundidades do co­ração humano: saca à luz sua grandeza e descobre suas misérias. Não é casualidade que, na lista das malda­des que brotam desse «abismo», Paulo fale também da insensatez. As vezes, em efeito, ficamos sur­preendidos de nossa torpeza. Ao homem de hoje, capaz de maravilhosos descobrimentos científicos, se lhe ofere­ce uma oportunidade desconhecida até agora: a de adentrar-se nos segredos da natureza que levam inscritas – desde o infinitamente pequeno ao infinita­mente grande – as cifras misteriosas da inteligência e do amor divino. Mas eis que, em vez de embria­gar-se com tanta beleza e perder-se no êxtases de uma contemplação rica e fascinante, nas páginas dos periódicos se ajuntam crônicas de fatos tão perversos e repugnantes que só podem explicar-se admitindo uma presença demoníaca. O evangelho também nos fala de insensatez, de uma religiosidade não iluminada: prestamos atenção a um montão de coisas exteriores, porém não captamos a substancia. É o risco que corremos nós, os cris­tãos, que com muita frequencia nos fixamos no de­talhe, nas formas, e perdemos de vista o amor a Deus e aos irmãos. Ao ler a vida dos santos temos a menudo a impressão de que estão dotados de uma audácia e um anticonformismo desconcertantes. Na realidade, se trata só desse olho penetrante, aguçado pela inteligência da fé, que sabe ir sempre mais além de quanto está consolidado, fixado, ainda que não para a busca do cômodo ou para libertar da lei, mas para que seja o amor – e só o amor – o que tra­ce o caminho. Em uma sociedade obcecada pelas imagens, pelas aparências, pelo exterior, só Jesus é capaz de chegar ao coração para convertê-lo, de modo que, purificado, possa deixar aparecer o bom tesouro que esconde.

 

ORATIO: Tua Palavra, Senhor, é «uma espada de duplo fio». Quan­do põe a descoberto nossa miopia, obnubilada por interesses egoístas, nos faz mal. Quando encontra uma mente sedenta de verdade, cura nossa cegueira. Quan­do molesta a nossa apatia dissonante com teu plano de salvação, se sente incômoda. Quando encontra um ouvido aberto à escuta, sana nossa surdez. Quando nos agita com a mensagem da cruz, molesta e dá medo. Quando encontra um coração capaz de aceitar a prova como algo que faz parte constitutiva da vida, então alivia nosso sofrimento. Faz, Senhor, que tua Palavra, sempre dinâmica e viva, encontre em mim uma resposta de fé: só assim produzirá em mim uma conversão verdadeira e me salvará.

 

CONTEMPLATIO: Nosso Pai celestial nos ha chamado e nos ha ele­gido previamente desde a eternidade em seu Filho amado e, com sua mão amorosa, ha escrito nossos nomes no livro vivo da eterna Sabedoria: portanto, nós devemos corresponder a seu amor com todas nossas forças, com uma reverencia e uma veneração infinita. Precisamente assim começam todos os cantos dos anjos e dos homens, cantos que não terão nunca fim. A primeira melodia do canto celestial é o amor a Deus e ao próximo. Deus Pai, para ensefiárnosla, nos enviou seu Filho. O que não conheça esta melodia não poderá entrar no coro celestial, porque não só não a conhece, mas que não saboreia sua beleza: portanto, será excluído para sempre dos exércitos celestiais […]. Todo o mais sublime e mais gozoso que se pode cantar no céu e na terra é precisamente isto: amar a Deus, e amar ao próximo por Deus, por causa de Deus e em Deus. A arte e a ciência deste canto nos os proporciona o Espírito Santo. Cristo, que é nosso cantor e mestre de coro, ha cantado desde o principio e entoará por nós eter­namente o cântico da fidelidade e do amor sem fim. E também nós, com todas nossas forças, cantare­mos depois dele, tanto aqui embaixo, na terra como no coro da gloria de Deus. O canto comum que todos devemos conhecer para formar parte do coro dos anjos e dos santos no Reino de Deus é, portanto, o amor verdadeiro e sem ficção. O amor é, em efeito, a raiz e a causa de todas as virtudes na intimidade de nosso coração e é, no exterior, a veste capaz de adornar todas nossas boas obras (Ruysbroek el Admirable, Les sept degrés de l’amour spirituel, XII).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«O Evangelho é força de Deus» (Rm 1,16)

                                

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Receber a mensagem evangélica na vida significa deixar que nossa vida chegue a ser, no sentido mais amplio e real da palavra, uma vida religiosa, uma vida referida a Deus, em estreita relação com ele. A revelação essencial do Evangelho é a presença domi­nante e invasora de Deus. Trata-se de um convite a encontrar a Deus, e a Deus não se lhe encontra mais que na solidão. Esta solidão parece estar negada àqueles que vivem com os homens. Seria como crer que nós podemos entrar na soli­dão antes de que Deus nos chame. Na realidade, é ele quem nos espera. Encontrar-lhe significa encontrar a solidão, porque a verdadeira solidão é espírito, e todas nossas solidões hu­manas são só um modo de encaminhar-nos para a fé, que é a perfeição da solidão. A verdadeira solidão não é a ausên­cia dos homens, mas a presença de Deus. Pôr nossa pró­pria vida frente a Deus, deixar que a noção de Deus transforme nossa própria vida, significa entrar em uma região onde se nos dá a solidão. É a altura o que procura a solidão das montanhas, não o lugar onde se apóiam suas bases. Se o mana da presença de Deus em nós acaba no silencio e na solidão, então nos deixa na paz, conscientes de estar profundamente uni­dos a todos os homens, feitos da terra como nós… «Bem-aventurado o que recebe a Palavra de Deus e a guarda» (Lc 11,28) (M. Delbrêl, Nosotros, gente de la calle, Estela, Barcelona 1971).

 

 

 

 

QUARTA-FEIRA, 14 DE OUTUBRO

Lucas 11,42-46 (Contra os fariseus e os legistas) =Mt 23,4.6-7;23.27 – O convite a comer na casa de um fariseu, como vimos ontem, provocou uma reação forte e dolorosa em Jesus. Na leitura de hoje, Lucas refere outras invectivas de Jesus contra os fariseus, além dos mestres da Lei. Deste modo expressa Jesus sua atitude pedagógica com respeito a alguns de seus contemporâneos que demostraram não querer entrar na lógica evangélica que suscita atitudes humanas consequentes. Ainda que seja a contraluz, estamos convidados a captar uma espiritualidade que caracteriza os discípulos de Jesus em cada momento de sua vida. Como verdadeiro pedagogo, capaz inclusive de recorrer a condutas fortes quando é necessário, o Senhor tende a arrancar as máscaras do rosto daqueles que se iludem pensando poder esconder sua verdadeira identidade sob semblantes aparentes e ilusórios. Mas, o que mais conta é considerar os valores que estão em jogo: os que Jesus quer afirmar mais além e acima de toda hipocrisia humana. Em primeiro lugar, o valor da justiça e do amor de Deus, que deve buscar o verdadeiro crente com todas as suas forças, em vez de perder-se na mera observância de normas particulares. Em segundo lugar, o espírito de serviço aos outros, que nos conduz a renunciar também aos primeiros postos se isso é útil de algum modo. Em terceiro lugar, o valor da transparência interior e exterior contra a epidemia do mal que consiste na hipocrisia. Por último, o valor da compreensão fraterna contra a atitude dos que se mostram intransigentes à hora de aplicar a lei aos demais, mas que se mostram permissivos na hora de aplicá-la a eles mesmos.

 

 

Romanos 2,1-11 (A ira futura para todos) – Judeus ou gregos, todos somos culpáveis ante Deus. Esta constatação, que poderia suscitar sentimentos de desânimo e desolação, provoca, em troca, uma forte busca da verdade. É verdade que todos somos culpáveis e não temos desculpa (cf.v.1), mas devemos preguntar-nos como se situa Deus ante esta situação humana, negativa e insuperável em si mesma. Há, de fato, dois modos de emitir um juizo: um modo totalmente nosso e um modo totalmente de Deus (cf.v.2). Donde procede a culpabilidade dos judeus? Do fato, assim raciocina Paulo, de que os judeus agem como aqueles a quem condenam e assim também eles serão condenados. É o caráter dramático do pecado que impacta diretamente sobre nós, fato que se agrava em virtude dos judeus carregarem nas costas toda a história da salvação que, como sabemos, está encerrada no Antigo Testamento. Esse drama se concentra para Paulo no fato de que, ante a novidade de Jesus, os judeus não foram capazes de reagir de uma maneira positiva e acolhedora. Uma exasperada adesão às suas tradições não lhes permitiu perceber a grande novidade do Deus feito homem. Mas, o juízo de Deus se ajusta à verdade, e não pode estar condicionado nem por nosso modo de julgar nem pela situação de pecado que se deu historicamente. O dom da vida eterna, quer dizer, o dom da salvação plena, Deus o reserva e o reservará sempre «aos que perseverando na prática do bem buscam gloria, honra e imortalidade» (v.7). E Paulo se apressa em acrescentar o motivo desse possível desenlace positivo: «Pois em Deus não há lugar para favoritismos» (v.11).

 

Salmo 61/62 (Só de Deus vem a esperança) – Este é um cântico de esperança de alguém que busca paz e tranquilidade. O salmista tem consciência de que a vida é passageira como um sopro de vento. Tudo o que deseja é ser fiel ao Senhor, praticando os seus mandamentos. A fugacidade da vida é algo que vivenciamos diariamente. Amigos, conhecidos, parentes… um a um, todos morrem. A contemplação da morte entristece a todos, sentimo-nos como se estivéssemos presos à vida por um fio, que pode ser rompido a qualquer momento. Quando surge o pensamento da morte, logo nos questionamos angustiados: o que acontecerá depois da morte? Todas as religiões tentam oferecer uma resposta que acalme o nosso coração diante do desconhecido. A nossa fé católica nos fala de hipóteses, mas de certezas que estão nos Evangelhos. Temos a certeza da ressurreição e da vida eterna, a qual nós declaramos sempre no credo “creio na ressurreição dos mortos e na vida eterna”. Creia: o Senhor está conosco e com Ele olharemos a vida eterna.

Ó Deus, tu que és amor, consola-nos nos momentos difíceis, de solidão, quando a morte se apresentar com negativismo e como porta para o nada; sustenta-nos com a certeza da ressurreição de Jesus e com alegria cheia de esperança da vida eterna. Como os salmistas e tantos outros homens e mulheres de todos os tempos, encontraremos dificuldades e lutas, sentiremos a nosso lado a opressão dos inimigos do corpo, do espírito e do povo. Precisamos de mais confiança e saber que estamos aqui não para nos prejudicar, mas para formar um reino de paz e amor. Alimenta em nós, Senhor, o espírito de solidariedade e de vida. Que eu possa ver nos pobres meus irmãos, para assim ajudá-los; que os ricos irmãos também ajudem e repartam o que têm. Senhor, somos um sopro de vento, mas de vento precioso do espírito de vida que vem de ti. Amém.

 

 

MEDITAÇÃO: A Palavra de Deus se mostra sempre viva e eficaz. Sem dúvida, há momentos nos quais quase parece empenhar-se con tenacidade em por-nos ante nosso pecado de um modo que parece implacável. As requisitórias de Paulo no início da Carta aos Romanos são duras, severas: ninguém deve gloriar-se ante Deus. No evangelho, Jesus nos faz compreender também que precisamente os que se creem justos e despreciam aos outros andam muito longe de sê-lo. A condição para sermos liberados do pecado é, portanto, admitir que somos pecadores. A, isso não é nunca motivo para deixar-nos cair na tristeza ou no desânimo, mas para fazer-nos tomar uma consciência mais aguda do grande que é a misericórdia da que somos objeto em Cristo Jesus. Hoje, no clima de permissividade que se propaga, o critério de moralidade parece ser tomado de um pasotismo do tipo «tomo mundo faz», porém não é essa a escala de valores com a qual temos de medir-nos se queremos ser de Cristo. A grandeza do homem vem dada por sua liberdade e, em consequência, por sua responsabilidade. Desprezar a perspectiva do juício é desprezar a dignidade da pessoa. De fato, também temos de reconhecer nossas culpas lealmente, sem ver bem no mal. É nobre reconhecer-se pecador, se isto supõe o primeiro passo para a conversão. O caminho do arrependimento nos faz conhecer a tolerância, a paciência e a bondade como traços do rostro desse Deus que se nos revelou em Jesus como a verdade que nos faz livres.

 

ORAÇÃO: Dar de comer não é caridade; é justiça. Ajudar a um necessitado não é bondade; é justiça. Vestir os nus não é altruismo; é justiça. Hospedar um peregrino não é generosidade; é justiça. Dar três moedas para sentir-se bem é conveniência. Desprezar o extrangeiro porque incomoda é injustiça. Submeter o débil é tirania. Fazer chantagem ao necessitado é usura. Rezar, para fazer-se ver, com um coração malvado, é farisaísmo. Observar a lei e crer-se superior é soberba. Proclamar-se homem de bem, sem misericórdia, é dureza de coração. Cantar os louvores do Senhor e caluniar ao irmão é hipocrisia. Dá-nos, Senhor, conciência de que «basta ser um homem para ser um pobre homem». Ajuda-nos, Senhor, a não cair na degradação que supõe a versão farisaica de quem está repleto de si mismo. Haz, Señor, que vivamos tua lei com atitudes humanas sugeridas pelo Evangelho.

 

CONTEMPLAÇÃO: O homem deve entender qual é sua condição e reconhecê-la ante Dios. Escutemo-lo que diz o apóstolo ao homem soberbo e orgulloso, que tenta engrandecer-se: «Que possues que não tenha recebido? E se recebeste, por que haveria de te ensoberbecer como se não o tivesses recebido?» (1 Cor 4,7). E, portanto, o homem que queira atribuir a si mesmo o que não é seu devia reconhecer que tudo quanto tem o recebeu, e fazer-se muito pequeno; é bom para ele que Deus seja glorificado nele. Ele deve diminuir a seus próprios olhos para poder crescer em Deus […]. Assim pois, se Deus tem que crescer, Deus que é sempre perfeito: há de crescer em ti. Quanto mais conheces a Deus tanto mais o acolhes em ti, tanto mais parece crescer Deus em ti, ainda que em si mesmo não cresça, dado que é sempre perfeito. Ontem o conhecias um pouco, hoje o conheces um pouco mais, amanhã o conhecerás ainda melhor: e a luz mesma de Deus a que cressce em ti. Eis aqui por que e como cresce Deus em ti, ainda que também é sempre perfeito. Um homem era cego, e eis aqui que seus olhos começam a curar. Começa a ver um pouquinho de luz; no dia seguinte, um poco mais e, ao terceiro, ainda mais. Terá a impressão que é a luz que cresce, mas a luz é perfeita, se ele vê, ou não. Assim sucede com o homem interior: progride em Deus, e parece que é Deus que cresce nele. Entretanto, o homem diminui decaindo de sua glória para elevar-se à gloria de Deus (Santo Agostinho)

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«É a bondade de Deus a que te convida ao arrependimento» (Rm 2,4)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Num mundo que vai perdendo a capacidade de amar a medida que perde a capacidade de conhecer a Deus e faz do homem centro supremo de seu pensamento e de sua atividade, se diviniza a si mesmo, apaga a luz da verdade, vulnera os motivos da honestidade e da alegria, nós proclamaremos a lei do amor que nos sublima, do amor que faz subir, do amor que se atreve a prefixar a seu termo a infinita Bondade. Responderemos a Dios com a oferenda de nosso coração, com nossa consagração, com o cumprimento do primeiro e soberano preceito, o de amá-lo com todo o coração, com toda a alma, com toda a mente […]. Num mundo que desfigurou o amor de todos os modos fazendo-o fonte de indescritíveis vilezas; que o confundiu com o prazer e o prazer converteu em emoção animal; o secularizou na inocência, o escarneceu em sua integridade, o mercantilizou em sua debilidade, o exaltou para rebaixá-lo, o exasperou para fazê-lo cúmplice da paixão e do delito, nós proclamaremos a lei do amor que purifica. O respeitaremos nos afetos sagrados da familia cristã; o defenderemos nas crises da juventude […]; o educaremos para a visão serena da beleza que há nas coisas, na humana natureza, na arte, na poesia, no ideal; o elevaremos para a contemplaão piedosa e filial da toda bela, a imaculada Maria. Num mundo, por último, que se  devora no egoismo individual e coletivo e cria, deste modo os antagonismos, as inimizades, as invejas, as lutas de interesses, os conflitos de classe e as guerras; numa palavra, o ódio, proclamaremos a lei do amor que se difunde e se entrega, que sabe engrandecer o coração para amar aos otros, perdoar as ofensas, servir às necessidades dos outros; para sacrificar-se sem cálculos e sem elogios, fazer-se pobre para os pobres, irmão entre os irmãos, para criar um mundo novo de concórdia, de justiça e de paz (G. B. Montini, «La devozione al Sacro Cuore», en Discorsi di papa Montini, Ciudad del Vaticano 1977).

 

 

 

QUINTA-FEIRA, 15 DE OUTUBBRO

Lucas 11,47-54 (Contra os fariseus e o legistas) Nesta texto prosseguem as ameaças-­lamentos de Jesus contra os mestres da Lei. A chave de leitura segue sendo a mesma: com ela podemos compreender as motivações profundas que movem a Jesus a expressar-se nestes termos. O objeto destes «ai de vós!» conduz Jesus a considerações extremadamente graves: de um lado, põe de manifesto o fácil que é honrar aos profetas de Deus só de palavra e não prestar depois atenção a sua mensagem. Em negar-se a escutar aos profetas de ontem e aos apóstolos de hoje (é Lucas quem assinala explicita­mente aos «apóstolos»: v.49) e inclusive ao novo profeta, Jesus de Nazaré: nisso consiste o pecado que Jesus quer censurar e do qual quer libertar-nos ao mesmo tempo. Certamente, não é fácil escutar a Palavra de Deus, isto é, escutar e acolher a Deus, que, por me­io de seus ministros, nos fala, nos convida, nos sacode e nos orienta para novas metas. Não é fácil, mas obri­gatório; e ainda mais, necessário. O drama dos mestres da Lei, segundo Jesus, se faz ainda maior porque, possuindo «a chave da ciência» (v.52), não só não entram eles, mas que impe­dem o acesso, inclusive aos que querem entrar. Deste modo põe Jesus de manifesto o fato de que quem não se abre à escuta da Palavra de Deus acaba arrastando à mesma atitude de surdez também aos outros. Aparece assim o drama da solida­riedade no mal, diametralmente oposta à solida­riedade no bem. Para Jesus, a verdadeira ciência con­siste na compreensão dos sinais dos tempos (cf.Lc 12,54-59), tempos escatológicos, quer dizer, tempos visitados por Deus na pessoa e na missão de Jesus e, portanto, tempos últimos e decisivos em ordem à salvação.

 

 

Rm 3,21-30a (Revelação da justiça de Deus) – Deus havia dado ao povo eleito a lei mosaica como dom capaz de revelar o rosto e o coração de Deus mesmo, mas, de fato, historicamente, essa lei revelou que todos os homens são pecadores: uma revelação dramática, com a qual todos têm que fazer suas contas. A realidade do pecado, sem dúvida, não pode deter o projeto salvífico de Deus. Ao contrario: Deus, que é fiel, se sente provocado também pelo pecado a reafirmar-se a si mesmo e seu projeto de salvação em favor de todos. Na plenitude dos tempos entregou seu Filho como mediador da nova aliança, como ponte entre Deus e o homem, como redentor de todos. Jesus se encontra no centro da historia da salvação, no centro do anseio religioso de todos os povos, no centro da historia de cada pessoa: esta é a verdade que Paulo tem presente e que tenta ilus­trar com alguns traços pessoais que ficarão assegu­rados para sempre na reflexão teológica. Porém é a fé, só a fé, a que põe Jesus no centro. E dai que, segundo o ensinamento de Paulo, fiel e genial intérprete da mensagem evangélica, a fé em Jesus, que é a nova lei, nos insere diretamente na justiça de Deus, obten­do-nos assim o dom da salvação. É verdade que «todos pecaram e todos estão privados da gloria de Deus» (v.23), porém o é igualmente e ainda mais que «agora Deus os sal­va gratuitamente por sua bondade, em virtude da redenção de Cristo Jesus, a quem Deus ha feito, mediante a fé em sua morte, instrumento de perdão» (vv.24-25).

Sl 129/130 (De profundis) – Este é o Salmo dos defuntos, rezado nas celebrações fúnebres. Apresenta um canto de esperança e confiança profunda no Senhor. Sempre temos necessidade do conforto trazido pela companhia de Deus, mas especialmente no momento em que nos aproximamos do Pai, diante de Jesus e iluminados pelo Espírito Santo, somos julgados em decorrência de nossas ações em vida. Não tenho medo, mas tremo diante desse momento. Creio que o melhor modo de nos apresentarmos ante Deus é realizando o bem, e ouvindo em terra testemunhos como: “eu tive fome, tive sede, e você me ajudou”. A caridade encobre muitos pecados. Consolam-me as palavras de João da Cruz: “no fim da vida seremos julgados no amor”. Deus é amor. No Natal, vivemos a experiência da visita de Deus com o Verbo que se fez carne e habita entre nós, para nos amar, perdoar e ensinar o verdadeiro caminho da penitência e da conversão. Temos confiança de que o Senhor não levará em conta o mal realizado muitas vezes sem consciência, mas os nossos desejos de fazer o bem. Este Salmo tem o sabor da solidão. Diante da morte, absolutamente nada nos servirá, somente a nossa consciência e Deus. Tudo o que tivemos aqui na terra desaparece, faz-se nada. Fama, grandeza, dinheiro, força, prepotência, arrogância… O que vale é apenas o bem feito.

Senhor, não leve em conta os meus pecados. Sinto em mim duas forças: uma que me atrai ao bem e outra que me atrai ao mal: não quero fazer o mal, mas acabo fazendo- muitas vezes. Senhor, confio minha vida ao teu amor e a Maria, a quem sempre rezamos para que nos socorra na hora da nossa morte. Santa Maria, mãe de Deus, rogai por nós pecadores, agora e na hora de nossa morte. Amém.

 

 

MEDITATIO: Paulo, através da Carta aos Romanos, conti­nua fazendo-nos refletir sobre a condição huma­na, uma condição pintada com tintas escuras, que, por desgraça, não surpreendem a quem, hoje, está acostumado a encontrar-se frente ao mal em formas de crueldade e violência impensáveis, sobretudo quando se consumam em nossas próprias casas, entre familiares… Não nos can­samos de repetir com o apóstolo: «Todos estão pri­vados da gloria de Deus», todos. Também Jesus, no evangelho, dirigindo-se aos mestres da Lei e aos fariseus, arranca a máscara de sua respeitabilidade – e da nossa. Os remédios hu­manos podem enganar-nos, porém o mal ressurge sempre, mais duro e violento. Só Deus pode extirpá-lo na raiz de um modo pleno e definitivo, e o tem feito em Cristo. Paulo nos recorda, e o faz empregando uma fórmula audaz, que Deus ha usado a seu Filho como ins­trumento de expiação expondo-o na cruz. Houvera podido justificar-nos a um preço menor, porém o caminho que escolheu – escândalo para uns e loucura para outros é o do amor até a consumação total, até receber nele todos os golpes de nossa inaudita violência. Agora bem, precisamente a imensidade do dom nos faz calibrar a malicia do pecado. Não estamos em con­dições de avaliar plenamente a grandeza do amor e do dom de Deus, nem tampouco a gravidade de nossa cul­pa, porém quando a compreendamos deveria abrir de par em par nosso coração à gratidão. Vemos bem, em efeito, que o homem não pode salvar a si mesmo se não crê em Cristo Jesus, o Salvador. Nele – e só nele­) nós, injustos, chegamos a ser justos.

 

ORATIO: Ó Senhor, teus profetas falam, mas poucos lhes escutam. Sua tarefa consiste em manter desperta à hu­manidade, em indicar novos caminhos, em ler e orientar a história. Abre, Senhor, nosso coração aos sinais dos tempos. A palavra de teus profetas diz que o passado e o presente têm significado só se, se projetam para o , futuro. Liberta-nos, Senhor, de um tradicionalismo cômo­do. Sua missão é provocar ao povo de Deus – a todos nós – a viver sua Palavra com valor e em plenitude. Concede-nos, Senhor, a força de cumprir e proclamar tua vontade. Sua vida é dura, está submetida a prova, isen­ta de segurança e gratificações. Ninguém a escolhe; mais ainda, todos fogem dela quando a ofereces. Dobra Se­nhor, nossa resistência, para que tua voz ressoe em toda a terra. Oh Senhor, faz que, como cristãos e apóstolos seja­mos profetas dignos de ti, custe o que custar.

CONTEMPLATIO: Os carnais não podem fazer obras espirituais, nem os espirituais as obras carnais, como, tampouco, a fé pode fazer as obras da infidelidade, nem a infideli­dade as da fé. Porém, aquelas mesmas obras que vós fazeis na carne são espirituais, pois é em Jesus Cristo que vós fazeis tudo. […] Vós sois pedras do templo do Pai, prepara­dos para a construção de Deus Pai, elevados até o alto pela alavanca de Jesus Cristo, que é a cruz, ser­vindo como corda o Espírito Santo; vossa fé os atira para o alto, e a caridade é o caminho que os eleva para Deus […]. «Orai sem cessar» (1 Ts 5,17) pelos outros homens, porque há neles esperança de arrepender­-se, para que cheguem a Deus. Permiti-lhes, pois, ao menos por vossas obras, ser vossos discípulos. Frente a suas iras, sede mansos; frente a suas jactâncias, sede humildes; frente a suas blasfêmias, mostrai vossas orações; frente a seus erros, sede «firmes na fé» (cf.Cl 1,23); frente a sua frieza, sede tranquilos, sem buscar imitá-los. Sede irmãos seus pela bondade e buscai ser imitadores do Senhor (cf. 1 Ts 1,6) […] Somente se somos encontrados em Cristo en­traremos na vida verdadeira. Fora dele, que nada tenha valor para vós, senão Aquele por quem eu levo minhas cadeias, pérolas espirituais; quisera ressuscitar com elas, graças a vossa oração, da qual quisera ser ­sempre partícipe para ser encontrado na herança dos cristãos de Éfeso, que estão sempre unidos aos apóstolos, pela força de Jesus Cristo (Inácio de Antioquia, Carta aos Efesios).           ­

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Agora se manifestou a força salvadora de Deus por meio da fé em Jesus Cristo» (cf. Rm 3,21ss)

                                

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Há duas categorias de pessoas que, de momento, devem temer a cólera de Deus: por um lado, os pecadores endurecidos e, por outro, os justos endurecidos. O pecador endurecido, ou seja, o que não quer falar em absoluto de dar a volta, deverá enfrentar-se ao final com a cólera de Deus, ainda quando consiga evitá-la com habilidade na vida cotidiana. Mas, é lícito pensar que, de fato, existem pouquíssimos pecadores endure­cidos. Ao contrario, os justos endurecidos são, sem lugar a duvidas, muito mais numerosos: se trata de pessoas que, se, se nos permi­te expressar-nos nestes termos, não conhecem a misericórdia de Deus e tentam atuar cada vez melhor pelo simples motivo de que têm medo da cólera de Deus. Sentir-se-ão mais ou menos libertados deste medo na medida em que sejam capazes de realizar seu ideal na vida cotidiana. A longo prazo isto pode chegar a ser também suportável; sem dúvida, vivem com um muito magro consolo: esse é o motivo pelo qual rara vezes se mos­tram convincentes e, ainda menos, contagiosos. Trata-se de pes­soas que não conhecem ainda o amor, e o pouco de vida que habita nelas deriva de certa auto complacência que corre o risco de isolar-lhes ainda mais dos outros. Sua vida careceria de perspectiva e estaria privada de saídas se o termino «endurecido», usado tanto para os pecadores como para os justos, deixara supor uma condição definitiva. Sem dúvida, tudo é provisional na vida do homem, tudo está ligado ao tempo: neste sentido, tanto os pecadores como os justos vivem no tempo, um tempo que é um dom que Deus lhes faz, um tempo de graça e, portanto, um tempo aberto à conversão. Nem o pecador endurecido nem o justo endurecido permanecerão assim para sempre, pois todos eles estão chamados a ser «pecadores em processo de conversão». A graça nos impulsiona dia a dia precisamente a esta volta interior: Deus vem a tocar-nos de infinitos modos para fazer-nos dóceis a esse estado de conversão; por nossa parte, só po­demos preparar-nos para ser tocados por Deus (A. Louf, Sotto la guida dello Spirito, Magnano 1990).

 

 

 

SEXTA-FEIRA, 18 DE OUTUBBRO

Lucas 12,1-7 (Falar abertamente e sem temor) – As palavras de Jesus recolhidas nesta página são dirigidas aos discípulos; portanto, para compreendê-las a fundo devemos meter-nos na pele dos afortunados que puderam seguir Jesus e entesourar seus ensinamentos. Após ter dirigido não poucos «ai de vós» aos fariseus e aos mestres da Lei, Jesus põe agora em guarda seus discípulos contra o persistente perigo de deixar-se contaminar por seu exemplo. O sinal do fermento (“Guardai-os do fermento dos fariseus, que é a hipocrisia», v.1) é bastante iluminador. Segundo Jesus, existe o perigo de que o mal exemplo de alguns fermentos cheguem a contaminar também à massa boa. Enquanto Mt 16,12 diz que o fermento é «a doutrina dos fariseus e dos saduceus», Lucas, por seu lado, insiste em centrar a divergência entre suas obras e sua vida. Nisso consiste a hipocrisia dos fariseus: uma atitude que desentoa não só em sua vida, mas também na dos discípulos de Jesus. Com um traço psicológico bastante delicado, Jesus re-empreende o discurso dirigido a seus discípulos chaman­do-lhes «amigos» (v.4): um traço que recorda a linguagem de João, (cf sobretudo Jo 13,13ss). Os verdadeiros amigos de Jesus são seus discípulos, enquanto compartilham sua missão, seus sofrimentos, seu destino de morte e ressurreição. O convite a não ter medo é um traço muito alentador para os que deverão manter uma luta aberta contra os inimigos que podem procurar-lhes a morte. Ao máximo, devem ter medo a Deus, o único que após a morte têm poder para lançá-los à maldição eterna. O texto termina, pois, com um claro e vigoroso convite ao santo temor de Deus (cf.vv.4-7).

 

 

Rm 4,1-8 (Prova pela Escritura) – O capitulo quatro da carta de Paulo aos cristãos de Roma pode ser considerado como uma prova bíblica em apoio de sua tese, a saber: que Deus nos salva por meio da fé e antes das obras. Essa prova está toda ela concentrada na figura de Abraão, a quem Paulo caracteriza precisamente como nosso pai na fé: Vale a pena fazer uma composição de lugar da historia de Abraão e de suas relações com Deus. É cer­to que Abraão, submetido a prova, a aceitou como tal e adequou a ela com um maravilhoso ato de obediência (isso é o que se narra no capítulo 22 do Gêneses). Abraão esteve grande, e grande segue sendo por isso sua maravilhosa e total confiança em Deus, que quis submeter a prova a fidelidade de Abraão com uma petição inconcebível desde o ponto de vista humano. Porém já antes Deus havia dirigido a Abraão suas promessas: depois de ter lhe elegido e ter lhe feito sair de Ur de Caldea (Gn 12,1ss), Deus dirigiu a Abraão uma promessa, à qual ele aderiu com uma fé plena (isto se narra no capítulo 15 do Gêneses). À luz desta sucessão de acontecimentos devemos reconhecer com Paulo que a fé precedeu em Abraão às obras e que suas obras foram fruto da fé: «Creu Abraão em Deus e isso lhe foi tido em conta para alcançar a salvação» (Rm 4,3). Também resulta iluminador o exemplo de Davi que se cita e se recomenda aqui. Parece que Davi fala aqui de si mesmo como de alguém a quem lhe foi perdoado o pecado, independente das obras. Será bom reler o Sl 32,1ss, uma oração penitencial válida para todos os tempos.

 

Salmo 31/32 (A confissão liberta do pecado) A conversão é o único caminho que nos leva a Deus e à felicidade. Converter-se é um constante “voltar atrás” até reencontrar o caminho certo a ser seguido. Na vida, há tantas encruzilhadas, tantos convites que tentam nos desviar e nos fazer escolher o caminho mais fácil e agradável aos nossos olhos… Entretanto, Deus nos recorda que é preciso não endurecermos o pescoço nem sermos irracionais como cavalos e mulos, mas deixar-nos conduzir pela sua mão benfazeja.

Senhor, eu não posso ter medo de me humilhar, de ter caminhos novos diante de mim, de dizer sim à tua Palavra e à tua vontade. Não importa o sofrimento e a cruz que devo abraçar para ser santo, mas o teu amor e a tua presença na minha vida. Ensina-me, Senhor, o que devo fazer, e eu o farei custe o que custar. Amém

 

 

MEDITATIO: São Paulo, para fazer-nos entender bem qual é a verdadeira atitude que se pede ao crente, nos mostra em Abraão um exemplo inequívoco do que pretende. A fé que nos salva não é uma atitude passiva; mais ainda, necessitamos estar bem vivos para crer, como Abraão, contra toda evidencia. Também Jesus convida seus ouvintes a manter uma inquebrantável atitude de confiança e de abandono incondicionado em Deus Pai. Ele cuida de nós com uma ternura à qual não se lhe escapa nem sequer o menor detalhe: até os cabelos de nossa cabeça estão contados! O crente está convidado, portanto, a ver que Deus está sempre atuando na historia e em sua vida, em qualquer circunstancia. Abraça assim a obediência da fé e obtêm como fruto a paz. Nada nem ninguém podem prejudicar a quem crê. Não é casualidade que são Paula associe ao tema da fé o perdão dos pecados. No fundo, que é o pecado, senão um pôr-se deliberadamente fora – se é que fosse possível – do olhar bom e amoroso do Pai, para buscar nosso modo de afirmar-nos em uma falsa liberdade? Se a imagem do homem pecador é o filho pródigo que se marcha a uma região distante, a do crente é Jesus, o Filho amado, que nos tor­mentos da paixão se abraça confiadamente ao Pai e se abandona em suas mãos. Assim é como o amor pode cantar sua estupenda vitoria que lhe faz mais forte que a morte.

 

ORATIO: Vês-me na transparência de um céu infinito, na beleza arcana das mil cores, na magia instintiva de uma formiga: visão que encanta! Ouves-me nas notas diferentes dos grilos, no estrondo de uma onda gigante, no silencio de teu coração: concerto de vozes que se faz louvor! Saboreias-me no perdão dado e recebido, no deserto sem caminhos, nos olhos límpidos de uma criança aberta à vida: sabor de doçura! Sentes-me na vida dos mártires, nas lágrimas de um coração quebrantado, no sofrimento de um pobre: incenso de redenção! Tocas-me em cada acontecimento que te revela como pai e criador, em cada momento que te revela como amigo e esposo na dor e na paz: presença de fidelidade! Imaginas-me como bom pai que te abraça, como mãe terna que te alimenta, como amigo fiel que te espera: força que consola, guia e sustenta! “Recordas-me nos sonhos de tua infância, nas desilusões da juventude, nas provas da maturidade, nas amarguras da velhice: janela de esperança!

CONTEMPLATIO: Quando lês que Jesus «ensinava nas sinagogas, honrado por todos» (Lc 4,15), presta atenção a não considerar afortunadas só às pessoas que podiam es­cutar-lhe, sentindo-te excluído de seu ensinamento. Se a Escritura é a verdade, então Deus não ha falado só uma vez nas reuniões dos judeus, mas que fala ainda hoje em nossas assembléias. E não só aqui; também nas assembléias de todo o mundo Jesus ensina e busca instrumentos com os quais transmitir seu ensinamento. Orai para que encontre também a mim preparado e disposto a servir-lhe com a palavra […]. Não é simples casualidade que Jesus abrira o livro precisamente pelo capítulo da profecia referida a ele. Também isto fazia parte do desígnio de Deus. Dado que o evangelho disse que nem um pássaro cai na rede sem que o Pai o queira (cf. Lc 12,6) e que (“os cabelos da cabeça estão contados» (Lc 12, 7), é necessário pensar que a eleição do livro de Isaías e a leitura de um texto relacionado precisamente com o mistério de Cristo não se deva a capricho ou a casualidade, mas a um desígnio providencial de Deus […]. Também agora, em nossa assembléia, contanto que o queirais, podem fixar-se vossos olhos no Salvador. Quando desde o profundo do coração te voltes a con­templar à Sabedoria, a Verdade, ao Filho Único de Deus, teus olhos vêem a Jesus. Bem-aventurada a assembléia da qual disse a Escritura que” os  olhos de todos estavam fixos nele». Como quisera que de nossa assembléia se dissesse o mes­mo: que todos, catecúmenos e fieis, mulheres, homens e crianças, tenham os olhos da alma fixos em Jesus. Quando os tenhais voltado a ele e o contempleis, sua luz fará vosso rastro mais luminoso e então podereis dizer: «Deixaste sobre nós teu sinal, a luz de teu rosto, ó Senhor» (Sl 4,7 vulg.) (Orígenes, Homilía 32, sobre san Lucas; París 1962, pp. 386-392).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

Bem-aventurado o homem a quem o Senhor não toma em con­ta seu pecado! (Rm 4,8)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – É bom que eu não seja o dono de mim mesmo, que meu tempo não esteja em minhas mãos. É bom que meu tempo, a historia de minha vida, eu mesmo, tudo esteja em tuas mãos. Sim, me direis, porém, então Deus tem mãos? Certamente Deus tem mãos, mãos muito diferentes, melhores, muito mais hábeis e mais fortes que estas nossas garras. Que sig­nifica «mãos de Deus»? Por ora deixa-me expressar assim: as mãos de Deus são suas ações, suas obras, que por todas as par­tes, não importa que o saibamos ou o queiramos, nos envolvem e nos abraçam, nos levam e nos protegem. Isto poderia ser dito e entendido sempre como se, se tratasse só de uma imagem, de um símbolo. Mas há um ponto onde se detêm tudo o que é imagem e símbolo, onde as mãos de Deus se convertem, real­mente, em algo que devemos tomar ao pé da letra, onde todas as ações, as obras e as palavras de Deus têem seu principio, seu centro e seu fim: «tuas mãos» são as mãos de nosso salvador Jesus. São as mãos que Ele estendeu, gritando: «Vinde a mim todos os que estais cansados e fatigados e eu os aliviarei» (Mt 11, 28). São suas mãos, essas com as quais abençoou as crianças. São suas mãos, essas que tocaram e curaram aos enfermos. São as mãos com as quais partiu e distribuiu o pão aos cinco mil no deserto e, depois, uma vez mais, a seus discípulos antes de sua morte. Por último e, sobretudo, são as mãos elevadas na cruz para reconciliar-nos com Deus. Estas, estas são as mãos de Deus: mãos fortes de pai; mãos bon­dosas, ternas, delicadas de mãe; mãos fieis e generosas de amigo, as mãos de Deus, ricas de graça, nas quais está nosso tempo, nas quais estamos nós mesmos (K. Barth, «Rufe mich an», en íd., Neue Predigten aus der Strafanstalt, Basilea, Zúrick)

 

 

 

 

 

 

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SÁBADO, 17 DE OUTUBBRO

Lucas 12,8-12 (Falar abertamente e sem temor) – Dirigindo-se ainda a seus discípulos, Jesus traça ante seus olhos um programa de vida evangélica dotado de ca­racteres novos e atrativos. A vida de seus discípulos estará animada pelo mesmo Espírito que tem orientado e iluminado a vida de Jesus. O discípulo de Jesus deve ser, de entrada, um testemunho fiel e destemido, e isso não só durante o período da vida pública de seu mestre, mas também e sobretudo em uma perspectiva escatológica. Dai, resultam iluminadores os tempos futuros que emprega Jesus: «Se alguém se declara a meu favor diante dos homens, também o Filho do homem se declarará…», «se alguém me nega diante dos homens, também eu o negarei…» (vv.8-10). À testemunha compete duas características: de um lado, a de caminhar pelo mesmo caminho que percorreu Jesus; por outro, a de receber de seu Senhor o reconhecimento prometido aos mártires. E quanto ao «pecado contra o Espírito Santo», é útil recordar a opinião de alguns Padres da Igreja segundo os quais se trataria da apostasia dos cristãos. Sem dúvida, é, do mesmo modo, útil assinalar que Lucas, ao distinguir entre o “pecado contra o Filho do homem” e o “pecado contra o Espírito Santo”, pretende distinguir os tempos da missão terrena de Jesus e os tempos da missão apostólica, depois de Pentecostes. Não para estabelecer uma oposição entre os dois momentos da mesma história da salvação, mas para indicar que a gravidade do pecado cresce a medida que a luz, cada vez mais brilhante, em particular a luz pentecostal do Espírito Santo, que nos dá o Senhor. Do Espírito, além disso, Jesus nos fala também em outros termos, concretamente como daquele que sugerirá, aos discípulos (quando sejam postos a prova em circunstâncias históricas extremadamente delicadas), as palavras adequadas que devem falar nos tribunais para defender a verdade. Vem-nos, de maneira espontânea, à mente, a referencia a Jo 15,26ss: «Quando vier o Paráclito, o Espírito da verdade que eu vos enviarei e que procede do Pai, ele dará testemunho sobre mim. Vós mesmos sereis minhas testemunhas, porque haveis estado comigo desde o principio».

 

 

Rm 4,13.16-18 (Prova pela Escritura) –  Paulo desenvolve ulteriormente a lição que se des­prende da vida de Abraão, estabelecendo um forte contraste entre a lei e a justiça que procede da fé. Em primeiro lugar, o apóstolo deixa bem claro que a promessa de Deus a Abraão não depende da Lei (cf. v.13); deste modo, se estabelece de um modo inequívoco que a promessa de Deus é absoluta, prévia e incondicionada. Não há lei, nem sequer a mosaica, que possa condicionar a promessa de Deus. É certo que, ao prometer, Deus se compromete conosco no amor e na fidelidade, porém o faz sempre em meio de sua mais absoluta liberdade. Por outro lado, Paulo afirma que a fé é a única via que conduz à justiça, isto é, à acolhida do dom da salvação. Dai que os verdadeiros descendentes de Abraão não sejam os que vivem segundo as exigências e as pretensões da lei, mas os que acolhem o dom da fé e o vivem com ânimo agradecido e comovido. Desde este ponto de vista, Paulo define como «herdei­ros» de Abraão aos que hão aprendido dele a lição da fé, e não só a obediência à lei. Trata-se de uma herança extremamente preciosa e delicada, porque solicita e unifica diferentes atitudes de vida, todas elas reduzíveis à escuta de Deus, que fala e manda, que convida e promete. A fé de Abraão, precisamente por estar intimamen­te ligada à promessa divina, também pode ser chama­da «esperança»: «Contra toda esperança creu Abraão» (v.18). Deste modo, Abraão entra completamente na perspectiva de Deus, isto é, daquele «que dá vida aos mortos e chama à existência às coisas que não exis­tem» (v.17b). E assim, mediante a fé, todo crente pode chegar a ser destinatário, e não só espectador, de acon­tecimentos tão extraordinários que unicamente podem ser atribuídos a Deus.

 

Salmo 104/105 (A história maravilhosa de Iahweh) – A caminhada do ser humano nesta terra não pode ser baseada no egoísmo; ela deve se firmar na preocupação com os irmãos e na observação do seu passado à luz do presente. Nesta observação, percebemos que Deus nos tem acompanhado em todos os momentos de nossa vida. Qualquer personagem bíblico que tenha amado a Deus e crido nele sentiu sua mão forte ao seu lado nos momentos de dificuldade e luta. Saiba: o Senhor caminha sempre ao nosso lado para impedir que sejamos abatidos ou dominados pelo desespero. Diariamente somos chamados a dar a nossa resposta a Deus, que nos convida a viver com coerência e iluminados pela sua Palavra. O nosso sim ao chamado do Senhor constantemente renova esta aliança. O salmista nos leva a visualizar a fidelidade de Deus que, desde Abraão até hoje, é a mesma e não muda em decorrência de nossa infidelidade. Deus é fiel, recorda-nos a Escritura, mesmo que o homem seja infiel. O Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó é o nosso Deus, que se fez e se faz presença permanente em Jesus Cristo, nosso Salvador e redentor. Paulo recorda à comunidade de Corinto: “Mas o que para o mundo é loucura, Deus o escolheu para envergonhar os sábios, e o que para o mundo é fraqueza, Deus o escolheu para envergonhar o que é forte. Deus escolhe o que no mundo não tem nome nem prestígio, aquilo que é nada, para assim mostrar a nulidade dos que são alguma coisa. Assim, ninguém poderá gloriar-se diante de Deus. É graças a ele que vós estais em Cristo Jesus, o qual se tornou para nós, da parte de Deus, sabedoria, justiça, santificação e libertação, para que, como está escrito, “quem se gloria, glorie-se no Senhor” (1 Cor 1,27-31).

Senhor, hoje quero gloriar-me em ti. Obrigado pela vida que me deste e que me chamaste a gestar junto contigo em todos os momentos de minha existência. Sei que não estou só, tu estás comigo. Glorio-me, Senhor, em ti pelos amigos que encontrei na minha vida que foram capazes de estimular-me a fazer o bem e a construir a meu redor e dentro de mim teu reino. Glorio-me pelos sofrimentos que tenho suportado e contradições que tenho vivido por amor a ti. Às vezes tenho sofrido a cruz porque quero ser fiel a tua Palavra, e trago também na minha carne tua paixão que amo e me consola. Glorio-me, Senhor, pela evangelização que me confiaste na minha família, na tua Igreja, no meio do povo e por meio do meu trabalho diário, que nunca seja infiel. Glorio-me, Senhor, no pouco de bem que tenho realizado não por minhas forças, mas pela tua graça; glorio-me pela minha fé, esperança e caridade que tenho recebido pelo teu amor no dia do meu batismo. Glorio-me, Senhor, pela Virgem Maria, minha mãe, que com seu manto me cobre e sob sua proteção me refugio como pecador. Glorio-me por ser cristão, agradeço-te por minha fragilidade e pecados que me obrigam a viver numa constante humildade e necessidade de teu amor. Amém.

 

 

MEDITATIO: Há no homem uma maravilhosa dignidade e uma grandeza que lhe vêm do fato de ser interlocutor de Deus. Por isso não acabamos nunca de meditar sobre a figura de Abraão, pai de todos nós. Que sen­timentos haveriam nascido no coração daquele velho caravaneiro acostumado aos grandes silêncios do deserto, ao assobio do vento, ao mugir dos rebanhos, quando compreendeu que Deus lhe falava? Não desdenhou a voz; a escutou, aderiu a ela e, da esterilidade de sua velhice, floresceu uma descendência inumerável. Em efeito, o que crê não é fato justo só para si mesmo: o amor que toma o rosto da fé é fecundo não só para quem se confia a Deus, mas também para outros que, de uma maneira misteriosa, são alcançados por nosso assentimento. Também nós, como Abraão, estamos chamados a fazer depender nossa vida da escuta da Pala­vra que cada Deus dia nos dirige. Em uma sociedade que semeia a morte, sua Palavra é vida. Em um tempo de desespero e de angustia, há necessidade de quem saiba esperar contra toda esperança. Em uns dias ator­mentados por um implacável utilitarismo e pela bus­ca do beneficio a todo custo, deve haver alguém que levante os olhos às estrelas do céu para contemplar gratuitamente a beleza dos vestígios de quem é ca­paz de dar vida inclusive aos mortos. Somente deste modo o crente pode ser, em meio de seus irmãos, verdadeiro portador do «Evangelho», da Boa Nova: nosso coração é suficientemente amplo para conter o Espírito de amor que nos une, de uma maneira indissolúvel, ao Pai no Filho, doador de todo bem.

 

ORATIO: Fé é crer que tua mão, ó Deus, leva o volante de minha vida, é saber que nenhum mal poderá fazer-me dano, é certeza de teu amor: uma fé que não me ajuda a desape­gar está morta. Fé é dar calor a quem tem frio na alma, é ofere­cer um pão a quem sofre as dores da fome, é dar uma cama a quem não tem onde repousar: uma fé sem obras é morta. Fé é viver teu desígnio inescrutável, ó Pai; é entrar na perspectiva de tuas incitações absurdas, é confiança em tua promessa: uma fé que não se torna coragem está morta. Fé é, também, dúvida, insegurança: «Por que me abandonaste»; é debilidade e medo: «passe de mim este cálice»; é morte que dá vida: «Não minha vontade, mas a tua»: uma fé que não se mete com a prova está morta. Fé é um continuo processo de aprender e reaprender que significa amar a Deus, ao próximo e a nós mes­mos, é um devir cotidiano para o bem, é viajar com Ele para a meta final: uma fé que não gera esperança está morta.

 

CONTEMPLATIO: Como o sopro vital do homem desce através da cabeça para vivificar os membros, assim o Espírito chega aos cristãos através de Cristo. Cristo é a ca­beça, o cristão o membro. A cabeça é una, os membros são muitos: cabeça e membros formam um só corpo, e neste único corpo há um só Espíri­to, o qual se encontra em plenitude na cabeça e é participado pelos membros. Assim, pois, se há um só corpo e um só Espírito, quem não estiver no cor­po não pode ser vivificado pelo Espírito, como diz a Escritura: «Quem não tem o Espírito de Cristo não lhe per­tence» (Rm 8,9). De fato, quem não tem o Espírito de Cristo não é membro de Cristo: em um corpo que é uno, o sopro vital é uno. No corpo não pode haver um membro morto, e viceversa: fora do corpo não há membros vivos. Convertemo-nos em membros com a fé, e com o amor somos vivificados. Com a fé recebemos a unidade, com a caridade recebemos a vida. Assim ocorre no sacramento: o batismo nos une, o corpo e o sangue de Cristo nos vivificam. Com o batismo nos convertemos em membros do corpo; com o corpo de Cristo participamos em sua vida. A Igreja santa é o corpo de Cristo: um único Espírito a vivifica, a une em uma só fé e a santifica. Os membros deste corpo são cada um dos fiéis, e todos formam um só corpo graças ao único Espírito e à única fé que se faz de cimento entre eles. Cada membro tem suas tarefas próprias no corpo humano, uns diferentes aos outros; sem dúvida, o que faz um membro por si só não o faz só para ele. Assim, no corpo da santa Igreja se dão diferentes graças a cada individuo, porém ninguém tem nada unicamente para ele, nem sequer aquilo que só ele possui. Só os olhos vêem; mas, não vêem só para eles, mas para todo o corpo. Só os ouvidos podem ouvir; mas, não ouvem só para eles, mas para todo o corpo. Só os pés caminham; mas, não caminham só para eles, mas para todo o corpo. Do mesmo modo, o que cada um possui por si só não o possui unicamente para ele, porque aquele que distribuiu seus dons com tanta lar­gueza e sabedoria estabeleceu que tudo seja de todos e tudo de cada um. Portanto, se alguém con­seguiu receber um dom da graça de Deus, saiba que o que possui não pertence só a ele, ainda que só ele o possua (Hugo de S. Víctor, De Sacramentis Christianae Fidei).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

Contra toda esperança creu Abraão» (Rm 4,18)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – João XXIII disse em um momento muito solene, na aber­tura do Concilio, que necessitava anunciar ao mundo de hoje a verdade da qual a Igreja é depositaria com uma linguagem nova: a linguagem dos homens de hoje, a única que eles compreendem. E o santo padre dava a razão disso: uma coisa é a idéia, outra sua expressão concreta em palavras. Ainda con­servando fielmente a pura doutrina, é possível expressá-la de um modo ou de outro, segundo a mentalidade e a linguagem dos homens […]. Perguntemo-nos, agora, qual é o melhor modo de evitar os perigos que ameaçam o amor e a busca da verdade. O melhor modo é, sem duvida, o autêntico amor ao próximo. Tomai, por exemplo, o amor materno ou de um verdadeiro amigo. Vede como este amor aprende a meter-se, efetivamen­te, «na pele do outro», a considerar o ponto de vista do outro, a tentar ver que há de verdade no que pensa; a esforçar-se por compreender o pensamento do outro ou fazer-se compreender, recorrendo sempre a novos termos, novas comparações e idéias. Vede como este amor sabe respeitar, com benevolência, à pessoa amada e, assim, também suas opiniões […]. Mas devemos acrescentar, em seguida, uma advertência: cuidado com as insidias e aberrações. É fácil, por exemplo, o amor materno chegar a ser imprudente, dema­siado remissivo; que fácil é que se transforme em uma debilidade nociva, que não é capaz de negar nada, arruinando, assim, à pessoa amada… Por que? Porque, entre outras coisas, não presta atenção à verdade de certos princípios da razão, do sen­tido comum, etc., porque a caridade não está unida ao amor efe­tivo à verdade. Duas coisas, pois, são necessárias: amor à verdade e amor à pessoa, ou seja, caridade com o próximo: harmoniosamente um e outro, unidos, cada um em seu lugar e segundo sua importância. Assim, podem unir, efetivamente, os homens e criar a harmonia muito eficazmente (A. Bea, Alocución pronun­ciada en 13 de enero de 1963).

AUTORES: (Giorgio Zevini y Pier Giordano Cabra)

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