LECTIO DIVINA NA 5ª SEMANA DA QUARESMA ANO 2020

LECTIO DIVINA NA 5ª SEMANA DA QUARESMA ANO 2020

Comunidade Católica Paz e Bem

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SEGUNDA-FEIRA, 30 de março de 2020

João 8,1-11 (A mulher adúltera) =Lc 7,37-50Ainda que de origem sinótica, provavelmente lucana, a passagem não destoa no capítulo 8 do evangelho de João; inclusive se impõe como uma rocha num lugar solitário. É uma espécie de exemplo do tema de todo o capítulo: Cristo-luz (cf. v.12) executa, inevitavel­mente, um juízo (v.15), não segundo as aparências, mas de acordo com a verdade mais profunda do coração de cada um. A trama é simples: ao amanhecer (v.2), após passar a noite orando no monte das Oliveiras (7,53–8,1), escribas e fariseus submetem uma mulher surpreendida, publicamente, em adultério (8,3-9a), ao julgamento do rabi. Com que intenção? Para estender-lhe uma armadilha (v.6), obrigando-o, sutilmente (cf. Jr 17,13), a pronunciar-se contra a Lei de Moisés, que prescreve a lapidação (pena de morte por apedrejamento) em tais casos, indo contra o direito romano, que, desde o ano 30 d.C., proibiu o Sinédrio do jus gladii, reservando a si o poder de declarar as condenações à morte. Todo o texto converge para a pergunta: “Mulher, onde estão teus acusadores?… Tampouco eu te condeno. Vai e não peques mais”. No deserto criado pelo pecado irrompe a novidade: flui um rio de miseri­córdia, que purifica e cura ao seu redor, fazendo nova toda criatura.

 

 

Dn 13,1-9.15-17.19-30.33-62 (Susana e o julgamento de Daniel) – A narração do caso da jovem e bela Susana (v.2) importuna­da por dois velhos juízes de Israel, nos tempos de deste­rro na Babilônia, é uma história edificante que aparece como um apêndice ao livro de Daniel. O próprio profeta se manifesta como um jovem vidente (v.45), capaz de escla­recer a inocência (v.46) de Susana (cujo nome signi­fica “lírio”), desmascarando a corrupção (vv.42-59). Nestes, se acusa os chefes saduceus do século I a.C, aparentemente irrepreensíveis, mas, na realidade, são guias cegos que extraviam o povo. Por manter-se fiel a Deus e ao seu marido, Susana enfrenta o perigo da lapidação, que a ameaça, tanto se ceder ao adultério, como se decide resistir às cegas propostas dos dois velhos que incorrem na calúnia (v.22). Susana prefere morrer inocente que con­sentir o mal (v.23). Tendo colocado sua confiança, só nas mãos de Deus (v.43), pode experimentar que Ele escuta a voz de seus fieis (v.44) e vem em sua ajuda, com prontidão, solicitude e poder.

 

Salmo 22/23 (O Bom Pastor)Esse Salmo, tão conhecido por todos, deve ser meditado silenciosamente diversas vezes. Este Salmo é um dos preferidos do saltério, pela tradição de Davi pastor e pela culminação na imagem do Bom Pastor. Também por sua simplicidade e riqueza: em duas imagens ou cenas de conjunto, comprime um número inesperado de símbolos elementares. As imagens são duas: o pastor em 1-4, o anfitrião em 5-6. O versículo central, 4b, une-se ao que precede pela imagem, ao que segue pelo surgimento da segunda pessoa. A imagem do pastor é desenvolvida com realismo e concretude, por meio de traços breves que evocam a cena. Deixemo-nos conduzir pela imaginação, sem espiritualizar: a relva verde com uma fonte, para deitar-se, repousar e recuperar forças; as trilhas do caminho, o vale ao anoitecer, o cajado que bate no chão rítmica e sonoramente. A imagem une dois planos de significado num ângulo comum; dele, numa visão de conjunto, se vêem as duas vertentes. O que se diz das ovelhas vale para o homem; o aspecto pessoal avança para o primeiro plano: “tu vais comigo”. A imagem indica vários símbolos, arquetípicos ou culturais. A imagem do pastoreio se dá nas relações do homem com os animais dominados e domésticos. O verde aplaca os olhos, revela a terra materna e acolhedora. A água mata a sede e suscita energia vital. O caminhar é energia radical. A escuridão evoca medos infantis e temores não esclarecidos; nela se sente com mais força a presença amiga. A potência simbólica desses traços não se esgota na primeira leitura. A imagem do hóspede. Na cultura nômade a hospitalidade é fundamental. Podemos imaginar um fugitivo de seu clã que pede asilo. O xeque o acolhe na sua tenda, oferece-lhe proteção, comida e bebida, unguentos aromáticos. Ao observar a cena, os inimigos perseguidores se detêm na porta ou cortina: o xeque o protege. Quando termina, o xeque lhe oferece uma escolta que o acompanhe pelo caminho até sua casa, que é a casa do Senhor. Essa parte acrescenta os símbolos de comer e beber. As tradições do êxodo nos dão uma chave para compreender a unidade das duas imagens: o Senhor guia seu povo como rebanho, pelo deserto, proporcionando-lhe água, comida e repouso. Quando chegam à terra prometida, O senhor no seu território os recebe como anfitrião: Ex 15,13;Sl 68,11;77,21. Duas vezes o poeta interrompe o descanso com o caminho, não ao contrário. Toda a vida a caminho ou a morada final no templo? O poema termina com uma tensão não resolvida, como se numa e noutra vez voltasse a começar.

Senhor, deixa que eu me entregue nas tuas mãos e que me deixe guiar para onde o Senhor quer. Que eu seja humilde e dócil, em todos os momentos de minha vida. Mesmo que a noite seja escura, eu confio e confiarei sempre em Ti. Amém.

 

 

MEDITATIO: Quando irrompe um raio de luz em uma habitação, imediatamente o interior se ilumina, inclusive, os cantos mais ocultos ou esquecidos: assim acontece quando irrom­pe a Palavra na história. O mesmo acontece com Jesus, luz que veio iluminar as trevas do mundo. É inú­til resistir: quem não acolhe a luz, automaticamente já está julgado. E é agora, precisamente quando se des­cobre o que antes podia ocultar-se astutamente ou se passar por justiça impecável. A Palavra de Deus penetra o mais profundo do coração, trás à luz as in­tenções mais secretas, desmascara as tramas da mentira. Aparece, às claras, quem é o que se confia em Deus, e só teme não corresponder à grandeza de seu amor misericordioso, e quem, ao contrário, com uma mente e um coração mesquinhos, buscam, em outra parte, gra­tificações furtivas, como se a felicidade fosse incompatível com a verdade evangélica. É a mesma vida, em seu dia a dia, que leva a cabo o discernimento. Bem aventurado quem se deixa traspassar pela Palavra de Deus, como por um raio de luz que separa, no próprio coração, o ouro da escória. À luz da verdade, poderá saborear a liberdade do abandono filial nas mãos paternas de Deus, e nada, nem ninguém, lhe poderá atemorizar ou enganar.

 

ORATIO: Vem doce luz, verdade que nos dá vida. Penetra o coração, abre as janelas da alma, ilumina os pensa­mentos, as esperanças e os desejos. Tira-nos do torpor, quando a rotina pretenda apagar em nós a vigilân­cia e o animo de resistir ao mal. Resplandece na névoa da dúvida, onde tudo se oculta e se dissimula, como se bem e mal fossem palavras vãs passadas de moda. Con­cede-nos uma aguda percepção do bem, o horror à mentira, a paixão pela verdade que nos faz livre. Resplandece e faz que evitemos as seduções que assediam nosso caminho cotidiano. Faz-nos degustar o sa­bor da Lei de Deus, a beleza transparente de uma re­tidão a toda prova, o alivio das lágrimas de arre­pendimento, o gozo do perdão dado e recebido, quando nos descobrimos falsos ou mesquinhos. Não permitas que enganemos ou desviemos os nossos irmãos, mas guarda-nos com a doce força de tua fidelidade, que sempre é descanso para o que, na prova, se aban­dona, confiadamente, ao teu amor misericordioso.

 

CONTEMPLATIO: Digna-te, ó Cristo, dulcíssimo Salvador nosso, a­cender nossas lâmpadas: que brilhem, continuamente, em teu templo e se alimentem, sempre, de ti, que és a luz eterna, para que desapareçam nossas escuridões e fujam de nós as trevas do mundo. Concede-nos, pois, ó meu Jesus, tua luz, à minha lâmpada, para que, com seu resplendor, me seja manifestado o santuá­rio celeste que, sob suas majestosas abóbadas, te acolhe, sacerdote eterno do sacrifício perene. Faz com que eu só olhe, contemple e deseje a ti, unicamente. Que só ame a ti, e só espere em ti, com o mais ardente desejo, e que, sempre, minha lâmpada brilhe e arda diante de ti. Rogo-te, amado salvador, que te dignes mos­trar-te a nós, que clamamos para que, conhecendo-te, amemos só a ti, só a ti desejemos, só pensemos, incessantemente, em ti, e meditemos, dia e noite, em tuas palavras. Digna-te infundir-nos um amor tão grande, que convenha a ti, que és amor. Que teu amor invada todo nosso ser e nos faça completamente teus. Tua caridade encha nossos sentidos, para que não amemos nada fo­ra de ti, que és eterno (São Columbano).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Em tua luz veremos a luz” (Sl 35,10)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Jesus, luz do mundo, não só és a luz que brilha nas trevas noturnas; também és a luz da manhã, a luz de cada novo dia, de suas esperanças, de suas atividades. O sol que sobe pouco a pouco. Também tu, oh luz do mundo, na aurora de cada dia desejas penetrar através da ignorância e das debilidades humanas, através da boa vontade e através das paixões pecaminosas. Cada manhã queres criar um mundo novo. Faz-me piedoso contigo, luz do dia que surge, para que não desperdice este dia que começa e acolha o que me ofereces por sua mediação. Luz do mundo, tu és, sobretudo o sol resplandecente em meio dia. Um dia de verão, em Jerusalém, tratei de fixar-me ao meio dia, no sol do oriente. Levantei os olhos para ele e, durante um ou dois segundos, pude entrever uma claridade deslumbrante, incandescente e ardente, mais branco que a neve. Pensei então em ti, Cristo, luz do mundo, pensei que esse ponto relampagueante e radiante era a representação visual mais pura e eficaz que podemos ter de teu ser. Para poder continuar mirando esse sol de meio dia, interpus entre este e meus olhos as folhas de um arbusto. Compreendi então outra coisa. Compreendi como tua luminosidade cegadora, oh Cristo-luz, nos aparece peneirada, filtrada através de tuas criaturas iluminadas e aquecidos por essa luz. Luz do mundo, que possa te ver no esplendor de meio dia (Un monje de la Iglesia de Oriente, volto di luce. Riflessi di Vangelo, Milán).

 

 

 

TERÇA-FEIRA, 31 de março de 2020

João 8,21-30 (Discussão sobre o testemunho que Jesus dá de si mesmo) – O novo conflito com os chefes dos judeus ocorre na área do Templo e se destaca pela revelação da divindade de Jesus: “Eu sou” (vv. 24 e 28). De novo, se oferece, aos judeus, a possibilidade de acolher o mistério do Filho do homem (cf. Dn 7,13). Mas, eles o rejeitam, obstinadamente, entendendo mal as afirmações sobre sua iminente partida (vv.21-24) e sobre sua identidade (vv.25-29) como enviado de Deus e revelação definitiva (cf. Jo 5,30;6,38). Como é possível uma incompreensão tão grande? Porque eles são “daqui de baixo”, “deste mundo” (v.23), enquanto que ele é “do alto”: um abismo havia en­tre eles. Só a fé o pode satisfazer, porque faz que ele­vemos o olhar. E Jesus nos convida, precisamente, a isso. Apesar de tudo, continuaram os maus entendidos: “eles não compreenderam”. Jesus é sinal de contradição, e o será, sobretudo, quando for elevado na cruz, onde, dando cumpri­mento ao seu desígnio de salvação, revelará os pensa­mentos secretos do coração e manifestará, plena­mente, sua identidade de Filho, que diz e faz, sempre, o que agrada ao Pai. E, enquanto vai se aprofundando o distanciamento com os adversários, a passagem evangélica conclui com uma inesperada nota de esperança: “Quando lhes expunha isto, muitos creram n’Ele” (v.30).

 

 

Nm 21,4-9 (A serpente de bronze) – O texto de hoje apresenta outro episódio de protesto do povo durante o Êxodo. Os israelitas, esgotados pela viagem, nunca satisfeitos com os sinais de poder e pro­vidência que o Senhor lhes manifesta, murmuram contra Deus e contra seu mediador, Moisés. Vem o castigo: as picadas de serpentes venenosas (“ardentes”). Porém, logo se transforma em misericórdia. O recurso é a “serpente de bronze erguida em uma haste em forma de cruz, à qual olhavam, com fé, para curar-se das mordidas letais”. Se não estivesse no contexto deste episódio, seria, certa­mente, um gesto idolátrico. A tradição javista vincula este objeto de culto, que logo será destruído pelo rei Ezequias (cf. 2 Re 18,4), à sábia pedagogia de Yahweh. Pela mediação de Moisés, ofereceu ao seu povo a possibilidade de evitar ceder aos cultos das nações pagãs vizinhas, que veneravam, de um modo particular, às serpentes. Graças a tal legitimação, a serpente elevada no estandarte se converte em um sinal que se prolonga e cumpre no Evangelho (cf. Jo 3,14). Se para o povo, no deserto, é sinal que expressa à misericórdia de Deus, pondo remédio ao castigo; no Evangelho Cris­to exaltado na cruz mostra, por sua vez, o castigo e a misericórdia. Jesus, o Cordeiro imolado na cruz, é o castigo de Deus por nosso pecado e, também, a ma­ior manifestação do poder divino que cura do pecado.

 

Sl 101/102 (Oração na infelicidade) – Este Salmo é um grito de súplica que brota no coração de quem sofre. O sofrimento se faz presente desde o nosso nascimento até a nossa morte. Quando sofremos, somos invadidos também pela solidão e pelo desespero, que nos fazem buscar um ombro amigo para desabafar as nossas mágoas e sermos consolados. Mas este momento de alívio é passageiro, pois o único que pode nos consolar eterna e verdadeira mente é o Senhor Jesus, que experimentou em terra a amargura de todas as dores: fome, perseguição, ódio, inimizade, cansaço, solidão e abandono de amigos. Por isso, compreende nossos sofrimentos. Considerada como uma oração feita por Jesus na sua Paixão, este Salmo apresenta fortes imagens de pássaros solitários e noturnos, evocando a solidão que adoece o coração. O que fazer diante do sofrimento? Devemos reagir, buscando saídas e confiando, principalmente e acima de tudo, no Senhor. Até mesmo lembrar que enquanto sofremos, muitas pessoas padecem mais do que nós. Não somos os únicos a carregar a cruz. Acolha a meditação deste Salmo pelos que sofrem, pois ele é considerado um dos Salmos penitenciais mais propícios para pedir perdão dos nossos pecados e dos pecados dos nossos irmãos.

Senhor, tu conheces o meu sofrimento. Não quero fechar-me sobre eles nem me deixar esmagar pelas minhas dores. Quero levantar a cabeça e olhar com amor o meu crucifixo que sempre me acompanha. Quero fixar o olhar sobre Jesus, que, como cordeiro manso, foi levado ao matadouro e não se revoltou. Dá-me a coragem, Senhor, de oferecer os meus sofrimentos pela salvação da humanidade, especialmente em comunhão com todos os cristãos do mundo inteiro que, em tantos países, se veem perseguidos em razão da própria fé. Quero, Senhor, estar ao lado de todos os sofredores, visitar todos os doentes nos hospitais, aqueles com doenças terminais, as pessoas abandonadas, os perseguidos pela justiça. Que ninguém na sua dor se sinta sozinho, mas que possa perceber a presença solitária e amiga dos irmãos e irmãs e a força de Cristo que nunca falta para quem a invoca. Senhor, permite-me não ter vergonha dos meus sofrimentos, mas não escondas, Senhor, o teu rosto quando sofro, e escuta minha voz. Amém

 

 

MEDITATIO: Ao ler atentamente os grandes textos do Evangelho de João, nos sentimos um pouco perdidos. Condensam-se ai muitas ideias que, às vezes, parecem quase contraditórias. Por exemplo, Jesus disse: “Aonde vou, vós não po­deis vir”. Por quê? Porque não cremos suficiente­mente? A fé nos permite ir aonde Ele vai. Disse aos seus discípulos: “Aonde eu vou, não podeis seguir-me agora; mas, me seguireis mais tarde” (cf. Jo 13,36). Só poderemos se­gui-lo após nossa morte corporal? Crer e esperar com amor é ir onde Jesus está sempre: junto ao Pai. No contexto, Jesus refere à salvação por meio da cruz. Os meios de graça derivados da cruz nos permitem encaminhar nossos passos pelo caminho justo. É certo que não podemos ir aonde Jesus se en­contra, no sentido de que não podemos ser artífices de nossa própria salvação. Mas, se nossos olhos, obs­curecidos pelo pecado, se elevam ao que, como disse Paulo, se fez pecado por nós, neste intercâmbio de olhares, pois Ele também nos olha do alto da cruz, descobriremos, não só que estamos no bom ca­minho, mas, também, que já começou nossa feli­cidade eterna. Quando adorarmos a cruz, na sexta-feira santa, podere­mos recordar duas expressões da leitura de hoje: “ficava curado” (quando olhava a cruz com a serpente cravada nela; Nm 21,9) e “sabereis quem Eu Sou” (quando Jesus for elevado na cruz; Jo 8,28). Portanto, contemplada já há muito tempo, a cruz revela quem é Jesus: é o caminho, a verdade, a vida.

 

ORATIO: Pai, Deus de amor e piedade, Tu te com­padeceste do homem e não o deixaste perecer na dureza de seu pecado e de suas rebeliões. Já no Antigo Testamento quiseste que a serpente, por­tadora de morte, se transformasse, por tua graça, em meio de cura. Mais ainda: permitiste que teu Filho assumisse, em seu corpo, todo o horror do pecado, para que, quem o contemple, não veja mais o duro suplício da cruz, cume e síntese da crueldade humana, a ignomínia do desprezo, mas o mistério de um amor sem medida. Ensina-nos a crer sempre que és Pai e que não há uma experiência desoladora de morte nem horror de pe­cado que não possa converter-se, pelo mistério de tua compaixão onipotente, em lugar de manifestação de tua misericórdia, sinal de vida e esperança.

 

CONTEMPLATIO: Sim, aqui estamos para contemplar, por muito atroz que seja a imagem de Jesus crucificado, nos sentimos atraí­dos por este homem de dores. Estamos persuadidos de estar diante de uma revelação que transcende a imagem sensível: a revelação intencional de um símbolo, de um tipo, de uma personificação extrema do sofrimento humano. Jesus, o Cristo, quis apresentar-se assim. Aqui a dor aparece consciente! A terrível paixão estava pre­vista! De antemão, sabia-se o vexame e a desonra da cruz. Jesus é o que “conhece a enfermidade” em toda sua extensão, em toda sua profundidade e intensidade. E isto basta para que seja irmão do homem que geme e sofre; irmão maior, irmão nosso. Jesus detém um primado, que concentra a simpatia, a solidariedade, a comunhão do homem que padece. Jesus morreu inocente porque quis. Por que quis? Aqui está a chave de toda esta tragédia: Ele quis assumir a expiação de toda a humanidade. Ofereceu-se como vítima em nosso lugar. Sim, Ele é “o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. Ele se sacrificou por nós. Entregou-se por nós. E, assim, é nossa sal­vação. Por isso, o crucificado fixa nele nossa atenção (Paulo VI).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Nossos olhos estão fitos no Senhor” (Sl 122,2)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Uma das verdades do cristianismo, hoje esquecida por todos é que o que salva é o olhar. A serpente de bronze foi elevada a fim de que os homens que jazem mutilados no fundo da degradação a olhem e se salvem. Nos momentos em que alguém se encontra, como se diz em geral, mal disposto ou incapaz da elevação espiritual que convém às coisas sagradas, quando o olhar dirigido á pureza perfeita é mais eficaz. Pois é então quando o mal, ou mais, a mediocridade, aflora à superfície da alma nas melhores condições para ser queimada ao contato com o fogo. O esforço pelo qual a alma se salva se assemelha ao esforço pelo qual se olha e se escuta, pelo qual uma noiva diz sim. É um ato de atenção e de consentimento. Ao contrário, o que geralmente chama-se vontade é algo análogo ao esforço muscular. A vontade corresponde ao nível da parte natural da alma. O correto exercício da vontade é uma condição necessária de salvação, sem duvida, porém distante, inferior, muito subordinada, puramente negativa. O esforço muscular realizado pelo camponês serve para arrancar as más ervas, porém só o sol e a água fazem crescer o trigo. A vontade não opera na alma nenhum bem. Os esforços da vontade só ocupam um lugar no cumprimento das obrigações estritas. Ali onde não há obrigação estrita há que seguir a inclinação natural ou a vocação, quer dizer, o mandato de Deus. E nos atos de obediência a Deus se é passivo; qualquer que sejam as fatigas que o acompanhem, qualquer que seja o desenvolvimento aparente da atividade, não se produz na alma nada analógico ao esforço muscular; há só espera, atenção, silêncio, imobilidade através do sofrimento e a alegria. A crucifixão de Cristo é o modelo de todos os atos de obediência (S. Weil, A la espera de Dios).

 

 

 

 

QUARTA-FEIRA, 01 de abril de 2020

João 8,31-42 (Jesus e Abraão) – Falando aos judeus que se vangloriavam de serem da descendência de Abraão (v.33) e, portanto, livres, Jesus faz uma série de considerações sobre o tema da fé e do discipulado (v.31), da liberdade e gozo da intimidade familiar (vv.32-36); da filiação e da paternidade (vv.37-42). Em ordem crescente, altamente dramática, a revelação de Jesus culmina na proclamação de sua divindade (Eu Sou, v.58), enquanto que a obstinação de seus adversários precipita-se até desem­bocar em uma tentativa de apedrejar-lhe (v.59), evidente confirmação da escravidão destes ao pecado (v.34). Isto porque são filhos “do que era homicida desde o princípio” (v.44). A fé levou Abraão a confiar-se à Palavra que liberta da escravidão do pecado (v.32). A fé no Filho deve levar os discípulos a permanecerem n’Ele, (v.31), Palavra do Pai, como filhos livres, que permanecem sempre na casa paterna (v.35). Quem age de outro modo manifesta, inequivocamente ter outra origem (v.41), intenções perversas (v.37) e escravidão (v.34), ainda que o ignore ou não queira admitir.

 

 

 

 

Dn 3,14-20.91-92.95 (Denúncia e condenação dos judeus; Reconhecimento milagre) – O conhecido episódio dos três jovens hebreus, ilesos no forno ardente, contrapõe a fé no único Deus, Yahweh, aos ídolos do politeísmo, seja o babi­lônio do tempo do rei Nabucodonosor, ou o judaico ao longo da perseguição de Antíoco IV Epífanes, que havia erguido uma estátua a Zeus Olimpo, precisamente no altar do templo de Jerusalém. Os vv.17s constituem o ponto culminante da narração. Escrito para edificar e consolar os perseguidos pelo nome de Deus, seu conteúdo é vá­lido para todas as épocas. Yahweh é o Deus da vida, e servir-lhe é optar pela verdadeira vida, ainda quando isso leve sofrimento ou, inclusive, o martírio. Este testemu­nho torna perfeitamente válido, a fé dos que põem toda a sua confiança em Deus, e este é o melhor modo de fazê-lo co­nhecer e reconhecer pelos próprios perseguidores (v.95). A narração discorre com profusão de detalhes pi­torescos, apesar de trágica: confere solenidade ao relato, exaltando a superioridade de Yahweh. Ainda quan­do falte totalmente o culto, Yahweh é, e será, indiscutivelmente, o único Deus (v.96), ante o qual é vaidade, até mesmo, a mais grandiosa pompa dos cultos idolátricos.

 

Dn 3,52-56 (Cântico dos três jovens; primeira parte) – O livro de Daniel, como se sabe, reflete os fermentos, as esperanças e também as expectativas apocalípticas do povo eleito, o qual, na época dos Macabeus (II século a.C.) lutava para poder viver de acordo com a Lei dada por Deus. Na fornalha, os três jovens, milagrosamente preservados das chamas, cantam um hino de louvor dirigido a Deus. Este hino é semelhante a uma ladainha, repetitiva e, ao mesmo tempo, nova: as suas invocações elevam-se até Deus, como espirais de incenso que percorrem o espaço em formas semelhantes, mas nunca iguais. A oração não teme a repetição, como o apaixonado não hesita declarar infinitas vezes à amada todo o seu afeto. Insistir nas mesmas questões é sinal de intensidade e de numerosas formas nos sentimentos, nas pulsações interiores e nos afetos (…). Logo a seguir, o cântico prolonga-se convocando todas as criaturas do céu e da terra para louvar e engrandecer o seu Senhor. (Papa João Paulo II)

 

 

MEDITATIO: Quando o nosso dulcíssimo Jesus Cristo já não é uma ideia abstrata, mas converteu-se em vida de nossa vida, então se ex­perimenta a liberdade cristã. Então a vida mais fácil? Não. Como essência dessa pertença a Cris­to, e da relação pessoal com Ele, na fé e no amor, apare­cem exigências, até então, imprevisíveis, que criam novos vínculos, mas, que não escravizam, mas dila­tam o coração, para correr pelo caminho dos divinos mandamentos. Chamamo-nos cristãos, como os judeus se vangloriavam de serem filhos de Abraão, por serem fieis a certas observâncias. Mas, isto não basta para fazer de nós filhos de Deus eda Igreja. Ser filhos significa, antes de tudo, ser livres. Só Jesus, o Filho, nos revela o que é a verdadeira liberdade: uma total renúncia a si mesmo para afirmar o outro. O pecado, pelo contrario, é o polo oposto: tudo é um pôr o próprio eu como centro do universo. Esta é a escravidão da qual nos fala Jesus. Pode-se ser escravo, ainda que se tenha, sempre, na boca, as palavras liberdade e libertação. E não pode­mos libertar-nos sozinhos, mas é preciso ser libertados. Isto acontece quando abrimos o coração à Palavra, presença de Cristo em nós, e a seu poder salvador. Ele pode converter-nos, apartando-nos da idolatria e de nós mesmos, para guiar-nos à liberdade do amor.

 

ORATIO: Senhor Jesus, tu sabes quanto nos custa lutar para não perder nossa liberdade, porém, conheces, também, como a gastamos mal­, tontamente, sem dar-nos conta, apegando-nos aos ídolos da moda. Tem piedade de nós. Faz-nos compreender que só tu podes e queres arrancar-nos de toda escravidão com o dom da tua Palavra de salvação, que nos faz habitar em ti. Solta as cadeias dos compromissos e pecados do egoísmo que nos ata. Que teu corpo despedaçado e teu sangue derramado, preço de nossa liberdade, sejam, para nós, penhor e fonte de uma vida, continuamente, renovada, pelo amor, e dilatada em dom incansável, de nós mesmos, a ti e aos irmãos. Faz que comecemos a saborear o gozo daquela liberdade que chegará a sua plenitude quan­do Tu, liberdade infinita, sejas tudo em todos.

 

CONTEMPLATIO: “O Desejado de nossa alma, ’o mais for­moso entre os filhos dos homens’, apresenta-se a nós sob dois aspectos bem distintos […]. Sob um primeiro aparece sublime, em outro humilde; no primeiro glorioso, no segundo coberto de opróbrios; em um, venerável, em outro, miserável […]. Era necessário que Cristo, ao passar por esta vida, deixasse, traçada, uma trilha para seus seguidores. E ao ser enaltecido e logo humilhado, quis nos ensinar, mediante seu exemplo, que temos de con­duzir-nos com humildade em meio das honras e com paciência, nas afrontas e sofrimentos. Ele pôde, sem dúvida, ser exaltado, mas, de modo algum, en­soberbecer-se; quis ser desprezado, mas esteve longe dele à miséria de ânimo ou o arroubo da ira […]. Assim, irmãos, para poder seguir nosso Mestre, sem tropeço algum, tanto nas coisas prósperas, como nas adversas, contemplemo-lo coberto de ho­nra […] e, na paixão, submetido a afrontas e dores. Mas, em meio de tão grande mudança de circuns­tâncias, jamais houve mudança de ânimo […]. Tende fixo o olhar, irmãos, no rosto de Jesus, que Ele inspire o gozo das consciências que estão em paz, e o remédio de arrependimento às feridas pelo pecado e que, em todas infunda a segura esperança da salvação” (Guerrico de Igny).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Para que sejamos livres, Cristo nos libertou” (Gl 5,1)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – A liberdade consiste precisamente no poder de dar-se. A existência humana, em sua originalidade, é uma oferta, um dom, e a liberdade se alcança no encontro com o Outro. A grandeza do homem está dentro de nós […] porque só o homem pode tomar a iniciativa do dom ao qual está chamado. Deus não pode violar a liberdade porque é ele mesmo quem suscita e a faz inviolável. Jesus, Deus, de joelhos ante seus apóstolos, é a tentativa suprema para avivar a fonte que deve brotar para a vida eterna. Em sua morte atroz, Jesus revela o preço de nossa liberdade: a cruz. O qual quer dizer que nossa liberdade aos olhos do Senhor Jesus tem um valor infinito. Morre para que a liberdade nasça no dialogo de amor que a levará a plenitude. Ninguém como Jesus teve paixão pelo homem, ninguém como ele pôs o homem tão alto, ninguém como Jesus pagou o preço da dignidade humana. Cristo introduz uma nova escala de valores. Esta transformação de valores se inaugura com o lava-pés, e o mundo cristão, todavia não se deu conta! Jesus nos dá uma lição de grandeza, porque a grandeza mudou de aspecto: não consiste em dominar, mas em servir (M. Zundel, Stupore e povertà, Padua 1990,19s).

 

 

 

 

 

QUINTA-FEIRA, 02 de abril de 2020

João 8,51-59 (Jesus e Abraão) – O texto se abre com a solene repetição, da parte de Jesus Cristo, do “amém” (v.51: “Em verdade, em ver­dade…”), seguindo a afirmação de que sua Palavra é vida e dá vida a quem a acolhe e a guarda. O forte contraste com o versículo conclusivo (“tomaram pedras para atirar nele”) é um sinal inequívoco de que a Palavra de Deus foi rejeitada. Entre o primeiro e o último versículo tem lugar o diálogo-encontro, cujo último horizonte é a grande an­títese vida-morte e, como ponto de referência, a figu­ra de Abraão, do qual os judeus se consideram descen­dentes: ele é seu pai. Ao acosso provocador de perguntas, Jesus só responde indiretamente, mas de suas palavras emerge a verdade fundamental: ele se decla­ra Filho do único Pai verdadeiro, buscando sua glória. O Pai é o que lhe faz falar e atuar. Por esta ra­zão, sem blasfemar nem mentir, pode afirmar: “Antes que Abraão nascesse Eu Sou”. Não há vida no homem, senão no reconhecimento deste Deus que se manifesta no Filho. Entre Pai e Filho se dá uma comunhão plena. Para esta comunhão tende a história de salvação, da qual Abraão recebeu a promessa e, na fé, entreviu seu cum­primento. Para os judeus, descendentes de Abraão segundo a carne, tal afirmação é escandalosa. Suas palavras manifestam zombaria e desprezo. João, com sua fina ironia, mostra como, precisamente os adversários de Jesus proclamam, sem dar-se conta, a ver­dade sobre Ele no mesmo momento em que pensavam de­negri-lo como louco: “És tu mais importante que nosso pai Abraão?”. A pergunta é retórica, mas, não no sentido que pretendem os judeus, mas, exatamente, o contrário. Jesus é (v.58) antes e sempre, desde toda eternidade, quer dizer, é Deus! (cf. Jo 1,1).

 

 

Gn 17.3-9 (A aliança e a circuncisão) – A tradição sacerdotal pós-exílica nos apresenta neste texto a vocação de Abraão, para que o povo volte a crer na alian­ça (berith) com Deus (vv.2.7; cf. Dt 5,5-7). De fato, Is­rael ficou reduzido a um pequeno “resto”, privado dos dons prometidos a Abraão (v.8), o próprio Abraão, ao qual Deus chamou “pai de uma multidão” (v.5; cf. Gn 12,2). Deus não pode renegar da aliança, pois não po­de renegar a si mesmo: esse é o fundamento seguro que deve manter a esperança do povo, a mesma que permitiu a Abraão esperar contra toda esperança. Deus é quem tomou a iniciativa (17, 1s), re­velou-se (v.1) e manifestou a Abraão seu novo nome “pai de uma multidão” (v.5), que lhe converte em protagonista de um desígnio divino de salvação (v.6). Daí vem a Abraão a exigência de corresponder àquele chamado, que se traduz no imperativo: “Caminha em minha presença e íntegro” (v.1; cf. Dt 5,7), quer dizer: “Sê meu, diz o Senhor, porque Eu sou ‘teu Deus’” (v.7). A resposta de Abraão é a prostração: “Cai rosto em terra” (v.3), em atitude de adoração, isto é, de gratidão que se converte em escuta. Deus lhe permite que lhe fale (v.3).

 

Sl 104/105 (A história maravilhosa de Israel) – Sigamos o exemplo de São Francisco de Assis, que via na natureza a mão criadora de Deus; que saibamos conhecer Deus nos menores detalhes e que façamos d’Ele nossa oração diária, adorando e bendizendo ao Senhor por tudo o que há nesta terra. Como não admirar o nascer ou o pôr do sol ou escutar o canto do rouxinol, o murmúrio das cascatas, ou a voz do vento? Medite este Salmo num bosque ou à beira de uma lagoa serena e tranquila. Assim, sentirá algo divino acontecer no seu coração.

Senhor, hoje quero pedir emprestado como oração o cântico de Daniel: “Bendizei ao Senhor, todas as obras do Senhor… (Dn 3,57-63.72-85). Amém. Senhor, é a nossa resposta à natureza como tua obra; Tu és um Deus que ama a natureza e nos ensina a amá-la como obra tua ao nosso serviço. Amém.

 

 

MEDITATIO: Se a liturgia de hoje escolheu o texto do Gênesis, como primeira leitura, é porque se fala tam­bém de Abraão no Evangelho. Ainda que não se trate de uma relação artificial. Abraão é modelo do crente, porque sua fé está vivificada pela caridade e pela humildade: basta recordar sua acolhida aos misteriosos personagens (Deus mesmo) no carvalho de Mambré, sua intercessão a favor das cidades pecadoras, o se pôr em segundo plano ante seu sobrinho Ló, deixando-lhe escolher a terra mais fér­til. O texto de hoje expressa, de modo particular, sua disposição interior, manifestada no gesto de prostrar-se em adoração ao receber a “promessa” de conver­ter-se em benção para todos os povos. Apoiando-se, humildemente, na Palavra de Deus, apesar de que tudo parecia impossível, Abraão creu que chegaria a ser fe­cundo. A fé é uma luta pela vida. E enfrenta a morte na forma mais insidiosa e cotidiana a qual podemos cha­mar “inutilidade da existência”. Jesus é o real descendente de Abraão, porque, no combate entre a morte e a vida, sua fé abre a todos uma esperança ines­perada. No muro da angústia que nos oprime, Jesus abre uma brecha para que possa irromper a vida, e Ele é a Vida.

 

ORATIO: Senhor, tu és o mesmo ontem, hoje e sem­pre! Tu és o único no qual podemos entregar, com se­gurança, nossa vida. Tu nos justificaste, não por nossas obras, mas com a força da fé, com o dom de tua graça. Queremos viver contigo e, em ti, só para Deus pai. Queremos viver crucificados ao teu amor inconcebível e viver e morrer deste amor, morrer para viver. Que não prevaleça o homem de carne e sangue, nem o ídolo de nosso eu, mas Tu. Só tu sejas nossa vida; nossa santificação; nosso indizível gozo, aman­do-te até o extremo como Tu nos ama. Ó Cris­to, não morreste em vão, já que teu amor nos fez reviver e renascer. E nós, ó verdadeiro irmão, crucificados e livres cremos firmemente em ti.

 

CONTEMPLATIO: Como gostaria de mortificar estes meus membros mortais! Como gostaria de carregar-me, espiritualmente, com qualquer peso, caminhando pela via estreita, pela qual, poucos caminham, e não caminhando pela larga e fácil! Grandes e extraordinárias são as realidades que se seguem. A esperança supera nosso mérito e nossa mesma dignidade. Em que consiste este mistério novo que me rodeia? Sou pequeno e grande, humilde e subli­me, mortal e imortal, terreno e celeste. As primeiras realidades, eu as tenho em comum com este mundo inferior, as outras, me vêm de Deus. É necessário que seja se­pultado com Cristo, que ressuscite com Ele e, com Ele, receba a herança; que chegue a ser filho de Deus e, de algum modo, Deus mesmo. Isto é o que nos manifesta este grande mistério: Deus, que por nós se revestiu de humanidade, se fez pobre para elevar nossa natureza envelheci­da e restaurar, em nós, sua imagem desfigurada, pro­movendo, o homem, para que todos nós sejamos um em Cristo, o qual se realizou, perfeitamente, em todos nós, em plenitude. Que possamos chegar a ser o que esperamos, segundo a magnífica benevolência de Deus! Pouca coisa é o que nos pede, comparada com a i­mensidade que oferta, no tempo presente e no vi­ndouro, ao que lhe ama com sincero coração: quando, pelo amor e a esperança n’Ele, nos esforçamos para supor­tar qualquer coisa, dando-lhe graças por tudo, no gozo e na tristeza, e lhe encomendamos nossas almas e os de nossos companheiros de peregrinação (Gregório Nacianceno).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Eu me alegrarei com o Senhor” (Sl 103,34)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Permanece com ele não só com o coração, mas também com os ouvidos e os olhos, que vão onde lhes leva o coração. O amor deseja conhecer e ver. Nós não temos escutado nem visto o Senhor Jesus Cristo, Verbo feito carne. Porém, sabemos que sua carne se fez Palavra para fazer-se carne em nós, que o escutamos e contemplamos. E é que o homem se converte na palavra que escuta e se transfigura no que tem diante. A palavra que nos conta a história de Jesus Cristo é para nós sua carne, norma de fé e critério supremo de discernimento espiritual. Do contrário, inventamos um Deus à medida de nossas fantasias religiosas (cf. Ef 4,20; 1 Jo 4,2) e cremos não nele, mas nas idéias que fazemos dele. Não temos nenhuma imagem de Deus e não devemos fazer-nos nenhuma. O conhecemos através de sua revelação a Israel e no acontecimento de Jesus Cristo, no qual habita corporalmente toda a plenitude da divindade (Cl 2, 9). Portanto, lê sempre a Escritura para conhecer a Palavra da qual és servo, para tua salvação e em favor dos irmãos. É tua profissão especifica de apostolo (Lc 1,2; At 6,4). Lê-se sempre com admiração e ação de graças. A Palavra será luz para teus olhos, mel na boca e gozo para teu coração (Sl 19,9.11; 119,103.111). Lê e admira; converte-te e goza; discerne e elege. Logo atua. Deves saber que onde não te admiras, não compreendes; onde não te convertes, não gozas; onde não gozas, não discernes; onde não discernes, não eleges; onde não eleges, atuas inevitavelmente segundo o pensamento humano e não segundo o de Deus (Mc 8, 33). Que a Palavra de Deus seja o centro de tua vida. É Jesus Cristo, o Filho, ao qual amas e desejas conhecer cada vez mais para amá-lo sempre melhor e em verdade (S. Fausti, Lettera a Sila. Quale futuro per il cristianesimo, Casale Monf).

 

 

 

 

SEXTA-FEIRA, 03 de abril de 2020

João 10,31-42 (A verdadeira identidade de Jesus) – Estamos no contexto da festa da Dedicação, na qual se celebra a santidade do templo, quer dizer, a volta da glória de Deus ao edifício sacro, retirada pela profanação. Jesus “passeia” livremente pelo templo sob o pórtico de Salomão, quando é rodeado pelos judeus: o choque se faz cada vez mais tenso, até o ponto de que estes tentavam apedrejar-lhe. Muitas vezes, no passado, os judeus haviam tratado de prender-lhe pelas “obras” que fazia (curas em sábado…), porém, agora aparece um único motivo de condenação: a blasfêmia, ao fazer-se, Ele, que é um homem, igual a Deus (v.33). Esta será a acusação alegada ante Pilatos. Jesus responde pontualmente, em primeiro lugar, pondo-se em um terreno comum com seus acusadores (a Palavra de Deus que não pode ser desmentida), logo apelando à sua mesma experiência (as obras que tem realizado). É a última tentativa de despertar seus corações à fé. E, por isso, torna-se tão significativa a urgente insistência de observar as obras que são “pa­lavras”. Se, por nenhuma das obras, é Jesus digno de conde­nação, porque não crer na verdade de tudo quanto disse? Porém, também este dolorido e veemente chamado é desaten­dido. Ocorre uma falta de comunicação total. Jesus se vai “de novo” ao outro lado do Jordão, fora da cidade santa, onde João havia dado testemunho da verdade, e aqui, onde também surgiram os primeiros discípulos, muitos começaram a crer. Na experiência da maior rejeição, um germe de fé antecipa a graça do acontecimento pascal.

 

 

Jr 20,10-13 (Extratos diversos das confissões) – A ação profética de Jeremias já não pode consistir em chamar o povo à conversão. Ao longo de muitos anos não se tem escutado sua voz. Agora, por mandato de Deus, deve anunciar que o juízo divino é irrevogável. O castigo está a ponto de cair sobre Israel: Jerusalém será entregue nas mãos do rei da Babilônia. Neste contexto, a mais penosa de sua dolorosa experiência de profeta, derrama sua última confissão (vv.7-18), texto sumamente autobio­gráfico, ainda que paradigmático, do destino de todo ver­dadeiro crente. Em uns poucos e comovedores ver­sículos, se evoca o momento da vocação (vv.7-9). Não se omitem os momentos desoladores e de rebelião: perseguições, calúnias e traições constituem o tecido de sua vida (v.10). Porém, como Jó, também Je­remias sai vitorioso da prova: após o desabafo, brota um ato puro de fé em Deus (vv.11-13). É signi­ficativa a solene declaração inicial: “O Senhor está comigo como um herói poderoso”. Remete-nos, direta­mente, às palavras que Deus mesmo dirigiu ao profe­ta, no momento de sua vocação: “Eu estou contigo para salvar-te” (Jr 1,19). Ao longo de seu árduo caminho, aquelas palavras foi lâmpada para seus passos. Daí em diante o profeta não experimentará mais resistências nem rebeliões. Sua vida estará cheias de dificuldades, porém se entrega, totalmen­te, ao Senhor, com a segurança de que é Ele quem salva o pobre perseguido.

 

Sl 17/18 (“Te deum” real) – Este Salmo é extenso e canta à necessidade de termos líderes honestos, retos, que não se deixam corromper pelo mal e a riqueza. A corrupção não é invenção moderna, sempre esteve presente na humanidade e seu “bacilo” está escondido no coração humano. Por isso, devemos permanecer vigilantes em todos os momentos de nossas vidas para não cair nas armadilhas dos maldosos.

Senhor, ajuda-me a conservar meu amor por ti e pelos teus servos. Que nunca me deixes cair nas armadilhas dos malvados e dos injustos, que prometem mares e montes e nada cumprem. Precisamos de líderes que sejam orientados pela honestidade e pelo bem, tanto na política quanto na sociedade e na tua Igreja. Amém.

 

 

MEDITATIO: O quarto evangelho apresenta sempre situações nas quais se dividem os ânimos: se oferece bastante luz para poder crer, mas também, a suficiente escuridão para justificar a rejeição de adesão a Cristo. Também o texto que lemos hoje conclui, afirmando que “muitos creram n’Ele”, mas, não todos. Alguns se deixam convencer, enquanto outros se entrincheiram em sua postura. Estes últimos agem de boa fé, pois desejam “defender” seu Deus. Na última ceia Jesus dirá aos discípulos: “Chegará a hora na qual vos tirarão a vida pensando que estão dando culto a Deus” (Jo 16,2). Acaso estas tendências extremas, diversas e contra­ditórias, referentes à fé, não se encontram, ainda que seja em grau menor, em nosso coração? Nossa fé passa, com frequência, por altos e baixos. É como se a multidão, da qual fala João, estivesse dentro de nós. Jesus, com seu exemplo, nos ensina como superar oscila­ções tão perigosas ditadas pelo sentimento ou pelo estado de ânimo, ou o ascetismo sutil que se respi­ra na mentalidade de nossos dias. A fé cristã, para que arraigue no fundo de nosso ser e perma­neça, apesar dos temporais de superfície, precisa aprofundar-se, solidamente, na Sagrada Escritura, que chega no Novo Testamento a seu cumprimento e plenitude. Ir à Palavra de Deus assiduamente é fortalecer nossa fé nesta Palavra que tem rosto: o do Filho igual ao Pai.

 

ORATIO: Senhor, como crer que Tu és Filho de Deus se te fazes presente no meio de nós de modo tão des­concertante? Quantas vezes queremos também nós, reduzir ao silêncio as exigências de tua Palavra, que nos toca vivamente pedindo-nos opções custo­sas e coerentes! Acaso nossas resistências, nossas rejeições ou indecisões não pesam em teu coração, como as pedras que os judeus tomaram para apedrejar-te?… Senhor concede-nos acolher-te, em tua Palavra de verdade, acolher a ti.

CONTEMPLATIO: Agradecemos ao Único que realizou, com sua vida, o que estava escrito d’Ele na Sagrada Escritura, da qual, o que não podíamos compreender com a simples escuta, se esclarece, vendo-o. Ele, como se lê no Apoca­lipse, abriu o livro selado, que ninguém podia abrir nem ler, revelando-nos, com sua paixão e ressurreição todos os mistérios n’Ele contidos. E, assumindo os males de nossa debilidade, nos mostrou os bens de seu poder e de sua glória. Pois, se fez carne para fazer-nos espiri­tuais em sua bondade; se humilhou para exaltar-nos; saiu para que pudéssemos entrar; apareceu visível para mos­trar-nos as coisas invisíveis; padeceu açoites para curar­-nos; suportou os ultrajes e zombarias para livrar-nos da vergonha eterna; morreu para dar-nos a vida. Ele, que, em sua natureza, permanece incompreensível, em nossa natureza se deixou prender e flagelar, porque, se não tivesse assumido o próprio de nossa debilidade, não teria podido elevar-nos com o poder de sua força. Assim, para realizar sua missão, fez uma obra extraordinária. Para executar seu plano fez algo insólito, porque, sendo Deus, se encar­nou para elevar-nos até sua justiça. Por nós se dignou suportar açoites, como homem pecador. Fez, pois, algo inaudito, alheio ao seu ser, para executar sua obra: pois sofrendo suportou nossos males, le­vando-nos, suas criaturas, à glória de sua po­tência (Gregorio Magno).

 

AÇÃO: Repete frequente e vive hoje a Palavra: “Eu te amo, Senhor; minha fortaleza” (Sl 17,2b)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Suportar os ultrajes, ser objeto de zombaria por causa da fé, é um sinal dos crentes, ao longo do tempo. Faz mal ao corpo e a alma quando não passa um dia sem que o nome de Deus seja exposto à duvida ou a blasfêmia. Onde está teu Deus? Eu o confesso ante o mundo e ante todos seus inimigos quando desde o abismo de minha miséria creio em sua bondade, quando desde a culpa creio em seu perdão; desde a morte na vida, desde a derrota em sua vitória; desde o abandono em sua presença cheia de graça. Quem encontrou a Deus na cruz de Jesus sabe como Deus se esconde de modo surpreendente neste mundo, sabe como está presente ao máximo precisamente onde pensávamos que estava sumamente distante. Quem encontrou a Deus na cruz perdoa também a todos seus inimigos, porque Deus lhe perdoou. Ó Deus, não me abandones quando tenha que padecer ultrajes; perdoa a todos os ateus, porque me perdoaste, e leva todos a ti, pela cruz de teu filho amado. Abandona qualquer preocupação e espera! Deus sabe o momento de ajudar-te e chegará sem duvida, pois é Deus verdadeiro. Ele será a salvação de teu rosto, pois te conhece e te amou antes de criaste. Não deixará que caias. Estás em suas mãos. Só poderás dar graças por todo o sucedido, porque terás aprendido que Deus onipotente é teu Deus. Tua salvação se chama Jesus. Trindade de Deus, te dou graças por teres me elegido e amado. Dou-te graças pelos caminhos pelos quais e guias. Dou-te graças porque tu és meu Deus. Amém (D. Bonhoeffer, Memoria e fedeltà, Magnano).

 

 

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SÁBADO, 04 de abril de 2020

João 11,45-56 (Os chefes judeus decidem matar de Jesus) – Após o “sinal” da ressurreição de Lázaro, as autoridades judias estão já decididas a matar a Je­sus, considerado um homem perigoso. E, se continua fazendo milagres, certamente a multidão, que já havia querido proclamá-lo rei, declara-o libertador da nação, suscitando o furor dos romanos. Consequentemente, o templo poderia ser destruído. É preciso evitar, de qualquer modo, este perigo. A decisão mostra a cegueira total dos chefes com res­peito a Jesus. Desde a primeira páscoa, Jesus havia anunciado ser o novo Templo, ponto de convergência de Israel e de toda a humanidade, porém, não compreende­ram suas palavras. Então interveio Caifás, com sua pró­pria autoridade. Já não lhe acusa de blasfêmia, nem a ilegali­dade dos atos de Jesus constitui o tema de seu discurso; de sua boca saem palavras ditas por “razão de Estado”, ditadas por interesse político. O individuo deve ser sacrificado “pelo” bem comum. E com estas palavras, sem querer se converte em profeta. Certamente, a missão de Jesus consiste em reunir os filhos dispersos e formar um único povo, novo na unidade do Pai, do Filho e do Espírito Santo. E isto ocorre porque Ele dá a vida “pelos” homens. Assim, no plano histórico, o Sinédrio de­cide a morte de Jesus, porém, na realidade, e João se des­loca ao plano teológico, o Pai está levando a cabo seu desígnio de salvação, graças à adesão filial de Cristo à sua obra.

 

 

Ez 37,21-28 (Judá e Israel reunidos em um só reino) – Na segunda fase de seu ministério profético, depois de ter pregado o castigo, Ezequiel anuncia simbolicamente (vv.16s) a volta de Israel do desterro (v.21). E a reunificação em um só povo nos mon­tes de Israel (v.22), sob a guia de um único rei-pastor (vv. 22.24). O castigo anunciado já teve lugar (a deportação do ano 586 aC.): mas tem um caráter terapêutico e é temporal, com vistas a purificar da idola­tria (v.23) e curar as desobediências (v.24). A promessa de Deus, pelo contrário, é uma aliança de paz eterna (v.26): o Espírito do Senhor repousa em seu povo (v.14) e o povo está chamado a repousar na terra de seu Deus (vv. 25s), em paz e prosperidade (vv. 26-28). Deus morará em meio de seu povo para sempre (vv. 27s). Esta realidade revelará a todos quem é Yahweh: “O Senhor que consagra a Israel” (v.28), e quem é Israel: o povo consagrado pela presença de seu Deus. Em ter­mos mais familiares, como disse Deus por boca do profeta: “Eu serei seu Deus e eles serão meu povo” (v.27), com toda a carga afetiva manifestada nestes po­ssessivos.

 

Jr 31,10-13 (Deus liberta e reúne seu povo na alegria) – “Nações, ouvi a palavra do Senhor! Levai a notícia às ilhas longínquas” (Jr 31,10). Qual é a notícia que está para ser anunciada com estas solenes palavras de Jeremias? Trata-se de um notícia confortadora, e não é ocasional que os capítulos que a contêm (cf.30-31), sejam qualificados como “Livro da consolação”. O anúncio refere-se diretamente ao antigo Israel, mas já deixa de alguma forma entrever a mensagem evangélica. Eis o centro deste anúncio: “Porque o Senhor resgatou Jacob e o libertou das mãos do seu dominador” (Jr 31,11). O fundo histórico destas palavras é constituído por um momento de esperança experimentado pelo povo de Deus, acerca de um século desde quando o Norte do País, em 722, fora ocupado pelo poder assírio. Agora, no tempo do profeta, a reforma religiosa do rei Josias exprime a volta do povo à aliança com Deus e faz surgir a esperança de que o tempo do castigo terminou. Começa a delinear-se a perspectiva de que o Norte possa voltar à liberdade e Israel e Judá se recomponham na unidade. Todos, também as “ilhas mais distantes”, deverão ser testemunhas deste acontecimento religioso: Deus, pastor de Israel, está para intervir. Ele, que permitiu a dispersão do seu povo, agora vem reuni-lo.(…) Os acontecimentos históricos dizem-nos que este sonho não se realizou naquela época. Mas, não, certamente, por Deus não ter cumprido a sua promessa: desta desilusão foi responsável mais uma vez o povo, com a sua infidelidade… Não só os exilados do Norte não voltarão, mas a própria Judeia será ocupada por Nabucodonosor em 587 a.C. Então virão dias amargos, quando, junto dos rios da Babilónia, se suspenderão as harpas (cf. Sl 136,2). Não haverá no coração qualquer disposição para cantar para satisfazer os algozes… Mas, todavia, a alegria que caracteriza este oráculo não perde o seu significado… É necessário tê-los bem presentes, quando se leem as expressões de alegria do nosso Cântico. Descrevem em termos vibrantes o amor de Deus pelo seu Povo. Indicando um pacto irrevogável: “Amei-te com um amor eterno” (Jr 31,3). Cantam a alegria paterna de um Deus que chama a Efraim seu primogênito e o cobre de ternura: “Partiram em lágrimas, conduzi-los-ei em grande consolação, por caminhos direitos em que não tropeçarão; porque sou como um pai para Israel” (Jr 31, 9). Mesmo se a promessa não pôde ser então realizada por falta de empenho da parte dos filhos, o amor do Pai permanece na sua total e comovedora ternura… Na rocha firme deste amor, o convite à alegria do nosso Cântico evoca um futuro de Deus que, mesmo se é adiado, virá mais cedo ou mais tarde, apesar de todas as fraquezas do homem. Este futuro realizou-se na Nova Aliança com a morte e ressurreição de Cristo e com o dom do Espírito. Contudo, ele terá a sua realização plena na volta escatológica do Senhor. (Papa João Paulo II)

 

 

MEDITATIO: No Evangelho que nos foi proclamado hoje o con­flito chega a seu ponto alto. A situação é irreversível: foi decidida a morte de Jesus. O escândalo da cruz aparece a nossos olhos, e na terra nada mudou. Por todas as partes conflitos, sobretudo em nós mesmos… Alcançaremos êxito onde Jesus fracassou? Ao longo deste tempo de paixão teremos ocasião de enfrentarmos o realismo da cruz. Cristo veio para fazer-nos partícipes da promessa maravilhosa de que Deus é tudo em todos. Porém, para realizá-lo não su­primiu os conflitos nem nos oferece uma paz barata. Ele mesmo adentrou no centro do conflito que dila­cera o coração humano e nos conseguiu a vitória do amor… Trata-se de uma vitória conquistada mediante a loucura da cruz e o sacrifício da obediência, que coin­cide, cabalmente, com a glória eterna. Através deste mesmo caminho, também nós po­demos entrar na glória, que começa já, aqui. Essa é a tarefa de nossa vida, o compromisso deste dia. Re­jeitar a luta equivale a seguir nossos de­sejos instintivos, é permitir que a divisão fixe-se em nós e no mundo, é como pôr-se ao lado dos inimigos de Cristo. Aceitar, generosamente, a luta, contando com a graça de Deus, pedida na oração, significa participar na vitória definitiva de amor e possuir, já, o gozo de Deus.

 

ORATIO: Ó Deus, Pai nosso, que no excesso de teu amor expuseste teu Filho amantíssimo à rejeição e ao ódio do mundo, dai-nos a força de teu Espírito. Nós, eleitos para sermos teus, queremos seguir as pegadas de nosso mestre e dar um valente testemunho, ao mundo que não te conhece, de sua morte e sua ressurreição. Faz que, conformando-nos a Ele, ponhamos amor no ódio, mansidão na violência, perdão na vingança, paz na inimizade, benção na maldição. Não permitas que na hora da prova nos vença o me­do e nos faça cair no pecado da incredulidade e do desamor. Antes, ao contrário, faz que sempre sejamos mais teus, que sigamos unidos a Ti e a teu Filho, levando nos braços este mundo, o qual Tu, incansavelmente, amas e queres salvar. Amém.

 

CONTEMPLATIO: Irmãos, é necessário que pensemos em Jesus Cristo, como de Deus, como juiz de vivos e mortos; e é neces­sário que não tenhamos em pouca estima o referente a nossa salvação. Pecamos quando ignoramos de on­de, por quem e aonde temos sido chamados e quanto suportou padecer Jesus Cristo por nossa causa. Agora, que daremos a Ele em troca do que nos deu? Que fruto digno? Quantos benefícios, devemos-lhe? Pois, nos concedeu a graça da luz; como Pai nos chamou de filhos; quando estávamos perdidos, nos salvou. Assim, pois, que louvor ou que pagamento, daremos em troca do que temos recebido? Nossa men­te estava cega quando adorávamos pedras, madeira, ouro, prata e bronze, obras dos homens. Toda nossa vida não era mais que morte. Estávamos imersos nas trevas. Porém, se apiedou de nós e nos salvou, compassivamente, ao ver o grande extravio e perdição em que estávamos mergulhados, e que não tínhamos nenhuma esperança de salvação se não viesse d’Ele. Chamou-nos quando não éramos e quis que existíssemos a partir do nada […]. Assim, pois, arrependamo-nos, de todo coração, para que nenhum de nós se perca. Ajudemo-nos, mutua­mente, para guiar os débeis no relativo à fé, com o fim de que todos salvemo-nos, nos convertamos e nos admoestemos. Reunamo-nos e tentemos progredir nos mandamentos do Senhor, para que todos, ao ter os mesmos sentimentos, sejamos reunidos para a vida […].  Ao único Deus invisível, Pai da verdade, que nos enviou o Salvador e guia da incorruptibilidade, por meio do qual nos manifestou, também, a verdade e a vida celeste. A Ele, a glória pelos séculos dos séculos. Amém (Clemente Romano).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra: “Ele fez de dois povos um só” (Ef 2,14)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Morremos sozinhos. Enquanto a vida, desde o seio materno, sempre é comunhão, tanto que um eu humano isolado não pode nem nascer, nem subsistir, nem sequer ser imaginado, a morte deixa em suspenso a lei da comunhão. Os homens podem acompanhar até o extremo do umbral ao moribundo, que pode sentir-se acompanhado, sobretudo, pela comunidade dos crentes que a acompanham na fé em Cristo; sem duvida, franqueará a estreita porta só e isolado. A solidão explica o que é atualmente a morte: consequência do pecado (Rm 5,12); é inútil tratar de buscar outra razão. Cristo assumiu pelos pecadores a morte em sua radicalidade extrema, com intensidade dramática. E tanto é assim que só foi manifestamente abandonado pelos homens, não só foi rejeitado por poucos partidários seus, mas que pôs explicitamente nas mãos do Pai o vinculo de união que lhe unia a ele, o Espírito Santo, para experimentar até sua ultimas consequências o total abandono inclusive por parte do Pai. Toda a riqueza do amor deve resumir-se e simplificar-se neste ponto de união, para que, manando daí, se possa ter uma fonte e uma reserva eterna. Por isso, não existe na terra uma comunhão na fé que não se derive da extrema solidão da morte na cruz. O batismo, que mergulha ao cristão na água, o separa, na fonte imagem da ameaça de morte de toda comunicação, para levá-lo à verdadeira fonte, origem de tal comunicação. A mesma fé, em sua origem, está necessariamente de cara ao abandono que o mundo e Deus hão feito ao crucificado […]. O próprio amor cristão ao próximo é o resultado do sacrifício do homem, assim como Deus Pai se serve para a redenção da humanidade do sacrifício do Filho abandonado (H. U. von Balthasar, Cordura ovverosia Il caso serio. Brescia).

 

AUTORES (Giorgio Zevini y Pier Giordano Cabra)

 

Vamos viver unidos essa quaresma com quarentena

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