Lectio Divina Semanal de 04 a 09 de junho
SEGUNDA-FEIRA, 04 DE JUNHO DE 2018- 9ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO B
Marcos 12,1-12 (Parábola dos vinhateiros homicidas) – Esta parábola de Jesus, se queremos compreendê-la, temos de lê-la à luz de um duplo fundo. Primeiro, um fundo literário, a saber: a alegoria da vinha de Is 5,1-7. Com ela, o profeta sintetiza toda a história de Israel: por uma parte, o assíduo cuidado de Deus; por outra, o obstinado pecado do povo, história que não pode continuar assim indefinidamente e que acabará com um veredito de condenação («Tirarei sua cerca e servirá de pasto…»). Segundo, um fundo histórico: o povo de Deus recusou sempre seus profetas. A parábola lida desde este duplo contexto, se torna uma interpretação do acontecido com Jesus, recusado por Israel e acolhido pelos pagãos. Entre a sorte dos profetas e a sorte de Jesus existe, pois, uma lógica comum, uma continuidade. Porém, existe, também, uma profunda diferença: Jesus não é, simplesmente, um dos servos, mas o Filho amado e sua missão é a última. Ante o canto da vinha de Isaias, a parábola se torna uma novidade decisiva: Deus enviou seu Filho, não só os profetas; o povo recusou o Filho, não só os profetas. O dono é paciente e se mostra tão obstinado que inclusive envia seu filho. Espera até o final: «A meu filho o respeitarão» (v.6). Mas, sua paciência também tem um limite, e não pode aceitar que a violência dos lavradores continue de maneira indefinida. Ainda que o tema principal da parábola seja cristológico, também está unida a ele o tema do juízo: a parábola se converte em advertência. Deus é fiel e paciente, mas não carece de verdade: os lavradores são castigados e a vinha passa a outros (v.9). O juízo mostra que Deus leva a sério a responsabilidade do homem, sua liberdade. E, sem dúvida, tampouco está aqui a ameaça, mas a esperança, a última palavra: «A pedra que os construtores rejeitaram converteu-se em pedra angular» (v.10). Esta citação não pertence à parábola, mas ao comentário da mesma, realizado por Jesus ou pela comunidade. É uma clara alusão à ressurreição e à fidelidade de Deus: a última palavra da história de Jesus não è a recusa que padeceu, mas a intervenção de Deus em solidariedade com seu profeta. E aquele a quem os homens rejeitaram se transforma em instrumento de salvação. Deus escolhe àquele a quem os homens descartam.
Tb 1,1-2; 2,1-8 (Prólogo; O cego) – O nome Tobias significa ao pé da letra «minha bondade». Mas pode tratar-se da abreviatura de uma frase na qual o sujeito da bondade não é Tobias, mas o Senhor; portanto, significaria «o Senhor é bom» ou, também, «o Senhor é meu bem». O livro de Tobias não é uma narração histórica, mas didática e de caráter edificante. Abundam nela os rasgos maravilhosos e as exortações morais. O propósito do livro é transmitir um ensinamento moral através de um relato fictício e parabólico. Aparecem perfiladas duas figuras. Em primeiro lugar, a de um Deus que não cessa de prover a seus fiéis e que, se os submete a prova é para premiá-los depois. E, em segundo lugar, a figura do verdadeiro crente, que se indica pela observância rigorosa da Lei do Senhor e pela caridade com seus irmãos. Ao herói da narração se o apresenta de imediato como um judeu que, ainda que se encontre no exílio, não abandonou «O caminho da verdade»(1,1). No exílio, entre pessoas de cultura diferente e de costumes distintos, hostilizados pelo general, foi fácil esquecer (ou esconder) a própria identidade moral e religiosa. Tobias, não. Ele permanece firme nas tradições dos pais. Tobias se mostra hospitaleiro e nas solenidades costuma convidar a comer a algum indigente de seu povo. Sua família é, portanto, uma família aberta, tal como a Bíblia recomenda com frequência. Durante uma destas solenidades, quando já está preparada a comida, seu filho o disse que um judeu havia sido estrangulado e seu cadáver deixado na praça. Ao inteirar-se da notícia, corre a recolher o cadáver para poder enterrá-lo dignamente após o por do sol. Trata-se de um gesto perigoso. Tobias já havia sido ameaçado de morte por realizar outros gestos similares. Seus parentes o reprovam, não querem que se exponha, porém Tobias obedece a Deus antes que ao rei. A observância da lei é o primeiro. A fé de Tobias está apresentada como uma fé valente.
Salmo 111/112 (Elogio do justo) – Este Salmo é cheio de esperança e nos faz abrir o coração à presença misericordiosa de Deus. Durante a nossa caminhada na vida, há momentos de escuridão, de deserto, de dor e de desilusão, mas o homem de fé sabe levantar os olhos para o Céu e perceber que Deus caminha ao seu lado, mesmo diante da dificuldade. Com Ele nada é impossível! Ele nos abraça nos doa o perdão e é clemente e cheio de misericórdia. O nosso Deus é um Deus que se comove diante da nossa miséria e não nos afasta dele, mesmo quando estamos sujos e feridos, e o nosso coração tomado pela malícia e pelo pecado.
Ó Senhor, tu procuras o homem justo para recompensá-lo e transbordar nele todo o teu amor. Tu iluminas o caminho de quem busca a verdade, ama a retidão e se coloca ao lado dos pobres e dos injustiçados. Sei, Senhor, que os teus mandamentos não são pesados quando se ama de verdade. Tu queres só o amor e nada mais. Peço-te, ó Senhor, que o teu Filho Jesus me ensine o que é o verdadeiro amor; que eu saiba desinstalar-me das minhas seguranças, descer a escada do poder e colocar-me a serviço dos outros com alegria. Que eu nunca feche o meu coração a quem me pede ajuda. Não importa que seja meu amigo ou não, o que importa é que é teu Filho e, na fé, é meu irmão e irmã. Dá-me um coração grande e generoso! [ ] como está escrito: “Distribuiu generosamente, deu aos pobres; a sua justiça permanece para sempre” (2 Cor 9,9). Ó Senhor, não permitas que o meu coração seja vingativo, duro e sem compaixão. Amém.
MEDITATIO: «Ditoso quem teme ao Senhor e ama de coração seus mandamentos». Tobias é este homem ditoso «que não abandonou o caminho da verdade». Seu serviço a Deus, seu temor de Deus, não é covardia, não é medo de um juízo severo da parte do Altíssimo. Tobias tem um coração grande porque está orientado sempre ao bem e, como não se preocupa com o juízo dos homens, atua com liberdade e retidão de intenção. Tobias não é capaz de alegrar-se só e, por outra parte, sente como seu o drama do povo. É capaz de sofrer em sua própria carne as consequências do mesmo. Não vacila frente ao risco real que supõe a perseguição. Sua fidelidade não é integrismo – enquanto não estão em jogo os valores em que crer, está ao serviço «do rei» –, nem legalismo exterior, mas prática assídua da acolhida, da misericórdia, da benevolência respeitosa com a dignidade de todo irmão. O Evangelho nos apresenta, na pessoa dos lavradores, primeiro infiéis e homicidas depois, outro modo de fazer frente à vida: monopolizá-la e explorá-la ao máximo para seu próprio benefício. Nem Tobias nem os lavradores da parábola navegam, evidentemente, em outra galáxia. Estão muito próximo. Ao longo de nossos caminhos cotidianos, em cada bifurcação que a vida nos apresenta, continuamente, estão presentes as duas imagens: a nós corresponde eleger.
ORATIO: Senhor, tu conheces nossa debilidade inata e nossa incapacidade para perseverar no bem que desejamos. Concede-nos a força de teu Espírito para que sejamos capazes de ser fiéis, apesar de toda pressão ao contrário, através de todas as vicissitudes da vida, à tua verdade e tua vontade. Abre nosso coração a uma compaixão universal que se traduza em gestos concretos de acolhida e amor. Concede-nos um sentir aberto à captação de todas as vibrações da dor e da esperança humana. Faz surgir da consciência de nossa pequenez a santa audácia de testemunhar a ti com um amor intrépido.
CONTEMPLATIO: Apenas vejam os mundanos que queres seguir uma vida devota, descarregarão sobre ti mil falatórios e murmurações: os mais malignos classificarão tua mudança de hipocrisia, superstição e artifício, e dirão que te deste mal no mundo e, por falta dele, te refugias em Deus; teus amigos se empenharão em fazer-te muitíssimos argumentos, muito prudentes e caridosas a seu parecer; te dirão que estás exposta a encher-te de hipocrisia, que perderás o crédito com todo o mundo, que te tornarás sofredora, que te fazes velha antes do tempo e que tudo vai prejudicar as coisas em tua casa. «No mundo – dirão – se deve viver como no mundo, e não é preciso tantos mistérios para salvar-se.» A este respeito te dirão muitas outras frivolidades. Filoteia minha, tudo é falatório néscio e vão, pois a toda essa gente o que menos importa é tua saúde e teus negócios. Se fosseis do mundo, o mundo amaria o que era seu – dizia o Salvador –, mas como não sois do mundo, por isso ele os aborrece. Quantos cavalheiros e senhoras nós temos visto passar uma noite, ou talvez muitas noites seguidas, jogando xadrez ou baralho, que é a ocupação mais cansada, melancólica e triste que pode haver, e, contudo, nada têm a dizer, os mundanos, nem que sentir seus amigos! E porque veem que temos uma hora de meditação que madrugamos um pouco mais que de costume para preparar-nos para comungar, já querem chamar o médico para que nos cure a hipocondria e a icterícia! Passariam trinta noites contínuas bailando sem que nenhum se queixe, por haver velado só uma noite de Natal, todos se torcerão e se queixarão no dia seguinte (Francisco de Sales).
AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:
«O justo jamais vacilará, sua recordação será perpétua» (cf. Sl 111,6)
PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Honorável senhor diretor da Província de Bréscia. No número 188 de seu periódico leio o que segue: « O Rvdo. Tovini representa à seita clerical em tudo o que esta tem de mais antipatriótico e mais anti-italiano. Ele é a lança rota da cúria episcopal reduzida, como já vimos, a manipulações de tristes agitadores fanatizados pelo ódio contra as instituições e contra a própria integridade da pátria ». A estas acusações de ser antipatriota e anti-italiano corresponde a minha vida privada e pública. Não o dissimulo que no dia de hoje, ao parecer de alguns, para ser patriota é preciso ser contrário ao papa, aos bispos, à Igreja e, inclusive, à religião e que, portanto, basta que alguém se mostre católico para ser qualificado logo de antipatriota e anti-italiano. E, se, também, sua senhoria se houvesse visto induzido a formular-me essa acusação, o declaro que neste caso sua acusação me honra, porque o catolicismo foi professado pelos maiores italianos; e me consolo porque me proporciona a ocasião de ter que ser desprezado por amor a essa fé pela qual também daria a vida. O ser católico nunca me impediu ser italiano nem querer como tal a liberdade, independência e grandeza da pátria, como tampouco o ser católico me impede, por outra parte, querer e desejar a liberdade e independência absoluta do sumo pontífice, sem a qual considero impossível o bem veraz e estável, tanto da Itália como da sociedade. Estas são minhas convicções, e as sustento sempre declaradamente e nenhum posto de conselheiro me faria sacrificá-las. Confio em que sua senhoria terá a amabilidade de publicar esta carta minha como resposta a quanto se escreveu sobre mim, contra o que, com a devida consideração, protesto (Carta de Giuseppe Tovini).
TERÇA-FEIRA, 05 DE JUNHO DE 2018 – 9ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO B
Marcos 12,13-17 (Imposto a Cesar) – Os fariseus e os herodianos enviados das autoridades traçam um quadro bem positivo de Jesus, queiram ou não. Vieram submetê-lo a insídias, mas são obrigados a reconhecer sua forte personalidade (vv.13ss). Jesus é um homem sincero e transparente, sem armadilhas e hipocrisias. É alguém que diz o que verdadeiramente pensa. Não é parcial com ninguém. Justo o contrário são as autoridades que os enviam e a dos próprios. Fingindo interesse, tentam colocar Jesus em uma situação embaraçosa: são homens astutos, hipócritas, dedicados a tramar. Mas vamos ao assunto. A afirmação central está constituída por estas palavras: «Pois dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus» (v.17). Os fariseus e os herodianos colocaram Jesus numa questão candente. Respondendo negativamente, suscita a reação da autoridade romana. Se, afirmativamente, perde a simpatia das multidões. Sobre se era, ou não, lícito, pagar os tributos ao imperador romano, havia posições diferentes: os herodianos eram favoráveis aos romanos; os zelotas, ao contrário, pregavam abertamente a recusa e a resistência armada; os fariseus evitavam a rebelião aberta e pagavam os tributos para evitá-la. A resposta de Jesus é completamente inesperada e colhe de surpresa seus interlocutores, pois se subtrai à lógica das diferentes posições. Não se trata de uma resposta evasiva. Escapa ao dilema, mas não por medo de comprometer-se. Leva o discurso mais a fundo, justo ao lugar onde se encontra o centro inspirador, ou seja, a concepção justa da dependência de Deus e, portanto, a justa liberdade ante ao Estado. Com sua resposta, Jesus não põe Deus e César no mesmo plano. Nas palavras: «dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus», o acento recai na segunda parte. O que preocupa a Jesus é, sobretudo, salvaguardar os direitos de Deus em qualquer situação política. O Estado não pode erigir-se em valor absoluto: nenhum poder político, romano ou não, cristão ou não, pode arrogar-se direitos que só competem a Deus, não pode absorver todo o coração do homem, não pode substituir à consciência. O homem evangélico se nega a fazer coincidir sua consciência com os interesses do Estado. Nega-se a cair na lógica da «razão de Estado» e é, por isso, em sua raiz, um possível «objetor de consciência».
Tb 2,9-14 (A cegueira) – Tobias é hospitaleiro e observante e pratica a Lei de Deus, ainda que isto ponha em risco sua vida. Em consequência, é um homem ao qual Deus deveria proteger e premiar. Sem dúvida, não é assim. As coisas da vida parecem suceder frequentemente sem sentido, indiferentes ao tipo de justiça que nós desejaríamos. Já se passou com Jó e agora se passa o mesmo com Tobias. Após haver perdido a vista, submetido à prova, é insultado e escarnecido por seus amigos: de que te serviram tua caridade e tua obediência? Vale a pena por em risco a própria vida pela Lei do Senhor? Sem dúvida, Tobias não se lamenta; permanece firme em sua fé e inclusive na prova segue dando graças ao Senhor. Justamente como Jó: «Nu saí do ventre de minha mãe e nu voltarei. O Senhor me deu, o Senhor me tirou. Bendito seja o nome do Senhor!». Também sua mulher zomba dele: “Este é o fruto de tuas esmolas? Está claro que tua fidelidade foi inútil”. Assim sucede com frequência ao justo na prova: sofre golpes e é incompreendido. À dor da desgraça se acrescenta a dor da solidão. É hora da tentação, que vem de seus próprios amigos, que são, precisamente, os que deveriam apoiá-lo. É nestas horas que se verifica a solidez da fé e a força da paciência. Esta última é a virtude da rocha: pode pisoteá-la, golpeá-la, não se deixa modificar. Assim é a fé de Tobias.
Sl 111/112 (Elogio do justo) – (Ver ontem)
MEDITATIO: Uma desgraça, um acidente… algo que, seja como for, quebra as já frágeis seguranças de uma vida experimentada na dor. E tudo isto se passa a um homem fiel, alguém que «temia a Deus». Não é acaso escândalo, provocação, uma injustiça? Quantas vezes se haverá apresentado o mesmo espetáculo ante nossos olhos? Quantas vezes nós mesmos nos havemos encontrado numa situação semelhante? As nossas reações de murmuração e de rebelião, a nossos sobressaltos de desconcerto e de angústia, à vacilação de nossa própria fé faz soar desconcertante a resposta de Tobias, que quase nos parece de outro mundo: «Dando-o graças todos os dias de sua vida». Os amigos zombando dele, sua mulher o insulta, a cegueira o reduz à impotência, o situa entre a incompreensão e o escárnio dos mais achegados, mas ele bendiz a Deus. Nossa tentação consistiria em arquivar o assunto como algo absurdo, impossível. Sem dúvida, se fazemos calar o tumulto dos sentimentos e das reações de defesa e nos por a escutar e num clima de verdade no fundo de nosso coração, poderemos voltar a encontrar um acordo com a harmonia de Tobias. Compreenderemos que esse homem, humanamente falando, destruído, se encontra no ponto justo quando não se rebela e bendiz a Deus. Mas, esta atitude não se improvisa: Tobias «desde a infância havia temido a Deus e observado seus mandamentos». Uma fé débil, «dominical», poderíamos dizer, não basta para permanecer firmes nos momentos difíceis. Sem dúvida, uma fé madura, purificada no crisol da cruz, vivida em fidelidade às coisas pequenas de cada dia, no «sim» disponível repetido em cada situação, nos permite chegar, inclusive, a gestos extremos.
ORATIO: Senhor, meu Deus justo, purifica-nos para que em nosso obrar não nos mova a busca do favor ou das complacências humanas, mas só o desejo de fazer tua vontade e agradar-te. Ilumina e fortalece nosso coração com teu Espírito para que, através das provas da vida, possamos permanecer firme em teu santo temor. Quando o sofrimento, a solidão, o peso e a fadiga do caminho diário se façam mais pesados, ensina-nos a deixar-nos ajudar por ti, a unir-nos mais a ti, sem fazer-te perguntas, sem exigir explicações, confiando em ti quando mais obscuro se torne nosso céu. Então, também em nossa obscuridade, brilhará a luz da esperança que não defrauda e o canto silencioso da ação de graças a ti, ó meu Deus bom e fiel.
CONTEMPLATIO: Sem dúvida, não quero dizer que não se possa pedir [a cura] a nosso Senhor como àquele que nos a pode dar, com a condição de que digamos: seja feita tua vontade; de fato, sempre devemos dizer: «Faça-se a tua vontade» (Mt 6,10). Não basta estar enfermos e padecer sofrimentos porque Deus o queira, mas que é preciso estar como ele o queira, quando o queira, durante o tempo que o queira e do modo que o agrade que estejamos, sem eleger nem recusar o mal ou a aflição, seja ele qual seja, ainda que possa parecer-nos abjeto ou desonroso; de fato, o mal e a aflição, sem abjeção, incham o coração, em vez de humilhá-lo. Sem dúvida, quando sofremos um mal sem honra, ou, inclusive, com desonra, degradação e abjeção, são muitas as ocasiões que se nos apresentam de exercitar a paciência, a humildade, a modéstia e a mansidão de espírito e de coração. Devemos ter, portanto, grande cuidado, como a sogra de Pedro, em conservar nosso coração na mansidão, tirando o proveito, como ela, de nossas enfermidades. De fato, «Ela se levantou» enquanto nosso Senhor fez que desaparecesse sua febre, «se pôs a servi-lo» (Mt 8,15). Não cabe dúvida de que nisto demonstrou uma grande virtude e o proveito que havia obtido da enfermidade. De fato, uma vez libertada, quis usar a saúde só para servir a nosso Senhor (Obras de são Francisco de Sales, Madrid).
AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:
«O coração do justo está firme no Senhor» (do salmo responsorial)
PARA A LEITURA ESPIRITUAL – «Pai, em tuas mãos entrego meu espírito»: são as palavras com as quais Jesus dá voz à sua atitude de oferenda, de rendição ante o mistério; além e dentro da obscuridade do mistério. Esta entrega de si mesmo, que nada tira à obscuridade em que se vive, não liberta do medo das ameaças que sentimos ao nosso redor e dentro de nós mesmos, mas expressa em nossa vida o absoluto de Deus. Talvez não exista no vocabulário humano palavra mais universal nem mais censurada que a palavra «sofrer»: é universal, porque a experiência do sofrimento pertence a todos os homens, mas é também um termo censurado, porque o sofrimento evoca dentro de nós a consciência de nossa fragilidade. Do vocabulário do sofrimento fazem parte palavras como «enfermidade» e «morte», com seus corolários de «debilidade», «medo», «decadência», «impotência». Está a experiência da fraternidade traída: a fome, a injustiça, a violência; estas se manifestam em formas antigas, ainda que também através de formas típicas deste tempo nosso: a dor das crianças, a solidão dos anciãos e dos pobres, o isolamento de muitos jovens que não conseguem inserir-se na sociedade… E no mistério do coração humano, é a consciência da dor e de suas razões o que, às vezes, torna mais agudo o sofrimento: tocamos com a mão a consciência de nossa própria fragilidade; com frequência, as perguntas sobre o sofrimento representam uma dor mais profunda que a própria dor; perpassam a consciência, geram um sentido de solidão que nos faz tocar com a mão o mistério: porque o sofrimento é também sempre experiência do mistério. É inútil pretender decifrar e explicar o mistério; este só pode ser guardado no coração, com a expectativa de que um dia se revele (P. Bignardi).
QUARTA-FEIRA, 06 DE JUNHO DE 2018- 9ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO B
Marcos 12,18-27 (A ressurreição dos mortos) – Os saduceus, que tinham a maioria de seus seguidores nas filas da aristocracia sacerdotal, se distinguiam dos fariseus, desde o ponto de vista religioso, em dois temas: primeiro, negavam todo valor às tradições, às quais os fariseus, ao contrário, estavam muito apegados, e afirmavam que só era vinculante a Lei escrita; e, segundo, negavam a ressurreição dos mortos, citando a este respeito alguns textos bíblicos, como por exemplo Gn 3,19 («és pó e ao pó voltarás»). Neste último ponto lançavam mão também da ironia (vv.19-23): se uma mulher se casou com sete maridos, de quem será a esposa na ressurreição? Os fariseus, sem dúvida, afirmavam a ressurreição, citando também textos bíblicos muito conhecidos, como, por exemplo, Ez 37,8 e Jó 10,11. Arrastado à discussão, Jesus, como de costume não se deixa encerrar nos termos em que se apresenta o debate: os rompe e faz explodir por dentro. A ressurreição está afirmada na Escritura, e daí que os saduceus cometam um grave erro ao negá-la, porém não é questão de citar um texto ou outro. Para Jesus, temos de captar a Escritura em seu centro, ali onde atesta que Deus é o Deus dos vivos, o Deus da vida e não da morte (Ex 3,6). Esta é a razão que autoriza a fé na ressurreição: Deus é fiel e ama a vida, e não se pode pensar que tenha criado o homem com sede de vida para abandoná-lo, depois, à morte. Até aqui, a resposta de Jesus vai contra os saduceus. Mas, em parte, vai também contra os fariseus, pois alguns deles concebiam a ressurreição em termos supersticiosos, materiais, prestando-se, assim, à ironia dos saduceus. A vida dos ressuscitados, declara Jesus, não tem que ser pensada segundo os esquemas deste mundo presente. Trata-se de uma vida distinta: «Nem eles nem elas se casarão».
Tb 3,1-11.24-25a (O cego) – Ambas as orações, a de Tobias e a da jovem Sara, figuram entre o que há de mais belo em todo o livro. A oração de Tobias nasce da dor. É feita entre lágrimas (ante Deus também se pode chorar); em certo modo, é a prece de um homem desanimado, que vê fechado seu futuro. A oração é estar ante Deus com nossa própria verdade: às vezes na alegria, às vezes na dor, às vezes submersos no desânimo. Mas em seguida aparecem duas notas que temos de assinalar na oração de Tobias. Ainda que sua vida careça de saída, continua crendo que Deus é justo, misericordioso e leal. A Deus não há que reprovar nada. A segunda nota que caracteriza a oração de Tobias é que pede a Deus somente o que lhe parece possível: em sua dor sem saída, pede a morte, como fez também o profeta Elias (1 Re 19). Mas Deus é maior e vai além da prece do homem. Deus não dá a Tobias a morte, mas a vida. Para Deus, nunca há situação sem saída. E, afortunadamente, nem sempre nos dá o que o pedimos. A oração de Sara, desesperada e insultada, também sem futuro na vida, acontece ao mesmo tempo que a de Tobias. Tampouco Sara cai no desespero, mas se põe ante o Senhor, lhe suplica entre lágrimas e lhe pede ser libertada de sua desgraça, uma desgraça que parece acompanhar-lhe como uma maldição: há se casado sete vezes e todas elas há morrido seu marido na noite de núpcias. Sara não pede a morte – talvez fosse muito jovem para fazê-lo -, mas a libertação. Nem sempre as coisas acabam bem na vida. Esta última conhece também o silêncio aparente de Deus. Porém aqui, no relato edificante, tudo acaba bem. Deus acolhe a oração de Tobias e de Sara e lhes envia seu Anjo para socorrer-lhes.
Salmo 24/25 (Súplica no perigo) – Neste Salmo contemplamos o anseio pela conversão. Sempre que nos colocamos sinceramente diante de Deus, percebemos que temos muitas características que ainda devem ser mudadas. Estamos, constantemente, em processo de conversão, em busca de uma vida nova. A tranquilidade da consciência de uma vida santa nos libera da angústia e do peso da tristeza. Diariamente temos um caminho novo, atitudes novas. Conversão é libertação e liberdade.
Senhor há momentos em que o meu coração se recorda do passado, dos meus pecados e erros, e então, o peso da angústia aumenta e me faz sofrer. Purifica a minha mente, o meu coração e todo o meu ser, para que eu possa experimentar o teu perdão e a tua misericórdia, vivenciando a alegria de tê-los. Amém.
MEDITATIO – Uma vez ou outra ou talvez muitas, todos nos encontramos no limite extremo da dor ou em um ponto no qual o sentimos como tal. Como Tobias, como Sara. Sem dúvida, que diversidade de comportamentos, de tentativas de solução, de reações nós podemos encontrar? Está a do que vive o sofrimento como algo que atormenta a alma, como algo que se desabrocha até encerrá-lo sob uma capa que lhe sufoca. Então se debate, se sente perdido, se agita como um peixe fora da água e lançado sobre a areia, exige respostas, busca caminhos de saída, talvez na distração ou na busca do «culpável» da situação… e se levanta o olhar ao céu é, em ocasiões, inclusive, para lançar a Deus um grito, talvez para acusar e pedir uma reparação. O comportamento de Tobias e Sara é diferente. E precisamente por ser tão universal e estar tão próxima de cada um de nós a experiência da dor e a perspectiva da morte, que é bom para nós observá-los mais de perto. Para aprender. Tobias e Sara oram. Primeira indicação preciosa. Abrem-se ao Outro, a esse Outro de quem sabem que dependem como criaturas. Dirigem-se a Deus, e não para contar-lhe em primeiro lugar sua dor, mas para expressar-lhe sua adoração, a admiração que sentem por sua grandeza e justiça, sua ilimitada confiança nele; para confessar seu próprio limite, seu pecado. Sabem que Deus tem o coração «maior», que é o Deus da vida. Sua oração não é individual, privada. Vivem profundamente seu drama, porém sentem que se insere no drama mais geral do povo. Esta abertura constitui uma segunda e preciosa indicação para nós, que nos fechamos com tanta frequência no círculo de nossos problemas.
ORATIO: Ó Deus meu, rico em compaixão, ensina-nos a orar sempre, a orar inclusive quando tudo parece perdido e já não podemos contar com nada. Tu, que estás próximo de quem tem o coração abatido e escutas o desejo dos pobres, concede-nos a capacidade de abandonar-nos a ti e pôr em ti a nossa confiança, além de toda humana esperança. Tu, que respondeste de uma vez por todas a toda nossa desesperança, enviando o teu Filho Jesus Cristo, nosso Senhor, até o abismo último de nossa morte, faz que quando a vida se torne insuportável e por demais amarga sejamos capazes de olhar para ele cravado na cruz por amor a nós. Olhando-O e entregando-nos a Ele, experimentaremos também que «só o pranto mais profundo conhece a alegria». E sobre as ruínas de todo nosso morrer surgirá à aurora da vida ressuscitada, pois tu nos amas, em Jesus, desde sempre e para sempre.
CONTEMPLATIO: Quem pretenda pertencer totalmente a nosso Senhor deve examinar com frequência seu próprio coração, para ver se está apegado a algo desta terra; e, se descobre que não há nada que não esteja disposto a deixar para cumprir a vontade de Deus, será sinal de que há alcançado uma grande fidelidade, graças a qual deve permanecer em paz, ocupando-se só de tomar com simplicidade tudo o que lhe acontece, como se lhe viesse da mão de Deus. O único que está sempre em nosso poder é o simples ato de fé. Portanto, não devemos perturbar-nos quando não possamos fazer mais que isto: devemos esperar tudo da vontade de Deus. Pelo que diz respeito à confiança, basta com que reconheçamos nossa debilidade e digamos a nosso Senhor que pretendemos voltar a pôr toda nossa confiança nele. A medida da Providência divina com respeito a nós é a confiança que tenhamos nela. Ó Deus! Repousamos inteiramente nesta Providência sagrada e permanecemos entre seus braços como uma criança nos braços de sua mãe. É preciso aderir-nos ao fim, que é Deus, e a sua vontade, e não aos meios: os meios devem ser amados de uma maneira suficiente, porém não até o ponto de perder a paz se Deus os suprime (Francisco de Sales, Cartas a religiosas).
ACTIO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:
«Senhor, tu atuas sempre com misericórdia, com lealdade e com justiça» (cf. Tb 3,2)
PARA A Leitura Espiritual – Deus não quer o sofrimento dos homens; Deus não quer a morte. Nosso Deus é o Deus da vida. Enfado-me quando ouço implicar a Deus: «Te envia o câncer…». Porém se é impossível! «Seja o que Deus queira»… Porém Deus não quer o câncer de nenhuma maneira! O que quer é que eu esteja sano e viva. Não quer a morte; quer a vida. Certamente, queremos compreender e encontrar respostas e quando nos encontramos mergulhados na dor, no sofrimento, nem sempre refletimos como é devido, por que se todos devem ser respeitados, porém, sobretudo há que respeitar a Deus. Porque Deus manifesta, para quem crê, que seu único modo de resposta a todas estas problemáticas mais que dramáticas e trágicas é que te envia Jesus Cristo. E este vem a dizer-nos: «Venho a sofrer contigo, venho a compartilhar tua condição, venho a levar a cruz contigo». Portanto, Deus participa. Mais ainda, Deus assume em si mesmo a dor. «Homem de dores», experimentado no sofrimento. Por isso, apesar de que tenha gritado para ele, continuo compondo, pregando, infundindo fé e esperança no Reino que deve vir, com a trepidante expectativa de saber se Ele me acolherá com um sorriso ou me abraçará contra seu peito como ao filho depois de sua prolongadíssima ausência (texto de D. M. Turoldo recogido en Allegato Lettera END 109 [2000] 8).
SEXTA-FEIRA, 08 DE JUNHO DE 2018- 9ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO B
Marcos 12,35-37 (O verdadeiro tesouro; O olho é a lâmpada do corpo) – No debate de hoje é Jesus o primeiro a passar ao ataque. Já não são os outros que o interrogam, más é Ele que faz a pergunta. Trata-se de uma pergunta decisiva, uma pergunta que não se detém em aspectos secundários, mas vai ao centro da fé cristã: quem é Jesus? Esta pergunta já havia sido feita em 8,27ss, porém ali só aos discípulos; agora a faz a todos, especialmente aos mestres da Lei e aos fariseus. E a faz Jesus no templo, no coração do judaísmo. Seguimos situado no terreno das Escrituras. O Messias não pode ser simplesmente filho de Davi, dado que o próprio Davi o chama «meu Senhor» no Salmo 110. A argumentação é forte. Porém que é que há por trás deste debate? Por que é tão importante? Porque a expressão «filho de Davi» era um título messiânico que não só evocava a origem do Messias (da estirpe de Davi), mas também um projeto messiânico (uma restauração religiosa e política que deveria levar, de novo, Israel ao esplendor dos tempos de Davi). O que está em jogo, portanto, não é só se Jesus é Messias e Filho, mas que Messias e que Filho.
Tobias 11,5-17 (Os olhos) – A página que nos propõe hoje a liturgia é, seguramente, uma história edificante, formosa, porém o leitor poderá objetar que nem sempre sucede assim na vida. A Bíblia é um livro sincero, às vezes inclusive rude, repleto de perguntas inquietantes. Não é um desses livros religiosos edificantes nos quais sempre as coisas acabam bem. Fazer com que as coisas saiam bem é o desejo do homem, mas nem sempre o verdadeiro modo de manifestar-se de Deus. Contudo, também na Bíblia, como ocorre precisamente no livro que estamos lendo estes dias, há páginas esplêndidas de hagiografia edificante. Não constituem a estrutura do discurso bíblico, mas o embelezam. Também as páginas edificantes têm sua verdade e sua poesia. Nem sempre captam a vida no que tem de problemático, porém sim dizem, certamente, como gostaríamos. Também o sonhar pode fazer parte de uma autêntica relação com o mundo e com Deus, e tanto mais pelo fato de que também é verdade – se, se tem o olhar profundo da fé – que Deus sempre fará que as coisas saiam bem. Talvez não a nossa maneira, talvez não seguindo nossos tempos, porém é seguro que sairão. O cristão sabe que as coisas não têm que sair bem, necessariamente, neste mundo. Porém, voltemos ao relato. Sua primeira característica é a alegria, a alegria coral de uma família que explode quando o filho que se foi volta e quando o pai idoso se cura. Trata-se de uma alegria sã, muito humana, que se expressa com lágrimas de alegria, com abraços afetuosos e, o mais importante, com a oração de agradecimento ao Senhor. Também a lição que se destaca no relato é límpida e muito humana, consoladora: o Senhor põe a prova, porém não para castigar, não para destruir, mas sempre e só para purificar e dar mais.
Salmo 145/146 (Hino ao Deus que socorre) – Edith Stein, com muita sabedoria, declarou que “não é a fenomenologia que nos salva, mas sim a paixão do Senhor Jesus”. O papa Bento XVI nos recorda que não é a economia que salva, mas Jesus. Devemos ter essas convicções no mais íntimo do nosso coração. A salvação integral do ser humano não pode ser confiada a meios humanos, à força, poder, dinheiro, etc. Tudo isso é passageiro e não garante a salvação do homem frente às suas desilusões e fracassos. Não é o psicanalista que perdoa os nossos pecados, mas sim a força do Sacramento da Confissão. Atualmente, o grande erro do homem é querer brincar de ser Deus, sem perceber que é meramente humano e mortal. “Não vos iludais, de Deus não se zomba; o que alguém tiver semeado, é isso que vai colher” (Gl 6,7). Que com a leitura deste Salmo sejamos impulsionados a colocar toda a nossa confiança na força salvadora e libertadora de Deus.
Senhor, hoje quero louvar-te com as palavras deste Salmo, que são tuas palavras, portanto jamais serão desmentidas: “O Senhor livra os prisioneiros, devolve a vista aos cegos, o levanta quem caiu, o Senhor ama os justos, o Senhor protege os estrangeiros, ampara o órgão e a viúva, mas transtorna o caminho dos ímpios. O Senhor reina para sempre, o teu Deus, Sião, por todos as gerações. Aleluia!” (Sl 146, 7-10). Amém.
MEDITATIO: A história de Tobias e Sara chega agora a sua conclusão. Chega o dia em que, desdelo alto do outeiro, o olhar de Ana, que ardia em desejos, percorrendo o horizonte percebe umas figuras que avançam. Seu coração reconhece ao filho. E se põe em marcha todo um movimento de exultação: corre Ana, corre o cego Tobias; a mesma natureza – corre também o cachorro movendo a cauda – participa na festa destes pobres de Israel que vem cumulada, transbordante de toda esperança, suas expectativas. Com efeito, Tobias volta com Sara libertada do espírito maligno, Tobit recobra a vista, recompõe-se a unidade da família: um final feliz, como não há muitos em nossas crônicas. Inclusive, muito belo para ser verdade, poderiam objetar alguns… «Bendigo-te, Senhor, Deus de Israel, que se antes me castigaste agora me salvaste»: a oração que eleva Tobit a Deus na renovada intimidade familiar, enquanto seus olhos voltam a ver seu filho, nos permite penetrar além das imagens vivazes e ingênuas para captar seu significado profundo. Sim, Deus escutou a oração de Tobit, não defraudou sua confiança, uma confiança que foi capaz de perseverar – e até de crescer – na prova. A vida de Tobit havia sido sacudida por uma tempestade de acontecimentos trágicos, destruidores, do ponto de vista humano. Porém, ele soube vê-los como uma prova enviada por Deus, soube ver neles a presença de seu Deus, que queria por a prova sua fidelidade. Tobit não decepcionou a Dios: o «fez ficar bem», para usar uma expressão de são Francisco de Sales. Tobit, quebrado pelas ondas e os ventos contrários, foi capaz de confiar e crer, além da sensatez humana. E não se encontrou em seus lábios mais que palavras de benção e de louvor ao Deus justo. Agora toca a Deus. E Deus, que não decepciona a esperança humilde, confiada, orante de seu servo, o recompensa com sua divina largueza.
ORATIO: Eu te bendigo, Senhor, porque depois de haver-me provado me curaste. Eu te adoro presente em minha história. Sei que me amas. És Tu, meu Deus, quem me visitas na dor; és Tu, meu Deus, quem me dás a alegria. És tu quem me visita na escuridão da noite sem estrelas, na manhã risonha das promessas realizadas. És Tu quem me visita quando o caminho se faz estreito, e também nos claros horizontes. Tu és o apoio do débil, a luz do cego. Tu és a pátria do desterrado, o consolo do que está só. Que minha vida, visitada por tua benção, possa louvar-te e bendizer-te para sempre.
CONTEMPLATIO: Bendizer a Deus e dar-lhe graças por todos os acontecimentos, que sua Providência ordena, é, na verdade, uma ocupação muito santa, porém, quando deixamos a Deus o cuidado de querer e fazer o que o agrade em nós, sobre nós e de nós, sem atender ao que ocorre, ainda que o sintamos muito, procurando desviar nosso coração e aplicar nossa atenção à bondade e à doçura divina, bendizendo-as não em seus efeitos nem nos acontecimentos que ordenam, mas em si mesmas e em sua própria excelência, então fazemos, sem dúvida, um exercício muito mais eminente[…]. Ó Deus, que almas são essas que, entre tantos inconvenientes, sempre são capazes de conservar sua atenção e seu afeto dirigidos à eterna bondade, para adorá-la e amá-la para sempre?[…] Mandou Deus ao profeta Isaias que se despisse, e assim o fez, e andou caminhando e pregando desta forma durante três dias inteiros, como dizem alguns, ou durante três anos, como crêem outros; depois voltou a vestir-se, uma vez transcorrido o tempo que Deus o havia indicado. Também nós temos de nos despir de nossos afetos, pequenos e grandes, e devemos examinar com frequência nosso coração, para ver se está disposto a despojar-se, como fez Isaias, de todas as vestes; mas, depois, a seu devido tempo, temos de voltar a tomar os afetos convenientes para o serviço de Deus, a fim de morrer na cruz, nus, com nosso divino Salvador, e de ressuscitar, depois, comn Ele, no homem novo. O amor é forte como a morte, para fazer com que deixemos tudo, porém é magnífico como a ressurreição, para revestir-nos de glória e de honra (Francisco de Sales, Tratado del amor a Dios, IX).
AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:
Bendigo-te, Senhor, Deus de Israel, que, se antes me castigaste, agora me salvaste» (cf.Tb 11,17)
PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Tu criaste, ó Senhor, todas as cosas «em número, peso e medida», e o que sucede acontece na ordem de tua sabedoria. Deste ao homem a liberdade para que atue por sua própria vontade. Mas enquanto realiza sua obra, esta se faz realidade; já não pode removê-la na metade; deve ir mais além. Tu tecestes, assim, sua existência. Em tudo deve resplandecer tua justiça e tua bondade; sem dúvida, o homem se desviou de ti e mudou a ordem de teu amor pela obscura imagem do destino. Mas, em Cristo, teu Filho, nos revelaste, ó Pai, teu rosto e começaste una obra nova. Ele venceu ao destino e nos mostrou tua providência nos acontecimentos. Agora tudo deve ser para nós uma disposição de teu amor. Isto nos tem sido dado como consolo, porém também como tarefa. A mensagem não é uma permissão para deixar correr as coisas com indolência ou para cerrar os olhos diante de sua gravidade, mas admoestação para um santo agir. Teu Reino deve ser para nós o único necessário. Que venha teu Reino e que se cumpra tua justiça: isso é ao que devem tender nossos propósitos e nossas preocupações. Então poderemos estar seguros de que tudo, até as coisas mais obscuras, nos tem sido dado para que nos salvemos. Devemos elevar com Fé no marco de tua providência qualquer experiência que nos prepare o destino, superar nossa ignorância com confiança e colaborar em tua obra com amor. Ajuda-me, ó Senhor, a iluminar a confusão das coisas com a claridade da Fé e a transformar com a força da confiança a dificuldade de tudo o que pesa sobre mim. E que teu Espírito Santo possa atestar em meu coração que sou verdadeiramente filho teu e que faço bem ao aceitar todos os acontecimentos de tua mão. Faz que encontrem resposta na certeza de teu amor aquelas perguntas às quais nenhuma sabeduria humana pode responder. Que tu me amas é a resposta a qualquer pergunta; faz que o sinta quando chegue a hora da prova. Amém (R. Guardini, Oraciones teológicas, Ediciones Cristiandad).
SÁBADO, 09 DE JUNHO DE 2018- 9ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO B
Marcos 12,38-44 (Os escribas julgados por Jesus; O óbolo da viúva) – A passagem evangélica de hoje está composta por dois quadros contrapostos: de uma parte, o comportamento dos mestres da Lei; de outra, o comportamento de uma viúva pobre. Os dois quadros mostram a falsa a verdadeira religiosidade. «cuidado com os mestres da Lei» (v.38): vaidade, ostentação, uma prática religiosa contaminada pela avidez e pela hipocrisia, estas são as três deformações dos mestres da Lei contra as quais Jesus quer guardar-nos. A expressão «cuidado com» põe de relevo a gravidade particular do perigo no qual podem cair os discípulos. Marcos, em 8,15, usa a mesma expressão para por em guarda contra o fermento dos fariseus e de Herodes, e em 13,15, para guardar-se contra os falsos profetas. «Sentado frente ao lugar das oferendas» (v.41): no átrio do templo, ao qual também podiam ascender as mulheres, estavam alinhados os cofres onde se lançavam as moedas. Provavelmente, os oferentes declaravam em voz alta ao sacerdote que estava de serviço o valor e a finalidade da doação. Deste modo, o gesto se fazia público e se prestava à vaidade. «Jesus chamou então seus discípulos» (v.43): há muitos ricos que fazem pomposas oferendas, e há uma viúva pobre que oferece só duas moedas de escasso valor, tudo o que possui. Jesus observa e chama a atenção dos discípulos com umas palavras que o evangelho reserva para os ensinamentos mais importantes: «Asseguro-vos que». Jesus viu um gesto autêntico e quer que seus discípulos aprendam. O que surpreende a Jesus não é só a falta de ostentação, mas, sobretudo a totalidade da doação: essa mulher deu o supérfluo, quer dizer, o que lhe sobra depois de haver assegurado sua vida em amplas margens de segurança, mas «tudo o que tinha para viver»(v.44).
Tobias 12,1-5.15-20 (Rafael) – A história de Tobit e de seu filho Tobias é um canto à divina providência. Porém é também um canto de generosidade, como indica a palavra «esmola», que se repete mais vezes aqui e em todo o livro. Oração, jejum e esmola eram as três práticas essenciais da piedade judia. Porém, a mais importante das três era a esmola, que expressa a atenção aos necessitados, a compaixão e a simpatia com respeito a eles, a ajuda ativa e generosa. Três são as vantagens da esmola ou, como se diz em muitas outras passagens bíblicas, da caridade: livra da morte e limpa do pecado, alcança a misericórdia e a vida eterna. Três vantagens que talvez se reduzem a uma. Podemos expressá-la assim: a generosidade nos faz viver e respirar, arranca ao homem da prisão de sim mesmo e o leva ao ar livre. Trata-se de uma experiência profundamente verdadeira. Não é só questão de vida eterna, mas da vida em toda sua extensão. A generosidade é o melhor modo de viver no presente. Em nossa leitura de hoje há também um segundo ensinamento importante: a benevolência de Deus tem que ser contada, para que todos possam alegrar-se, esperar e louvar ao Senhor: «Vós bendizei ao Senhor e divulgai suas obras maravilhosas» (v.20). Os dons de Deus não são nunca só para nós: devemos dá-los a conhecer. Não se trata de contar o que tu fizeste por Deus, mas o que Deus tem feito por ti.
Tobias 13,2.6-8 (Sião) – “De toda a minha alma louvarei o meu Deus, Rei do céu” (Tb 13, 9). Quem pronuncia estas palavras, no cântico agora proclamado, é o velho Tobi, do qual o Antigo Testamento traça uma breve história edificante, no livro que toma o nome do filho, Tobias. Para compreender plenamente o sentido deste hino, é preciso considerar as páginas narrativas que o precedem. A história passa-se entre os israelitas exilados em Nínive. O autor sagrado olha para eles, escrevendo muitos séculos depois, para os apontar aos irmãos e irmãs de fé, dispersos no meio de um povo estrangeiro e tentados a abandonar as tradições de seus pais. O retrato de Tobi e da sua família é oferecido como um programa de vida. Ele é o homem que, apesar de tudo, permanece fiel à lei e, em particular, à prática da esmola. Sobre ele se abate a infelicidade com a chegada inesperada da pobreza e da cegueira, mas não lhe falta a fé. E a resposta de Deus não tarda a chegar, através do anjo Rafael, que guia o jovem Tobias numa viagem perigosa, preparando-o para um matrimônio feliz e, enfim, curando o pai Tobi da cegueira. A mensagem é clara: quem faz o bem, sobretudo abrindo o coração à necessidade do próximo, agradará ao Senhor e, ainda que seja posto à prova, experimentará, por fim, a Sua benevolência. É sobre este fundo que tomam todo o seu realce as palavras do nosso hino. Ele convida a olhar para o alto, para “Deus que vive eternamente”, para o seu reino que “dura por todos os séculos”. A partir deste olhar voltado para Deus se desenvolve um breve esboço de teologia da história, em que o Autor sagrado procura responder à interrogação que o Povo de Deus, disperso e provado, apresenta a si mesmo: porque é que Deus nos trata assim? A resposta faz um apelo conjunto à justiça e à misericórdia divina: “castiga-vos por causa das vossas iniquidades, mas a seguir, compadece-se de vós” (cf v.5). O castigo aparece assim como uma espécie de pedagogia divina, onde, todavia, a última palavra é sempre reservada à misericórdia: “Ele castiga e compadece-se, conduz ao sepulcro e dele faz sair; nada existe que escape à sua mão” (v.2). Podemos, pois, confiar de modo absoluto em Deus, que nunca abandona a sua criatura. Aliás, as palavras do hino conduzem-nos a uma perspectiva, que atribui um significado salvífico à própria situação de sofrimento, fazendo do exílio uma ocasião para testemunhar as obras de Deus: “louvai-O, filhos de Israel, diante dos gentios, porque Ele dispersou-vos no meio deles, para proclamar a sua grandeza” (vv.3-4). (…) (São João Paulo II)
Obrigado, Senhor, porque limpas a minha mente e o meu coração! Todos os meus pensamentos! As minhas fantasias e lembranças dolorosas! Cobre-me, Senhor, com a Tua graça. Com o Teu amor. Concede-me a firmeza e a fortaleza dos santos, para que possa manter-me firme no propósito de viver a pureza e a castidade! Obrigado, Senhor, pela graça de recomeçar! Amém!
MEDITATIO: Tobit nos sai ao encontro neste texto do evangelho com toda a sua grandeza humana. O seu costume generoso de levar uma vida aberta ao outro, atento às suas necessidades e esquecida de si; a prática assídua da caridade, dessa esmola que «livra da morte» paga com o próprio sangue; a constante disposição a viver remetendo-se a Deus na oração, benção, louvor, súplica ou lamento: tudo foi amadurecendo nele uma profunda capacidade de gratidão e a necessidade de expressá-la em gestos concretos. Não se havia cerrado antes, retraído em sua dor; não se fecha agora, satisfeito, em sua felicidade. A dor que havia experimentado em primeira pessoa o havia tornado capaz de uma compaixão mais ampla. A alegria, acolhida como dom de Deus, o impulsiona agora ao agradecimento ao que havia sido o instrumento e mediador. As palavras solenes do anjo – ainda incógnito – põem o selo ao reconhecimento divino de «toda esta vida» objeto da misericórdia de Deus e na qual Deus pode levar a cabo suas obras. Tobit sabe dar as graças porque sabe reconhecer que recebeu a graça. Não sente nada como se lhe fosse devido, para ele tudo é dom. E sabe dizer «graças» não só a Deus, fonte de «todo bom presente», mas também ao irmão, ao companheiro de viagem, ao que se fez dócil ministro deste dom. Trata-se de uma dimensão que temos de redescobrir ou, em qualquer caso, manter viva para nós, que, com frequência, atrelados nas engrenagens da pressa, da eficiência, encalhados na superficialidade, corremos o risco de esquecer esta capacidade de gratidão que é como a outra cara da gratuidade. Só quem sabe receber tudo como dom e dar graças por isso é capaz apor sua vez de oferecer-se gratuitamente como dom ao outro.
ORATIO: Adoramos, ó Deus, tua incompreensível mistério e bendizemos tua inesgotável misericórdia. Tu, com sábia providência, queres tecer a trama de nossa vida como uma história de amor e nos convidas, através dos acontecimentos do tempo, a uma perene manhã de festa, junto a ti, na luz. Que teu Espírito abra nossos olhos, para que saibamos ler desde agora as situações da vida do teu ponto de vista e configure nossos corações à imagem do teu: uns corações largos, abertos, compassivos e fecundos em bem para nossos irmãos. De sorte que da comunhão de nossas vidas, impregnadas de misericórdia, suba incessante o louvor a ti, o Misericordioso que realiza grandes coisas para aqueles que se confiam a Ele.
CONTEMPLATIO: É tão débil o espírito humano que, quando quer investigar com excessiva curiosidade as causas e as razões da vontade divina, se perturba e enrosca entre os fios de mil dificuldades, dos quais, depois, não pode desprender-se. Parece-se ao pó que, conforme sobe, se faz mais sutil e acaba por dissipar-se. A força de querer remontar-nos com nossos discursos para as cosas divinas, por curiosidade, nos envaidecemos em nossos pensamentos e, em lugar de chegar ao conhecimento da verdade, caímos na loucura de nossa vaidade. Mas, de um modo particular, com respeito à Providência divina somos caprichosos no que preocupa aos meios que ela reparte para atrair-nos a seu santo amor e, por seu santo amor, à glória. Porque nossa temeridade nos impele sempre a indagar por que Deus da mais meios a uns que a outros, por que não fez entre os tírios e sidônios as mesmas maravilhas que em Corozaín e em Betsaida, pois tão grande proveito puderam tirar delas; em uma palavra, por que atrai ao seu amor a uns com preferência a outros. Ó, amigo meu, Teótimo!, jamais, jamais temos de permitir que nosso espírito seja arrebatado pelo torvelinho deste vento de loucura, nem temos de pensar em encontrar uma razão melhor dos desígnios da vontade de Deus que sua vontade mesma, a qual é soberanamente razoável; melhor dito, é a razão de todas as razões, a regra de toda bondade, a luz de toda equidade. E ainda que o Espírito Santo, falando na Sagrada Escritura, dá em muitos lugares a razão de quase tudo o que podemos desejar acerca do proceder de sua Providência na direção dos homens para o santo amor e para a saúde eterna, é certo, sem dúvida, que em muitas ocasiões declara que, de maneira alguma, nos temos de apartar do respeito devido a sua vontade e que temos de adorar seus propósitos, seus decretos, seu beneplácito e suas resoluções, cujos motivos, como supremo e justíssimo juiz que é, não é razão que manifeste, mas que basta com que os dê a conhecer. Se devemos tanto honra aos fallos dos supremos tribunais, compostos de juízes corruptíveis da terra, e eles mesmos terrenos, de sorte que temos de crer que não se pronunciaram sem motivo, ainda que não sejamos qual seja este, ó Deus meu!, com quanta reverência não temos de adorar a equidade de vossa suprema providência, a qual é infinita em justiça e em bondade! (Francisco de Sales, Tratado del amor a Dios).
AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:
«Vós bendizei ao Senhor e divulgai suas obras maravilhosas» (Tb 12,20)
PARA A LEITURA ESPIRITUAL– Nossa inteligência não está em absoluto em condições de aferrar em sua totalidade esta única e infinita perfeição de Deus. Estamos ante um mistério insondável, que exige adoração: «Que todo espírito louve ao Senhor, dando-lhe todos os nomes mais excelsos que se possa; e seja qual for o louvor que estejamos em condições de tributar-lhe, confessemos que Ele nunca poderá ser louvado de modo suficiente». Cada vez que recitamos o «Pai nosso» e dizemos: «Santificado seja teu nome», proclamamos a grandeza de Deus e nos pomos frente a Ele tal como somos, em nossa pequenez, com toda confiança. A adoração nos pede ainda mais. Não se trata de reconhecer a grandeza de um Deus disperso entre as nuvens; trata-se melhor de proclamar sua presença ativa no mundo e de confessar sua soberania tanto na terra como no céu. De fato, Deus é criador, porém a criação não teve lugar de uma vez por todas no começo dos tempos: Deus segue sendo criador também hoje, e amanhã, e para a eternidade. Existe uma forte tentação de ignorar esta ação criadora de Deus que se prolonga no tempo. Sabemos bem que muitos homens e mulheres estão prisioneiros de uma visão estreitamente materialista do mundo. A investigação científica tende a descobrir, cada vez melhor, como se foi constituindo o mundo e a compreender, dum modo cada vez mais profundo, as leis que o regulam, mas se mostra impotente para perceber o sentido das coisas. Deus foi expulso por completo da existência dos que se declaram ateus e não encontra lugar em sua explicação do mundo material. Mas, «se o homem existe é porque Deus o criou por amor, e por amor não cessa de fazê-lo existir. Isto vale para o homem e para todo o universo, fruto do amor de Deus i» (Cl. Morel, II nostro é un Dio di gioia, Milán).