Seguindo Jesus com a Cruz (EFC)
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Mateus 16,24-28
Seguir ao Mestre carregando a Cruz
“Se alguém quer me seguir…”. Depois da imprudente, porém honesta, reação de Pedro, Jesus ensina que ser discípulo significa segui-lo no caminho para Jerusalém, onde lhe espera a Cruz. Entrar nesta rota supõe uma escolha livre: “Se alguém quer…”. No horizonte está a Cruz de Jesus, a qual foi Ele o primeiro a tomar.
Ante ela, e imitando ao Mestre o discípulo faz três coisas:
- Se “nega a si mesmo”: significa não antepor nada ao seguimento. O valor de Jesus é tão grande que se é capaz de deixar de lado o que possa ir em contradição com Ele e seus ensinamentos.
- “Toma sua (própria) cruz”: Estar pronto a seguir levando a cruz implica estar pronto a dar a vida. Pode entender-se como: a radicalidade de quem está disposto a ir até o martírio para manter sua opção por Jesus; fortaleza e perseverança frente aos sacrifícios e dissabores que a vida cotidiana do discípulo comporta; capacidade de “amar” e transformar a adversidade em fonte de vida.
- “Segue” a Jesus: Em fidelidade ao Mestre, como alguma vez propôs São Francisco, o discípulo põe cada passo na rota do Mestre. A motivação fundamental é esta contraposição: “Pois quem quer salvar sua vida, a perderá, porém quem perder sua vida por mim, a encontrará” (16,25). Estas duas possibilidades, postas agora em consideração, iluminam o sentido do seguir a Jesus com a cruz partindo da ideia da vida. Em poucas palavras: a meta do discipulado é encontrar a vida, o qual corresponde ao desejo mais profundo de todo ser humano.
Agora, esta meta pode ser alcançada ou não, somente de maneira radical, não há soluções intermediárias. A vida, aqui, e mais além da morte, se consegue mediante um gesto supremo de doação da própria vida. Há falsas ofertas de felicidade (ou “realização da vida”) que conduzem a perca da vida; a vida é sempre um dom que não podemos dar a nós mesmos, ao contrário, pensamos que sempre estamos em capacidade de dar.
Nesta lógica, quem perde a própria vida por Deus e pelos demais, “a encontrará”. O discipulado, sob a perspectiva da cruz, não é um caminho de infelicidade, ao contrário: O sentido último do seguimento é alcançar a vida!
Uma sábia decisão que tem que tomar com base em argumentos sólidos (16,26)
A seguir Jesus expõe duas perguntas que levam a conclusões irrefutáveis. Estas estão formuladas de tal modo que só podem ter uma resposta negativa:
- “De que servirá ao homem ganhar o mundo inteiro, se arruinar sua vida?”: resposta óbvia: “De nada”;
- “Que pode dar o homem em troca de sua vida?”: resposta obvia: “Nada”.
Para captar o específico do que disse Jesus há que considerar a característica própria da ideia da vida. Não se fala aqui da vida como de um valor biológico, de uma vida longa e Oxalá com boa saúde.
Trata-se do sentido da vida. A verdadeira vida, a qual, segundo a Bíblia Sagrada, se alcança na comunhão com Deus, se conquista, em última instância, mediante o seguimento de Jesus. O seguimento de Jesus é, então, um caminho completamente orientado à vida, à existência plena e realizada.
Esta, se põe em risco quando se vive de modo equivocado, quando se constrói sobre falsas seguranças. Ao referir-se ao que quer “ganhar (=conquistar) o mundo inteiro”, Jesus denuncia a falsa confiança posta em propriedades, conquistas, ideais terrenos e riquezas. Lucas já tinha se referido a isto no relato das tentações de Jesus: a busca e o apego ao poder, prestígio, ao que é terreno, como caminhos de felicidade ou metas de vida.
Ninguém pode dar-se a si mesmo a vida e seu sentido. Assim havia expressado já o Salmo 49,6-8: “Por que temer em dias de desgraça / quando me cerca a malícia dos que me hostilizam,/ o que põe sua confiança em sua fortuna/ e se gloria de sua grande riqueza? / Se ninguém pode redimir-se (a si mesmo) / nem pagar a Deus seu resgate!”.
Porém, é verdade que se o Salmo 49 é uma advertência sobre a morte, o Evangelho prefere enfatizar a verdadeira vida.
Portanto, um sério perigo ameaça a quem quer, desaforadamente, “ganhar” o mundo inteiro apoiando-se em imagens de felicidade que parecem converter-se em fins em si mesmos, entre eles a carreira profissional, o prestígio ou o orgulho pelas próprias conquistas.
O verbo em futuro, na expressão “de que servirá ao homem?”, convida a por o olhar no tempo final, no qual cada um verificará em si mesmo se tem conquistado ou não o objetivo de sua vida.
A responsabilidade do discípulo no tempo final: dar conta da “práxis” (16,27)
“Porque o Filho do homem há de vir na glória de seu Pai, com seus anjos, e então pagará a cada um segundo sua conduta”. Finalmente, e estendendo, mais ainda, o olhar para o futuro, Jesus faz referência ao tempo final da vinda do Filho do Homem: onde se valoriza a vida como um todo. A valorização está nas mãos do Filho do homem; os anjos aparecem formando sua corte.
A expressão “na glória de seu Pai” indica Jesus como Filho de Deus. O “Filho do homem” que, havendo passado pela humilhação e a rejeição, culmina seu caminho triunfante, é, em última instância, o “Filho de Deus”; o mesmo a quem Pedro, sem captar todas as implicações, havia confessado como tal, um pouco antes. Diante do “Filho” por excelência se manifesta a verdade de todo homem.
Neste momento de revelação final, cada homem deve responder por sua vida. Este é um pensamento bíblico bem afirmado (Sl 62,13; Pr 24,12; Rm 14,12; 1 Cor 4,5; 2 Cor 5,10). Particularmente para o “discípulo” de Jesus é a hora da verdade de seu discipulado.
A síntese do critério de juízo sobre o agir humano não é o que este tem dito ou prometido fazer (Mt 7,21-23) mas seu “fazer” real: “Pagará a cada um segundo sua conduta” (em grego disse “práxis”).
No Sermão da montanha, Jesus havia dito: “que fazer a vontade de meu Pai celestial” (7,21) e também “por seus frutos os conhecereis” (7,16ª); também na parábola do rei: “quanto fizestes… quanto deixastes de fazer” (25,40.45). Esta práxis não está referida só a ações particulares, como pensavam os rabinos, mas ao estilo de vida, a vida entendida como unidade.
Enfim, não é suficiente fazer belas confissões de fé de boca, como vimos semana passada. Discipulado é modelar a vida inteira na dinâmica do seguimento do caminho à Cruz para receber ali, do Pai, a vida ressuscitada.
A Cruz não é só para ser contemplada, mas para fazê-la realidade em todas as circunstâncias da nossa vida. Deste modo, o discípulo reconhece e assume o destino de seu Mestre no seu próprio destino. O discipulado é um caminho de vida, uma verdadeira vida que vale a pena descobrir. E é para todos, não só para os apóstolos.