LECTIO DIVINA NA V SEMANA COMUM ANO 2020
BAIXAR EM PDF LECTIO DIVINA 5ª SEMANA DO TEMPO COMUM ANO 2020
DOMINGO, 09 DE FEVEREIRO de 2020 –
Mateus 5,13-16 (Sal da terra e luz do mundo) Mateus une duas imagens (nos outros sinóticos estão separadas (Mc 9,49 e Lc 14,34ss para o «sal»; Mc 4,21 e Lc 8,16;11,33 para a «luz») e as usa para criar, no contexto do «sermão da montanha», uma forma de ligação entre o texto das bemaventuranças (5,1-12) e o da Lei (5,17-46). Quer pôr o acento na tarefa confiada aos discípulos, que devem viver, em referência a terra-mundo, de modo não distinto e separado, mas como alternativa. O emprego do «vós sois», ao início do v.13, ressalta a união entre as duas metáforas de nosso texto e a última bem-aventurança precedente (5,11-12). A primeira imagem, a do sal, sugere os diferentes modos conhecidos de utilizar este elemento natural e indispensável: tempera e conserva e, no terreno especificamente religioso, está relacionado com os sacrifícios de oblação (Lv 2,13; Ez 43,24). Se o sal se desvirtua (o que é possível, visto que o sal se obtinha com técnicas rudimentares e imperfeitas, e sem maior controle de qualidade), só serve «para atirá-lo fora e que o pisem». Nestas duas últimas expressões é evidente a referência ao julgamento de Deus, seja com o «lançar»/“atirar”, que Mateus também usa em outros contextos (3,10;7,19;5,25; 5,29;etc.), ou «pisotear», termo utilizado por Isaías para descrever a sorte reservada aos ímpios (10,6;25,10; etc.), está dirigida ao discípulo que não realiza devidamente sua vocação e se torna «insípido». A segunda indicação dada aos discípulos, através da imagem da luz e relacionada com a da cidade, se enlaça com a ideia profética da peregrinação dos povos, que doravante serão atraídos, não por Jerusalém (cf ls 2,2-5), mas pela luz de Cristo irradiada pelos discípulos. O horizonte desta «difusão» se expande para que alcance a todos os povos; não se pode circunscrever, igual que não se pode ocultar o resplendor difundido por uma lâmpada colocada no centro da casa. Um imperativo, «brilhe» (v.16), encerra o texto e convida a depurar sua adesão pessoal ao Evangelho, conforme a faculdade de realizar «boas obras» (não mencionadas aqui, ainda que explicitadas em Mt 25,35ss), que deem glória ao Pai celestial. Sem esta práxis, o seguimento resulta insípido, e o caminho, incerto, envolto em trevas.
Is 58,7-10 (O jejum que agrada a Deus) O autor dos capítulos 56-66 de Isaias, um profeta anônimo do século VI/V aC, dirigindo-se ao povo que voltou do exílio, profere uma série de oráculos condenatórios e liberadores. O regresso à terra de Judá, depois do entusiasmo inicial, alimentado pelas expectativas de uma iminente e definitiva libertação, conduziu Israel a um progressivo desalento causado, em boa parte, por uma repatriação difícil e desilusória. Como mensagem central do Terceiro Isaías brota um renovado anúncio de salvação (cf.60-62), situado em um quadro temático, ao qual pertence também este texto e do qual emergem denúncias ásperas ante um culto falso e hipócrita. Como num pleito apaixonado, Deus acusa Israel de praticar um jejum exterior, sem autenticidade (jejum/jejuar, no c.58, são palavras chaves e aparecem sete vezes). O povo está convencido de que basta jejuar para ganhar a benevolência divina e, frente à aparente distância de Deus (58,3), em lugar de pôr em julgamento sua ambígua atitude, julga a Deus que não vê nem considera os sacrifícios feitos. Neste tipo de jejum não tem espaço o autenticamente necessário: as obras de justiça e misericórdia. Na relação de gestos requeridos (vv.7.10) para retomar uma prática formal com uma adesão coerente do coração, Deus aponta para um «denominador comum»: a compaixão. Só quem sabe assumir o sofrimento e as limitações do outro, quem sabe comprometer-se, lutando contra qualquer tipo de injustiça, sem fazer distinção de pessoas, descobrirá a verdadeira luz de Deus e se converterá num manancial perene. As obras de misericórdia que o fiel está chamado a praticar implicam duas opções fundamentais: ir às vítimas das injustiças, sem distinguir entre compatriotas e estrangeiros (é a perspectiva universal da obra do Terceiro Isaías, e assinalada aqui no v.7b), e tem que comportar um empenho pessoal, compartilhar o pão (vv.7-10), com quem jejuam, não por eleição, mas por estarem famintos devido às humilhações dos ricos.
1 Cor 2,1-5 (Sabedoria do mundo e sabedoria cristã) A ação salvífica de Deus é totalmente gratuita, em Jesus, o Pai ofereceu a salvação a todos. A lógica escandalosa da cruz modifica os critérios de mérito e privilégio e inverte o horizonte da sabedoria humana. Desde um primeiro momento, Paulo evidencia esta perspectiva falando da força da loucura da cruz (1,18-25); a seguir põe como exemplo, a comunidade de Corinto (1,26-31) e por último propõe seu próprio comportamento missionário (2,1-5). Paulo não se serviu de raciocínios eloquentes ou de hábeis argumentações (2,1): no centro de seu anúncio está unicamente Jesus Cristo e, este, crucificado. O apóstolo fundamenta e reforça sua proclamação na força do Espírito Santo. Só esta ação potente e o conteúdo da mensagem, despojado de qualquer estratégia persuasória, conduzem a uma adesão de fé autêntica, que não depende das capacidades intelectivas e lógicas do pregador. Segundo esse princípio, anunciar o Evangelho significa confiar, por inteiro, na obra de Deus.
Salmo 111/112 (Elogio do justo) Este Salmo é cheio de esperança e nos faz abrir o coração à presença misericordiosa de Deus. Durante a nossa caminhada na vida, há momentos de escuridão, de deserto, de dor e de desilusão, mas o homem de fé sabe levantar os olhos para o Céu e perceber que Deus caminha ao seu lado, mesmo diante da dificuldade. Com Ele nada é impossível! Ele nos abraça nos doa o perdão e é clemente e cheio de misericórdia. O nosso Deus é um Deus que se comove diante da nossa miséria e não nos afasta dele, mesmo quando estamos sujos e feridos, e o nosso coração tomado pela malícia e pelo pecado.
Senhor, tu procuras o homem justo para recompensá-lo e transbordar nele todo o teu amor. Tu iluminas o caminho de quem busca a verdade, ama a retidão e se coloca ao lado dos pobres e dos injustiçados. Sei, Senhor, que os teus mandamentos não são pesados quando se ama de verdade. Tu queres só o amor e nada mais. Peço-te, Senhor, que o teu Filho Jesus me ensine o que é o verdadeiro amor; que eu saiba desinstalar-me das minhas seguranças, descer a escada do poder e colocar-me a serviço dos outros com alegria. Que eu nunca feche o meu coração a quem me pede ajuda. Não importa que seja meu amigo ou não, o que importa é que teu Filho e na fé é meu irmão e irmã. Dá-me um coração grande e generoso! Como está escrito: “Distribuiu generosamente, deu aos pobres; a sua justiça permanece para sempre” (2Cor 9,9). Senhor, não permitas que o meu coração seja vingativo, duro e sem compaixão. Amém.
MEDITATIO: Para as pessoas que buscam o sentido que da vida, a Palavra de Jesus abre perspectivas sempre inéditas, acrescenta cores surpreendentes e impensáveis e proporciona o desejo de um projeto de vida radicalmente diferente do que podem oferecer as realidades do «mundo». Uma vez degustado o «sabor» novo de uma existência iluminada por Cristo, não há mais lugar para o que, com frequência e de modo medíocre, satisfaz, fugazmente, nossos desejos de felicidade, deixando-nos insatisfeitos e decepcionados. Quando permitimos que desponte anseios de uma vida plena e «em abundância» (cf. Jo 10,10), que dê sentido autêntico a nosso ser e a nosso agir, permitimos que uma força, a do Espírito, que transcende nosso entendimento, se manifeste ao mundo através de nós. «Sal» e «luz», tesouro valioso que levamos em vasilhas de barro, são dons, não para reter, mas para verter nos lugares onde se tem perdido o gosto e a esperança de uma vida digna de ser vivida, ou quando alguém tem se desvanecido na confiança. Nenhum ritualismo exterior pode substituir as implicações mais que comprometedoras descritas por Isaías (os gestos de compartilhar, a opção em favor de quem sofre a privação injusta e forçada daqueles bens necessários para viver) e que fazem visível e crível a fé. A missão e, com ela, o discípulo do Evangelho, conhece os tempos da mensagem gritada desde os terraços e a difusão mensagem escandalosa da cruz até os confins do mundo; e também sabe reconhecer os momentos silenciosos, discretos e extraordinariamente potentes de uma caridade solidária, da qual falam as «boas obras» que dão glória ao Pai que está nos céus. A comunidade cristã não vive separada do mundo, mas imersa nos acontecimentos de seu tempo, nos quais está chamada a agir, como o sal, que, em si, não é nenhuma comida e, só unida, mesclada, desfeita nos alimentos, pode desenvolver seu papel; da mesma forma, a Palavra que o crente anuncia, tem que penetrar e vivificar, desde dentro, os ambientes nos quais é semeada. É uma tarefa fiel e constante que deve fazer-se presente em um testemunho de vida simples e sóbrio, às vezes trêmulo e «débil», porém revestido da força de Deus, que assegura sua validez e eficácia.
ORATIO: Pai, fonte de misericórdia e de justiça, que cuidas de todos teus filhos, escuta o grito dos pobres, sê refúgio do aflito e do desconsolado. Também, em nossos dias, há desprovidos de bens, privados de dignidade, famintos de pão e de amor e, por outro lado, fartos e satisfeitos, com armazéns repletos e casas vazias, vaidosos por suas orações e jejuns que cheiram a incenso, mas não perfumam a vida. Em Jesus revelaste tua predileção pelos pequenos, mostrou-se compassivo e misericordioso com quem confia em ti. Ele, despido e crucificado, indica, a quem quer seguir um caminho sério e arriscado, uma porta estreita por onde só pode passar os que se libertaram das ataduras desta vida. Pai, nós não queremos possuir maior honra, nem maior glória, que o nome de teu Filho crucificado e ressuscitado, mais precioso e valioso que o ouro e a prata, para levantar e fazer andar a quem tem necessidade de esperança. Sua Palavra é a luz que nos confias para reavivar os lugares aprisionados pelas trevas; o Evangelho é a lâmpada que não se esvai, o sabor incorruptível que dá vida à existência. Então brilharão nossas boas obras como um sol sem ocaso, porque apreendeu teu resplendor.
CONTEMPLATIO: Não se acende uma lâmpada para pô-la debaixo do alqueire. Que benefício se obtém tapando a chama da lâmpada? Na realidade, Deus serviu-se do alqueire, medida apropriada para a sinagoga, pois esta acumulou para si os frutos produzidos e manteve fixa a medida a observar. Não obstante, agora, com a chegada do Senhor, se encontra vazia, sem frutos e incapaz de abrigar a luz. Desde este momento, a lâmpada de Cristo não pode pôr-se debaixo de nenhuma vasilha, nem ocultar-se sob o teto da sinagoga; ao contrário, suspensa no lenho da paixão, tem que irradiar a luz eterna a todos os que habitam na Igreja. Os apóstolos são exortados a brilhar com uma luz semelhante para que, vendo suas obras, glorifiquem a Deus, de modo que nossas obras, ainda que não lhes prestemos atenção, resplandeçam entre os que vivemos (Hilário de Poitiers).
AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:
”Encomenda ao Senhor teu caminho, confia nele, que ele agirá» (Sl 37,5ss)
PARA A Leitura Espiritual E o que ocorre à Igreja ocorre também a cada um de nós em particular. Seus perigos são nossos perigos. Seus combates são nossos combates. Se a Igreja fosse, em cada um de nós mais fiel à sua missão, ela seria, sem dúvida nenhuma, o mesmo que seu próprio Senhor, muito mais amada e muito mais escutada, mas, também, sem dúvida, como Ele, mais desprezada e mais perseguida: “Eu lhes dei a tua palavra, e o mundo os odiou” (Jo 17,14; cf.15,10-21). Se os corações se manifestassem de forma mais clara, o escândalo seria muito mais evidente, e este escândalo seria novo impulso para o cristianismo, porque o cristianismo “adquire um poder maior quando é aborrecido pelo mundo” (Santo Inácio de Antioquia, Ad Rom 11I,3). O fato de que o anticlericalismo esteja em “baixa” coisa que costumamos felicitar-nos, nem sempre pode ser um sinal feliz. É verdade que esse fenômeno pode ser devido a uma mudança na situação objetiva ou a um melhoramento tanto de um lado como do outro, mas também poderia significar que aqueles por quem se conhece à Igreja, ao mesmo tempo, que propõem ao mundo alguns valores dignos de estimação, tenham se acomodado a ele, a seus ideais, suas cláusulas e costumes. Nesse caso, deixariam de ser embaraçosos. Que o sal pode se tornar sem sabor é coisa que nos repete o Evangelho. E se vivemos, refiro-me à maior parte dos homens, relativamente tranquilos em meio do mundo, isto pode ser porque estamos mornos (H. de Lubac).
SEGUNDA-FEIRA, 10 DE FEVEREIRO de 2020
Marcos 6,53-56 (Curas na região de Genesaré) Jesus realizou muitas curas, mediante a sua palavra e também por gestos, tanto em dia de trabalho como, sobretudo, no sábado. Estas curas são pequenos sinais de recriação, de restauração do homem, não tanto da sua saúde originaria que talvez não tenha existido nunca, mas à integridade final, à qual está destinado no sábio desígnio criador de Deus. No texto de hoje se fala de uma «travessia» do lago da Galiléia que, na realidade, não se realizou. Jesus e os discípulos estão em Genesaré, na mesma margem ocidental da qual haviam partido. A intenção de Jesus, ao partir com os discípulos, era ir a um lugar a parte, para descansar um pouco (cf. Mc 6,31). Seu desejo não se realizou, pois a multidão o assediava a todo instante, levando-lhe os enfermos «aonde ouviam dizer que Jesus se encontrava». Este não consegue ter um pouco de descanso, contudo, se dá de corpo e alma à multidão de necessitados que recorrem a Ele. Assim, pois, Jesus atua, não consegue descansar. Sem dúvida, o elemento mais importante deste breve compêndio de curas é que Jesus permanece completamente inativo. De fato, Ele cura, sim, porém sem fazer nada, sem dizer nenhuma palavra, sem o mínimo gesto. Dir-se-ia que cura com seu descanso, com a mais perfeita inatividade, como se fosse seu descanso o que cura, como se a paz que irradia dele curasse os tormentos dos homens. Jesus não faz outra coisa que «deixar-se tocar», deixar-se alcançar. São os outros quem têm que buscar algum modo de tocá-lo «ainda que seja a orla de seu manto». Este manto é o tallit que se usava para a oração e que, segundo a Torá (Nm 15,38), devia ter mechas de lã azul nas quatro pontas. Jesus é um homem em oração, um homem «feito oração», e é este seu corpo em oração que cura, que leva à sua consumação a criação.
Gênesis 1,1-19 (A obra dos seis dias) Os relatos da criação apresentam uma linguagem que pode ser qualificada de «mítica», visto que descrevem bem uma ação divina que não podemos situar na história, mas em um «principio» que ninguém pôde conhecer. De fato, quem assistiu a origem do mundo para poder contá-lo? «Quem és tu?», recordará o Senhor a Jó: «Onde estavas quando afiancei a terra?» (Jó 38,4). O primeiro relato da criação nos dá, por isso, algumas indicações que não são alcançadas cientificamente, mas que tem uma grande importância teológica. Estas indicações são duas, sobretudo: a primeira tem que ver com o modo como Deus o criou, quer dizer, mediante a palavra; a segunda está relacionada, ao contrario, com a estrutura narrativa, que é a dos sete dias da semana. Veremos este último aspecto. O autor de Genesis 1 apresentou toda a obra da criação em um marco semanal. Trata-se de um fato claramente aleatório, tanto é que as obras da criação são mais de sete, pelo menos dez: a luz, a abóbada (lâmina) celeste, o seco, a vegetação, as lâmpadas, os peixes, os pássaros, o rebanho, os repteis, o homem (varão e fêmea). Mas a estrutura semanal tem um sentido concreto, uma organização interna própria; a saber, a de seis dias de trabalho mais um de descanso, o « sétimo dia » para o qual converge toda a obra semanal e na qual encontra sua consumação. A que pergunta responde, pois, o relato de Genesis 1, com sua organização semanal? A uma pergunta sobre a origem ou sobre o fim? Pretende dizer-nos quando foi criado o mundo, ou melhor, para que foi criado? O esquema semanal nos permite responder sem demora que o mundo, ou melhor, a criação, está organizada em vistas a um fim preciso, e este fim se resume no sábado, que é o dia do descanso do homem e da glorificação do Criador. Ao fim desta página, lemos a surpreendente afirmação de que «quando chegou o dia sétimo Deus havia terminado sua obra» (Gn 2,2). Como poderia tê-la «terminado» se no mesmo dia cessou toda atividade? Sem dúvida, à máquina do mundo faltava, precisamente, o elemento essencial, até mesmo porque não conheceu o tempo e o espaço da oração.
Salmo 103/104 (O esplendor da criação) Trata-se de um canto contemplativo. Os Salmos não são inspirados pela ciência, pela astronomia ou biologia; são orações que brotam no coração de alguém que, com os olhos maravilhados de uma criança, vê toda a criação de Deus e se sente pequeno diante de sua grandeza. Sabe que em tudo neste mundo o Mestre, o mais sábio dos artistas, deixou sua assinatura. Sigamos o exemplo de São Francisco de Assis, que via na natureza a mão criadora de Deus; que saibamos conhecer Deus nos menores detalhes e que façamos d’Ele nossa oração diária, adorando e bendizendo ao Senhor por tudo o que há nesta terra. Como não admirar o nascer ou o pôr do sol ou escutar o canto do rouxinol, o murmúrio das cascatas, ou a voz do vento? Medite este Salmo num bosque ou à beira de uma lagoa serena e tranquila. Assim, sentirá algo divino acontecer no seu coração.
Senhor, hoje quero orar com o cântico de Daniel: (3,57-63.72-85). Senhor, é nossa resposta à natureza como tua obra; tu és um Deus que ama a natureza e nos ensina a amá-la como obra tua a nosso serviço. Amém.
MEDITATIO: Deus cria o mundo através de sua palavra. Ou mais exatamente, segundo o esquema de um mandato e de uma execução: «Deus disse: “Seja”… e assim foi». Vem a seguir uma valorização que aparece as sete vezes (ainda que não ao final de cada dia): «E Deus via que era bom». Esta valorização divina das coisas criadas tem uma grande importância. Deus aprecia as coisas que faz, as acha belas, se compraz nelas. Mas não só isto: o estribilho que expressa a beleza de cada criatura é o mesmo que acompanha à oração de Israel, que se repete com maior frequencia no livro dos Salmos: «Louvai ao Senhor, porque Ele é bom» (em hebraico exatamente as mesmas palavras). Assim, a primeira página da Escritura apresenta um desenvolvimento litúrgico, constitui uma espécie de doxologia inaugural de toda a Bíblia. A bondade das criaturas corresponde à bondade do Criador. Reconhecer a bondade das criaturas significa glorificar seu Criador. Mas também é verdade o inverso; a saber, que a glorificação do Criador, a oração, é a condição para descobrir a bondade da criação e, eventualmente, restituí-la. Que significativo é tudo isto para nós! De fato, nos mostramos muitas vezes incapazes de captar a beleza-bondade do que existe, prisioneiros do olhar econômico que traça de imediato esta pergunta: «Para que me serve?», «quanto me renderá?» O contato com Deus, que veio até nós, por meio de Jesus, abre a cada um o espaço da cura que permite ver a verdade do criado e, nele, nossa própria verdade.
ORATIO: O mundo que fizeste, ó Senhor nosso Deus, é um santuário para celebrar teu louvor. Tu separaste a terra das águas, fizeste-a fecunda em frutos para nós, e de erva para todos os seres vivos. O sol, a lua e as estrelas luminosas, são lâmpadas acesas, dia e noite, que marcam os ritmos de nossa oração. Da aurora e ao pôr do sol queremos louvar-te, no trabalho e no descanso queremos recordar-te, no sorriso e no pranto queremos dar-te graças. O mundo que Tu fizeste, ó Senhor, é um santuário de tua beleza.
CONTEMPLATIO: Onipotente, altíssimo, bondoso Senhor meu Deus, teus são o louvor, a glória e a honra; somente tu és digno de toda benção, e nunca é digno o homem de fazer menção de ti. Louvado seja por toda criatura, meu Senhor Deus e, em especial, louvado seja pelo irmão sol, que ilumina e abre o dia e é belo em seu esplendor e leva pelos céus noticia de seu autor. E pela irmã lua, de branca luz menor, e as estrelas claras que teu poder criou tão puras, tão formosas, tão vivas como são, e brilham nos céus: louvado, meu Senhor! E pela irmã água, preciosa em seu candor, que é útil, casta, humilde: louvado, meu Senhor! Pelo irmão fogo, que ilumina ao ir o sol, e é forte, formoso, alegre: louvado, meu Senhor! pela irmã terra, que é toda bênção, a irmã mãe terra, que dá em toda ocasião as ervas e os frutos e flores, e nos sustenta e rege: louvado, meu Senhor! (Francisco de Assis, Cântico das criaturas).
AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:
“Bendiz ao Senhor, oh minha alma, não te esqueças de seus benefícios (Sl 103,2)
PARA A Leitura Espiritual Neste por de sol invernal, enquanto se acendem as primeiras luzes claras, numa jornada de sol e vento que limpou a atmosfera, tenho uma folha na mão. Peguei-a duma planta sempre viva, mesmo quando seu tronco seca, e que os matagais e os cerrados já não têm. Tenho uma folha na mão, viva e verde, enquanto caminho no frio da rua escavada, sem ninguém. Tenho uma folha na mão onde se encontra a história da criação, as gotas de geada, a aventura das mariposas, a memória das teias de aranha esplêndidas. Se a terra que me rodeia acende suas luzes breves, esclarecedoras e centralizadoras de mil coisas diferentes (o bem e o mal, o tormento e a alegria, o desespero e a esperança, o vão e o perene), minha folha narra, intacta, a luz das origens e a unidade das coisas que Deus foi criando: «E eram muito belas», como disse a Bíblia. E com a água que ainda mantém me faz pensar nos oceanos e nos rios; com sua composição química me conecta com as estrelas, montanhas, a areia do mar. Tenho uma folha na mão e vejo as coisas grandes do cosmos. Vejo-a sob a luz que ainda retém em suas nervuras múltiples e perfeitas, em seus canais portadores da seiva vital e leio a pequena e preciosa história das coisas humildes e da humilde existência de meus semelhantes, que enriquecem a vida da terra. Tenho uma folha na mão e me parece que tenho um livro sem fim e um cetro de felicidade, porque sobre seu veludo se manifesta a «glória» de Deus. E neste por de sol lúcido e frio não sigo a explosão do firmamento, que, de novo, se prepara para revelar-se no amplo horizonte que abarca, no silêncio, montes, colinas e planícies. Cultivo, ao invés, a implosão de meu ver contemplativo na diminuta forma que tenho em minha mão, onde é possível intuir o universo e o pequeno no contorno familiar de seu veludo verde. Tenho uma folha na mão e, no exterior dela conheço a aguda certeza de um salmo universal de louvor, enquanto cai a noite, sobre a rua escavada e deserta, oprimida a alma com todas as presenças. Com a única e irrepetível presença de Deus (G. Agresti, Le fragole sull‘asfalto).
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TERÇA-FEIRA, 11 DE FEVEREIRO de 2020
Marcos 7,1-13 (Discussões sobre as tradições farisaicas) A disputa entre Jesus e os fariseus sobre lavar as mãos antes de comer (estreitamente ligada com a seguinte, a pureza dos alimentos, está situada no centro de uma seção do evangelho de Marcos que leva como título «Seção dos pães» e que vai de 6,6b a 8,30. Está claro que o tema principal desta seção é o do alimento, o do pão. Mais exatamente, como vamos ver, trata do problema da comunhão de mesa entre hebreus e gentios. É que os judeus seguiam prescrições minuciosas no comer que proibiam participar numa mesa que não seja rigorosamente «pura» (kasher) com respeito ao alimento. Para a Igreja primitiva, composta de judeus e gentios, o sentar juntos à mesma mesa era sublime, não podia ser impedido por nada (recorde-se o episodio de Antioquia e a repreensão de Paulo a Pedro: Gl 2,l1ss). A tensão evangélica sobre o lavar as mãos se compreende adequadamente só sobre este fundo. Que seja preciso lavar as mãos antes das refeições não está escrito, de fato, em nenhuma parte da Lei. Trata-se de uma tradição não escrita, de uma «torá oral», que ensinam os fariseus. Não que Jesus seja contra este uso, que conta com ótimas razões higiênicas e que também nós praticamos normalmente. Jesus se limita, simplesmente, a afirmar que não se trata da coisa mais importante e estabelece uma hierarquia de valores: primeiro é o comer juntos. De modo que o lavar, ou não, as mãos, não deve converter-se em um impedimento para a comunhão de mesa com os que não observam esta tradição judia, e que podem ser os próprios discípulos de Jesus.
Gn 1,20-2,4a (A obra dos seis dias) O homem, varão e fêmea, foi criado «a imagem de Deus». Porém, quem é esse homem feito «a imagem», segundo a cultura do tempo no qual foi escrito o texto bíblico? Não é qualquer, senão um homem que está acima de qualquer outro, quer dizer, o rei. Um breve texto babilônico (Gn 1 foi escrito precisamente na Babilônia) é bastante eloquente: «A sombra de Deus é o homem/ e os homens são a sombra do Homem;/ o Homem é o Rei, igual à imagem da divindade». É certo que o autor de Gn 1 democratizou esta idéia real, estendendo a todo homem e mulher a prerrogativa real de ser a imagem de Deus. De fato, o mandato de submeter a terra e dominar sobre todos os seres vivos foi dado a todos os homens indistintamente. Mas, voltemos a perguntar: quem é o homem que realiza plenamente esta missão real no interior do criado? Acaso podemos responder que a realizamos todos, sem importar as condições? Os Padres, sobretudo orientais, tentaram resolver este problema introduzindo uma distinção entre a «imagem» e a «semelhança». Certamente, todo homem leva em si mesmo a imagem divina, seja qual for sua condição histórica e sua opção de vida. Esta é indelével no homem. Contudo, para reinar, verdadeiramente, tem que conseguir do mesmo modo uma certa semelhança com o verdadeiro rei do mundo, que é o Filho, perfeita «imagem do Deus invisível» (Cl 1,15): tem que fazer suas, suas opções, entrar em seus pensamentos. Esta perspectiva patrística, desde o interior bíblico, corresponde à afirmação paulina: «E assim como levamos a imagem do [homem] terrestre, levaremos também a imagem do celestial [Cristo ressuscitado]»(1Cor 15,49).
Salmo 8 (Poder do nome divino) Este belo Salmo nos auxilia a compreender quem somos. Saber que Deus nos criou por amor e que no amor Ele nos chama à sua intimidade é a alegria mais profunda que o ser humano pode experimentar. Não estamos sozinhos, não somos fruto do acaso, mas somos a obra de Deus. Podemos nos sentir amados e conhecidos por Ele. Tudo o que há no mundo é dom de Deus para nós.
Senhor, que o orgulho nunca possa me dominar e que, sempre com humildade, eu seja capaz de sentir a tua presença de Pai amoroso e saiba partilhar com os outros, o que tenho e o que sou. Que o egoísmo e o individualismo não me dominem em nenhum momento da minha vida. Amém.
MEDITATIO: A fim de que Israel correspondesse à eleição divina e realizasse plenamente a «semelhança» com Deus, que mais tarde será a santidade (“Sede santos, como Eu sou Santo»: Lv 19,2), Deus lhe deu sua Lei, a Torá. Esta lei consiste, precisamente, em uma serie de pequenas intuições sagazes, quase de «estratégicas», destinadas a imitar a santidade de Deus nos mínimos gestos da vida cotidiana. Lavar as mãos antes de comer ou comer seguindo certas regras de pureza, alimentar são pequenos «truques» que recordam a Israel que é povo eleito de Deus, santificado precisamente através destes preceitos. Jesus não veio a violentar com tudo isto. Contrariamente a uma opinião muito difundida no âmbito cristão, Jesus não veio «libertar» a Israel do jugo dos preceitos, não veio revogar a Torá (cf. Mt 5,17). Ao contrário, a radicalizou ainda mais, a reconduz a suas intenções originarias, ao dado escrito que precede a toda reelaboração doutrinal posterior. Operando assim, nos recorda a todos, judeus e cristãos, que a prática da Torá (para os primeiros) e a obediência à Palavra escrita (para os segundos) é uma imitatio Dei que restabelece no homem, feito a imagem de Deus, a plena semelhança com seu Criador. Nos dois casos se vê claro que a honra que o homem tributa a Deus consiste, essencialmente, em viver sua própria vocação originária: ser «imagem e semelhança» do Criador. Seremos capazes de recolher este desafio, de realizar uma opção e viver suas consequências?
ORATIO: Quiseste-nos a tua imagem, ó Deus, para poder alegrar-te conosco. Quando apareceste aos discípulos no lago perguntaste se tinham fome e lhes preparaste um banquete. Não olhes se estão sujas nossas mãos, tu que estás disposto a lavar-nos também os pés. Todos têm lugar em tua mesa: justos e injustos, judeus e gentios. Quiseste-nos a tua imagem para converter-nos em teus comensais.
CONTEMPLATIO: Deus fez o homem, o fez a imagem de Deus. É preciso que vejamos qual é esta imagem de Deus e investiguemos a semelhança da imagem de quem foi feito o homem. De fato, não diz: Deus fez o homem a sua imagem e semelhança, senão o fez «a imagem de Deus». Qual é, pois, a outra imagem de Deus, a semelhança da qual foi feito o homem, senão nosso Salvador? Ele é «o primogênito de toda a criação» (Cl 1,15); dele se tem escrito que é «esplendor da luz, eterna e figura clara da substancia de Deus» (Hb 1,3). Também Ele disse de si mesmo: «Eu estou no Pai e o Pai em mim» e «Quem viu a mim viu também ao Pai» (Jo 14,10.9). Em consequência, o homem foi feito a semelhança da imagem dele. E, por isso, nosso Salvador, que é a imagem de Deus, movido de misericórdia pelo homem que havia sido feito a sua semelhança, ao ver que, após ter sido, este, feito à sua imagem, revestiu-se da imagem do Maligno, movido de misericórdia, assumindo a imagem do homem, veio a ele. Assim, pois, todos os que ascendem a Ele e se esforçam por converter-se em partícipes da imagem espiritual, mediante seu progresso, «se renovam dia a dia, segundo o homem interior» (2 Cor 4,16), a imagem daquele que os fez; de sorte que possam chegar a ser «conformes ao corpo de seu esplendor» (Fl 3,21), porém, cada um, à medida de suas próprias forças. Assim, olhemos sempre a esta imagem de Deus, para poder ser transformados a sua semelhança (Orígenes).
AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:
«Que é o homem para que te recordes dele, o ser humano para que dele cuides?» (Sl 8,5)
PARA A Leitura Espiritual Ao início se confiou a ambos (ao homem e à mulher) a tarefa de conservar sua própria semelhança com Deus, dominar sobre a terra e propagar o gênero humano. Ser todos de Deus, entregar-se a Ele, a seu serviço, por amor, essa é a vocação, não só de alguns eleitos, mas de todo cristão; consagrado ou não consagrado, homem ou mulher […]. Cada um está chamado a seguir Cristo. E quanto mais avance cada um por esta via, mais semelhante se fará a Cristo, visto que Cristo personifica o ideal da perfeição humana livre de todo defeito e caráter unilateral, rica em caracteres, tanto masculinos como femininos, livre de toda limitação terrena; seus seguidores fiéis se vêem cada vez mais elevados acima dos confins da natureza. Por isso vemos em alguns homens santos uma bondade e uma ternura feminina, um cuidado verdadeiramente materno pelas almas a eles confiadas; y em algumas mulheres santas uma audácia, uma prontidão e uma decisão verdadeiramente masculinas. Assim, o seguimento de Cristo leva a desenvolver em plenitude a originária vocação humana: ser verdadeira imagem de Deus; imagem do Senhor do criado, conservando, protegendo e incrementando toda criatura que se acha em seu próprio âmbito, imagem do Pai, gerando e educando, através duma paternidade e maternidade espirituais, filhos para o Reino. A elevação acima dos limites da natureza, que é a obra mais excelsa da graça, não pode ser alcançada, por certo, através duma luta individual contra a natureza ou mediante a negação de nossos próprios limites, mas só mediante a humilde sujeição à nova ordem entregue por Deus (Edith Stein, La mujer, Ediciones Palabra).
QUARTA-FEIRA, 12 DE FEVEREIRO de 2020
Marcos 7,14-23 (Ensino sobre o puro e o impuro) Continua a disputa sobre a questão do lavar as mãos. O tema está ligado ainda à mesa: é lícito tomar todo tipo de alimento ou há alguns que, ao ser ingerido pelo homem, podem tornar-lo impuro? A disputa não é, depois de tudo, tão extravagante como parece, se a referimos a uma cultura como a ocidental de hoje, tão preocupada pela higiene, tão sensível às preocupações dietéticas. Porém, Jesus dá maior profundidade ao discurso, dá-lhe um giro radical: «Nada do que entra no homem pode manchá-lo» (v.15). O perigo está dentro, não fora; está na pureza da razão, não na qualidade do alimento. Não sabemos se Jesus se inclina aqui a «declarar puros todos os alimentos», como pretenderia o inciso de Mc 7,19 (esta última seria mais uma conclusão extraída pelo evangelista: os titubeios de Pedro em At 10,14 sobre o fato de poder comer carne de animais impuros seriam dificilmente compreensíveis se o Mestre tivesse declarado de um modo tão expresso, precisamente neste ponto). Contudo, tanto aboliu as normas da pureza alimentícia como as respeitou. O Senhor Jesus pôs um principio inequívoco: «O que sai do homem, isso é o que mancha ao homem» (v.20). Temos que vê-las de novo com uma prioridade. A preocupação principal do homem deve ser sua pureza interior, não a dos alimentos que come. Isso não exclui que alguém possa abster-se também de certos alimentos por razões altamente respeitáveis, «de consciência», como ensina Paulo em 1 Cor 8. Quem come de tudo não se contamina; quem não come determinados alimentos merece respeito. Mas, tanto um como outro devem vigiar, sobretudo o que sai do coração.
Gn 2,4b-9.15-17 (A formação do homem e da mulher) Que havia quando ainda não existia nada? A pergunta é menos ingênua do que possa parecer, pois só podemos falar das origens do mundo por teses. O autor do segundo relato da criação responde assim em Genesis 2: a terra e o céu já existiam, mas o homem não trabalhava ainda a terra. Seu relato, diferente do precedente, está centrado, efetivamente, na criação do homem, da mulher e dos animais, não na criação do cosmos. Também o fim da criação difere de Genesis 1: ali o homem foi criado em vistas ao serviço litúrgico, da exaltação sabática (é, segundo se disse, um relato «sacerdotal»); aqui o homem, tirado da terra, está destinado “ao trabalho agrícola, indispensável para a vida do mundo (a perspectiva é mais «laica»). Mas, é digno de assinalar que, em hebraico, «serviço litúrgico» e «trabalho agrícola» se expressam ambos com o mesmo termo: não se trata de coisas opostas, inconciliáveis. Precisamente, com o fim de cultivar a terra, pôs Deus o homem em «um jardim», ao qual nós chamamos também «paraíso». Na realidade, esta palavra, de origem persa, não indica outra coisa que uma propriedade cercada, um parque, um jardim. O homem pode dispor, aqui, a seu gosto, dos frutos de todas as árvores, salvo uma. Trata-se de uma árvore estranha, sem paralelos nas antigas mitologias orientais, uma árvore que proporciona o «conhecimento do bem e do mal». E neste ponto surge um grave problema: por que Deus haveria de proibir o homem distinguir entre o bem e o mal? Acaso não é, precisamente, Ele que nos convida, constantemente, a abster-nos do mal e a fazer o bem? Para evitar esta dificuldade, se tenta hoje outra explicação exegética: o bem e o mal são dois opostos. É muito frequente na linguagem bíblica empregar dois opostos para indicar a totalidade: assim, por exemplo, «entrar e sair» significa viver. Conhecer o bem e o mal queria dizer, mais ou menos, conhecer tudo o que se pode conhecer; melhor ainda, pretender conhecer tudo, visto que a onisciência é uma prerrogativa divina e não humana; mas o homem que aspira à onisciência pretende substituir a Deus, por isso se lhe proibe comer dessa árvore.
Salmo 103/104 (O esplendor da criação) Trata-se de um canto contemplativo. Os Salmos não são inspirados pela ciência, pela astronomia ou biologia; são orações que brotam no coração de alguém que, com os olhos maravilhados de uma criança, vê toda a criação de Deus e se sente pequeno diante de sua grandeza. Sabe que em tudo neste mundo o Mestre, o mais sábio dos artistas, deixou sua assinatura. Sigamos o exemplo de São Francisco de Assis, que via na natureza a mão criadora de Deus; que saibamos conhecer Deus nos menores detalhes e que façamos d’Ele nossa oração diária, adorando e bendizendo ao Senhor por tudo o que há nesta terra. Como não admirar o nascer ou o pôr do sol ou escutar o canto do rouxinol, o murmúrio das cascatas, ou a voz do vento? Medite este Salmo num bosque ou à beira de uma lagoa serena e tranquila. Assim, sentirá algo divino acontecer no seu coração.
Senhor, hoje quero orar com o cântico de Daniel: (3,57-63.72-85). Senhor, é nossa resposta à natureza como tua obra; tu és um Deus que ama a natureza e nos ensina a amá-la como obra tua a nosso serviço. Amém.
MEDITATIO: Viver e comer são, desde o ponto de vista antropológico, duas realidades bem próximas. O mesmo se pode dizer do «conhecer»: o homem tem fome de alimento, assim como de conhecimento. Mas, deve pôr-se um limite a este desejo humano de conhecimento, nos ensina a primeira leitura, para que não seja autodestrutivo. Se projetarmos agora o ensinamento de Jesus sobre o texto do Gênesis, encontraremos uns resultados muito sugestivos. O problema, de fato, é este: como pôr-nos esse limite? A solução mais óbvia consiste na autolimitação do alimento, em proibir-nos comer certos alimentos. Jesus nos oferece a solução diferente, que consiste em limitar nossa própria fome, nossos próprios desejos excessivos, desmandados. Não são os alimentos os impuros. Ainda que certa ascese nos alimentos possa ajudar-nos, desde o ponto de vista pedagógico, a moderar nossos desejos, a fonte destes desejos desmandados é o coração humano. Por outro lado, falar de pôr limites ao conhecimento segue soando hoje como a algo anacrônico e se apresenta como um resíduo ocultista que é preciso liquidar com um sorriso irônico de compaixão. O dilema para a consciência se torna aqui lancinante: após ter sido chamado a custodiar o jardim da existência, abster-me-ei da tensão à investigação e ao progresso ou me arriscarei a contaminá-lo com meus presunçosos desejos de autosuficiência e domínio? O coração do homem, meu coração, se revela, uma vez mais, como o lugar da verdade, como o espaço onde o conhecimento que adquiro se converte em causa de bem e de vida, ou, ao contrario, de mal e de morte.
ORATIO: Senhor Jesus, dai-nos tua fome. Não fome de pão nem sede de água, mas de escutar a Palavra de Deus. Tu nos disseste: «Todos os alimentos são puros se é puro nosso coração». A árvore proibida não está ali fora, no jardim, está plantada dentro de cada um de nós. E nosso coração já é o paraíso se escutamos tua voz luminosa. Ó, Senhor, dai-nos tua fome, fome de fazer a vontade do Pai.
CONTEMPLATIO: É certo, o homem é a criatura visível mais preciosa. A todas as outras criaturas as levou ao ser, o Criador, com uma só palavra: «Seja isto, e foi», e também: «Produza a terra isto, e foi»; e ainda: «Produzam as águas», etc. (Gn 1,24.20). Ao homem, pelo contrário, plasmou-o e exaltou-o com suas próprias mãos (Gn 2,7); a todas as outras coisas lhes ordenou que estivesse a serviço do homem e atentas a sua felicidade, enquanto que ao homem o fez rei de todas as coisas e o fez gozar das delicias do jardim. E o que é ainda mais maravilhoso é que, ainda depois que decaiu por seu próprio pecado, de novo lhe voltou a chamar com o sangue de seu Filho unigênito, de modo que, de todas as coisas visíveis, é o homem a mais preciosa. E não só a mais preciosa, mas também, como disse o santo, “a mais íntima” (Doroteo de Gaza, Insegnamenti spirituali).
AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:
“Tu provês de alimento, nós o recolhemos;
abre a mão e nos saciaremos de teus bens” (cf. Sl 103,28).
PARA A Leitura Espiritual Durante a inundação tenho perdido a exagerada confiança que tinha no poder do homem, mas tenho descoberto que há coisas boas nele, e mais do que pensava. Não é onipotente, não pode prever tudo nem prover-se de tudo, porém no fundo é bom. Se bem que não tem conseguido conter a fúria da água, mas, sim, tem abrandado sua violência maléfica com sua bondade. As águas, que pareciam boas, hão se tornado malvadas de improviso: os homens, que me pareciam maus, eu os tenho encontrado diante de mim com rosto de piedade. Quantas mãos têm se estendido para ajudar-me! Quanto pesar por nosso pesar! […]. O muro de contenção de terra tem cedido: porém o coração dos homens se tem feito de dique contra as águas que nos inundavam. De fato, o mundo tem se comovido e nos tem chegado ajudas de todas as partes. Mais que nomes, temos rostos ante nós, muitos rostos transfigurados pela piedade. Talvez não voltemos a vê-los nunca mais, não voltemos a encontrar-nos com estes desconhecidos e queridos irmãos, porém ninguém nos tirará a fé na bondade. Estávamos mal em utensílios para a água, entre a lama e as agonias, porém vê-los nos dava ânimo. O miserável que também há em toda criatura parecia inexistente: já não contava nada, nem as opiniões, nem a identidade, se era natural do país ou estrangeiro. Era um homem que sentia piedade; portanto, um companheiro, um amigo, um irmão. As águas cresciam: frente a elas, crescia a fraternidade. Também a fraternidade ultrapassou naqueles dias o nível de guarda. Sem querer me perguntei de onde podia vir um sentimento que me parecia quase novo ou ao menos pouco usado. Não soube dar-me uma resposta: nem sequer sei dar-me conta hoje com exatidão. Porém o que conta não é explicar; o que conta é haver visto o que no fundo é o homem, o que conta é haver tocado uma capacidade para o bem que pode remediar – se não a esquecemos e não temos medo de usá-la – as desgraças daqui de baixo e fazer suportáveis as que não pode eliminar. Não me desgosta que os homens não sejam onipotentes: me desgostaria muito se nós, pobres homens, não fôssemos capazes de amar-nos. O homem bom vale infinitamente mais que o homem que crer saber tudo e poder fazer tudo. Quem nos tem ensinado a ser bons e a ter tanta sede de bondade? Eu não vi o Senhor caminhar sobre as águas, porém, sim, vi vir a sua Bondade sobre as águas (P. Mazzolari, Cara Terra)
QUINTA-FEIRA, 13 DE FEVEREIRO de 2020
Marcos 7,24-30 (Cura da filha de uma sirofenicia) Jesus saiu poucas vezes dos limites de Israel. Como confessa em outro lugar (no paralelo deste compendio evangélico em Mt 15,24), não se sentia enviado mais que «às ovelhas perdidas» de seu povo, Israel. Porém, fez algumas exceções: foi a Fenicia, fez uma breve escapada «à região de Tiro e Sidónia». Aqui lhe saiu ao encontro uma mulher cuja origem pagã sublinha Marcos: “Era pagã, sirofenicia de origem». Não faz falta dizer que Jesus, para encontrar o povo não judeu, não necessitava sair da terra de Israel. Em seus tempos, ainda que não se chamasse Palestina, sua terra era já uma província romana. E, como tal, tinha à cabeça um governador com sede em Cesareia, Poncio Pilato. Um pouco por todas as partes, iam surgindo no país centros cidadãos com uma forte presença estrangeira, sobretudo na Galiléia, de Tiberíades a Séforis. Para encontrar-se com gentios não era necessário, portanto, que Jesus se aventurasse em terra estrangeira; sem dúvida, o faz e, evidentemente, o faz a propósito. Isso significa que sua missão está destinada a atravessar as fronteiras de sua terra, de seu povo, de sua nação. Sem dúvida, não imediatamente, não agora. Jesus mantém, inicialmente, uma atitude de extrema reserva frente à mulher sirofenicia. Antes recorda que a distinção entre judeus e gentios foi querida por Deus e, enquanto tal deve ser respeitada, menos no que se refere à precedência: no banquete messiânico têm que saciar-se primeiro os convidados, os que têm direito, depois também os outros com o que resta. Para expressar esta distinção impossível de suprimir, emprega Jesus uns termos quase antipáticos: os judeus são “filhos”, os gentis são só “cachorrinhos”. Não se pode pôr no mesmo plano uns e outros: “Não fica bem tomar o pão dos filhos e lançá-los aos cachorrinhos».
Gn 2,18-25 (A formação do homem e da mulher) «Não é bom que o homem esteja só» (v.18): é como se Deus, após ter criado Adão, visse que não o havia feito completo. O homem, por si só, é uma criatura não realizada, incompleta. No relato de Genesis 1, após ter criado o homem varão e fêmea, «via então Deus tudo que havia feito, e tudo era muito bom». Aqui, ao contrário, o homem macho, por si só, «não é bom». Por que é tão má esta solidão de Adão? Precisamente porque o homem não é Deus. O homem é imagem de Deus, é «pouco menos» que Deus (Sl 8), mas não é Deus. Só Deus é grande. A solidão vai acompanhada duma idéia de grandeza, de autosuficiência. O homem, ao contrário, é pequeno, deve crescer, deve multiplicar-se. Deve percorrer um caminho, não pode permanecer só. O homem, para ter uma história, necessita de alguém como ele, que o acompanhe. A mulher é «uma ajuda adequada» a ele (vv.18-20), como traduz a Bíblia. Mas, dito com maior precisão, é uma ajuda contra ele, uma ajuda que se lhe resiste, que se lhe opõe, que rompe sua solidão. É uma ajuda, precisamente porque lhe limita em seu desejo de onipotência ou porque lhe força a sair de seu isolamento. Assim, pois, o autor do Gênesis se mostra muito realista no tema da relação homem e mulher, não projeta sobre esta um olhar ideal. Esta relação pode chegar a ser conflitiva, como se dirá também a seguir (cf 3,16). Sem dúvida, está abençoada, precisamente porque tira o homem e a mulher da solidão. Daí que o primeiro encontro entre um homem e uma mulher tenha sempre algo de fascinante. É a percepção duma pertença recíproca, de um destino comum. A atração da mulher sobre o homem, «osso de meus ossos e carne de minha carne»(v.23), é uma força misteriosa que o liberta duma solidão que não é boa.
Salmo 127/128 (Bênção para o fiel) Todos nós devemos rezar muitas vezes esse Salmo, pois todo ser humano é chamado a ser fecundo. Aquele que não o é tem uma vida triste e terá um futuro solitário. O matrimônio é o sacramento do amor e, por meio dele, é construída uma família unida, onde os filhos contemplam com alegria os pais e os pais, os filhos e os netos. Toda fecundidade é um dom de Deus. Não devemos acreditar naqueles que consideram como um problema a procriação nos nossos dias e enobrecem os que optam por não ter filhos. Até mesmo os que escolhem a castidade como estilo de vida por causa do reino dos Céus são chamados a ser fecundos, a gerar a vida por meio do amor, o mais nobre dos sentimentos, que transborda e atinge todos os que vivem ao nosso redor. No início da história, Deus deu uma ordem ao ser humano que manteve a sua vitalidade até os nossos dias “multiplicai-vos, enchei a terra de criaturas.” A Igreja é mãe fecunda que gera constantemente novos filhos pelo Sacramento do Batismo. A castidade não é esterilidade, é fecundidade no amor e no serviço generoso aos mais pobres.
Senhor, na minha oração, quero suplicar para que todos os lares sejam ricos de filhos e filhas que possam alegrar o seu coração. Que se descubra o sentido da maternidade, que a vida não seja interrompida no seu nascer nem tampouco trancada no seu fim. Que o Evangelho da vida oriente sempre o caminhar de todos nós. Olha com amor todas as crianças que vivem sem pai e sem mãe e que desde o início de sua história não encontram o afeto e a acolhida. Que o coração de todos nós proteja com força e determinação sempre a vida.
MEDITATIO: “Não é bom que o homem esteja só». “Não está bem tomar o pão dos filhos e lançá-lo aos cachorrinhos». A estas duas situações de falta de bondade, à solidão de Adão e à exclusão dos gentios do banquete messiânico, põe remédio a mulher. Note-se que Jesus não fala com desprezo de “cachorros», mas fala de ”cachorrinhos”, diminutivo carinhoso que expressa afeto, simpatia. Jesus conserva a distinção histórico salvífica entre os judeus e os gentios, porém, ao mesmo tempo a atenua, porque sabe que está destinada a ser ultrapassada pela realidade definitiva do Reino de Deus. A mulher sirofenícia, com uma grande intuição do que há no coração de Jesus, do que pensa por dentro, tem a coragem de oferecer-lhe resistência, de contradizer-lhe: reconhece que os cachorros não têm o mesmo direito que os filhos a sentar-se à mesa. Porém, está disposta a contentar-se com as migalhas que caem da mesa. Aceita a discriminação, porém está convencida de que, na mesa do Reino, uma só migalha é mais que suficiente. E com estas palavras vence o coração de Jesus, obriga-lhe a atenuar seu rigor inicial: a mulher siriofenícia rompe a solidão de Jesus, seu desejo de alimentar pensamentos tão profundos que dificilmente encontram compreensão nos outros, e torna possível o milagre.
ORATIO: Sim, Senhor, somos pecadores, não somos dignos de ser chamados teus filhos. Trata-nos também como cachorros que movem o rabo sob a mesa, porém não nos expulses da sala do banquete. O último lugar é bom para nós, o aceitamos com gratidão. Que outra coisa nós necessitamos, senão um gole, uma migalha? Senhor, na mesa do Reino uma só migalha pode bastar.
CONTEMPLATIO: Deus, desde o principio, não confiou tudo aos homens, nem lhes concedeu que todas as coisas referentes à Vida dependessem exclusivamente deles. Se fosse assim a mulher seria desprezada se, durante a vida, não proporcionasse alguma contribuição. Sem dúvida, Deus, que previa essa discriminação, lhe designou uma tarefa não inferior e o mostrou desde o principio quando disse: “Vou proporcionar-lhe uma ajuda adequada» (Gn 2,18). E para evitar que o homem, por ter sido criado em primeiro lugar e ter sido formadas as mulheres por meio dele, assumisse uma atitude de superioridade a respeito delas, Deus conteve sua presunção com estas palavras, demonstrando que as coisas do mundo necessitam da mulher não menos que do homem (João Crisóstomo).
AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:
«O que consegue uma mulher tem o começo da fortuna;
uma ajuda semelhante a ele e coluna de apoio» (Eclo 36,24)
PARA A LEITURA ESPIRITUAL Parece-me que é necessária uma nova cultura na qual a dimensão litúrgica ocupe o posto central e, talvez, determine o princípio ético. Se tivesse que dar um título geral a este esforço, uma noção chave para o que quero expressar, esta poderia ser: «O homem, sacerdote da criação». Sinto que nossa cultura necessita revivificar o reconhecimento formal de que a superioridade dos seres humanos com respeito ao resto das criaturas não consiste na razão que possuem, mas em sua capacidade de pôr-se em relação de tal modo que criem acontecimentos de comunhão, a partir dos quais os seres individuais sejam liberados de seu estar centrados sobre si mesmos e, portanto, de seus limites, e se vejam referidos a algo mais geral que eles mesmos, a «outro». A Deus, se queremos fazer uso desta terminologia tradicional. Um homem assim pode operar não como agente pensante, mas como pessoa. A noção de «sacerdócio» deve ser liberada de suas conotações pejorativas e deve ser pensada como portadora em si da característica do oferecer, no sentido de abrir seres particulares a uma relação transcendente com o outro – uma idéia que corresponde mais ou menos à de amor em seu sentido mais radical (I. Zizioulas, II creato come eucaristia).
SEXTA-FEIRA, 14 DE FEVEREIRO de 2020
Marcos 7,31-37 (Cura de um surdo-gago) Jesus está de novo em uma região pagã, «atravessando o território da Decápolis», quer dizer, sobre ribeira oriental do lago de Galiléia. A travessia que não havia conseguido fazer em barca a faz agora a pé, em companhia de seus discípulos. Estamos em um território pagão: fundamentalmente, entre gente que não conhece e que não escuta a Palavra de Deus. Precisamente por isso é um território infestado de demônios. Pouco antes, no capítulo 5 de Marcos, na mesma orla oriental do lago, Jesus havia encontrado um homem que se chamava «Legião» pelos muitos espíritos imundos que habitavam nele. Jesus vem por nossa orla, por esta na qual habitamos como gentios. Não tem medo dos demônios dos quais estamos infestados. Estes demônios não são gnomos ou duendes que bailem ao nosso redor: são seduções, pensamentos desviados ou retorcidos, presenças que vão crescendo por dentro de nós até transtornar a realidade. Em poucas palavras, são transtornos graves em nossa comunicação com Deus, na escuta de sua voz e na obediência a sua Palavra. Não é casualidade que o enfermo que levam a Jesus seja um surdo-mudo. Alguém que não escuta, e por isso tampouco pode falar. Jesus abre-lhe os ouvidos, restabelecendo nele a escuta interrompida da voz divina que fala nele como em todos, e que havia sido ensurdecida pelo alvoroço das vozes demoníacas. Ao abrir-lhe os ouvidos, solta-lhe também a língua. «Effatha» não é uma palavra mágica, mas uma recordação de nosso batismo.
Gn 3, 1-8 (Obra dos seis dias) Neste relato intervêm, por primeira vez, um personagem astuto, inquietante: a serpente. Esta, na tradição posterior, tanto na judia como na cristã, se tornará numa figura do diabo, do Maligno. Sem dúvida, a serpente era mais no Antigo Oriente: um símbolo de fertilidade sexual e de saúde: tanto que hoje segue sendo o emblema dos farmacêuticos. Destaquemos que no relato bíblico, se apresenta a serpente como um «animal do campo» (v.1) igual aos outros: sua figura está totalmente desmitificada. A serpente, de fato, não pode fazer nem o bem nem o mal: os únicos responsáveis do pecado, se olharmos bem, que podem cometê-lo, são o homem e a mulher, não a serpente. Daí que a presença desta no horto não sirva para explicar a origem do mal no mundo: é pouco mais que um recurso narrativo (o animal que fala) destinado a introduzir a dinâmica sedutora que figura na origem do pecado humano. São o homem e a mulher os que pecam, e isso é o que interessa ao narrador. O animal que fala (na Bíblia, além da serpente, a burra de Balaão) é um recurso conhecido por todas as literaturas para descrever o que se passa na mente dos protagonistas do relato. Na mente da mulher adquire a forma de um diálogo consigo mesma sobre o alcance exato da proibição divina e sua verdadeira motivação (vv.2ss). O autor bíblico, mostrando grande penetração psicológica, nos adverte que o pecado, antes ainda de consumar-se num gesto, num ato, tem lugar na consciência, numa dúvida que se insinua pouco a pouco e que versa, ao fim das contas, sobre a bondade do Criador. Gn 3 não quer explicar, pois, a origem do mal no mundo, que segue sendo um fato misterioso, mas a origem e a dinâmica do pecado humano como um processo sutil e progressivo de desobediência à Palavra de Deus. Seguramente, neste processo podem intervir também fatores externos, causas sobre humanas, mas o acento do relato cai sobre a responsabilidade do homem-mulher. Por isso falamos dum «pecado original»: porque nos descreve a origem de todo pecado.
Salmo 31/32 (A confissão liberta do pecado) A conversão é o único caminho que nos leva a Deus e à felicidade. Converter-se é um constante “voltar atrás” até reencontrar o caminho certo a ser seguido. Na vida, há tantas encruzilhadas, tantos convites que tentam nos desviar e nos fazer escolher o caminho mais fácil e agradável aos nossos olhos… Entretanto, Deus nos recorda que é preciso não endurecermos o pescoço nem sermos irracionais como cavalos e mulos, mas deixar-nos conduzir pela sua mão benfazeja.
Senhor, eu não posso ter medo de me humilhar, de ter caminhos novos diante de mim, de dizer sim à tua Palavra e à tua vontade. Não importa o sofrimento e a cruz que devo abraçar para ser santo, mas o teu amor e a tua presença na minha vida. Ensina-me, Senhor, o que devo fazer, e eu o farei custe o que custar. Amém
MEDITATIO: Todas as culturas antigas souberam que existe uma diferença irredutível entre o homem e Deus, que existe um limite que o homem não pode ir além dele. Enquanto respeitar este limite e permanecer no espaço que lhe foi designado como criatura, o homem pode ser feliz e gozar de todo o criado. O pecado original consiste, precisamente, em passar a fronteira do limite fixado, na pretensão de ser ilimitado como Deus. Em que consiste a sedução da «serpente» ou, digamos, do pecado? Em uma tríplice transgressão de nossos limites como criaturas, em apropriar-nos de três prerrogativas que são unicamente divinas: a pretensão de imortalidade («não morrereis!»), a pretensão de onisciência («abrirão vossos olhos»), e uma pretensão de onipotência («sereis como Deus»). Vamos nos concentrar na segunda destas pretensões indevidas: a abertura dos olhos. Esta representa, precisamente, a sedução intelectual, o desejo da onisciência, que, ao final, se revela absolutamente ilusório, visto que não conduz mais que à percepção de nossa própria nudez, de nossa própria pobreza. Com esta ilusória abertura dos olhos, prometida pela serpente, contrasta a abertura dos ouvidos realizada por Jesus. Não que a nós diz respeito, não se trata de ver, de conhecer, mas de escutar, de obedecer. Só a Palavra de Deus, de fato, abre horizontes de vida. A palavra do egoísmo e da auto suficiência fecha, arrasta-nos para longe de nós mesmos. É palavra de engano, que faz ler de modo distorcido a realidade do mundo, de nós mesmos, de Deus, conduz ao desolador descobrimento de nossa própria e irredutível vulnerabilidade. A Palavra de Deus, em troca, nos introduz na realidade, descobre estremecimentos de admiração, liberta cantos de louvor e de alegria. A que palavra decidimos prestar atenção?
ORATIO: Abre, Jesus, nossos ouvidos surdos à tua Palavra, que é fonte de vida; solta nossas línguas para que escutemos tua voz bendita e te bendigamos em nossa vida. Recordemos teu grito –Effatha! – que dispersou nossos fantasmas. Muito tempo te buscamos em aparências vazias, enganos do coração, seduções da antiga serpente. Dá-nos, Senhor, um coração que escute tua voz no «silêncio sutil».
CONTEMPLATIO: «Senhor, não me repreendas em tua ira». É como dizer: repreende-me, mas não na ira; corrige-me, mas não na cólera. Repreende-me como pai, não como juiz; não me corrijas como amo, mas como um pai. Não me repreendas para perder-me, mas para recuperar-me. Não me golpeies para aniquilar-me, mas para emendar-me. E que queres? «Cura-me, Senhor». [O animal] sente as feridas de sua própria condição, adverte a mordida da serpente antiga, experimenta a ruína do progenitor. Reconhece que contraiu ao nascer, estas enfermidades, que chegou naturalmente à morte. E visto que a ciência humana não podia afastar a morte, está obrigada a pedir a medicina divina. E para obter com maior facilidade a cura de sua enfermidade, declara as causas da mesma enfermidade, descreve seus sintomas, declara sua gravidade, expressa a intensidade da dor. Vinde, digamos: Senhor, não nos repreendas em tua ira nem nos golpes em tua cólera; a fim de que ele, recordando-se de sua misericórdia, mude a ira em misericórdia, devolva as coisas perdidas, libere as prisioneiras e nos conceda, finalmente, servi-lo com alegria (Pedro Crisólogo, Omelie per la vita quotidiana, Roma).
ACTIO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:
«Oxalá escuteis hoje sua voz!» (Sl 94,7)
PARA A LEITURA ESPIRITUAL: «Onde estais?». Cada vez que Deus faz uma pergunta deste tipo não é para que o homem o faça saber algo que Ele ignora: o que quer é provocar no homem uma reação que só é possível suscitar, precisamente, através dessa pergunta, a condição de que esta impacte no coração do homem e que este se deixe impactar por ela no coração. Adão se esconde para não ter que dar contas, para fugir da responsabilidade de sua própria vida. Assim se esconde todo homem, porque todo homem é Adão e se encontra na situação de Adão. Para escapar da responsabilidade da vida que temos vivido, temos de transformar a existência em um mecanismo para esconder-nos. Precisamente escondendo-se assim e persistindo sempre nesta tarefa «ante o rosto de Deus» despenca sempre, o homem, e cada vez de um modo mais profundo, para a falsidade. Deste modo se cria uma nova situação que, de dia a dia e de esconder-se em esconder-se, se torna mais e mais problemática. É uma situação que podemos caracterizar com uma extrema precisão: o homem não pode escapar do olho de Deus, mas que, tentando esconder-se dele, se esconde de si mesmo. Dentro de si conserva também algo que o busca, mas a este algo se o faz cada vez mais difícil encontrá-lo. E, precisamente, nesta situação o surpreende a pergunta de Deus: quer perturbar o homem, destruir seu mecanismo para esconder-se, fazê-lo ver aonde o em levado um caminho equivocado, fazer nascer nele um ardente desejo de sair fora. Neste ponto tudo depende do fato de que o homem se faça, ou não, a pergunta. Certamente, se a pergunta chegasse ao ouvido, seja como for, «lhe tremerá o coração». Mas, o mecanismo o permite, do mesmo modo, seguir sendo dono desta emoção do coração. De fato, a voz não chega em meio de uma tempestade que põe em perigo a vida do homem; «é a voz de um silêncio semelhante a um sopro» (1 Re 19,12), e é fácil sufocá-la. Até que não ocorra isto, a vida do homem não se poderá converter em caminho. Por maior que seja o êxito e o gozo de um homem, por maior que seja seu poder e, colossal, sua obra, sua vida seguirá sem ter um caminho enquanto não haja frente a esta voz. Adão o fez frente, reconheceu que havia caído em uma armadilha e confessou: «Escondi-me». Aqui começa o caminho do homem (M. Buber, II cammino dell’uomo, Magnano 1990)
SÁBADO, 15 DE FEVEREIRO de 2020
Marcos 8,1-10 (Segunda multiplicação dos pães) A segunda multiplicação dos pães realizada por Jesus em favor da multidão faminta está ambientada na mesma localidade do episodio precedente: na Decápoles, território pagão. Esta é a segunda multiplicação, porque já houve uma antes (Mc 6,30-44), e se desenvolveu, sem duvida, do outro lado do lago; portanto, em terra de Israel. Ambos relatos são muito semelhantes entre si, se prescindimos de certa diferença de cifras respeito aos pães multiplicados, aos cestos com os pedaços que sobraram e às pessoas que comeram, sobre o qual agora não vale a pena deter-nos, ainda que possam constituir detalhes significativos. O que importa, acima de tudo, é que Jesus se preocupa – de maneira sucessiva – tanto de seu povo como dos estrangeiros, prepara um banquete messiânico tanto para Israel como para os gentis. Neste sentido, a diferença mais significativa entre os dois relatos é que no primeiro são os mesmos discípulos os que tomam a iniciativa, os que se preocupam da fome da multidão que lhes segue, ainda que depois não saibam como saciá-la e pensem simplesmente em despedir à multidão para que se vá a suas casas. No presente relato, ao contrário, que precisamente está relacionado com os não judeus, tudo tem seu nascimento na compaixão de Jesus. Enquanto se trate de próximos, de gente próxima, são os discípulos, somos nós mesmos quem nos preocupamos deles, de sentir compaixão. Porém, quando se trata de gente afastada, de pecadores, se requer uma compaixão maior, e só Jesus Cristo é capaz de revelar a misericórdia do Pai.
Gn 3,9-24 (O relato do paraíso) – Assim Deus diz ao homem: «Não comas da árvore do conhecimento do bem e do mal, pois se comeres morrerás sem remédio» (Gn 2,17). Isto, na verdade, não é um mandamento, e muito menos uma ameaça, mas uma advertência. Deus não quer a morte do pecador. O que faz mais bem é pôr-lhe em alerta: deves saber que se fazes isto, te passará isto e isto. Deus revela um nexo de causa-efeito: o pecado produz a morte (cf. Tg 1,15). Sem duvida, a mulher, quando refere à serpente as palavras de Deus, introduz nelas algumas rápidas modificações que as transtornam: «Disse Deus: Não comais dele, nem o toqueis, a fim de que não morras» (3,3). A conjunção final «a fim de que» não denota uma simples relação causa-efeito, mas que revela o temor de um castigo. A Palavra de Deus já não é um alerta paternal de que algo pode fazer-nos mal: mas converte-se no castigo do amo que infunde terror no servo. E este temor se agiganta até tal ponto, é verdade, que a mulher considera essa árvore nada menos que intocável, uma espécie de tabu. É bastante significativo que nós, intérpretes de hoje, chamemos “interrogatório» ao diálogo entre Deus e o homem após o pecado, como se, se tratasse de um ato judicial ou intimatório. De fato, nos pomos também no lugar de Adão, que se esconde porque tem medo de um castigo. Na realidade, se trata de um puro ato de misericórdia. Deus busca o homem (Onde estás?) precisamente para sair-lhe ao encontro, para dizer-lhe que não tem lhe abandonado, apesar do pecado. As mesmas perguntas que Deus dirige ao homem e à mulher não são, em absoluto, intimatórias, mas pedagógicas. Deus se dirige a eles como se Ele mesmo não soubesse nada; Portanto, sem fazer valer nada, sem pô-los em uma situação embaraçosa, mas ajudando a tomar consciência de um pecado que nós sempre estamos tentados a remover, a esconder, a descarregar sobre os outros. Certamente, as consequências negativas do pecado não podem deixar de manifestar-se, ainda que se vejam temperadas por uma grande misericórdia. Temos de assinalar, em primeiro lugar, que o homem não morre como estava previsto, não cai fulminado ali mesmo. Sua vida sob o sol se “tornará penosa, trabalhosa, mortal, tal como a seguimos experimentando nós mesmos, porém não se encontra sob o sinal do castigo nem da maldição: a serpente, sim, é maldita, mas o homem e a mulher não.
Salmo 89/90, 12-17 (Fragilidade do homem) – Com uma meditação cheia de realismo, o salmista olha ao seu redor e percebe que muitos amigos já partiram; diante desta constatação, realiza uma súplica, motivado pela brevidade da vida. O medo da morte penetra em nossos corações quando percebemos que, com o passar dos anos, tornamo-nos mais fracos e sem forças. Que fazer diante dessa dura realidade? O desespero apenas nos bloqueia e nos faz perder a esperança e a vida. Acreditar que não morreremos seria um otimismo vazio e inútil, é necessário encarar a realidade e perceber que diante de Deus não há tempo; mil anos são como um dia e um dia como mil anos. O que vale é viver a vida que nos foi dada com amor e generosidade, sendo em tudo atentos aos apelos do Senhor. Deus eterno não nos abandona nem por um minuto e sacia a cada manhã o nosso coração com seu amor. Por isso, mesmo diante da brevidade da vida, nos resta agradecer ao Senhor e cantar suas maravilhas e seu amor. Assim como esse salmo, que é um cântico de louvor e de ação de graças embora seja por breve tempo nesta terra.
Senhor, quando penso na morte como fim de tudo, o meu coração se entristece e perco o ânimo. Sinto-me como uma frágil folha levada pelo vento ou uma flor que de manhã é bonita, mas à noite está seca, murcha e é jogada fora. Mas quando penso na morte como porta que se abre para me introduzir na verdadeira vida, os meus sentimentos se transformam e sinto-me uma criatura nova no amor e na generosidade. Senhor, não deixe que o meu coração se abata, mas que seja sempre um coração cheio de esperança e de vida. Em cada momento da vida quero expressar a minha alegria, louvando-te e bendizendo-te, porque tu és o Deus da vida e do amor. Senhor, deixe que hoje e sempre te agradeça, porque um dia me criaste para conhecer-te, amar-te e servir-te aqui na terra e louvar-te depois para sempre no Céu. Muito obrigado, Senhor, pelo dom da vida. Quer eu viva noventa ou cem anos, quer eu viva 24 anos, como Santa Teresa do Menino Jesus, nada muda, o que importa é o amor com que vivo. Amém.
MEDITATIO: No relato do pecado de Adão e Eva o assunto que está em jogo, sobretudo, é o fato de comer. «Comeste acaso da árvore do qual te proibi comer?» é a pergunta que dirige Deus ao primeiro homem. A árvore, com efeito, havia parecido à mulher «bom para comer» (3,6). Comer, como alguém disse, é um sinônimo de viver. Que comemos? De que vivemos? Do conhecimento ou da misericórdia de Deus? Do que nós mesmos procuramos com nosso esforço, com o roubo, ou do que o Senhor nos dá gratuitamente? O homem e a mulher podem comer de todas as árvores no jardim do Edén: tudo lhes foi dado. Só uma árvore está proibida (o que não representa nada com respeito ao todo), porém a dinâmica do pecado faz aparecer a única coisa secundaria e insignificante como se fosse a principal, como se, a falta dela, o mais não fosse nada. Esquece-se a misericórdia de Deus em nome de algo que nós queremos conquistar, que queremos procurar, só nós, pouco importa do que se trate (a árvore proibida tem um nome distinto para cada um). O problema que aparece na seção evangélica dos pães é também o de comer, porém a perspectiva está invertida. Não se trata de procurar-se o pão, não se pode saciar a fome em um deserto. Só é possível acolher um dom, produto da misericórdia e a compaixão, que se multiplica em partes iguais para todos. A situação do deserto, o estar desprovidos de tudo, se converte na ocasião para voltar ao essencial, para compreender de que se vive realmente. Tampouco Adão e Eva, expulsos do jardim, padecem por uma medida punitiva; simplesmente, voltam a dar-se conta de que vivem da misericórdia. Afinal de contas, é Deus, e só Ele, quem «sacia a fome de todo ser vivo» (cf. Sl 145,16). É maravilhoso, experimentar que é só Deus quem acalma nossa fome de um modo surpreendente. Também é experimentar o que nem sequer tínhamos a coragem de admiti-lo e que isso lancinava nosso coração. Por outra parte, o alimento que Ele nos dá é super abundante; é puro dom, é fruto de um gesto gratuito que expressa a gratidão de seu amor por nós. Nós só temos que aceitar e comer seu alimento.
ORATIO: Que tua misericórdia, Pai, nos acompanhe sempre e em todas as partes, no jardim e no deserto, porque só dela temos necessidade. Faz que nunca sintamos a tentação de pensar que algo é mais importante que tua misericórdia: nem nossa necessidade de conhecer, nem nosso desejo de triunfar, nem nossas vontades de sobressair. No jardim, quando é possível todo sonho, é fácil deixar-nos seduzir. Leva-nos ao deserto, terra sem refugio, para compreender de que vive o homem. Pai nosso, precisamente no pecado aprendemos tua compaixão.
CONTEMPLATIO: Mova-se nossa razão à busca de Deus e a potencia concupiscível ao desejo dele, e lute a potencia irascível para guardar-lhe. Deste modo, se, conforme nossos desejos, vivermos essa cidadania, receberemos, como pão super substancial e vital para alimento de nossas almas e para a manutenção do bom estado dos bens que nos foram outorgados, ao Verbo mesmo, que disse: “Eu sou o pão descido do céu e que dá a vida ao mundo” (cf. Jo 6,51-53). Ele se converte, assim, para nós, em tudo, na medida em que, mediante a virtude e sabedoria, nos nutrimos dele. E através de cada um dos que salvam, ele tomara corpo de modo diverso, ele sabe como, enquanto ainda vivemos neste século […]. E o alimento que é este pão de vida e de conhecimento vencerá a morte do pecado: este pão do qual o primeiro homem não pôde ser partícipe por causa da transgressão do mandamento divino. Com efeito, se, se houvesse enchido deste alimento divino, não haveria sido presa da morte, consequência do pecado (Máximo, Confessor, «Sul Padre nostro», en La Filocalia).
AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:
«Não só de pão vive o homem, mas de toda
palavra que sai da boca de Deus» (cf. Dt 8,3; Mt 4,4)
PARA A LEITURA ESPIRITUAL: A compreensão de nosso corpo como enfermo, pobre, débil, necessitado de ser habitado pelo poder recriador do Espírito, nos põe na condição da multidão que seguia Jesus pelo deserto em torno de Betsaida. E no deserto deste mundo […] Jesus prepara um banquete, enfeita uma mesa, nos sacia nela. Aquele que na última ceia se entregará como alimento pelas multidões, acolhe e reúne no episódio da multiplicação dos pães a uma multidão que não sabe aonde ir, e a transforma na comunidade dos pobres saciados do verdadeiro pão de vida. A eucaristia é o pão do deserto, é o viático dos peregrinos, é a oferenda, a entrega de um corpo […]. O caminho pelo deserto é uma viagem longa, impraticável, extenuante às vezes: às fadigas da caminhada se juntam as feridas deixadas pelos que se perderam neste caminho. Mas também é verdade que o Senhor não nos deixa sem a eucaristia, o único pão que nos permite caminhar até a visão do Senhor, até o cara a cara com Deus. Devemos estar seguros de que se também nós chegamos a tocar o abismo do desespero como Elias, também veremos um anjo que nos trará o pão do deserto e nos dirá: «Come, e segue caminhando» (cf. 1 Re 19,1-8) (E. Bianchi, El mantele d’Elies)..