O discípulo da madrugada (EFC)
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João 3,1-8
“O que não nascer da água e do Espírito não pode entrar no Reino de Deus”
Os sacramentos, começando pelo Batismo, infundem em nós a vida que nasce da Ressurreição. A vida nova dos homens novos e ressuscitados por Cristo.
A partir de hoje, e até a solenidade de Pentecostes, nos dias da semana estaremos lendo de maneira continua o Evangelho de João. Faremos da seguinte forma:
- O diálogo de Jesus com Nicodemos (vv.22-30) sobre o “Batismo”: primeiro sacramento pascal;
- Relato da multiplicação dos pães e catequese do “Pão da Vida” (Jo 6): segundo sacramento pascal;
- Algumas passagens da alegoria do “Bom Pastor” (Jo 10);
- O discurso de despedida de Jesus aos seus discípulos (o “Testamento de Jesus”; Jo 14-16);
- A oração sacerdotal de Jesus (Jo 17);
- O final do evangelho de João, com a última aparição de Jesus.
O fio condutor é… O encontro de Jesus com Nicodemos. O Evangelho de João nos descreve, com certa amplitude e com profundidade, o encontro de Jesus com diversas pessoas. Aqui temos o encontro com um dirigente do grupo judeu.
- “Havia um homem chamado Nicodemos…”
Quem é Nicodemos?
- Um homem de grande prestígio:
Inicialmente se descreve Nicodemos como um fariseu e um magistrado judeu, porém, mais adiante se diz, também, que é mestre em Israel (cf. v.10) e membro do Sinédrio (cf.7,45.50), que é a mais alta instância da autoridade judia.
- Um discípulo escondido e valente, que virá à luz na Páscoa de Jesus.
Escondido: De fato, Nicodemos é apresentado como um discípulo noturno (v.2ª). Este comportamento parece dever-se ao temor de ser reconhecido como discípulo, o que lhe pode custar à expulsão do Sinédrio e até do judaísmo (9,22;19,38-39, onde aparece associado a José de Arimatéia).
Valente: Porém, nota-se que, depois da morte de Jesus, discípulos escondidos como este aparecerão à luz pública, enquanto que os mais conhecidos se esconderam (20,19). Justo no acontecimento pascal, ao evocar este primeiro encontro com Jesus (19,39), se deixa entender que o sentido do ocorrido na Cruz já estava anunciado na conversa daquela noite.
- Alguém que entende a obra de Jesus:
Chama a atenção que Nicodemos não considera inconveniente à sua alta dignidade ir onde está aquele Galileu. Não lhe pede nenhum sinal particular de seu messianismo, mas se apresenta já com a atitude de um fiel. Está comovido profundamente por suas obras de poder (v.2c).
Como se pode ver, ele interpreta seu verdadeiro significado: as ações de Jesus não são só uma ajuda às pessoas que estão em necessidade, mas uma demonstração de que o próprio Deus está com ele.
Nicodemos reconhece que o Deus que confessa como seu Deus, está por trás de tudo que Jesus faz. Desta observação e correta interpretação das obras de Jesus, Nicodemos deduz a autoridade de Jesus como Mestre (v.2b).
Como costumava fazer o evangelista João, que gosta de dramatizar e apresentar personagens como símbolos de um grupo inteiro, o Nicodemos que dialoga com Jesus à noite, representa todos os judeus que mostram alguma simpatia pelo jovem rabi da Galileia, mas que demonstram falta de fé, e rejeitam o revelador do amor supremo de Deus, preferindo as trevas da incredulidade (Jo 2,23-3,21).
- “Ver o Reino de Deus… Entrar no Reino de Deus…”
O tema do diálogo com Jesus
A resposta de Jesus mostra que é Ele quem realmente põe o tema da conversação (se comporta como um verdadeiro Mestre): “Em verdade, te digo…“ (v.3). Jesus responde sobre uma pergunta que não foi traçada, porém que é de decisiva importância: “Que se necessita para entrar no Reino de Deus?”
Jesus põe o olhar no central: Deus está –por meio do ministério do Messias- a ponto de despregar definitivamente sua potência misericordiosa. Para poder gozar plenamente da eficácia desta benção tem que conhecer as condições e fazer o itinerário: “Nascer do alto”.
Consideremos que em João não é comum o tema do “Reino de Deus” (esta expressão só aparece aqui e no v.5), mas o tema da “Vida”: só o poder de Deus pode dar-nos a vida eterna, ou seja, a vida que não passa e que é a única verdadeira e efetiva (o veremos nos próximos dias: Jo 3,15.16.36).
- “Nascer do alto…” O caminho para entrar na Vida
É preciso nascer “do alto” (v.3), quer dizer, que para tomar parte no Reino de Deus se necessita um novo nascimento, um começo completamente novo. A vida eterna, que é a vida divina, se recebe já, desde aqui, mediante um gesto criador de Deus no crente.
Com isto Jesus ensina que a vida presente não pode transformar-se, simplesmente, em vida no Reino de Deus (no âmbito de poder da vida plena e inesgotável de Deus), mas que para obtê-la, se necessita uma nova existência.
Nicodemos fica estremecido ante a proposta (v.7: “Não te assombres de que tenha dito: tens que nascer do alto”). Apesar de ter ele reconhecido em Jesus um poder divino através de seus sinais (“Ninguém pode”), se confunde inicialmente diante da radicalidade do caminho que o Mestre acaba de propor (“Não pode ver o Reino de Deus”).
Ele não nega a necessidade deste novo nascimento, porém não consegue imaginar como pode ocorrer: “Como pode nascer já sendo velho? Pode acaso entrar outra vez…?” (v.4; nota-se a repetição contínua do verbo “poder”).
Jesus então lhe ajuda a compreender: o novo nascimento se realiza a partir da água e do Espírito Santo (v.5). O ser humano não pode conceder-se este novo começo por seus próprios meios porque as realidades do Espírito só podem provir do dom do Espírito (“o nascido da carne é carne; o nascido do Espírito é espírito”, v.6; Jo 1,12-13).
Portanto, é por meio do poder criador de Deus, o Espírito Santo recebido no Batismo, que se ganha este novo ponto de partida na vida e no caminho para a plena vida. Com nossas obras não conseguiremos realizar o Reino, muito menos alcançamos os pressupostos para “entrar” nele (sentido do v.6).
Trata-se da ação do Espírito, pleno de poder, o qual opera de forma misteriosa (sentido do v.8). A nós corresponde mostrar nossa melhor disposição, reconhecer nossa incapacidade, nossa pobreza e abrir-nos à sua ação com profunda gratidão.