Santíssima Trindade (Lectio Divina)

Neste Domingo da Santíssima Trindade, convidamos a fazer uma Leitura dos Texto Bíblicos em Oração.

Mateus 28,16-20 (Condições para seguir a Jesus) – O final do evangelho de Mateus, expresso em termos teológicos pessoais, é epilogo não só das aparições pós-pascais, mas de todo seu evangelho. O Jesus que aparece aos discípulos no monte é o “Senhor” da Igreja, objeto de adoração e de oração por parte dos seus, ainda que nem sempre com uma fé plena (v.17). Mas Jesus é, ao mesmo tempo, o juiz escatológico: está sentado desde já à destra do Pai para evangelizar todas as nações (cf.24,14). Nesta missão implica seus discípulos, que deverão prosseguir sua obra. Esta obra consiste em “fazer discípulos” todos os povos, batizando-lhes e ensinando-lhes todas as coisas mandadas por Jesus, ou seja, evangelizando (vv.18-20). A fórmula trinitária do batismo representa uma surpresa em Mateus, porém lhe confere, ao final deste evangelho, um aspecto solene e uma síntese teológica. O Deus de Jesus é único por sua natureza, porém trino pelas Pessoas. Ao proclamar este mistério, o crente adora a unidade de Deus e a trindade das Pessoas. Nisto consiste a salvação: em crer neste admirável mistério e em ser batizado no nome do Deus uno e trino. Professar esta fé na Trindade significa aceitar o amor do Pai, viver por meio da graça do Filho e abrir-se ao dom do Espírito. Por fim, as ultimas palavras de Jesus constituem uma magna promessa: “E sabei que eu estou convosco todos os dias até o final deste mundo” (V.20). De certo, este mundo terá um final que coincidirá com a parusia, mas todos os dias que os cristãos vivem esperando estão cumulados já de uma presença: a Shekînah divina mora ali onde dois ou mais se reúnem no nome de Jesus (cf.18,20), como presença discreta e silenciosa que acompanha a cada momento da vida dos crentes. 

Dt 4,32-34.39-40 (Grandeza da escolha divina) – O povo eleito, para manifestar-se nos momentos difíceis, apela sempre à história de seu passado (=fé histórica), que converte em um “lugar teológico”. De fato, se Deus foi sempre fiel no passado, será também no futuro. Por isso, o deuteronomista convida o povo, sobre a base da experiência passada, a comparar-se com outros povos: nenhum outro povo da terra teve uma experiência de Deus como Israel. Para confirmar o que diz, recorda dois prodígios: a teofania de Deus no Horeb e a libertação da escravidão do Egito. Não descreve estas teofanias de modo detalhado, contenta-se em trazê-las à memória (cf. Ex 19,1-19;20,18-21; Dt 5). O Senhor, sempre próximo a seu povo, tem se mostrado fiel e capaz de manter suas promessas em todas as circunstâncias. Daí que o povo eleito deva ter confiança no Senhor e ser fiel à aliança prometida. Só assim terá assegurada sua própria existência também para o futuro, vivendo em liberdade e em paz e sentindo-se eleito por Deus. Em caso contrário, Deus se afastará e então o povo experimentará a morte (vv.39ss). À luz desta experiência histórica, os justos e os guias de Israel tiveram confiança, inclusive nos tempos mais críticos de sua história, em que não perderam o ânimo nem abandonaram a observância da Lei. Isto é claro no exílio da Babilônia e no tempo dos Macabeus, quando tiveram a força para proclamar: “Deus grande e único, teu juízo é justo”, ainda que tivessem que confessar: “Senhor, perdoa as culpas de nossos pais, porque tu és benigno e rico me misericórdia”.

Rm 8,14-17 (Filhos de Deus graças ao Espírito) – O capitulo 8 da carta aos Romanos é comparado ao “Te Deum” da história da salvação, e os vv.14-17 têm sido considerados como o cume de todo o capitulo. Deus, doador de vida, une a ele vitalmente, por meio do Espírito, a todo crente fazendo-lhe filho seu. Para Paulo, esta novidade cristã da filiação-comunhão com Deus será plena só quando, na era escatológica, todo batizado, por obra do Espírito Santo, se identifique perfeitamente com a figura de Cristo ressuscitado. Em efeito, o espírito da antiga Lei era um espírito de escravidão, enquanto que o espírito de Cristo é o espírito da liberdade e da adoção, porque o Espírito habita no coração dos crentes. E o fruto mais formoso do Espírito é a filiação divina, que começa nos fieis com o batismo e alcança sua maturidade completa no caminho de fé que conduz à terra prometida. Então, não só Cristo, mas todos os crentes, nele gozarão desta plenitude. Mas, o sinal mais manifesto desta prerrogativa cristã é o fato de que, já, desde agora, podem dirigir-se os fieis a Deus com o belo nome de “Abba-Pai”, uma expressão arameia familiar que significa “Papai”, e que nenhum judeu se atrevia a pronunciar. Só o Espírito pôde inspirar aos cristãos uma expressão tão audaz, que manifesta a segurança e a alegria de todos os que são movidos pelo Espírito de Jesus. Em todo caso, é o Espírito quem faz aos crentes conscientes desta magnífica realidade, porém, sobretudo é sua causa. Ser filhos de Deus significa possuir já uma prenda de vida eterna, significa ser “herdeiros” dos bens da vida de Deus e “coerdeiros” com Cristo, primogênito dos ressuscitados. Não obstante, para obter tudo isto se exige uma condição: participar nos sofrimentos de Cristo e completar o que falta a sua paixão.

Sl 32/33,4-6.9.18-20.22 (Hino à Providência) – A grande diferença entre o nosso Deus vivo de Israel, e os outros “deuses” é que o nosso vê, contempla e sente-se envolvido no processo de sua libertação. O Senhor viu o sofrimento e ouvi os gritos do seu povo, por isso decidiu libertá-los. Não é um Deus estranho ou que se esconde, sendo oposto aos “deuses”, que não estão preocupados conosco e brigam entre eles para ter a primazia e o poder. Como é bom saber que Deus nos vê, nos contempla e participa tanto de nossa história a ponto de enviar o seu único Filho para morrer por nós.

Senhor, olha em cada momento para mim a fim de que a tua graça e a tua força me sustentem, e que eu nunca me deixe seduzir pelas riquezas, pelo poder, pela violência, mas em cada momento viva o dom do seu amor sob o teu olhar misericordioso. Amém.

MEDITATIO: Se a escola da catequese estivesse orientada bíblica e teologicamente, o mistério da Trindade, com todas sua implicações e aplicações adaptadas à vida, deveria ocupar um posto fundamental. Portanto, seria necessário ensinar que a Trindade, mediante a fé-esperança-caridade, arraiga propriamente na memória-intelecto-vontade, porque a fé infusa é “verdadeiramente” uma participação no conhecimento que Deus-Pai tem de si mesmo (= o Filho), e a caridade infusa é “verdadeiramente” uma participação no amor do Pai e do Filho (= o Espírito Santo). Por isso deve explicar-se que o batismo, com a fé, conhece a Deus “como” Deus ama a si mesmo e, com a caridade, ama a Deus “como” Deus ama a si mesmo: e esse “conhecimento amor” reproduz e é, propriamente, semelhante ao da Trindade. São humano-divinos: humanos, porque são expressados por nossa pessoa, porém, também divinos, porque são mais e melhor obra do Espírito Santo, que põe em ação as três virtudes teologais. De sorte que se deve dizer que o batizado está estruturado “trinitariamente”, até o ponto de que é impossível expressar com palavras a intimidade que a fé-esperança-caridade criam em nós com o Pai-Filho-Espírito Santo. Alguém que entende disso disse que a Trindade é mais presente a nós que nosso eu a nós mesmos.

ORATIO: A mim, que fui batizado em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo, que tantas vezes ao dia faço o sinal da cruz, como gostaria mencionar com a devoção e com o afeto do coração a estas santas Pessoas e não fazer como os jogadores quando entram em campo. O sinal da cruz é um sacramental que, por assim dizer, deve consagrar tudo o que fazemos, tudo o que pensamos, tudo o que dizemos ao Pai-Filho-Espírito Santo. Jesus me assegura: “Se alguém me ama, também meu Pai lhe amará, e viremos a ele e estabeleceremos nossa morada nele”. Como quisera tratar com mais respeito, garbo e delicadeza a estes meus hóspedes, com todas as atenções que reservamos aos hóspedes de consideração. Paulo me recorda: “Se alguém falta o respeito ao templo de Deus, que sois vós, Deus lhe apartará”, e me exorta deste modo: “Honrai e tratai com elegância ao Deus que levais em vosso corpo”. Como quisesse compreender que uma coisa é vestir, adornar, alimentar o corpo com mentalidade “mundana”, e outra coisa completamente distinta é fazê-lo com mentalidade “de fé”: esta me faz superar o envoltório onde o templo do Espírito está sempre radiante, já seja belo e feio, esteja sano ou enfermo, seja velho ou jovem, rico ou pobre.

CONTEMPLATIO: Ó Deus meu, Trindade a quem adoro, ajuda-me a esquecer-me de mim por completo para estabelecer-me em ti, imóvel e pacifica como se já minha alma estivesse na eternidade; que nada possa perturbar minha paz nem fazer-me sair de ti, ó meu imutável, mas que a cada minuto me leve mais longe na profundidade de teu mistério. Pacifica minha alma, faz nela teu céu, tua morada amada e lugar de teu repouso; que eu não te deixe nela nunca sozinho; que eu esteja ali inteiramente, completamente desperta em minha fé, toda adoração, completamente entregue a tua ação criadora. Ó Cristo meu amado, crucificado por amor, eu quisera ser uma esposa para teu coração; quisera cobrir-te de glória, quisera amar-te… até morrer. Porém sinto minha impotência e te peço que me revistas de ti mesmo, que identifiques minha alma com todos os movimentos de tua alma, que me submirjas, que me invadas, que me substituas, a fim de que minha vida não seja mais que uma irradiação de tua vida. Vem a mim como Adorador, como Reparador e como Salvador. Ó Verbo eterno, Palavra de meu Deus, quero passar minha vida escutando-te, quero converter-me totalmente em desejo de saber para aprender tudo de ti; e depois, através de todas as noites, de todos os vazios, de todas as impotências, quero fixar-te sempre e permanecer sob tua grande luz; ó meu Astro amado, fascina-me para que já não possa sair de teu resplendor. Ó Fogo que consome, Espírito de amor, vem a mim a fim de que se produza em minha alma como uma encarnação do Verbo; que eu lhe seja uma humanidade dilatada na qual ele renove todo seu mistério. E tu, Pai, inclina-te sobre tua pobre e pequena criatura, cobre-a com tua sombra, não vejas nela mais que o Bem-amado no qual puseste todas as tuas complacências. Ó meus “Três”, meu Tudo, minha Beatitude, Solidão infinita, Imensidade em que me perco, eu me entrego a ti como presa, enterra-te em mim para que eu me enterre em ti, esperando ir a contemplar em tua luz o abismo de tua grandeza (Isabez da Trindade, “Oración a La Santissima Trinidad”).

AÇÃO: Repete com frequência e vive hoje a Palavra:

“No nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”

PARA A LEITURA ESPIRITUAL – Sem duvida, o que deve interessar-nos, sobretudo no mistério da habitação da Trindade na alma dos justos, são os deveres e as exigências práticas e aplicadas à vida do mistério trinitário.            As exigências se reduzem a estas três palavras chave: ordem, purificação, recolhimento. A habitação é o mistério do recolhimento e da purificação. Para entender o motivo, basta pensar no chamado “principio dos contrários”, que se expressa nestes termos: duas realidades contrárias não podem coexistir, ao mesmo tempo, no mesmo sujeito. A ação do Espírito que habita é intima, silenciosa, delicada: não é fogo que devora, não é terremoto destruidor, nem vento impetuoso, mas, conforme a Bíblia, um ligeiro e imperceptível sopro. Daí que, para captá-lo, se exige que a alma se ponha em afinidade psicológica com Ele: a fim de que, para dizer com Paulo, as realidades espirituais se “adaptem” às realidade espirituais. Por esta razão, todos os grandes mestres da vida cristã não cessam de recomendar o recolhimento-silêncio-vigilância do coração. A experiência de Agostinho é clássica a este respeito. Disse: “… eu te buscava fora de mim, enquanto tu estavas dentro…”. Teresa de Ávila e João da Cruz fazem as mesmas observações. Pelo que se refere a nossos deveres com nossos Hóspedes, diremos que devem ser tratados como a hóspedes de grande consideração: quando chega um hóspede limpamos a casa; eliminamos tudo aquilo que pode ofender a consideração que lhe devemos; a adornamos com flores; lhe acompanhamos, lhe rodeamos de mil atenção e surpresas… Não se trata mais que aplicar esta estratégia. Antes que nada deve ter cuidado com a limpeza “exterior” do corpo: eu diria quase que o modo de vestir-tratar-falar deve ser marcado por um certo senhorio e elegância. Assim, a mãe deve tratar com o máximo respeito – melhor ainda, com veneração – o corpo de seu filho, deve vesti-lo bem, antes que nada porque é templo do Espírito. Uma nova mentalidade deve inspirar-orientar todas as relações sociais do batizado. Como é obvio, também a prática das catorze obras de misericórdia adquire uma nova luz que, digamos também, as “sacramentaliza”. Segundo, e isto é ainda mais importante, devemos purificar nossa alma de tudo o que possa desgostar a Trindade que habita, como o exercício do egoísmo em sua tríplice forma de ter-gozar-poder, que, por sua vez se ramificam nos sete vícios capitais. Temos deste modo o dever de acompanhar a nossos três hóspedes com o silêncio-recolhimento: abandonar o hóspede é falta de educação… (A. Dagnino, La vita ccristiana o Il mistero Pasquale Del Cristo místico, Cinisello B.).

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