Lectio Divina Semanal de 23 a 28 de Julho de 2018

SEGUNDA-FEIRA, 23 DE JULHO DE 2018- 16ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO B

Mateus 12,38-42 (O sinal de Jonas) – Vemos hoje um impressionante texto sobre a resposta e a reação de Jesus ante o pedido que lhe fazem os mestres da Lei e os fariseus, de ver um milagre. Jesus sempre fazia milagres de todo tipo. Era sua característica mais notável, unida à de dispor de uma palavra e uma doutrina surpreendente e única. Mas eles não lhe escutavam, nem consideravam seus milagres. Suas mentes e corações estavam fechados pela incredulidade, pela suspeita e a malicia. Dai que a resposta de Jesus seja clara, cortante: inicia um ataque e compara-os a uma «geração perversa e infiel», como diziam os profetas. Prossegue sua invectiva, mesclando sua pessoa e seus privilégios com duras comparações. Os ninivitas ouviram Jonas, por isso condenarão esta geração incrédula que não foi capaz de ouvir o Enviado de Deus . Jesus, certamente, vai lhes dar um sinal, mas não será outro, senão o do profeta Jonas, que voltou à vida após ficar por três dias no ventre do peixe. «A rainha do sul» (de Sabá), que foi buscar Salomão para ouvir sua sabedoria, os julgará, por­ não serem capazes de escutar a voz do Senhor. Tanto os ninivitas como a rainha de Sabá mostraram abertura e não sufocaram o começo da fé. Sem dúvida, os ouvintes de Jesus fecharam os ouvidos e o coração à sua pregação realizada em sua própria casa. Jesus se auto ­proclama, aqui, como superior a Jonas (à profecia) e superior a Salomão (à sabedoria), para ressaltar a grave atitude de seus concidadãos que lhe rejeitam. Mateus, entrelaçando a doutrina bíblica e a cristológica, afirma que o Messias, mestre de novidade e autor de salvação, ao mostrar-se superior aos maiores ideais ou valores dos homens de seu tempo, possui uma autoridade única, que lhe foi conferida por Deus.

 

 

Êx 14,5-18 (Os egípcios perseguem Israel; O milagre do mar) – Vemos aqui outra descrição da saída do Egito com uns elementos psicológicos magistralmente orquestrados. Por um lado, o pesar do faraó por ter deixado partir os israelitas (pensan­do nas vantagens econômicas de seu trabalho). A seguir, a sua rápida decisão de perseguir os fugitivos com um grande exército. O texto acentua o fato de que «o Senhor fez com que o faraó se obstinasse» (v.8). Este era o modo de pensar da antiga teologia israelita: tudo o que acontecia no mundo e na vida se pensava que estava disposto por vontade divina; assim, também este propósito do faraó contra Israel era parte do desígnio de salvação, e seu objetivo era ressaltar o poder das obras divinas em favor de seu povo. Vem, a seguir, o terror do povo: os israe­litas ficam espantados com a idéia de serem perseguidos pelo exército do faraó. Propaga-se o medo de cair em suas mãos, e começam as murmurações contra Moisés. O passado parece, agora, ideal: já não pensam na dura escravidão, mas só nos escassos benefícios daquela vida absolutamente insuportável. E cresce o desejo de voltar atrás, de servir aos egípcios, de voltar a ser de novo escravos. Moisés tenta acalmar o povo recordando tudo que Deus havia feito por cada um e exortando à confiança: «Não temais, permaneceis firmes e vereis a vitoria que vos dará hoje o Senhor» (v.13). Finalmente, é Deus mesmo quem entra em ação e ordena a Moisés que estenda o bastão sobre as águas do mar: este será o começo do grande prodígio da passagem do mar Vermelho. O primeiro que ordena é «que em­preendam a marcha» (v.15), quer dizer, a continuação da obra já começada, baseando-se na confiança em Deus, pois agora, e de modo extraordinário, vai se revelar o Deus de sua salvação.

 

(Sl) Êxodo 15,1-6 (Cântico de vitória)Este hino de vitória proposto para as Laudes do sábado da primeira semana, nos conduz a um momento-chave da história da salvação: ao acontecimento do Êxodo, quando Israel foi salvo por Deus numa situação humanamente desesperadora. Os fatos são conhecidos: após uma longa escravidão no Egito, já a caminho para a terra prometida, os Hebreus tinham sido alcançados pelo exército do faraó, e nada os livraria da destruição, se o Senhor não tivesse intervindo com sua mão poderosa. O hino tarda a descrever a arrogância dos desígnios do inimigo armado: “Corramos, alcancemo-los! Repartamos os despojos!…” (v.9). Mas que poder tem o maior dos exércitos, ante a onipotência divina? Deus ordena que o mar abra um caminho para deixar passar o povo atacado e que o feche quando passam os agressores: “Mandaste o teu sopro. O oceano engoliu-os: afundaram-se como o chumbo nas águas majestosas” (v.10). São imagens fortes, que querem mostrar a medida da grandeza de Deus, enquanto exprimem a admiração de um povo que quase não acredita no que vê, e se abandona em uníssono em um cântico comovido (…)

“O Senhor é a minha força e a minha glória, foi Ele que me salvou. Ele é o meu Deus, glorificá-Lo-ei” (v.2). “Tu guias, pela Tua misericórdia, este povo que libertaste; e com o Teu poder o diriges para a Tua santa morada” (v.13). “Tu o introduziste e o estabeleceste no monte da Tua herança, no lugar que reservaste para Tua morada, Senhor! Santuário preparado pelas Tuas mãos, ó meu Deus!” (v.17) (São João Paulo II)

 

 

MEDITATIO: Nas duas leituras de hoje encontramos uma atitude semelhante por parte da multidão: os homens não confiam de Deus. Tanto no caso dos israelitas no Egito como no caso dos mestres da Lei e dos fariseus existe um esquecimento voluntario, um fechamento do coração ante o quanto Deus e Jesus fizeram de extraordinário pelo povo. É o tema da cegueira frente à atuação de Deus. Trata-se de uma atitude de soberba, de auto-suficiência, de rejeição da ação de Deus quando esta não se adéqua às normas estabelecidas pela mente humana. O homem tenta limitar a Deus, tirar-lhe a liberdade, e não aceita senão aquilo que pensa. É uma atitude de soberba e dureza de coração, chaga constante de Israel e causa da cruz levada por todos os profetas, começando por Moisés. Cristo é o último destes enviados, e sua Palavra ultrapassa imensamente à de todos os profetas anteriores. Mas esta voz sofre a ameaça de não ser escutada, de ser mal entendida e mal interpretada por um povo. Este será o drama de Jesus. Nós nos encontramos no círculo dos ouvin­tes de Jesus. Ante a sua Palavra, nossa pergunta deve ser: somos como os homens do antigo Israel, como os escribas e os fariseus, ou temos um coração simples capaz de escutar, como os anawîm, pessoas de coração simples e sincero? De nossa resposta a esta pergunta depende nossa fé, nossa própria salvação.

 

ORATIO: Ó Senhor, quão distante me sinto de tua simplicidade, humildade e doçura! Esta distancia me faz perceber minha dureza de coração, minha pouca confiança, minha pouca disponibilidade à tua vontade, meu egoísmo que antepõe sempre minha própria pessoa ao bem dos outros e a tua própria gloria. Concede-me um coração novo, semelhan­te ao teu; um coração aberto, dócil, sincero, humilde, que saiba escutar tua Palavra e obedecer tua vontade. Concede-me teu Espírito Santo, para que trans­forme minha vida, minha alma, meu coração, meus princípios.

 

CONTEMPLATIO: O faraó perseguia de perto e apertava os judeus com a numerosa esquadra de carros dos egípcios. Um inimigo envolvente às costas e um mar devorador adiante haviam fechado o caminho ao povo de Deus. Nenhuma confiança nas armas, nenhuma esperança na força. Elevava-se só o atormentado lamento:«Teria sido melhor suportar as duras cargas da es­cravidão no Egito, a morrer de lenta e penosa consumi­ção no deserto». Esse lamento não trazia consigo nem uma ponta de segurança; mais ainda, implicava em ofensa infinita a Deus. Estava, pois, Moisés cheio de tris­teza, de preocupação, de ansiedade, tanto pelos peri­gos como pelos lamentos do povo, esperando o fiel cumprimento das promessas do Céu. E em silencio meditava com que recursos haveria de intervir o Senhor por fim, esquecendo a ofensa e recordando seu amor. A ele disse o Senhor: “De onde vêm esses gritos? Não consigo perceber seu ruído, mas reconheço a sua voz, cap­to seu silencio, vejo o grito que se esconde em suas obras”. O povo gritava, mas, sem dúvida, não era ouvido. Moi­sés calava e, sem dúvida, era ouvido. Não foi ao povo a quem se disse: «De onde vêm esses gritos»? De fato, não gritava a Deus, aquele povo que gritava injúrias in­dignas de homens. Foi, ao contrário, a Moisés a quem disse: «Por que gritas a mim?». Dito com outras pa­lavras: «O único que grita a mim és tu, que voltaste a pôr a esperança em mim; o único que grita a mim és tu, que provocas minha força; o único que grita a mim és tu, que não desejas outra coisa senão que meu nome seja anunciado por toda a terra» (Ambrosio de Milão, Comentário ao SI 118, XIX, 10).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

Das profundezas grito a ti, Senhor” (Sl129,1)

 

 

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – A exigência de Deus é tremenda: o homem é salvo, pre­cisamente, quando fica reduzido a nada, quando já não po­de fazer nada por si mesmo para salvar-se. Que pode fazer Israel para salvar-se da ameaça dos egípcios? Todo o exército está as suas costas e Israel não tem adiante mais que o mar: não há escapatória. Mas, no momento em que se funde toda esperança humana, precisamente nesse momento, deve afirmar sua esperança em Deus e a esperança de Israel em Deus vence. Sua confiança obtém a salvação. A única condição para a salvação é a esperança contra toda espe­rança; a fé que permanece firme no momento em que se funde todo apoio humano. Isso é o que pede Deus à alma que quer ser salva: a fé no impossível, como dizia Charles de Foucauld. Pede uma fé que exige não só o abandono, mas um abandono sereno, humilde e pleno. Israel não deve ter me­do, deve ser forte, conservar o silencio: o homem não deve sentir medo ante à extrema ameaça. «Alma minha, recobra tua calma», diz o salmo. Repousar nos braços de Deus como uma criança nos braços da mãe. Caem, fundem-se, para ti, todos os apoios: precisamente, en­tão, vem a salvação divina, não temas. A salvação divina segue sendo sempre um milagre; e a realização deste não tem mais que uma condição: a fé. Não tens que fazer nada. Deves abandonar-te, deves precipitar-te em Deus como no vazio: o Senhor não te pede nada mais (D. Barsotti, Medítazíone sull’Exodo)

 

 

 

 

 

TERÇA-FEIRA, 24 DE JULHO DE 2018- 16ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO B

Mateus 12,46-50 (Os verdadeiros parentes de Jesus) – Jesus havia iniciado já há algum tempo sua atividade pública e messiânica. Já se encontrava em um estado além do círculo familiar, o qual podia condicionar sua obra. Nem sequer lhe acompanhava sua mãe. Jesus não havia renegado os seus; tratava-se, simplesmente, de que fora deste ambiente podia ser totalmente livre. Os vínculos naturais da família ou da amizade pertencem já a um plano secundário. Neste sentido, não devemos com­preender as palavras de Jesus com respeito a sua mãe ou aos seus parentes (vv.48-50), de nenhum modo, ofensivas. Jesus ver as coisas e as pessoas na perspectiva de Deus e de seus desígnios. Marcos se fixa no detalhe do olhar de Jesus pou­sado sobre seus discípulos no momento de falar de sua nova família. Sabe-se que Ma­teus mostra preferência pelo tema do discipulado, e por isso, ao sublinhar o gesto da mão de Jesus, disse qual é a verdadeira família de Jesus: não mais a da car­ne e do sangue, mas a formada segundo o Espírito, que faz semelhantes os corações, que abre à escuta da Palavra, à renuncia a si mesmo, à fidelidade a um seguimento de Jesus absoluto e gozoso, comparável à alegria do mercador de perolas que adquire a de maior valor. Jesus mesmo é o primeiro a observar a renuncia que impõe a seus seguidores: renuncia aos sentimen­tos mais naturais, às tendências mais fortes, aos impulsos mais legítimos, quando esse sacrifício é para a difusão do Reino.

 

 

Êx 14,21-15,1 (O milagre do mar) – A travessia do mar Vermelho, ricamente descrito pelo autor com acentos poéticos e gloriosos, é um dos pontos culmi­nantes da historia e da teologia de Israel. Forçosamente, devia ser assim, pois trata-se de uma experiência que nunca se apagou da memória do povo judeu. Os israelitas se viam perdidos, perseguidos pelo fa­raó e seu exército. Frente a eles o mar; não havia escapatória. E, precisamente, nessa si­tuação desesperada, do ponto de vista humano, se faz sentir a mão onipotente de Deus, sua força, sua intervenção oportuna e grandiosa: os vencedores são vencidos; os condenados a morte ficam livres; o terror se converte em maravilha e exultação. É certo que este fato, histórico e concreto, foi adornado depois com elementos de epopéia, qual acontecimento prodigioso, com uma ação divina também chamativa. A teologia, a poesia, a sabedoria e os próprios historiadores de Israel descreveram a passagem do mar com acentos entusiastas para ressaltar a ação de Deus e fixar, de um modo indelével, na mente do povo, o acontecimento de sua salvação. O acontecimento se deu, sem dúvida, de um modo muito mais simples, e se viu ajudado por elementos naturais (os lagos amar­gos pouco profundos; a força do vento, que pôde deslocar, como segue ocorrendo ainda hoje em parte das águas dos lagos). Sem dúvida, os judeus souberam ver naquelas circunstancias uma intervenção provi­dencial de Deus, que lhes salvou de uma morte segura.

 

(Sl) Êx 15,8-10.12.17 (Canto de vitória) – O cântico não fala apenas da libertação obtida; indica também a sua finalidade positiva, ou seja, a entrada na casa de Deus para viver em comunhão com Ele: “Tu guias, pela Tua misericórdia, este povo que libertaste; e com o Teu poder o diriges para a Tua santa morada” (v.13). Compreendido desta forma, este acontecimento não esteve só na base da aliança entre Deus e o seu povo, mas tornou-se o “símbolo” de toda a história da salvação. Em muitas outras ocasiões Israel conhecerá situações análogas, e o Êxodo atualizar-se-á pontualmente. De maneira especial, aquele acontecimento prefigura a grande libertação que Cristo realizará com a sua morte e ressurreição. Por isso nosso hino é cantado de modo especial na liturgia da Vigília pascal, para ilustrar com a intensidade das suas imagens o que se realizou em Cristo. N’Ele fomos salvos não só de um opressor humano, mas daquela escravidão de satanás e do pecado, que desde as origens pesa sobre o destino da humanidade. Com Ele a humanidade põe-se de novo a caminho, pelas estradas que conduzem à casa do Pai. Esta libertação, já realizada no mistério e presente no Batismo como uma semente de vida destinada a crescer, alcançará a sua plenitude no fim dos tempos, quando Cristo voltar glorioso e entregar “o Reino a Deus Pai” (1 Cor 15,24) (…).

 

 

MEDITATIO: A Palavra de Deus revela novidades surpreenden­tes cada vez que a lemos. Disse são Gregório Magno: «Scriptura crescit cum legente» (a Escritura cresce junto com o que a lê), quer dizer, vai revelando-se na me­dida em que o leitor aprofunda na fé, cresce na me­dida em que cresce sua vida cristã. Uma coisa lida em um determinado estado de vida espiritual volta a ter maior profundidade e mais sentido quando lemos em outro mais alto. A Palavra nos apresenta hoje duas partes importantes: em uma nos mostra o maravilhoso agir de Deus; na outra, a verdadeira família de Jesus. Só um Deus todo poderoso pode mudar as relações humanas da vida e da família e exigir que os vínculos familiares sejam diferentes dos ofertados pela natureza e a sociedade. E muda, precisamente, estas relações, só quando se compreendeu e experimentou sua salvação, isto é, quando o homem se sente mergulhado na esfera de Deus, da ação de seu amor. Então pode com­preender a nova relação que existe entre ele mesmo e Deus, entre ele mesmo e Cristo, entre ele e os outros, aos quais considera seus irmãos. Paulo nos recorda: sois «concidadãos dentro do povo de Deus; sois família de Deus» (Ef 2,19). Como toda obra de Deus, também a família es­piritual, apesar de sua aparente estranheza, possui uma riqueza imensurável. Faz-nos sair de um âmbito pequeno e restrito, para abrir-nos a horizontes ilimitados de vínculos e relações. Em vez de dois, quatro, seis irmãos, o próprio coração cristão nos dá todos os homens do mundo são meus irmãos, os quais amo, pelos quais rezo e confio ao Senhor, a fim de que os abençoe. Tento manter com todos relações de respeito, de amizade, de paz, de abertura.

 

ORATIO: Tu me falas de tua nova família, ó Senhor, enquanto eu sigo bem apegado aos vínculos da carne e do sangue, no pequeno círculo dos meus entes queridos. É certo que tu aprovas também este afeto. É uma lei inscrita em nossa natureza. Mas teu convite nos impulsiona a ir mais além destes limites humanos, ainda que sejam sagrados e into­cáveis. Que teu Espírito Santo me introduza no coração desta família divina, que é a família da fé. Conce­de-me um coração grande, capaz de amar, de amar a todos e sempre, de perdoar, de não restringir nunca os am­plíssimos horizontes que tu me ofereces para que minha vida se torne generosa e magnânima. Só pertencendo a ti e a tua família serei capaz de ver as grandes obras que Tu tens realizado: como o êxodo do Egito, sua salvação e sua libertação. Só quem pertence a ti poderá palpitar meu coração ao rit­mo do teu e poderá sentir, precisamente então, os chamados à universalidade, ao amor total, ao desprendi­mento pelo Reino de Deus, à opção pelo Evange­lho e por quanto Jesus nos tem ensinado. Senhor, Tu que quiseste fazer-te como nós, a fim de que che­guemos a ser como Tu, concede-nos olhos para ver-te, coração para acolher-te, mãos para servir-te, voz para anun­ciar-te e pés para levar-te aonde queiras.

CONTEMPLATIO: No Antigo Testamento, o povo foi libertado do Egito; no Novo, foi libertado do diabo. No primeiro, os judeus foram perseguidos pelos perse­guidores egípcios; no segundo, o povo cristão é perseguido por seus próprios pecados e pelo diabo, prín­cipe dos pecadores. Porém, assim como os judeus foram perseguidos até o mar, assim também os cristãos são perseguidos até o batismo. Os judeus saíram do Egito e, após o mar Vermelho, vagaram pelo deserto; assim, também, os cristãos, após o batismo não estão ainda na terra prometida, mas vivem na esperança. O deserto é o mundo, e o que é cristão de ver­dade, após o batismo, vive no deserto, entendeu bem o que recebeu. Se o batismo não consiste, para ele, só em uns quantos sinais ex­ternos, mas produz efeitos espirituais em seu co­ração, compreenderá, adequadamente, que este mundo é, para ele, um deserto; que vive em peregri­nação, que espera a pátria. Espera-a durante dias e dias e vive na esperança. Esta paciência em meio do deserto é sinal de esperança. Se, se considera já na pátria, não chega a ela. Para não ficar no caminho, deve esperar a pátria, desejá-la, sem sair do caminho. E é que estão aí as tentações. E assim como no deserto se apresentaram as tentações, assim se apresentam estas, também, depois do batismo. Quando o cristão, depois do batismo, começa a percorrer o caminho de seu coração, com a es­perança das promessas de Deus, não deve mudar de caminho. Chegam as tentações que sugerem outras coisas: os prazeres deste mundo, outro modo de dirigir nossa vida, para desviar-nos do próprio caminho e afastar-nos do que nos foi pro­posto. Superando estes desejos, estas sugestões, os inimigos ficarão derrotados no caminho e o povo chegará à pátria (Agostinho de Hipona).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Minha força e meu canto é o Senhor; ele me salvou» (Ex 15,2).

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – «O primeiro que faz falta é sair do Egito…». O Antigo Testamento nos mostra o esboço das grandes obras de Deus; o Novo anuncia a consumação das mesmas; a Igreja apresenta sua repercussão atual. Uma das mais importantes destas obras de Deus é o êxodo. É, propriamente, um mistério de salvação. Contudo, não é mais que um aspecto da Páscoa. E é que a Páscoa encerra, em si, todo o mistério cristão; criação e libertação, expiação e purificação. O Cântico do Êxo­do não exalta mais que um aspecto particular do mistério cristão: o da libertação do povo de Deus cativo das forças do mal. Este mistério do Deus libertador dos cativos ressurge em to­dos os âmbitos da história da salvação como um som que ressoa em ecos cada vez mais profundos. A beira do mar Vermelho foi libertação para Israel perseguido pelos cavaleiros do Egito; a margem das águas profundas da morte foi libertação para Jesus, cativo do Príncipe deste mundo; a margem das águas batismais foi libertação para os pagãos, cativos das potencias da idolatria […]. E já na outra margem, após ter es­capado milagrosamente da perseguição do inimigo, o povo resgatado entoa o cântico triunfal. O povo de Israel, guiado pela coluna de nuvem, escapava da tirania egípcia. O faraó e seus carros se puseram a perse­gui-lo. O povo chegou ao mar. O caminho estava acabado. Israel es­tava fadado à aniquilação ou a uma nova servidão. Encontrava-se como um exército encurralado contra a beira do mar e a ponto de ser destruído ou capturado. É preciso sublinhar este ca­ráter desesperador da situação, pois é o que dá todo sen­tido ao episódio. De fato, foi quando se encontravam na impotência absoluta para salvar-se a si mesmo, que o poder de Deus levou a cabo o que era impossível ao homem (ler Ex 14,21-23). Esta ação de Deus, libertando seu povo de uma situação fatal, permanecerá como a maior recordação da história de Israel através dos séculos (J.Daniélou,Essai sur le mystère de l’histoire)

 

 

QUARTA-FEIRA, 25 DE JULHO DE 2018 – 16ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO B

João 20,1.11-18 (Aparição a Maria Madalena) O amor de Maria de Magdala não morre sob a cruz. Jesus lhe havia devolvido a vida em plenitude. E desde aquele momento ela havia vivido para Ele (cf. Lc 8,2). Após a hora trágica da Sexta-feira Santa, Maria permanece fiel àquela entrega absoluta, obstinadamente consa­grada à busca d’Aquele a quem ama. Nada pode apartá-la de seu objetivo: nem sequer o fato da tumba vazia. Esta mulher é figura da Igreja-esposa e de toda alma que busca a Cristo e não tem outra coisa para ofere­cer mais que as lágrimas do amor. O Senhor se deixa encon­trar por quem lhe busca deste modo. Ressuscitado e vivo, se aproxima de quem sabe permanecer na solidão junto ao mistério incompreensível (v.11a). Sem dúvida, só podemos reconhecer-lo quando nos chama pelo nome e nos faz sentir que nos conhece a fun­do. Este conhecer de amor não é para uma satisfação pessoal. É um dom que nos faz testemunhas ante os irmãos a fim de levar, a todos, o anuncio pascal (v.17ss), a alegria verdadeira, uma vida nova transfigurada pelo encontro com o Senhor.

 

 

Ct 3,1-4 (Terceiro poema)– Israel, ao assumir este escrito no seu cânon dos livros inspirados, e depois, também, a Igreja, reco­nheceu não só a consagração do amor entre o homem e a mulher, mas, muito mais: a expressão simbólica do amor de Deus por seu povo. Também a alma sedenta de Deus conhece as longas noites de seu silencio, de sua incompreensível ausência, que a purificam daquilo que dava agora por descontado, de toda satisfação redutora (v.1). Na inquietude desperta o desejo do Senhor e se torna busca apaixonada, vital (2a). É necessário perseverar nesta tensão (v.2b), pedir humildemente ajuda e conselho (v.3) e, depois, ir mais além, na cons­ciência de que Deus pode orientar-nos a Ele. Então, Ele mesmo se fará presente a quem não se canse de buscá-lo na noite com coração ardente (v.4).

 

Salmo 62/63 (Desejo de Deus) Muito conhecido, este Salmo é orado no primeiro domingo de cada mês e em dias de festa e solenidade. Recomendo tomá-lo como referência às orações em busca de santidade e encontro com Deus. Considerado o Salmo dos contemplativos, seu autor é desconhecido. Muitos atribuem-no a Davi, que o teria escrito enquanto era perseguido por seu filho Absalão. Seja quem for o autor entra em comunhão com Deus por meio do forte desejo e sofrimento. Quando diz “desde a aurora te procuro”, expressa o desejo de encontrar o Senhor ainda na aurora, antes do início de qualquer atividade. A terra árida da Palestina faz com que o salmista recorde a necessidade de água: metaforicamente, faz analogia com nossa alma, que, assim como a terra, também está seca, com sede. Na Bíblia, os elementos sede e fome caracterizam ausência de Deus. O próprio Jesus se apresentava constantemente com grande sede e fome de amor de Deus. “Por que me procuráveis? Não sabíeis que eu devo estar naquilo que é de meu Pai?” (Lc 2,49).

 

Senhor, este Salmo me encanta. Gostaria de meditá-lo dia e noite e na minha vida experimentar, como o salmista, a sede do teu amor, buscar sem cessar tua presença, esconder-me debaixo de tuas asas e permanecer sereno e tranquilo ante as tempestades da vida. Sinto-me sempre desejoso de bem, mas o mal me ataca de todos os lados. Quero fazer desta minha oração e por bem no fundo do meu coração as palavras: “o teu amor vale mais que a vida! Por isso meus lábios vos louvam”. Ser cântico de louvor corajoso no meio de tantas pessoas que não te conhecem ou não querem te reconhecer como o Deus da vida. Não quero me deixar amedrontar por nada, quero ser teu servo agora e sempre. Na minha família, trabalho, na estrada por onde for, quero ser coerente e levantar minhas mãos para ti, para te louvar e bendizer para sempre. Amém.

 

 

MEDITATIO: Como toda figura evangélica, também Maria Ma­dalena é tipo do discípulo de Cristo. Nela vemos o luminoso testemunho de quem, perseverando na busca de Deus, ainda que seja na escuridão da fé e na prova da esperança, encontra, por fim, Aquele a quem ama, ou, melhor ainda, é encontrada por Ele. De fato, Cristo, o bom pastor, é, desde sempre, o primeiro em buscar-nos e permanece esperando-nos. Es­pera que o desejo do coração se purifique, se torne ar­dente e consuma, com seu fogo, toda a escória que há em nós. Espera que nossos olhos se tornem capazes de reconhecer-lo em quem nos rodeia, e nos torna atentos à sua voz, uma voz que sempre nos chama por nosso nome. Também nós, como Maria Ma­dalena, exultaremos de alegria ante sua presença, que nunca é acessível, mas possuída ou prevista. Só quem tem conhecido a longa noite da espera e do desejo pode converter-se em testemunho crível, entre os irmãos de uma fé que não é vã.

 

ORATIO: Maria Madalena, vieste a Cristo, fonte de misericórdia, derramando-se em lágrimas: tinhas sede ardente e foste abundantemente saciada. Foi Ele quem, quando pecadora pública, te justificou; foi Ele quem, em tua dor tão amarga, te consolou docemente. Eu, ardente enamorado de Deus, em minha timidez, venho a ti, que és bem-aventurada; eu, que vivo na obscuridade, venho a ti, que és luminosa; eu, que sou pecador, venho a ti, que foste justificada: vendo-me, recorda-te, em tua bondade, do que fos­te e da necessidade de misericórdia que tiveste. Obtém-me a compunção das almas puras, as lágrimas da humildade, o desejo da pátria celestial. Ajuda-me, pela familiaridade de vida que tiveste e segues te­ndo, ainda, com a fonte da misericórdia. Faz-me che­gar a ela, a fim de que possa lavar meus pecados; dai-me de beber dela, para que fique saciada minha sede (Ansel­mo de Canterbury).

 

CONTEMPLATIO: Maria buscou, mesmo em vão. Sem dúvida, não se dá por vencida e acaba achando: seu esforço é coroado, ao fim, pelo êxito. Em que momentos buscamos ao Amado? Buscamos-lhe nas noites […]. Por que chega Deus, assim, com a­traso? Para permitir-nos abraçá-lo com mais força no momento de sua vinda. O desejo não é autêntico se o tempo consegue debilitá-lo. Demonstra possuir um amor ardente quem larga o compromisso só quando obtém a vitoria. O ser que não busca o rosto do Criador permanece insensível, triste e frio. Quem deseja, com ardor, bus­car àquele que ama vive de um ardente amor; a fal­ta de seu Senhor o torna inquieto, e as alegrias que ontem encantavam seu espírito, hoje parecem odiosas. A fe­rrugem do pecado se dissolve e seu espírito, incendiado como ouro, recupera, na chama, o esplendor que o tem­po havia ofuscado (Gregório Magno).

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

«Se alguém vive em Cristo, é uma nova criatura» (2 Cor 5,17).

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL «A quem buscas?» A pergunta de Jesus ressuscitado a Maria de Magdala pode surpreender, também, a nós, cada manhã e cada hora de nossa vida. És capaz de dizer a quem buscas de verdade? De fato, nem sempre está claro que buscamos a Jesus, o Senhor. Nem sempre aquele a quem queremos encontrar é, precisamente, aquele que quer entregar-se a nós. Maria buscava ao homem Jesus, buscava o Mestre cruci­ficado, por isso não via Jesus, o Vivente, diante dela. Mas, se temos uma idéia de Jesus à medida de nossa pequena mente humana, nossa busca acaba em um beco sem saída. Je­sus é sempre imensamente mais do que nós conse­guimos pensar e desejar. Onde, pois, e como buscar o Senhor para sair do túnel de nossos extravios e de nossos medos, para não enganar-nos, dando voltas ao redor de nós mesmos, em vez de correr direto para Ele? Só se antes temos uma verdadeira e justa valoração de nós mesmos, como cria­turas pobres, então poderemos descobrir a presença daquele que sustenta tudo. Aquele a quem buscamos deve ser, verdadeiramente, o tudo a que anseia aderir nossa alma. Buscar a Cristo é sinal de que, em certo modo, já o temos encontrado, porém en­contrar a Cristo é um estímulo para seguir buscando-o. Esta atitude não se expõe só ao início do caminho espiri­tual, mas o acompanha até a última meta, posto que a busca do rosto do Senhor é seu dado essencial. Conhecer àquele por quem somos conhecidos: isso é o indispensável. O itinerário do conhecimento de Cristo coincide com o mesmo itinerá­rio da fé e do amor. O eu deve aprender a calar e a escutar; o coração deve aprender o caminho do exílio para afastar-se de tudo quanto o mantém apegado a seus velhos e tristes amores (A. M. Cánopi, Nel mistero della gratuità, Milán).

 

 

QUINTA-FEIRA, 26 DE JULHO DE 2018- 16ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO B

Mateus 13,10-17 (Por que Jesus fala em parábolas) – A pregação de Jesus se caracteriza pelas pa­rábolas. Algumas delas se constituem em um cume de pedagogia religiosa, verdadeiras obras mestras de psicologia e de atitudes huma­nas (como a do bom samaritano, o bom pastor, o filho pródigo…). As parábolas supõem um primeiro esta­do de compreensão, ao qual segue outro mais profundo. Neste segundo estado se encontram seus discípulos, que lhe seguem e escutam sempre. Precisamente por isso recebem expli­cações mais detalhadas de sua doutrina. O povo, ao invés, se acha ainda em um estado de iniciação e têm necessidade de uma catequese mais esmerada. O próprio Jesus aponta esta realidade com uma citação de Isaías, a qual constituiu sempre uma séria difi­culdade em sua verdadeira interpretação, pois, tal como soa, parece significar que Deus endurece o coração do povo, fecha seus olhos e obtura seus ouvidos para que não se salve… O verdadeiro sentido desta citação é, simplesmente, o resultado da pregação do profeta que teve que enfrentar a dureza do coração de Is­rael que não o escutava. O próprio Jesus e, depois, os apóstolos e São Paulo tiveram uma experiência se­melhante em sua missão. O que o Evangelho quer dizer-nos é que a Palavra de Deus deve encontrar corações bem dispostos para acolhê-la, olhos e ouvidos abertos para receber e assi­milar tudo o que disse. A Palavra não suprime a liberdade humana, e por isso o homem tem a capacidade de opor-se ou de deixá-la infrutuosa. Mas, quando o que a recebe tem um coração aberto, então o fruto é abundante e se percebem os primeiros sinais do triunfo do Reino, como a santificação, a novidade de vida, a verdadeira fé e a adoração a Deus.

 

 

Êx 19,1-2.9-11.16-20 (Chegada ao Sinai; Preparação da aliança; A teofania)A primeira leitura nos descreve a preparação para a magna teofania na qual se estabelecerá a aliança de Deus com seu povo. Esta cena e este acontecimento são fundamentais para a teologia bíblica: trata-se do pacto de confiança recíproca entre Deus e Israel, um pacto que supõe um vínculo particular, com obrigações recíprocas que caracterizarão, de agora em dian­te, esse povo a essa fé. Para chegar a este acontecimen­to foi necessária uma preparação descrita pelo autor do livro do Êxodo com grande luxo de detalhes, que servem para manifestar a majestade do senhor nosso Deus, sua soberania absoluta, o respeito que inspira, a atitude de temor e de reverencia que suscita no povo. O Deus que se manifesta segue sendo um Deus que infunde temor; o povo tem que manter-se afastado dele, não é possível ver seu rosto, está envolto em trovões, raios, relâmpagos e fogo. São imagens que falam da trans­cendência de Deus, de sua absoluta alteridade, de um Ser que está sempre além e acima de nós, de nossas concepções, de nossas imaginações, de nossas demandas. Só Moisés foi capaz de resistir à presença divina, e em umas condições particularíssi­mas: afastado de todos, no alto do monte, em jejum ininterrupto de quarenta dias e quarenta noites. Deus é o totalmente outro, o que demanda a nossa adoração, a nossa submissão. Esta cena servirá para caracterizar o Deus do Antigo Testamento, em contraste com a revelação que terá lugar no Novo Testamento. O Novo Testamento nos mostrará outro aspecto da mesma divindade do Antigo Testamento, na qual predominam a bondade, a graça, o perdão, a paternidade divina reve­lada em Jesus (cf. Hb 12,18-24).

 

(Sl) Daniel 3,52-56 (Cântico dos três jovens)O cântico que acabou de ser proclamado é constituído pela primeira parte de um longo e bonito hino que se encontra inserido na tradução grega do livro de Daniel. Cantam-no três jovens hebreus lançados numa fornalha por terem recusado adorar a estátua do rei de Babilónia, Nabucodonosor. Outra parte do mesmo cântico é proposto pela Liturgia das Horas para as Laudes do domingo, na primeira e na terceira semana do Saltério litúrgico. O livro de Daniel, como se sabe, reflete os fermentos, as esperanças e também as expectativas apocalípticas do povo eleito, o qual, na época dos Macabeus (II séc a.C.) lutava para poder viver de acordo com a Lei dada por Deus. Na fornalha, os três jovens, milagrosamente preservados das chamas, cantam um hino de louvor dirigido a Deus. Este hino é semelhante a uma ladainha, repetitiva e, ao mesmo tempo, nova:  as suas invocações elevam-se até Deus como espirais de incenso, que percorrem o espaço em formas semelhantes mas nunca iguais. A oração não teme a repetição, como o apaixonado não hesita declarar infinitas vezes à amada todo o seu afeto. Insistir nas mesmas questões é sinal de intensidade e de numerosas formas nos sentimentos, nas pulsações interiores e nos afetos.(…)

“Sede bendito, Senhor Deus de nossos pais, digno de louvor e de eterna glória! Que seja bendito o vosso santo nome glorioso, digno do mais alto louvor e de eterna exaltação! Sede bendito no templo de vossa glória santa, digno do mais alto louvor e de eterna glória! Sede bendito por penetrardes com o olhar os abismos, e por estardes sentado sobre os querubins, digno do mais alto louvor e de eterna exaltação!”

 

 

MEDITATIO: Nas leituras de hoje há algo misterioso, algo que não é nem um pouco evidente. Trata-se da essência de Deus e da manifestação de sua vontade. A essência de Deus e sua vontade pertencem ao mundo divino, sobrenatural; nós, só com as forças da razão não podemos compreender em absoluto nem fazer-nos uma idéia da realidade divina. Temos necessi­dade da revelação para que ilumine o campo que há além da razão, onde só Deus pode revelar-se. Então vem em nossa ajuda a fé, a capaci­dade outorgada ao homem pelo próprio Deus, para poder acolher com humildade e agradecimento o que Deus quer revelar-nos de si mesmo e de sua vontade. Agora bem, inclusive com a fé, o homem encontrará sempre limites, interrogações que se formarão em sua mente e em sua consciência. Uma das características da fé é precisamente sua obscuridade, quer dizer, o não ver de todo claro, preci­samente pela pequenez de nossa mente e de nossa resposta.            Às vezes, isto traz consigo crises espirituais, «noites escuras» (como as chamam os místicos), um ca­minho de prova e de purificação destinado a fazer a alma mais aberta, mais resplandecente, mais semelhante ao Criador. Esta realidade está muito bem expressada nos sal­mos. Aquele «Onde está teu Deus?» na boca dos inimigos é como uma flecha no coração do crente, é uma pergunta cruel que, em ocasiões, o próprio crente se formula em meio das situações de sofri­mento, de escuridão e de contraste. O retorno a Deus, a oração, a confiança ilimitada nele, voltarão a dar, ao coração extraviado ou confuso, sua força, sua deci­são de permanecer fiel. Do mesmo modo que o povo se preparou para a teofania do Sinai, assim deve preparar-se, o coração do fiel, para a vinda de Deus, sabendo que, no curso do caminho, surgirão, tam­bém, as dificuldades, as provas, o cansaço. Porém, Deus não tardará. Trará sua luz e seu descanso e, de­pois, sua eterna recompensa.

 

ORATIO: «Ainda que passe por um vale tenebroso, nenhum mal te­merei: porque tu estás comigo» (Sl 23,4). Este é o gri­to do verdadeiro crente, a autêntica confissão de fé. Ao chamar-nos a teu Reino de verdade e luz, Senhor, nos arrancas deste mundo semeado de mal, envolto em trevas e acompanhado por uma grande quantidade de so­frimento… Sem dúvida, nos dás uma luz para poder caminhar na noite, para poder afastar os inimigos, para poder chegar à meta. Dai-nos de maneira abun­dante esta luz, esta certeza tranquilizadora, esta firme convicção de tua presença, de tua ajuda, da trans­formação que tu mesmo farás de nós e de nossas circunstancias, mudando o que é opróbrio em santificação, o que é odioso em amável, o que é morte em vida nova, o que é pecado em graça. Alenta nossos passos pelo caminho da paz, da benevolência, da justiça, da generosidade com os que sofrem, e reafirma nossa fé para podermos ser sempre gratos a Ti. Que tua Palavra, acolhi­da e assimilada, convertida em fé e confissão, e trans­formada em oração, seja a força e a doçura de nossa vida, o escudo em nossas lutas, o consolo em nossas aflições. Contigo não nos faltará nada…

 

CONTEMPLATIO: Ouvimos a voz de Deus quando, de mente tranquila, repousamos de toda atividade do mundo e, no silen­cio da mente, pensamos nos preceitos divinos. Quando a mente cessa de ocupar-se das obras exte­riores, então reconhece, de um modo mais claro, o valor dos mandamentos de Deus. A multidão dos pensamentos da terra ensurdece a tal ponto nosso coração que, se não nos protegemos, acabamos por deixar de ouvir a voz do juiz divino. O homem não pode atender a duas coisas opostas: quan­to mais escuta fora, tanto mais surdo se torna para seu interior. Quando Moisés fugiu ao deserto e ficou ali quarenta dias, foi quando pode perceber a voz divina. Por isso, os santos, obrigados a ocupar-se de ministé­rios exteriores, se apressam sempre a refugiar-se no secreto de seu coração e, como Moisés no monte, so­bem a contemplar coisas elevadas e a receber a Lei de Deus, deixando de lado o tumulto das coisas temporais e escrutando as altíssimas vontades de Deus. Assim Moisés, em suas duvidas, voltava, frequentemente, ao tabernáculo, e ali, em segredo, consultava a Deus, e sabia com se­gurança o que devia fazer. Deixar as multidões e ir ao tabernáculo significa deixar de lado o tumulto das coisas exteriores e entrar no íntimo da consciência, onde consultamos ao Senhor e em meio do silêncio es­cutamos o que devemos fazer, depois, em público. Assim fazem, cada dia, os bons superiores quando não conseguem ver claro em suas duvidas: entram dentro deles mesmos, como no tabernáculo, olham a lei que está contida na arca, consultam ao Senhor, escutam em si­lencio e, depois, executam fora o que ouviram. Para levar a cabo sem pecado os deveres exteriores, tentam concentrar-se, continuamente, e, assim, escutam a voz de Deus, quase em um sonho, posto que com a meditação da mente se abstraem dos impulsos da carne (Gre­gório Magno, Moralia lI, Roma).

 

 

AÇÃO: Repete com frequencia e vive hoje a Palavra:

«Felizes os que têem um coração puro, porque verão a Deus» (Mt 5,8).

 

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – O caminho de um homem que não se dirige a uma terra, mas que tende a seu Deus, não é uma simples peregrinação, uma viagem; é uma ascensão: não se chega a Deus através do deslocamento de um lugar ou outro, ou através de um movimento espacial, mas superando um mundo. Não existe proporção entre o homem e Deus, entre a criação e Deus: entrar em relação com Deus signifi­ca, para Moisés, sair do mundo no qual habito, deixar toda a criação atrás de si para entrar no céu; significa ir mais além, ascender. Nesta ascensão se encontra um grande ensinamento para a vida espiritual: o homem se evade do mundo com muita fre­quência para buscar um paraíso perdido, porém sua evasão lhe leva a algum lugar distante que, depois, resulta ser outra terra que tem os mesmos limites e a mesma pobreza que a primeira. Mas, nos homens religiosos não se dá a evasão a outra terra, mas que a ascensão a um monte é o que expressa melhor a aspiração profunda que lhe move. Pode haver um duplo modo de encontrar-se com Deus: o des­cender o subir; certamente, não se trata de permanecer no mes­mo plano. Para encontrar-te com Deus talvez devas descer, ir ao fundo, de tal modo que escapes do cosmos do que formas par­te. Deves ascender: porém que significa ascender? Unicamente superar-se. Este é o caminho da alma religiosa: a saída de si mes­mo. Não há outro caminho que leve à relação com o Senhor mais que este puro sair, este

ir mais além, ascender, levantar-nos a­cima de nós mesmos. Não é o passar do mar o que pode le­var-nos ao mundo de Deus, não é a peregrinação pelo deserto o que pode levar-nos ao encontro do Senhor, mas o morrer: ou mo­rrer ou permanecer sempre estranhos ao mundo de Deus (D.Barsotti, Medifazione sull’Exodo).

 

 

 

 

SEXTA-FEIRA, 27 DE JULHO DE 2018- 16ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO B

Mateus 13,18-23 (Explicação da parábola do semeador) – Após um pedido de seus discípulos, Jesus lhes dá a interpretação da parábola do semeador. A exegese vê também na explicação de Jesus uma experiência da vida cristã e da pregação da Palavra de Deus com os distintos resultados que obtém. Alguns exegetas defendem que esta explicação seria, sobretudo, fruto da experiência da comunidade primitiva.        Nós preferimos ver nela o ensinamento do próprio Jesus, acompanhada, não obstante, da prática da Igreja, que tem podido dar certo colorido ao texto atual do evangelho. A parábola fala, fundamentalmente, da acolhida que brinda à Palavra o terreno no qual cai a semente. Há quatro respostas: três negativas e uma positiva.            As negativas enumeram as dificuldades, os obstáculos, os perigos em que se debatem os que escutam a Palavra de Deus. Não basta escutar, e tampouco basta acolher de maneira gozosa o que se ouve. Requer-se uma acolhida elaborada a base de uma profunda compreensão. Então é quando a semente da Palavra pode dar seu fruto. Nesta explicação ressalta a liberdade do homem frente à Palavra de Deus, com toda sua capacidade de recusá-la ou decidir-se por outras opções. Também se põe de relevo a fecundidade da semente quando encontra um terreno bom e aberto. Cada semente da muito fruto, com uma porcentagem que pode ser cem, sessenta ou trinta, uma produção diferente, ainda que se trate em todos estes casos de terra boa.               Esta parábola, como a dos talentos (Mateus 25 e a das minas Lucas 19), tem como objetivo suscitar em nós uma abertura de coração que nos permita a acolhida gozosa da Palavra e da alegria da colheita, sempre abundante quando a terra é boa.

 

 

Êx 20, 1-17 (O Decálogo)A leitura do livro do Êxodo nos apresenta hoje a primeira formulação dos dez mandamentos. No Antigo Testamento encontramos diversas formulações do decálogo, em função das escolas teológicas que as redigiram ou do tempo em que foram escritas. Estas formulações variam no fato de por o acento em um ou outro mandamento, porém, em essência, todas as listas falam de «dez mandamentos», conhecidos assim na Bíblia e na tradição judia e cristã. Na lista dos mandamentos do livro do Êxodo se dedica uma extensão notável a falar dos preceitos que têm que ver com Deus e com seu culto. Foi a escola sacerdotal a que redigiu esta lista: nela  imprimiu sua marca, sempre atenta a por de relevo o primado de Deus e de seu culto, para o qual utiliza uma linguagem lacônica, sacral, à hora de apresentar os outros preceitos. Os dez mandamentos fazem parte da bagagem moral inscrita no coração de todos os homens, a chamada “lei natural” experimentada e admitida por todas as morais. É Deus mesmo que pôs no coração humano estes princípios, estas tendências e este sentido do bem e do mal com respeito a nossas relações com Deus e com o próximo. A denominação «dez mandamentos» é uma expressão aceita praticamente por todas as culturas que possuam um verdadeiro sentido de Deus e do homem. Este consenso universal mostra a consciência do homem como um reflexo da Lei de Deus. Israel teve o privilégio de ser instruído por Deus mesmo nestes mandamentos, revelados na teofania do Sinai: um privilégio, um ato de predileção de Deus por seu povo, mas que supõe também uma maior responsabilidade e fidelidade na hora de cumprir-los.

 

Sl 18/19B (Yavheh, sol da justiça)Este Salmo é extenso e canta a necessidade de termos líderes honestos, retos, que não se deixam corromper pela maldade e pela riqueza. A corrupção não é uma invenção moderna, sempre esteve presente na humanidade e seu “bacilo” está escondido no coração humano. Por isso, devemos permanecer vigilantes em todos os momentos de nossas vidas para não cairmos nas armadilhas dos maldosos.

Senhor, ajuda-me a conservar o meu amor por Ti e pelos teus servos. Que nunca me deixe cair nas armadilhas dos malvados e dos injustos, que prometem mares e montes e nada cumprem. Precisamos de líderes que sejam orientados pela honestidade e pelo bem, tanto na política quanto na sociedade e na tua Igreja. Amém.

 

 

MEDITATIO: O livro do Êxodo nos fala hoje dos dez mandamentos. Para nosso tempo, talvez seja esta página bíblica a mais necessária, visto que nos mostra o que devemos fazer e as prioridades com as quais devemos proceder, quer dizer, dar o devido peso e a devida importância aos três primeiros mandamentos, que são os que estão mais expostos à crítica e aos ataques do mundo e os mais fáceis de abandonar, descuidando-os e inclusive, esquecendo-os, para acentuar qualquer outro dos preceitos divinos. O retorno a Deus, à verdadeira fé, à oração, à relação com Deus, é hoje muito mais necessário que em outros tempos. O mundo paganizado se esquece de Deus e de seu serviço: nós devemos reviver estas grandes verdades de nossa fé, recordadas hoje pelos mandamentos de Deus. Escutemos alguns dos pensamentos do papa João Pablo II expressados em sua alocução pronunciada no mosteiro de Santa Catarina do Sinai em 2000: “Os dez mandamentos não são uma imposição arbitrária de um Senhor tirano. Foram escritos na pedra, porém antes foram escritos no coração do homem como lei moral universal, válida em todo tempo e em todo lugar. Hoje como sempre, as dez palavras da Lei proporcionam a única base autêntica para a vida dos indivíduos, das sociedades e das nações. Hoje como sempre, elas são o único futuro da família humana. Salvam o homem da força destruidora do egoísmo, do ódio e da mentira. Põem de manifesto todas as falsas divindades que o reduzem a escravidão: o amor a si mesmo até a exclusão de Deus, a avidez de poder e de prazer que subverte a ordem da justiça r degrada nossa dignidade humana e a de nosso próximo […j. Observar os mandamentos significa ser fiéis a Deus, porém significa também ser fiéis a nós mesmos, a nossa autêntica natureza e a nossas aspirações mais profundas. O vento que ainda sopra do Sinaí nos recorda que Deus deseja ser honrado em suas criaturas e em seu crescimento: Glória Dei vivens horno…”.

 

ORATIO: Ó Senhor e Pai nosso, que nos revelaste teu nome no Sinai e nos deste tua Lei como lâmpada para nossos passos, escuta a oração que te dirigimos e faz que nós, como Moisés e o povo de Israel, reunidos ante ti, possamos acolher tua Palavra eterna, que se centra hoje nos dez mandamentos, lei de vida, de liberdade e de respeito a todos os homens. Faz que na observância destes mandamentos possamos dar aos três mandamentos que nos falam que vive nosso mundo incrédulo os ignora e tenta aniquilá-los. Concede-nos um grande sentido de ti, como Deus onipotente e Pai misericordioso; uma vontade espontânea de adorar-te, de servir-te, de manter-nos fieis a tua lei e a teus desígnios de salvação. Concede-nos também, ó Senhor, a graça de converter-nos em terra boa, sem pedras e sem cardos, que possa acolher a Palavra divina de teu Filho, Jesus, novo Moisés, que instituiu uma aliança nova e nos deu uma lei nova, essa que se encerra em um só mandamento: amar-nos uns aos outros e amar a ti. Tu, ó Pai, nos disseste, falando de teu Filho, Jesus: «Escutai-o!». Sim, que possamos escutá-lo com fé viva, com um amor crescente, com uma esperança segura: porque Ele é o Caminho, a Verdade e a Vida.

 

CONTEMPLATIO: A Lei de Moisés é uma recopilação de preceitos diversos, importantes, uma arte de viver universal, uma imitação simbólica dos costumes celestes, uma chama, um fogo, uma tocha, um reflexo das claridades do céu. A Lei de Moisés é o modelo da piedade, a regra de uma vida ordenada, a trava posta ao primeiro pecado, a antevisão da verdade que vêm. A Lei de Moisés é o suplício de um Egito cego, inscrito pelo «dedo» de Deus (seu braço soberbo esperava algo melhor). A Lei de Moisés é direção para a piedade, guia para a justiça, luz para os cegos, razão para os insensatos, mestre para os pequenos, barreira para os imprudentes, rédea para as cerviz duras e jugo de contenção para os rebeldes. A Lei de Moisés é a mensageira de Cristo, o primeiro sinal de Jesus, o arauto e o profeta do grande Rei, a escola sábia, o ginásio útil, o ensinamento universal, o preceito justo de uma época, a figura de um dia. A Lei de Moisés é o resumo simbólico e misterioso da graça futura; através de suas imagens anuncia a plenitude da verdade futura, através de seus sacrifícios a vítima, através de seu sangre o sangue, através de seu cordeiro o Cordeiro, através de sua pomba a Pomba, através de seu altar o sumo sacerdote, através de seu templo a morada da divindade e através do fogo do altar a plena luz que desce sobre o mundo (Pseudo-Hipólito)

 

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“Amarás ao Senhor, teu Deus, com todo teu coração,

com toda tua alma e com toda tua mente” Mt 22,37

 

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL 

 

1º mandamento.Tu és o único que desejo, Senhor: que nenhum ídolo se interponha entre Tu e eu: nem o ídolo de meu eu, surdo e cego, nem o ídolo da riqueza e do prestígio, mas que reconheça a ti, e só a ti, como verdadeiramente digno de ser servido, amado, adorado.

2º mandamento. Purifica, Senhor, meu coração e meus lábios, para que eu nunca chegue a pronunciar teu nome sem respeito e veneração. Que nunca desonre, com uma conduta indigna de um filho, teu santo nome de Pai, que teu Filho unigênito revelou e glorificou com a obediência até a cruz.

3º mandamento. Teu és o tempo, ó eterno Criador: que toda minha existência decorra no único dia que Cristo, ao ressuscitar da morte, abriu sobre a cabeça do gênero humano. E que a recordação de teus benefícios constitua a doce festa de toda minha vida.

4º mandamento. Toda paternidade e toda maternidade procedem de ti, ó Deus, fonte e plenitude da vida: infunde em mim uma profunda veneração e gratidão para com todo o que, com santo temor e humildade, participa do poder gerador de teu amor.

5º mandamento. Que nenhum motivo de violência, Senhor, se insinue em meus pensamentos, em meus sentimentos, em minhas ações dirigidas aos homens meus irmãos. Faz que, vendo neles tua própria imagem, os trate com suma reverência, seja qual for sua cor e sua condição. Se os matasse, ainda que fosse só em mru coração com o desprezo ou com a indiferença, o grito de sua angústia chegará a teu rosto e infligirá uma infinita dor ao teu coração de Pai, que me verá mais morto que aqueles a quem eu haja matado, uma infinita dor pela enormidade de meu pecado.

6º mandamento. «Não cometerás atos impuros». Este mandamento nos surpreende hoje: Por que não deixar a nossa natureza desafogar-se livremente? Não podemos esquecer que a malícia corrompeu o coração humano, que o amor degenerou-se em concupiscência, a gratuidade em egoísmo possessivo.

7º mandamento. Senhor, que eu não roube tua glória jactando-me do que não é mérito meu; que não subtraia a meus irmãos o que os tem concedido para a vida física e moral: a estima, a liberdade, o pão, a saude… Que goze eu com seu bem mais que com o meu, porque, tendo a ti, nada me falta.

8º mandamento. Que toda a minha conduta vital seja reflexo de tua justiça e de tus misericórdia, Senhor. Que a mentira ou a ambigüidade nunca obscureçam o espelho de minha consciência.

9º mandamento. Que meu coração seja simples e puro, a fim de que também meu olhar pouse sobre todas as criaturas sem contaminá-las. Que tudo eu veja tua luz, Senhor, com o virginal candor de tua beleza.

10º mandamento. Preserva-me, Senhor, da cobiça, da ânsia de possuir e de gozar, da inveja pelos bens de meu próximo. Que meu coração se encontre de verdade ali onde está meu tesouro: Tu, sumo bem, nossa eterna bem aventurança.

(A. M. Cánopi, Obbedire a la Parola)

 

 

 

 

 

 

 

 

SÁBADO, 28 DE JULHO DE 2018- 16ª SEMANA DO TEMPO COMUM – ANO B

Mateus 20,20-28 (Explicação da parábola do semeador) – Mateus nos apresenta nesta página de seu Evangelho, talvez com uma sutil ironia, o pedido que a mãe dos Zebedeu, João e Tiago, fez a Jesus. Estamos dispostos a concordar com esta mãe? Se estamos, certamente, será um pouco menos que os dois irmãos que, com uma excessiva rapidez se declaram dispostos a partilhar com Jesus o cálice que Ele terá de beber.  Ainda bem que Jesus sabe transformar em algo bom o que, humanamente falando, poderia parecer fruto da intemperança e da precipitação. O discurso assume um tom profético: Jesus predisse a morte que Tiago padecerá por sua fidelidade radical ao Mestre e ao Evangelho. E não só isto, deste diálogo, que, por outro lado, deixa os outros apóstolos irritados, tira Jesus, também, uma lição de humildade para todos os que queiram segui-lo nos caminhos do Evangelho. A grandeza dos discípulos de Jesus pode e deve ser valorizada com unidades de medidas bastante diferentes das que conhece o mundo. Na escola de Jesus se aprende a inverter nossa escala de valores e a considerar válido só que o é aos olhos de Deus, precisamente, segundo o exemplo que nos deixou Jesus: sendo rico se fez pobre; sendo Senhor se fez servo-escravo, sendo mestre, aprendeu a obedecer ao Pai, sendo sacerdote, se fez vítima por amor.

 

 

2 Cor 4, 7-15 (Tribulações e esperanças do ministério) – A mensagem desta leitura poderíamos resumir deste modo: “Por todas as partes vamos levando no corpo a morte de Jesus” (v.10ª). O que Paulo disse por experiência própria, o aplica a liturgia, literalmente, ao apóstolo, cuja solenidade nós celebramos hoje: de Jesus a Paulo e de Paulo a Tiago e, assim sucessivamente, vai se criando, ao longo da história, a cadeia dos testemunhos, ou melhor ainda, dos mártires. Pode dizer que leva a morte de Jesus em seu próprio corpo não só quem recebe a graça excepcional de derramar o sangue por Cristo e os irmãos, mas também, quem, dia a dia, vive com seriedade e serenidade a radicalidade evangélica. Quem realiza esta experiência pode falar em nome de Jesus, pode dizer que é servo do Evangelho pelo que anuncia, mas, sobretudo pelo que faz e como vive “Acreditei e, por isso, falei” (v.13). A Palavra dos testemunhos não só é significativa, é também eficaz: exatamente por ter a eloquência da experiência de vida, do sangue derramado e da experiência de vida.

 

Salmo 125/126 (A volta do exilio) Muitos são os motivos pela alegria do coração de quem reza: a volta dos deportados do desterro, o fim da escravidão, a expectativa de uma nova vida. Para quem nunca sofreu o exílio e teve de abandonar o próprio país por motivos políticos ou religiosos, é difícil compreender o significado de voltar à própria pátria. Que o digam os nossos migrantes brasileiros, principalmente os nordestinos, que são forçados a deixar a própria terra em busca de um trabalho melhor que lhes garanta o sustento da família ou os cristãos perseguidos que tiveram de fugir para um local onde pudessem exercer sua fé. O salmista canta também a alegria de uma colheita feliz, que significa pão, vida e saúde para todos. Assim como não pode faltar o pão na mesa para o nosso sustento, não pode faltar a nossa liberdade, pois somos livres, pela graça de Deus, de todo tipo de escravidão. A vinda de Cristo é sementeira e colheita nova. “Não dizeis vós: ‘Ainda quatro meses, e aí vem a colheita!’? Pois eu vos digo: levantai os olhos e vede os campos, como estão dourados, prontos para a colheita! Aquele que colhe já recebe o salário; ele ajunta fruto para a vida eterna. Assim, o que semeia se alegra junto com o que colhe. Pois nisto está certo o provérbio ‘Um é que semeia e outro é que colhe’: eu vos enviei para colher o que não é fruto do vosso cansaço; outros se cansaram e vós entrastes no que lhes custou tanto cansaço” (Jo 4,35-38). Assim, semeamos o que os outros irão colher, recolhemos o que outros semearam. Sejamos semeadores da boa semente.

Senhor, não posso deixar de pensar na parábola do bom semeador (cf Mt 13,1-9) e te pedir: lança abundantemente a semente em nossos corações e não permitas que caia à beira da estrada nem em terreno pedregoso, nem entre espinhos, mas que em terra boa e possa produzir frutos abundantes. Dá-nos, Senhor, a coragem de caminhar rumo ao mundo novo que desde já construímos, no sofrimento e no suor, mas que um dia faremos a nossa colheita boa. Dá-nos a coragem de nunca desanimar, mesmo que encontremos dificuldades, e embora oprimidos, sejamos sinal de esperança para todos, como foram os mártires do campo de concentração nazista Edith Stein ou Maximiliano Kolbe e tantos outros mártires anônimos, que, diante de ti, foram semente corajosa caída em terra fértil. Que nunca me canse de fazer o bem. Amém.

 

 

MEDITAÇÃO: “O filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate de todos” (Mt 20,28). É mais que justo que nos perguntemos que psicologia brota de uma afirmação autobiográfica como esta, e a resposta não pode ser equívoca. Estamos diante de um grande dom que Jesus deu a seus discípulos, de ontem e de hoje, oferecendo-lhes a possibilidade de penetrar em seu coração de Filho imolado por amor, em sua espiritualidade de cordeiro imolado em resgate dos irmãos. Tudo isso é o que se expressa mediante a metáfora do “serviço”, termo que deve ser bem entendido: temos que resgatá-lo de todo tipo de servilismo e de toda abdicação passiva à própria liberdade e temos que inscrevê-lo no horizonte de uma total expropriação pessoal e de uma entrega completa de nós mesmo ao Pai. A luz desta afirmação de Jesus se difunde, obviamente, por todo o Evangelho. Jesus, sem dúvida, se apresenta, também, como servo “de muitos”, a saber, de todos os que o Pai os confiou como irmãos, oprimidos pelo pecado, mas abertos ao dom da libertação. O cálice da paixão, que Jesus aceita, livremente, das mãos do Pai, sempre espera ser saboreado, também, por aqueles, pelos quais o Mestre de Nazaré o bebeu até a última gota.

 

ORAÇÃO: Tua Lei, Senhor, é o sinal de tua realeza: Tu nos queres obedientes pois só através da obediência, como tu mesmo demonstrastes, se chega a rei. Teu exemplo, Senhor, manifesta tua profunda identidade de Filho: Filho de Deus Pai, que vive expressando sempre sua própria submissão em sua plena disponibilidade. Tua Palavra, Senhor, ilumina nosso caminho: o que Tu nos mostra não vale só para Ti, mas também para todos os que, livremente, Te elegeram como Mestre e Te seguem com alegria pelo caminho do Evangelho. Teu martírio, Senhor, o fostes vivendo em cada momento de Tua vida: quem aprendeu a conhecer-Te através das páginas evangélicas, sabe que, para Ti, ser servo é viver o todo para Deus e o todo para os irmãos. Esta é a “lei real” de que fala São Tiago em sua carta.

 

CONTEMPLAÇÃO: O objetivo dos dois apóstolos, João e Tiago, é obter o primado sobre os outros apóstolos (…). Percebes como todos os apóstolos são ainda imperfeitos? Tanto os dois que querem elevar-se sobre os dez, como os dez que têm inveja deles? Agora, fixemo-nos em como se comportam depois e os veremos isentos de todas essas paixões (…). São Tiago não viverá muito tempo. Com efeito, pouco depois da descida do Espírito Santo, chegará seu fervor a tal extremo que, deixando de lado todo interesse terreno, chegará a uma virtude tão elevada que morrerá imediatamente, sendo o primeiro dos Doze a sofrer o martírio. (São Crisóstomo).

 

AÇÃO: Repita com frequência e vive hoje a Palavra:

“O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir” (Mt 20,28)

 

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – As festas dos santos propõem exemplos oportunos à imitação dos fieis. A esta função de exemplaridade quis unir, sempre, a Igreja, o reconhecimento da intercessão dos santos em favor de seus irmãos, os homens. Este é o mo­tivo pelo qual, desde sempre, aceitou e fomentou com gosto a designação de determinados santos como patronos para os diversos povos. A liturgia da missa de São Tiago, patrono de Espanha, não faz senão corroborar esta mesma idéia. São Tiago, que «bebeu o cálice do Senhor e se fez amigo de Deus», foi sempre, junto com seu irmão João e com Pedro, um dos apóstolos que gozou das maiores intimidades de Jesus. E mesmo que sua ação no Evan­gelho não adquire a relevância da dos outros dois prediletos, foi ele quem primeiro selou com seu próprio sangue a entrega ao Senhor e à pregação de sua doutrina. Esta mesma ação, após sua morte, é reconhecida por nós em favor «dos povos da Espanha», precisamente como resposta a sua eleição como patrono. Porém, ao mesmo tempo que, reconhecemos com alegria sua ação no passado, pedimos de frente ao futuro que, assim como ele manteve sua entrega a Jesus até o sacrifício de sua própria vida, assim também, “pelo patrocínio de São Tiago, a Espanha se mantenha fiel a Cristo até o final dos tempos” (htt://sagradafamiliadevigo.net).

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