19º Domingo do Tempo Comum (Estudo Bíblico ano C)

Introdução

O Evangelho de hoje é um comentário de Jesus ao episódio que lemos domingo passado. Tratava-se de um homem que do meio à multidão que escutava Jesus elevou sua voz para pedir-lhe que interviesse no conflito com seu irmão pela repartição da herança.

Era evidente que esse homem tinha seu coração naqueles bens que, segundo ele, eram seus por herança. Mas, também seu irmão tinha o coração nesses mesmos bens. O problema é que os bens desta terra são limitados e não podem satisfazer plenamente o coração de todos os homens. Por isso, despertam a ambição dos homens e provocam disputas e litígios entre eles, inclusive entre irmãos.

Observamos que os bens desta terra podem chegar a exigir um amor maior que o amor fraterno. Quantos irmãos rompem suas relações por assuntos de dinheiro, como nesse caso do Evangelho Quantas amizades se rompem por esta mesma causa! Atrevo-me a dizer que esta é a principal causa de desavença entre os homens.

O amor aos bens desta terra não só pode chegar a ser maior que o amor entre irmãos, mas também maior que o amor devido a Deus mesmo. Quantas pessoas dedicam seu tempo, sua inteligência e seu esforço ao incremento de seus bens materiais, chegando até a abnegação e o sacrifício, e não dedicam nem sequer um pensamento a Deus, que é o Criador de todos esses bens!

Essas pessoas devem ser honestas e reconhecer que tiraram de seu coração o verdadeiro Deus e se encontram rendendo culto a um ídolo.

Bem via Jesus que o dinheiro pode disputar com a honra devida a Deus, e contempla a possibilidade de que o amor ao dinheiro pudesse prevalecer sobre o amor a Deus, e extingui-lo, pois ambos não podem conviver: “Nenhum criado pode servir a dois senhores… Não podeis servir a Deus e ao dinheiro” (Lc 16,13). Com razão São Paulo exorta a “cuidar-se da cobiça, que é uma idolatria” (Cl 3,5)(…).

A seguir Jesus propõe uma parábola para exortar à vigilância constante e não ser surpreendidos quando chegue o momento da morte. Jesus compara nossa situação nesta vida à dois servos que esperam o regresso de seu senhor.

A fidelidade desses servos consiste em estar atentos e preparados para que quando o senhor chegue, prontamente, o abram. Se o senhor os encontra assim, merecem uma bem aventurança: “Ditosos os servos que o senhor, ao vir, encontre despertos”. A conclusão se dirige a nós e a nossa situação nesta vida: “Também vós estejais preparados, pois no momento que não penseis, virá o Filho do homem”.

A vinda do Filho do homem já o sabemos como será. Jesus nos revelou: “Quando o Filho do homem vier em sua glória acompanhado de todos seus anjos, então se sentará em seu trono de glória. Serão trazidas diante dele todas as nações, e Ele separará uns dos outros, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. Porá as ovelhas a sua direita e os cabritos a sua esquerda” (Mt 25,31-33). E segue o grande quadro do juízo final com a sentença de vida eterna para os da direita e castigo eterno para os da esquerda.

Ante a parábola sobre a vigilância, Pedro intervêm para perguntar a Jesus: “Senhor, dizes esta parábola para nós ou para todos?”. Pedro establece uma diferencia entre eles – os Doze – que estavam sempre com Jesus, que haviam sido instruídos por Ele e que receberiam a responsabilidade de continuar sua missão salvífica, e todos os demais homens.

Jesus em sua resposta alude diretamente a Pedro e aos demais apóstolos falando do “administrador fiel e prudente a quem o senhor porá a frente de seus servidores”, e reconhece que há uma diferença.

Se são fiéis receberão maior recompensa; porém se são infiéis receberão maior castigo. Com efeito, o servo que desobedece, conhecendo a vontade de seu senhor, “receberá muitos açoites“; ao contrário, o que age contra a vontade de seu senhor, sem conhecê-la, “receberá poucos açoites“. Jesus conclui advertindo: “A quem se deu muito, se cobrará muito; e a quem se confiou muito, se lhe pedirá mais”.

  1. O texto: Lucas 12,32-48

O texto da liturgia de hoje nos é apresentado em três temas, a saber:

  • Uma frase de Jesus cheia de afeto aos seus discípulos (v.32);
  • Um ensinamento sobre o desapego (vv.33-34);
  • Prontidão para o retorno do mestre (vv.35-48):

(a)  A vigilância de todos os discípulos na espera do Senhor (12,35-38);

  •  Aprofunda no ensinamento com três parábolas (12,39-48).
  • Aprofundando o texto
  • Uma frase de Jesus cheia de afeto aos seus discípulos (v.32)

O Evangelho de hoje se abre com esta frase cheia de afeto para com os seus discípulos: «Não tenhais medo, pequenino rebanho, pois foi do agrado do vosso Pai dar-vos o Reino!».

Para entender bem esta frase nós devemos examinar o contexto em que foi ela dita. Jesus estava ensinando. Ensinava aos seus discípulos. Dizia-lhes que eles não deviam estar preocupados perguntando-se: “Que comeremos ou com que nos vestiremos?”.

Pois, se aos pássaros do céu, Deus os alimenta e aos lírios do campo Deus os veste, diz Jesus, «quanto mais a vós, homens de pouca fé!» (Lc 12,28). E mais: «vosso Pai sabe que tendes necessidade disso.             Ao contrário, buscai primeiro o seu Reino, e essas coisas vos serão acrescentadas» (Lc 12,30-31).

Segundo este ensinamento de Jesus, o Reino de Deus é o Bem absoluto que, se comparado, tudo o mais, não merece outro nome senão «acréscimo». Só o Reino de Deus merece ser buscado. Bem sabia disto João da Cruz que não concedia às demais coisas nem sequer um pensamento: «Um só pensamento do homem vale mais que todo o mundo; portanto, só Deus é digno dele»

Todas as coisas que necessitamos para nossa vida na terra as receberemos como um dom de Deus. O Reino de Deus, em troca, é, acaso, o resultado de nossa busca, já que disse: «Buscai seu Reino»?. Absolutamente, não. Para que não se pense isto, Jesus agrega: «foi do agrado do vosso Pai dar-vos o Reino!». O Reino de Deus é o dom supremo; as outras coisas são também dons, mas só acréscimo.

Como entende Jesus o conceito de Reino de Deus? Se o Reino de Deus é o dom maior que Deus fez ao mundo, então se identifica com a Pessoa de Jesus Cristo. A isto se refere Jesus quando declara: «Tanto amou Deus ao mundo que deu a seu Filho único» (Jo 3,16). É o único dom digno do amor de Deus. O dom que Deus fez a seu pequeno rebanho é dá-los Jesus como Pastor. Junto com Ele lhe chegam todos os demais bens, de maneira que o cristão, referindo-se a Cristo pode dizer: «O Senhor é meu pastor; nada me falta» (Sl 23,1). 

Esta é a experiência que fez São Paulo, para quem tudo que antes apreciava acabou se tornando «lixo» em comparação con o conhecimento de Cristo (cf. Fl 3,7-8). O apóstolo escreve aos cristãos de Roma: «O que não perdoou nem a seu próprio Filho, mas o entregou por todos nos, como não nos dará com Ele gratuitamente todas as coisas?» (Rm 8,32).

Cristo é o dom supremo de Deus ao mundo. Se nos deu este dom, com maior razão nos dará junto com Cristo, como acréscimo, todas as demais coisas. Buscar essas outras coisas mais que a Cristo; isso sim, é a maior desgraça do ser humano. 

Jesus veio já ao mundo para ter comunhão de vida e amor com Ele deve ser agora nossa busca essencial.            Na segunda parte do Evangelho de hoje Jesus nos adverte que Ele virá de novo. Os que buscam a Ele agora, certamente estão desejando sua vinda para encontrá-lo definitivamente, sem véus. Jesus, então, descreve a atitude que devemos ter: “Sede como homens que esperam que seu senhor volte da boda, para que, quando chegue e chame, o abram prontamente a porta”. Devemos prestar atenção se estamos esperando já a vinda final de Jesus dessa maneira, porque “no momento em que não penseis, virá o Filho do Homem”

  • Um ensinamento sobre o desapego (vv.33-34)

Um sinal infalível do amor ao Deus verdadeiro é o desprendimento dos bens desta terra; maior desapego destes bens indica maior amor a Deus. Por isso Jesus exorta: “Vendei vossos bens e dai esmola. Fazei para si bolsas que não se deterioram, um tesouro inesgotável nos céus”.

Os tesouros desta terra concedem poder e segurança; porém ainda assim esta é relativa, pois o valor desses tesouros está sujeito aos revezes do mercado. Porém, sobretudo, esses bens não são capazes de conceder a imortalidade, como nos recorda Jesus: “Guardai-vos de toda cobiça, porque, ainda que na abundância, a vida da pessoa não está assegurada por seus bens” (Lc 12,15).

Nem sequer a posse hipotética do mundo inteiro nos pode garantir a vida. Ainda que alguém possuísse o mundo inteiro, de todas as maneiras, ao fim, terá que morrer e, perdendo a vida, perde também todos os bens. É o que Jesus pergunta: “De que serve ao homem ganhar o mundo inteiro, se vier a perder a sua alma?”.

Os tesouros desta terra são daqui e se deterioram. Os tesouros do céu estão guardados em bolsas que não se deterioram, quer dizer, não estão sujeitos a nenhum revés desta terra, nem o ladrão os rouba, nem a traça os devora, e são inesgotáveis. Estes tesouros eternos se adquirem e se incrementam dando os bens caducos desta terra em esmola, quer dizer, pondo-os a serviço dos necessitados.

  • Prontidão para o retorno do Mestre (vv.35-48)

(a)   A vigilância de todos os discípulos na espera do senhor (12,35-38)

Este texto está conectado com os textos anteriores, pois o bom discípulo tem o olhar na meta. Ele, no presente, caminha para a plenitude: com o coração em Deus (Lc 12,22-32) e no exercício da caridade (Lc 12,33-34), com “a cintura cingida” e “lâmpadas acesas” (12,35). Porque se o discípulo aprendeu a liberdade de coração com relação aos bens materiais e “entesourar para o céu”, é porque entendeu que o valor maior está no futuro definitivo. Como viver esta tensão para o futuro?

Com relação à segunda vinda do Senhor, na primitiva Igreja (e ainda hoje) houve um clima de grande dúvida e indecisão. Razão pelo qual houve espaço para muitas fantasias sobre este regresso que viam como algo quase imediato e, sobretudo, muito descuido nas exigências de vida, ante a evidencia sempre crescente de que não aconteceria. Que ensinou Jesus a respeito?

A parábola “dos servidores vigilantes”, que estamos lendo hoje, apresenta o discípulo, precisamente, como um “servidor” que sabe esperar a chegada de seu patrão. Apresenta dois momentos:

  • Dos servidores para com o seu Senhor (12,35-36)

De acordo com a primeira parte da parábola (35-36), a espera do seu Senhor se faz com a “cintura cingida” e as “lâmpadas acesas”. 

A “cintura cingida

Normalmente dentro da casa se andava com a túnica solta, sem correia; é o equivalente a estar de pijama ou de roupa cômoda (nem sempre para a vida social) quando se chega em casa depois de uma longa jornada. Ao contrário, “estar com o cinto” era próprio de quem estava pronto para o trabalho ou para uma viagem (Ex 12,11; recordemos, também, que Jesus se “cinge” para servir na última ceia).

As “lâmpadas acesas

As lâmpadas da casa se apagavam quando a família ia dormir. Por isso “lâmpada acesa” é sinal de atividade na casa. Para Mt 5,16 estas lâmpadas são as “boas obras” e sua irradiação evangelizadora. Com estas duas imagens, Jesus ensina que o discípulo que sabe viver a “espera” é o que sabe “vigiar”.

A vigilância é o contrário do ir dormir ou entrar em situação de repouso.  Assim, o Evangelho não dá sossego, não permite descuido, não dá espaço para a moleza, não tem repouso, não tem jubilação.

“Vigiar” é estar sempre pronto para a ação, é estar sempre em forma para poder viver os requerimentos próprios do Evangelho (“cintura cingida”) e para irradiá-los aos demais irmãos (“lâmpadas acesas”):

  • Do Senhor para com os seus servidores (12,37-38)

A segunda parte da parábola (12,37-38), o premio àqueles que “encontre espertos” (12,37) e “fazendo o que devem” (12,38) se define com o maior qualificativo que dá o evangelho: “Bem-aventurados!”. Isto quer dizer que, em sua atitude de espera, de abertura ao futuro de Deus, todo homem vive sua verdadeira felicidade.

E este qualificativo que enobrece o presente está seguido por um dom, todavia maior no futuro: Jesus será para ele como um servo, quer dizer, nos oferece todos os dons de seu serviço ao longo de seu ministério, particularmente os de sua cruz redentora e de sua vida nova na ressurreição.

A referencia aos diversos momentos da noite (“a segunda vigília ou a terceira”) nos recorda a importância da perseverança. É fácil e comum chegar a cansar-se neste caminhar, por isso: felizes o que o Senhor “o encontre fazendo o que deve”.

  • Aprofunda no ensinamento com três parábolas (12,39-48)
  • Da vigilância do líder da comunidade

Continuamos na mesma linha de ontem, porém – como sempre – dando um passo à diante. A atitude da “vigilância”, tal como a vimos, se pede a todo discípulo do Senhor, quem quer ele seja. Ao contrário, hoje a atenção se centra, de maneira particular, na própria vigilância dos líderes das comunidades.

Também o texto tem duas parábolas, sempre em torno ao tema da vigilância:A primeira, que se intitula “do amo da casa” (12,39-40). A segunda, que se intitula “do administrador fiel e prudente” (12,41-48). Como conclusão da primeira parábola, a mais breve, ressoa o imperativo: Estai preparados!” (12,40).

Jesus traz à pauta algo que constatamos perfeitamente hoje: a preocupação pela segurança. Vemos incremento na vigilância privada, sofisticação das fechaduras das portas e dos alarmes para as casas e carros, ânsia por ter um seguro para tudo quanto temos, etc. Quem não quer proteger seus pertences? O estranho é que não sabemos nos preparar para o momento em que outro ladrão, irremediavelmente, chegar: a morte.

A vinda do Senhor tem esta grande característica: é imprevisível. Sem dúvida, Jesus disse: “Estai preparados!” (12,40). Não nos disse que nos ponhamos a calcular a hora, isso de nada serve. O que nos pede é que estejamos trabalhando e que façamos o melhor possível.

Desta forma a vigilância se converte em uma ética da responsabilidade de nossas realidades cotidianas. É preciso evitar um pietismo que nos leve a esquecer de nossas obrigações. Se olharmos o evangelho, no v.41, veremos que a Pedro não ficou claro se a parábola se aplicava somente aos discípulos ou aos líderes da comunidade.

Por isso vem a segunda parábola (12,41-48) que toma a mesma exigência do “Estai preparados!”, no assumir as responsabilidades típicas de um animador da comunidade, a quem Jesus chama “o administrador fiel e prudente” (12,42).

Como vimos na parábola anterior, também esta se desenvolve em duas partes:

  1. Características do administrador “fiel e prudente”: sabe que os bens não são seus, não é mesquinho nem rígido, sabe fazer que dê para todos a comida(12,42). Este terá a “bem-aventurança” de seu Senhor (12,43) e lhe concederão funções de maior responsabilidade na comunidade (12,44);
  2. Características do administrador “infiel”: descuida-se na vigilância, se dá boa vida, se aproveita das circunstancias; logo, não sabe dirigir a comunidade, se põe agressivo e se esquece dos demais. Primeiro se esquece de si mesmo e depois dos demais (12,45). O castigo é, ainda maior (46-48).

A parábola conclui com a moral: “A quem se deu muito se reclamará muito; e a quem se confiou muito, se lhe pedirá mais” (12,48b). Se os dons que o Senhor nos dá vão crescendo junto conosco, quanto maia teremos que crescer em nosso sentido dá gratidão da responsabilidade!

3. Cultivemos a semente da Palavra no profundo do coração

  1. Que me dizem os símbolos do cinturão posto e da lâmpada ardendo? Considero que estou vivendo uma perfeita vigilância na espera do Senhor? Como estou fazendo?
  2. Surpreende que o Patrão se faça servidor de seus servos. Com que atitude acolho esta Boa Noticia?
  3. Considero-me preparado para que o Senhor venha em qualquer instante a minha vida? Que me pede o evangelho a respeito?
  4. Que deve caracterizar a um “líder” de comunidade?Qual é o ensinamento de cada uma das parábolas de hoje?
  5. Que lhe disse a um discípulo do Senhor o “Estai preparados!”? Como se faz a preparação?

Dom Felipe Bacarreza Rodríguez, bispo de Santa María de Los Ángeles

Pe. Fidel Oñoro, sacerdote eudista

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