SAGRADA FAMÍLIA (Estudo Bíblico Dominical)
Lucas 2,41-52
Introdução
Neste domingo celebramos a festa da sagrada família de Jesus, Maria e José. Esta está inserida dentro do mistério do natal porque Jesus quis nascer no seio de uma família, e isto apesar de sua origem que foi por obra e graça do Espírito Santo de Deus e concebido no seio de uma Virgem.
A família está constituída por um conjunto de relações: entre marido e mulher, entre pais e filhos, entre irmãos. Também há um círculo familiar mais amplo ― avós e netos, tios e sobrinhos ― que são parte integrante de toda família.
A Sagrada Família de Nazaré não foi alheia a esta realidade, mais bem as viveram a fundo e as santificaram.A família é um espaço privilegiado para o desenvolvimento integral da pessoa. Foi no seio de uma família que “Jesus crescia em sabedoria, em estatura e em graça diante de Deus e diante dos homens” (Lc 2,52).
O desenvolvimento físico deve estar acompanhado do desenvolvimento da personalidade (“crescia em sabedoria”) e o amadurecimento da experiência de Deus (“crescia em graça”). Os processos internos (“crescia ante Deus”) devem ser constatados pelo meio social em que vive (“crescia diante dos homens”)
O evangelho de hoje se centra em um momento clave da vida familiar, nos apresenta Maria e José acompanhando a Jesus em seu passo à fase adulta. A celebração do “Bar-Mitzvá” hebreu, aos doze anos, faz do jovem israelita um sujeito de direitos e deveres dentro da sociedade.Neste contexto Jesus começa a ter visibilidade na sociedade de seu tempo, ao mesmo tempo que define seu projeto de vida com relação a sua família.
Nesse marco acontece um percalço no qual a identidade de Jesus se põe à luz: “Não sabíeis que eu devo estar na casa de meu Pai?” (2,49). O relato traz então um grande ensinamento sobre a pessoa e a missão de Jesus: Deus é seu pai e Ele veio para realizar seu projeto:
- O texto:
Releiamos o texto destacando alguns pontos significativos:
- A cidade de Jerusalém na vida de Jesus: será para uma mudança de domicilio?;
- Jesus e sua nova ocupação: com autoridade de Mestre;
- Jesus dependente dos “assuntos” de seu pai: a família do ponto de vista de “Deus Pai”;
- A dificuldade de José e Maria para compreender o “filho” Jesus
- Aprofundando o texto:
- A cidade de Jerusalém na vida de Jesus: será para uma mudança de domicilio?
Em 2,41, “Seus pais iam todos os anos a Jerusalém para a festa da Páscoa”, Lucas nos deixa entender que Jesus e seus pais fizeram, pelo menos, doze vezes a peregrinação anual a Jerusalém que todo israelita deve fazer.
Quando Jesus se torna adulto (em Israel isto acontece aos doze anos), toma a primeira decisão de sua vida: “ficou em Jerusalém” (Lc 2,43). E causa estranheza que tenha feito isso sem que seus pais o notassem.
O texto grego emprega o verbo “perseverou” indicando que Jesus tem uma missão ali.Tenhamos em conta que ao longo do Evangelho, a Cidade Santa tem muita importância porque é o lugar do cumprimento das profecias.
Portanto, a missão de Jesus, para ser levada à sua completa realização – a salvação – deve ser concluída ali. O caminho de Jesus estará sempre orientado nesta direção. Observemos, por exemplo, a insistência que Lucas faz em: 9,31.51.53; 13,33; 17,11; 18,31-34.
- Jesus e sua nova ocupação: com autoridade de Mestre
Segundo Lucas 2,46, Jesus estava “sentado em meio dos mestres”. Insistindo em alguns detalhes, o evangelista São Lucas nos faz uma antecipação do que será o ministério de Jesus no Templo de Jerusalém, o lugar que tinha em perspectiva em sua longa viagem que culminará em sua páscoa pessoal (ver 9,57-18,47).
Igualmente que aqui, nesta passagem encontraremos, de novo, a Jesus:
- debatendo com os mestres da lei judaica, no templo, em Jerusalém, “escutando-lhes e perguntando-lhes” (2,46;20,3); e
- deixando-os, todos, “maravilhados por sua inteligência e por suas respostas” (2,47; ver 20,26.39).
- Jesus dependente dos “assuntos” de seu pai: a família do ponto de vista de “Deus Pai”
Detenhamo-nos de maneira especial em Lc 2,49.
Trata-se das primeiras palavras de Jesus no Evangelho, as quais são para chamar a Deus “Papai” seu. O faz precisamente diante de José e Maria.
A maneira como age Jesus no Evangelho é a do Filho de Deus.
Vivendo a sua relação com Deus dessa maneira, Jesus se concentra na realização de sua vontade: “devo ocupar-me dos assuntos de meu Pai”, quer dizer, realizar o seu plano de salvação dos homens.
A vontade do Pai que está nos céus: esta é a bússola que orienta o seu caminhar, as suas decisões e para onde aponta o seu destino (9,22 e 24,26).
- A dificuldade de José e Maria para compreender o “filho” Jesus
Maria faz Jesus se envolver em sua angústia perguntando-lhe “Por que nos fizeste isto?”. A resposta é outro “por que” que manifesta por primeira vez a natureza divina daquele que é o enviado de Deus: “E por que me procuravas?” (2,48-49).
Jesus convida a seus pais para que busquem a razão de ser de seu comportamento, de ter que pôr em primeiro lugar a necessidade de realizar o querer de Deus. Porém, enquanto parece que, para Jesus, tudo é claro, não será assim para seus pais (2,50), como tampouco o será mais adiante para seus seguidores (9,45 e 18,34).
Teremos todos, a partir de Maria e José, que deixar-nos orientar por Ele como Mestre até o final para conseguir entendê-lo, para conseguir entender acolher as coisas do alto acolher como fazia Maria que “guardava todos esses fatos e meditava sobre eles em seu coração” (Lc 2,51)
Os leitores do Evangelho ficam sabendo desde o principio:
- que Jesus não corresponde sempre às nossas expectativas e não se poderá dizer a Jesus qual a via correta que terá que seguir e por isto mesmo suas orientações mais de uma vez nos farão violência interna;
- que o caminho de Jesus não é fácil;
- que teremos que pensar duas vezes antes de entrar nele.
5. A reação final da Mãe
Ao final do evangelho nos encontramos com um retrato lucano de Maria: “Sua mãe meditava cuidadosamente todas as coisas em seu coração” (2,51).
A atitude de Maria ante a primeira palavra desconcertante de seu Filho, que comportou-se aqui como seu Mestre, é a reflexão paciente. Com esta atitude acompanhou o momento da encarnação (1,29), do nascimento (1,19) e entrada de Jesus à vida adulta e ao ministério.
Assim os anos ocultos da vida de Jesus ficaram somente escritos no coração orante de Maria. Contemplando esta atitude sua poderíamos dizer: Jesus crescia e sua Mãe também.
Maria permanece, então, como o modelo do que nós devemos ser como ouvintes do Evangelho: as coisas do Evangelho não são para deixá-las passar de longe, mas retomá-las uma e outra vez ao longo da vida.
Maria nos ensina a viver um caminho de crescimento espiritual por meio da confrontação permanente entre os sucessos da vida e a Palavra, aguardando com paciência nos momentos de ignorância e deixando que Deus conduza as coisas segundo sua pedagogia.
- Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração:
As relações de José e Maria com Jesus iluminam as que sustentamos em nossas famílias. A vida familiar tem muitos aspectos. O evangelho que lemos este ano nos convida a refletir um deles, que tem uma transcendência enorme. O lugar dos progenitores no passar dos filhos à fase adulta: esse passo que implica rupturas, recomposição do tipo de relação, compreensão e aceitação mutua, humildade para deixar o outro “ser”.
- Que nos ensina o relato que chamamos “perca e reencontro de Jesus no Templo?
- Que conflitos aparecem ali que também estão em nossas famílias? Como se resolvem?
- Como se dá a ruptura entre Jesus e seus pais quando chega à idade adulta?
Que significa estar “nos assuntos do Pai”?
- Que novo tipo de relação começa Maria com Jesus a partir de então?
Como isso se projeta em nossa experiência familiar?
- Que pistas nos dá este texto para fazer nosso projeto de vida familiar no novo
ano que está a ponto de começar?
Pe. Fidel Oñoro, cjm
ANEXO 01
Santo Agostinho (354-430), bispo de Hipona (norte de África) e doutor da Igreja
Um verdadeiro casamento, uma verdadeira família
Ao dizer a José “Não temas e toma contigo Maria, tua esposa” o anjo não se enganava… O título de “mulher” não era nem vão nem mentiroso, porque aquela Virgem fazia a felicidade de seu marido, de uma forma tanto mais perfeita e admirável quanto elase tornava mãe sem a participação daquele marido, fecunda sem ele mas fiel com ele. É por causa desse casamento autêntico que mereceram ser chamados, um e outro, “pais de Cristo” – não só ela, “sua mãe”, mas ele também “seu pai”, enquanto esposo de sua mãe, pai e esposo segundo o espírito, não segundo a carne. Ambos – ele apenas pelo espírito, ela mesmo na sua carne – são pais da sua humildade, não da sua nobreza, pais da sua fraqueza, não da sua divindade. Vede o que diz o Evangelho que não pode mentir: “A sua mãe disse-lhe: ‘Meu filho, porque nos fizeste isto? Vê como teu pai e eu te procurávamos angustiados?'”. Jesus, mostrando que tinha também, para além deles, um Pai que o tinha gerado sem mãe, disse-lhes: “Porque me procuráveis? Não sabíeis que devo estar na casa de meu Pai?”E, para que não se pense que falando assim estava a renegar os seus pais, o evangelista acrescenta: “Desceu com eles, regressou a Nazaré e era-lhes submisso”… Porque se submeteria ele aos que eram tão inferiores à sua natureza divina? Porque, “aniquilando-se a si mesmo, tomou uma natureza de servo” (Fl 2,7), segundo a qual eles eram seus pais. Se eles não estivessem unidos por um verdadeiro casamento, não teriam podido os dois ser chamados pais dessa natureza de servo.
Autor: Pe. Fidel Oñoro, cjm